sábado, 7 de setembro de 2024

Vereda da Poesia = 105 =


Trova Humorística de São João de Meriti/RJ

CLÉBER ROBERTO DE OLIVEIRA

Quanta coisa – minha nossa! -
leva a engano deprimente!...
– Vi que “casinha”, na roça,
é banheiro... e tinha gente!
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Poema de Guaraci/PR

FÁTIMA ROGÉRIO

Menino de Rua

Oi, moço! Quero lhe falar.
Por que me evitas?…
Sou criança!
Teria que ser esperança
pois isto está escrito.

Não se desvie de mim.
Quero apenas conversar.
Não sei onde estão meus pais,
e ninguém quer me ajudar. 

Estou nesta calçada já faz um tempo.
Vi meu irmão morrer,
nas mãos de pessoas malvadas.
Mas eu quero viver!

Me ouça e me dê uma chance!
Me ajude a sair daqui.
O sofrimento é muito grande
e eu não tenho pra onde ir.

As pessoas me cospem e me xingam.
Os carros me jogam lama.
Eu queria, moço, uma família,
um prato de comida e uma cama.

Às vezes me oferecem drogas.
Eu não queria, mas acabo aceitando.
Ela me faz adormecer,
e minha dor se vai, aliviando.

Me ajude, moço, a sair daqui!
Por favor, eu não sou mau!
Vejo sua família feliz,
eu só queria ter uma igual.

Se me ajudar e cuidar de mim,
muito grato serei a ti
e pedirei todo dia a Papai do Céu
que cuide de você e de sua família.

Pra que nunca precisem ver 
o que é rua de verdade,
e que nunca precisem viver,
esta dolorosa realidade.

Obrigado, moço,
por me ouvir!
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Trova Humorística de Belo Horizonte/MG

OLYMPIO S. COUTINHO

Bem malandro é o Ademar,
de “fogo”, quase caindo,
entra de costa em seu lar
pra fingir que está saindo.
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Soneto de Portugal

FAUSTO GUEDES TEIXEIRA
Lamego/Alto Douro, 1871 – 1930, ????

Eu quero ouvir o coração falar

Eu quero ouvir o coração falar
e não os homens a falar por ele!
Enquanto a gente fala, há de parar
no peito a vida estranha que o impele.

Independente à forma de o expressar,
o sentimento existe, e ai daquele
coração triste que se julgue dar
na cerração em que a palavra o vele.

Astro no peito, é sobre a língua chaga.
Dizer uma alegria ou um tormento
é um mar em que sempre se naufraga.

Era a essência de Deus vista e atingida!
Se é a força da vida o sentimento,
fez-se a palavra pra mentir a vida.
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Trova de Curitiba/PR

MÁRIO A. J. ZAMATARO

O tamanho do universo
não cabe em minha janela,
mas entra em pequeno verso,
quando estou de sentinela.
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Poema de Floriana/Malta

OLIVER FRIGGIERI

Uma Estrofe sem Título

Dá-me as palavras de teus olhos, a noite escreve
Uma estrofe purpúrea sobre teu bonito rosto,
Brilha o orvalho, tuas bochechas um branco universo
De onde nada dá um passo descalço sem dor,
Toca estas mãos e sente o despedaçado coração
E nota o sangue quente, o pranto solene.
Pomba, não voes distante  come de minhas mãos,
Este é o grão que não mata, água pura.
Monótono o sino que dá a hora
Para que te vás desta janela entreaberta
Por mim para ti, monótono o suspiro
Gravado como ilusão que vem e vai.
Não voes distante, e diga comigo esta oração:
“Há raios de luz de lanterna enfocados em mim,
Há uma humilde estrela que brilha só para mim,
Há uma flor selvagem que se abre em meu peito,
Há uma chama de vela vacilante só para mim.”

(tradução: José Feldman)
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Trova Popular

Todo homem que diz que sim
depois de ter dito "não";
primeiro fala o orgulho
depois fala o coração.
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Soneto de Lisboa/Portugal

JOSÉ DURO
1875 – 1899

Dor suprema

Onde quer que ponho os olhos contristados
– costumei-me a ver o mal em toda a parte –
não encontro nada que não vá magoar-te,
ó minh’ alma cega, irmã dos entrevados.

Sexta-feira santa cheia de cuidados,
livro d’Ezequiel. Vontade de chorar-te...
E não ter um pranto, um só, para lavar-te
das manchas do fel, filhas de mil pecados!...

Ai do que não chora porque se esqueceu
como há de chamar as lágrimas aos olhos
na hora amargurada em que precisa delas!

Mas é bem mais triste aquele que olha o céu
em busca de Deus, que o livre dos abrolhos,
e só acha a luz das pálidas estrelas...
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Trova Baiana 

CARLOS RIBEIRO ROCHA 
Ipupiara/BA [1923-2011] Salvador/BA

De mês a mês eu me espelho
mais idoso vou ficando
que se vá o corpo velho
e os versos fiquem brilhando(...)
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Poema de Caicó/RN

MARA MELINNI

O Tempo do Amor

Às vezes a resposta que eu preciso
Não vem de uma palavra, em expressão...
Mas do calmo calor do teu sorriso
Que manda embora a dor da solidão.

Se o meu gostar não encontra o jeito certo
Ou se é preciso um jeito de existir,
Que exista um jeito de estar sempre perto
E nesse jeito eu possa te sentir.

Nenhum querer possui uma medida,
Ninguém pode gostar pela metade.
Amar é o que dá vida à própria vida...
Ou ama, ou não se ama... Esta é a verdade.

O tempo não espera na estação
E o preço, embora pague um bom lugar,
Não traz escolha a quem, sem ter razão,
Não segue atrás do trem que viu passar...

As portas do destino guardam planos
Que as chaves certas abrem, logo à frente.
E às vezes, sem ter chave ou sofrer danos,
Há portas que se abrem, simplesmente.

Por isso, a cada sol, nascendo o orvalho,
Se vão, pelas manhãs, em cada flor,
As gotas tristes, no chorar do galho,
deixando suas lágrimas de amor.

A vida é a seiva mais pura do mundo,
é o mel que adoça o sonho de quem clama...
E o tempo, embora dure um só segundo,
se faz tempo bastante a quem se ama.

Eis sim, uma viagem passageira...
Que cumpre as curvas todas de uma estrada.
E um dia, já na curva derradeira,
Se não faltou amor... Não faltou nada!
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Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

O marido sai a “campo”
– e o pipoqueiro é estourado!...
vendo a esposa com sarampo
e o vizinho empipocado!!!
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Soneto de Lisboa/Portugal

ANTÔNIO BARBOSA BACELAR
1610 – 1663

A umas saudades

Saudades de meu bem, que noite e dia
a alma atormentais, se é vosso intento
acabares-me a vida com tormento,
mais lisonja será que tirania.

Mas quando me matar vossa porfia,
de morrer tenho tal contentamento,
que em me matando vosso sentimento,
me há de ressuscitar minha alegria.

Porém matai-me embora, que pretendo
satisfazer com mortes repetidas
o que à beleza sua estou devendo;

vidas me dai para tirar-me vidas,
que ao grande gosto com que as for perdendo,
serão todas as mortes bem devidas.
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Trova de Bandeirantes/PR

LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DE CARLI

Nossos pinheiros, brillhantes,
sobre a serra e em meio ao ar,
lembram taças borbulhantes
fazendo um brinde ao luar!
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Poema de Rio Verde/PR

ADY XAVIER DE MORAES

Mulher

És bela, não porque se fez bela,
mas porque tