sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Vereda da Poesia = 98 =

 


Trova de Curvelo/MG

NEWTON VIEIRA

Agora vivemos sós...
e dói, de modo incomum,
saber que o abismo entre nós
não teve motivo algum!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de Telêmaco Borba/PR

CARMEM ANDREA SOEK PLIESSNIG

Esteja com Deus

Noite companheira da mente
Acompanha meus momentos 
Alegres, tristes, pensativa…
Quero transformar tudo em paz
Meu pensamento é feito mantra
Da positividade, da luz

Componho em nome do amor 
Acima de tudo: amor divino
Declaro desta forma a Deus
Ele sempre está comigo 
E quando fico em silêncio
Compreenda! Não é desprezo!

É meu coração conversando 
Com Deus, meus anjos guardiões 
E se por ventura, compreender 
Saberá realmente quem sou 
Um serzinho que ama a ternura
Busca harmonia na natureza 

Amo suspirar a presença divina
Que me proporciona tudo de bom 
Aaaah! Grito em meu silêncio 
É fácil ser dócil, amável, respeitar
É fácil ser do bem, fazer o bem 
Sempre haverá vantagens
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de Curitiba/PR

ORLANDO KRUMAN WOCZIKOSKY
1927 – 2019

Saudade é luz matutina
no crepúsculo da gente.
Sol que o passado ilumina
quando escurece o presente.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Soneto sobre Filmes, de Sete Lagoas/MG

FERNANDO ANTÔNIO BELINO

Dio, come ti amo

"Não tenho idade para amar-te agora,
 mas, se quiseres esperar, um dia,
terás, em plenitude, essa alegria,
quando surgir do nosso amor a aurora."

"De amar desencontrado, a gente chora!"
"Meu Deus, como te amo! Que agonia!"
Quem vai deter a nuvem fugidia
Ou impedir o rio de ir embora?"

Dois jovens, para o amor, predestinados!
Inúteis velhos medos e cuidados,
Ninguém o seu destino irá mudar."

Da Espanha para o mar napolitano,
O amor desfez as sombras de um engano.
E, enfim,  puderam plenamente amar!

Filme: Dio, come ti amo! 1966
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Premiada em Barra do Piraí/RJ, 2000

MÁRIO MARINHO 
São João de Meriti/RJ

O luar canta e seduz,
carinhoso em seus desvelos,
numa seresta de luz
derramada em seus cabelos..
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de Portugal 

MIGUEL TORGA
São Martinho de Anta, 1907 – 1995, Lisboa

Conquista 

Livre não sou, que nem a própria vida
Me o consente.
Mas a minha aguerrida
Teimosia
É quebrar dia a dia
Um grilhão da corrente.

Livre não sou, mas quero a liberdade.
Trago-a dentro de mim como um destino.
E vão lá desdizer o sonho do menino
Que se afogou e flutua
Entre nenúfares de serenidade
Depois de ter a lua!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Popular

Ninguém se julgue feliz
por ter tudo em bom estado,
pois vem a tirana sorte,
faz dum feliz… desgraçado.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Soneto sobre Filmes, de Fortaleza/CE

ELVIRA DRUMMOND

Vida harmoniosa…

Quem toca ou canta a escala musical, 
prevê melodiar a própria vida…
Ao preparar um simples recital, 
retira d’alma a fibra colorida.

A comunhão de vozes num coral, 
fraternalmente, tece e consolida 
a trama de caráter divinal, 
dispondo os elementos na medida.

Família que cultiva, a cada dia, 
acordes qual acordos de doçura, 
na vida e na canção traz harmonia… 

Vestir de encanto a voz da partitura 
promove um tal efeito de magia, 
que sinto o Criador na criatura…

(Dialogando com o filme “A noviça Rebelde”, de 1965).
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de Nova Friburgo/RJ

OCTÁVIO VENTURELLI
Rio de Janeiro/RJ, 1937 – 2019

Em nosso adeus, quando eu disse:
"não há dor que não se abrande",
nem pensava que existisse
uma saudade tão grande...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de Vila Velha/ES

APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA

Em teu louvor

Quando o tempo passar
Quando passar o tempo,
Hei de guardar
no esquecimento
minhas aventuras em teu louvor...
...para ter-te só, amor,
com dulçor,
no pensamento...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

- Talvez o ciúme a incomode
mas, seu marido eu cobiço...
como ele é bom no pagode!!!
- Meu bem, ele é bom... só nisso!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Soneto sobre Filmes, de Porto Velho/RO

JERSON BRITO

Honra para sonhar

O sonho, mesmo estando lacerado
no dente sanguinário do opressor,
resiste quando serve ao destemor
do coração que escuta um rouco brado.

Perante a rispidez, no desagrado,
a força colossal do sonhador
supera a queda imposta enquanto for
senhora do caminho planejado.

Alento, a pertinácia capacita
e torna refulgente a história escrita,
capaz de desfazer qualquer barreira.

Na direção do anelo, todo passo
merece festa e o choro, mais escasso,
ressurge na vitória derradeira.

Filme: Homens de Honra
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de São Luís/MA

OTONIEL BELEZA

Silêncio, prova eloquente
de desdém, de desamor.
Quem ama faz-se presente
numa carta, numa flor...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de Dornes/ Ferreira do Zêzere/ Portugal 

JOSÉ DA SILVA GARCEZ

É nos teus lábios

É nos teus lábios
que começa o verão!

Esse sol abrasador
que me queima o corpo.

Suavemente, abandono-me
nas tuas águas.

Mergulho. Acalmo o corpo.
Descanso nas areias ainda mornas.

Espero outro verão!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Catarinense

OSMAR SILVA
São José/SC (1911 – 1975) Florianópolis/SC

Se, no mar, vidas perecem,
ante fúrias desumanas,
muito mais vidas fenecem
no mar das paixões humanas.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Soneto sobre Filmes, de Bandeirantes/PR

LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI

Importa viver

Dos filhos, o anteparo e, até, o suporte,
missão dos pais em parte da jornada.
Se os desafios forem de alto porte,
intentam suavizar-lhes tal largada…

Mas, de repente, ronda pela estrada,
assaz perigo… A vida exposta à sorte!…
Suposta culpa em mente conturbada:
– aquele jovem viu, de perto, a morte.

Se um anjo bom soprar-lhe ao pé do ouvido,
declinará da ideia negativa 
e, ao existir, dará cabal sentido.

Na doação, a incrível descoberta…
Sair de si e, em nova alternativa:
– “Fazer alguém feliz!” – a escolha certa.

Filme: Nos vemos em Vênus
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Premiada em Barra do Piraí/RJ, 2000

MARIA NASCIMENTO SANTOS CARVALHO
Rio de Janeiro/RJ

Passas fazendo seresta,
mal a noite se insinua...
E vais transformando em festa
toda a tristeza da rua...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de Lisboa/Portugal

JUDITE DE CARVALHO
1921 – 1998

As portas que batem

As portas que batem
nas casas que esperam.
Os olhos que passam
sem verem quem está.
O talvez um dia
Aos que desesperam.
O seguir em frente.
O não se me dá.

O fechar os olhos
a quem nos olhou.
O não querer ouvir
quem nos quer dizer.
O não reparar
que nada ficou.
Seguir sempre em frente
E nem perceber.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Criança que muito apronta 
exige rigor dos pais: 
– Água mole não dá conta, 
se a pedra é dura demais!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Soneto de Caicó/RN

PROFESSOR GARCIA

Matizes da aurora

Brindo e abraço, na aurora, outra alvorada,
todo dia, da porta do meu quarto,
no silêncio da velha madrugada,
ouço o choro da luz de um novo parto!

Esse raio de luz que eu não descarto,
no meu teto, depressa, faz morada...
Abro portas, janelas, não me farto,
não me canso do olhar da luz dourada!

E essa luz, em silêncio, a caminhar,
traz o brilho da aurora, em seu olhar,
apagando, da noite, a treva ardente...

E entre cantos, sussurro e mil respingos,
põe, nas luzes do orvalho e em ternos pingos,
os matizes da luz do Sol nascente!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova da Princesa dos Trovadores

CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Se amigo é o que escuta a queixa,
seca o pranto e ajuda a rir,
mais amigo é o que não deixa
sequer o pranto cair!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Hino de Porto Velho/ Rondônia

No Eldorado uma estrela brilha
Em meio à natureza, imortal:
Porto Velho, cidade e município,
Orgulho da Amazônia ocidental,

São os seus raios estradas perenes
Onde transitam em várias direções
O progresso do solo de Rondônia
E o alento de outras regiões.

Nascente ao calor das oficinas
Do parque da Madeira-Mamoré
Pela forja dos bravos pioneiros,
Imbuídos de coragem e de fé.

És a cabeça do estado vibrante:
És o instrumento que energia gera
Para a faina dos novos operários,
Os arquitetos de uma nova era.

No Eldorado uma gema brilha
Em meio à natureza imortal:
Porto Velho, cidade município,
Orgulho da Amazônia ocidental.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de Pelotas/RS

OLGA MARIA DIAS FERREIRA

Belos gestos de inocência,
bênçãos de amor despertaram,
e, nos trilhos da existência,
só saudade carregaram..
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de Portugal

MANUEL LARANJEIRA
Mozelos/ Santa Maria da Feira, 1877 – 1912, Freguesia de Espinho

Na rua

Ninguém por certo adivinha como 
essa Desconhecida, 
entre estes braços prendida,
jurava ser toda minha…

Minha sempre! — E em voz baixinha:
— «Tua ainda além da vida!…» 
Hoje fita-me, esquecida
do grande amor que me tinha.

Juramos ser imortal
esse amor estranho e louco…
E o grande amor, afinal,
(Com que desprezo me lembro!) 
foi morrendo pouco a pouco,
— como uma tarde em setembro…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de Niterói/RJ

OLGA TENÓRIO RAMOS

Fantasia colorida,
ilusão de primavera,
levou tudo o que era vida,
só deixou o que não era.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Fábula em Versos de Belém/PA

ANTÔNIO JURACI SIQUEIRA

Fábula

Num grande tonel de vinho
um rato um dia caiu
e, por não saber nadar,
vinho à beça ele engoliu.
Gritou pedindo socorro:
– Me acudam senão eu morro!
De pronto um gato acudiu.

O ratinho ao ver o gato
falou: – Não posso escolher;
me tira logo daqui,
depois podes me comer.
Prefiro ser agarrado
por ti e ser devorado
do que afogado morrer.

O gato, mais que depressa
do vinho o rato tirou
e este, assim que pôs-se a salvo,
para o gato nem olhou
e sem dar touca ou bandeira,
deu uma incrível carreira
e dentro da toca entrou.

O gato gritou, possesso,
ao ver o rato correr:
– Eu só te salvei do vinho
depois de te ouvir fazer
uma proposta decente
que se salvo, calmamente
deixarias eu te comer.

Grita o rato do buraco
com a maior cara-de-pau:
– Eu só podia estar bêbado
pra fazer proposta tal.
E o gato, desconsolado,
por ser otário ao quadrado,
acabou se dando mal.

Que a história sirva de exemplo
a quem vive dando bola
à qualquer papo-furado,
pois, se é muito grande a esmola,
desconfie e ouça o que digo:
se a proposta é de inimigo,
aí mesmo é que não cola!

O nosso português de cada dia (Expressões) = 4

(ISTO É A) CASA DA MÃE JOANA 

Lugar muito bagunçado, sem ordem, onde ninguém manda, onde todos falam e ninguém tem razão, prostíbulo, bordel.

O termo originou-se do prenome da Condessa de Provença, Joana, que viveu no século XIV e que regulamentou o funcionamento dos prostíbulos na cidade francesa de Avignon. Mãe é o apelido dado genericamente pelas prostitutas às donas de bordel.

CASINHA

Para dizer banheiro.

A expressão vem do tempo em que os banheiros não ficavam dentro das casas ou dos escritórios, eram pequenas casas de madeiras que cobriam as fossas higiênicas. Daí chamar o banheiro de casinha. 

(SER) CAXIAS 

Diz-se da pessoa que cumpre os deveres sem questiona-los, que é fiel seguidor de ordens e que não abre mão de executar tarefas que lhes foram incumbidas,

A referência é explícita ao comportamento de Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, 1803-1880, conhecido como O Pacificador. O título veio por haver, no seu tempo de servidor militar, sufocado várias rebeliões contra o Império. Caxias sempre foi bem sucedido no que era designado para fazer. Pôs fim à Guerra pela independência da Bahia, em 1823; à Campanha Cisplatina, em 1825; à Abrilada, em 1832; à Balaiada, em 1839; à Revolução Liberal de São Paulo, em 1842; à Rebeldia de Ponche Verde, em 1843; à Guerra do Paraguai, com a Dezembrada, em 1868.

CESARIANA

É a técnica de remoção de um bebê do útero materno, por incisão abdominal, antes ou ao fim do período de gestação.

A origem remonta a uma lei romana que determinava a abertura do ventre de mulheres mortas em estado de gravidez, com o objetivo de salvar o feto se, porventura, estivesse vivo.

A lenda da origem do nome diz que Júlio César nasceu assim, Caio Júlio César, 100 - 44 a. C, foi um general romano de tão grande prestígio que seu sobrenome serviu de título para os imperadores que o sucederam como senhores de todo um vasto período de dominação,

(DAR) CHABU

No sentido de confusão ou frustração de uma expectativa.

Chabu, originalmente, é estouro chocho e imprevisto de um busca-pé ou outro fogo de artifício.

(SER) CHEIO DE NOVE HORAS 

Cerimonioso, metódico, formalista em excesso.

No século XIX, considerava-se nove horas da noite, a hora de referência para o fim das visitas e das festas de família, Portanto, qualquer pessoa que seguia as regras sem discuti-las poderia ser taxado de cheio de nove horas.

(FAZER) CONTA DE CAMELO 

Conta que tem o propósito de enganar alguém. "Matemágica" usada para iludir as pessoas por meio do raciocínio com números.

A expressão vem da história Os 35 camelos, do livro O homem que calculava, do escritor Malba Tahan, pseudônimo do professor carioca Júlio César de Mello e Souza, 1895 - 1974. Na referida história, Beremiz, o homem que calculava, alegra três irmãos desesperados que não conseguiam dividir bem os 35 camelos herdados do pai. O irmão mais velho deveria receber metade; o do meio, um terço; e o mais novo, um nono. Conta que se feita, daria sempre em números quebrados: 17 e pouco, 11 e pouco, 3 e pouco. O sábio calculador ofereceu seu camelo para eles, tornando o número de ímpar, 35, em par, 36. A partir daí cada um passou a receber mais do que pretendia: o primeiro recebeu 18; o segundo, 12 e o terceiro, 4. Todos ficaram então muito felizes, inclusive e sobretudo Beremiz, que recebeu como pagamento um camelo, mesmo depois de haver retirado o que havia dado. Basta observar que 18 + 12 + 04 = 34, portanto há algo de "matemágíca" aí.

Fonte: Nailor Marques Jr. Será o Benedito?: Dicionário de origens de expressões. Maringá/PR: Liceu, 2002.

Recordando Velhas Canções (Pierrô e Colombina)


(Valsa, 1913)

Compositor: Oscar de Almeida

Há quanto tempo saudoso 
Procuro em vão Colombina
Sumiu-se a treda ladina 
Deixou-me em trevas choroso
Procuro-a sim como um louco 
Nos becos, nas avenidas
As esperanças perdidas 
Tendo-as vou já pouco a pouco

Se em todo o carnaval 
Não conseguir ao menos
Seu rosto fitar 
Palavra de Pierrô
Eu juro me matar 
Não posso suportar
Esta cruel ausência 
Que me afoga em dor
Meu coração morrer 
Sinto de amor

É dia de risos e flores 
Todos folgam só eu não
Ela, talvez num cordão 
Procure novos amores
Oh! Companheira impiedosa 
Vê que suplício cruel
Vejo a minha alma afogar-se 
Num oceano de fel

Oh! Vós que acabais de ouvir 
Meu pranto, meu padecer
Tenho um pedido a fazer 
Tenham dó do meu carpir
Se encontrarem Colombina 
Que é da minha alma o vigor
Digam-lhe que assim se fina 
Procurando-a, seu Pierrô
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = = = = = = = = = = 

Antes do advento do samba e da marchinha, fazia sucesso no carnaval qualquer tipo de música, nem sempre alegre, como é o caso de "Pierrô e Colombina". Também chamada de "O despertar de Pierrô" e "Paixão de Pierrô", esta valsa de versos ("A vós que acabais de ouvir meu pranto, meu padecer / quero um pedido fazer / tenham dó do meu carpir...") e melodia carregados de tristeza, tomou conta do Rio de Janeiro nos carnavais de 1915 e 16, por paradoxal que possa parecer.

Conhecido por fazer versos de improviso, cantando e tocando modinhas ao violão. Em 1915 compôs “Pierrô e Colombina” (ou “Paixão de Pierrô”), grande sucesso no carnaval daquele ano e também no seguinte. Esta composição ao que parece, foi apresentada em primeira audição pública numa batalha de confete na Rua Dona Zulmira em Vila Izabel pela banda do Grupo do Camisa Preta. A valsa foi tão cantada pelas ruas naqueles carnavais que teve a letra deturpada, o que levou o autor a escrever carta ao Jornal do Brasil solicitando a transcrição da letra correta no que foi atendido. A composição foi gravada na Odeon pelo cantor Carlos Lima. Durante algum tempo houve uma polêmica a respeito de uma possível parceria com Eduardo das Neves nessa valsa, o que foi desmentido por Almirante que afirmou ser a autoria da melodia e da letra integralmente do carteiro.

Fontes: – A Canção no Tempo - Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello - Editora 34.
– Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. – Ricardo Cravo Albin – 2021.

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

José Feldman (Versejando) 147

 

Trovador Homenageado do Dia: Jerson Brito (Trovas em preto e branco)


 1
Aquela vila afastada,
nas brenhas do interior,
parece pobre... Que nada!
É manancial de amor…
2
A riqueza genuína
da tapera ou da mansão
vem do amor que predomina,
não se mede com cifrão.
3
Digo com sinceridade:
É melhor pro coração,
o amargor duma verdade,
do que o mel d’uma ilusão.
4
Esperança assim defino:
rio que corre veloz,
banhando nosso destino
sem chegar à sua foz.
5
- Fui bronze! Missão cumprida!
Disse o sujeito aos parentes,
sem mencionar que a corrida
só tinha três concorrentes.
6
Na crise, eu me fortaleço,
não perco os sonhos de vista;
toda queda é o recomeço
para quem crê na conquista!
7
Na luta, quando entendido
o recado de um tropeço,
qualquer espinho vencido
escreve um fim... e um começo!
8
O fracasso e a vitória
fazem parte do existir.
É normal na trajetória,
de vez em quando cair.
9
Qual cometa incandescente,
a paixão passa e se vai,
deixa no peito da gente
uma dor que nunca sai.
10
Se o fracasso tem dois lados,
vale muito a decisão;
chorar os planos frustrados
ou bendizer a lição.
11
Sobre opiniões e crenças,
a sensatez nos diria
que o respeito às diferenças
tece teias de harmonia.
12
Um cenário me devasta:
a garrafa de champanhe,
duas taças, vela gasta
e ninguém que me acompanhe.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

AS TROVAS DO JERSON EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

As trovas de Jerson Brito capturam sentimentos profundos e reflexões sobre a vida, amor, e superação. Cada uma traz uma mensagem única, misturando lirismo e sabedoria.

AS TROVAS UMA A UMA

1. Aquela vila afastada
A abertura destaca um contraste entre a aparência de pobreza e a riqueza emocional. A "vila" simboliza lugares simples que guardam profundos sentimentos de amor. A ideia central é que o amor é um recurso valioso, superando bens materiais.

2. A riqueza genuína
Aqui, Jerson reforça que a verdadeira riqueza é medida pelo amor que existe nas relações e ambientes, não por riquezas financeiras. A "tapera" e a "mansão" são metáforas de que o valor está nas conexões humanas.

3. Digo com sinceridade
Essa trova aborda a importância da verdade, mesmo que dolorosa. O "amargor duma verdade" é preferível ao "mel d’uma ilusão", sugerindo que enfrentar a realidade, por mais difícil que seja, é mais saudável para o coração.

4. Esperança assim defino
A esperança é comparada a um rio que flui, simbolizando continuidade e movimento. A metáfora indica que, embora a esperança seja vital, ela pode nunca chegar a um destino final, refletindo a natureza incerta da vida.

5. Fui bronze! Missão cumprida!
Esta trova utiliza o humor para criticar a superficialidade das conquistas. O sujeito se vangloria de um prêmio em uma competição com poucos concorrentes, destacando a ironia de se sentir realizado em um contexto de baixa competição.

6. Na crise, eu me fortaleço
A resiliência em tempos de crise é o foco aqui. A queda é vista como uma oportunidade de recomeço, e a ideia de que "quem crê na conquista" pode transformar dificuldades em oportunidades é inspiradora.

7. Na luta, quando entendido
Jerson enfatiza a aprendizagem que vem dos tropeços. Cada dificuldade superada traz um novo começo, sugerindo que a vida é um ciclo de desafios e renovações, onde cada fim é uma oportunidade.

8. O fracasso e a vitória
Essa trova reflete a dualidade da vida. Tanto o fracasso quanto a vitória fazem parte da existência humana. A normalidade de cair é uma parte essencial do percurso, ressaltando a importância da experiência.

9. Qual cometa incandescente
Aqui, a paixão é retratada como efêmera, intensa e, por fim, dolorosa. A metáfora do cometa sugere que, embora a paixão possa ser deslumbrante, a dor que fica é uma parte inevitável da experiência amorosa.

10. Se o fracasso tem dois lados
Sugere que a resposta ao fracasso influencia nosso crescimento. A escolha entre lamentar ou aprender com as frustrações é crucial. A "lição" é um ativo valioso que pode ser extraído das experiências difíceis.

11. Sobre opiniões e crenças
A ênfase aqui é no respeito mútuo e na importância das diferenças. A "teia de harmonia" sugere que a convivência pacífica e o entendimento entre diferentes visões de mundo são fundamentais para a sociedade.

12. Um cenário me devasta
Esta trova traz um tom de melancolia. A cena de solidão, com uma garrafa de champanhe e velas gastas, simboliza a busca por conexão e a tristeza de estar sozinho em momentos que deveriam ser comemorativos.

TEMAS ABORDADOS

Amor e Riqueza: 
A verdadeira riqueza não está no material, mas no amor que habita os lugares, sejam eles simples ou grandiosos.

Verdade e Ilusão: 
A sinceridade é mais valiosa do que viver em ilusões; enfrentar a verdade pode ser doloroso, mas é libertador.

Esperança: 
Descrita como um rio que flui incessantemente, a esperança é vital, mesmo que nunca chegue a um fim definitivo.

Superação: 
A resiliência é central nas adversidades; cada queda é uma oportunidade de recomeço e aprendizado.

Amor e Solidão: 
A imagem do cenário solitário com champanhe simboliza a busca por companhia e a tristeza da solidão.

AS TROVAS DE JERSON NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA

Temáticas Universais
As trovas podem refletir a busca pela verdade e a complexidade das emoções, semelhantes a temas em "Os Lusíadas" ou na obra de Pessoa, que aborda a melancolia e a identidade.

A valorização do interior e da vida simples nas trovas incorpora elementos da cultura local, refletindo costumes, linguagem e tradições que ressoam com a literatura regionalista, semelhante a autores como Guimarães Rosa e Jorge Amado.

Estilo Lírico
Utiliza uma linguagem poética e acessível, o que é uma característica comum na poesia contemporânea. A simplicidade das palavras, aliada à profundidade dos temas, permite que sua obra atinja um público amplo.

Reflexão sobre a Vida
As reflexões sobre a verdade, a experiência e as relações se alinham com a literatura contemporânea que explora a subjetividade e a busca por significado em um mundo complexo.

Crítica Social
Embora suas trovas sejam frequentemente pessoais, há uma crítica implícita à sociedade e suas expectativas, similar a muitos autores contemporâneos que abordam questões de identidade, classe e cultura. Como na literatura regionalista, há uma crítica subjacente às desigualdades sociais e às dificuldades enfrentadas pelas comunidades do interior, ecoando preocupações de autores como Rachel de Queiroz.

Intertextualidade
As trovas podem ser vistas como parte de um diálogo intertextual com outros poetas e escritores, refletindo influências e referências que são comuns na literatura atual, onde a interconexão entre obras é cada vez mais valorizada.

Exploração da Emoção
A exploração das emoções humanas de maneira honesta e crua é uma preocupação central na literatura contemporânea. Jerson, ao abordar temas como a dor e a alegria, contribui para essa tradição.

Conexão com o Cotidiano
A conexão com o cotidiano e a espiritualidade em suas trovas pode ser comparada à poesia de Adélia Prado, que frequentemente aborda temas de amor e fé em contextos simples e profundos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

As trovas revelam uma sensibilidade profunda às emoções humanas e uma reflexão sobre a vida. Ele aborda temas universais como amor, verdade, resiliência e solidão, convidando o leitor a refletir sobre sua própria experiência.

Suas trovas também refletem influências da literatura regional, incorporando elementos da cultura e do cotidiano do interior, o que estabelece uma conexão com escritores contemporâneos que buscam valorizar suas raízes e identidades locais.

A intertextualidade é evidente nos temas universais que ele aborda, como amor, solidão e superação, que são recorrentes na poesia contemporânea. Isso cria um laço com outras obras que tratam dessas experiências humanas, permitindo uma leitura mais rica. Esta intertextualidade não apenas enriquece sua poesia, mas também a conecta a uma tradição literária mais ampla e ao contexto contemporâneo. Essa rede de referências e diálogos permite uma leitura multifacetada, onde cada trova se torna um ponto de partida para novas interpretações e conexões.

As trovas de Jerson, com sua combinação de lirismo, reflexões profundas e crítica social, se insere bem no contexto da literatura contemporânea. Sua capacidade de tocar em questões universais e a forma como se relaciona com a experiência humana o tornam relevante e ressonante com as tendências atuais.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Eduardo Affonso (Agosto)

31 de agosto, 1960

– Você vai à parada do dia 7 tocando bumbo! – garantiu o obstetra à minha mãe.

Não deu.

E ela gostava tanto de setembro.

Casou-se em setembro.

Um de seus filmes favoritos – ao lado de “As neves do Kilimanjaro” e “Candelabro italiano” – era “Quanto setembro vier”.

Quando setembro viesse, viria o segundo filho. De preferência, uma filha.

Esperara um ano antes pela Rita de Cássia, e vim eu. Desta vez, em setembro, Rita de Cássia haveria de vir.

Mas no dia 31 do mês do agouro, dos ventos e dos cachorros loucos, sentiu que o tempo virava – lá fora e dentro de si.

Entrou em trabalho de parto enquanto o céu começava a desabar – ou o céu desabou quando ela começou a sentir as dores, não é mais possível saber, e não faz diferença, pois não há relação de causa e efeito. Ou há?

Imaginemos que à primeira contração correspondeu um relâmpago, à segunda um trovão, às seguintes as janelas fechadas às pressas, e então as telhas voaram, e a água desceu pelas paredes, pelo bocal da lâmpada, até que se pôde ver o céu faiscando por entre as frestas do forro de madeira, e o quarto foi inundado.

Minha vó acudiu com rezas e panos. Meu avô abriu um guarda-chuva sobre a cama, para proteger a parturiente – avô, avó, cama, todos com água já pelas canelas.

Minha mãe queria que tudo acabasse logo – o vendaval, as dores – mas queria também que desse logo meia-noite e fosse setembro. E nem setembro chegava, nem o temporal se ia.

Às 11 e tanto, ainda sob a tempestade e o guarda-chuva,  envolvida pelas ave-marias e salve-rainhas que tentavam subir aos céus se esgueirando por entre os raios e trovões, foi mãe de novo.

No quarto inundado, fez ela mesma o batismo com o resto de água benta guardada no armário, antes que o teto viesse a desabar, e o bebê morresse pagão.

E o batizou de novo, para o caso de os estrondos terem abafado sua voz; e uma terceira vez, por garantia, e talvez porque ainda tivesse forças e houvesse água benta – ou quem sabe já fosse água da bica.

Sobreviveram todos – ela, o bebê, meus avós, os móveis, eu (possivelmente aos berros no colo de alguém), as tesouras do telhado, parte das telhas, o teto.

Ela queria tanto uma menina, que viria quando setembro viesse.

Foi mais um menino.

E ainda era agosto.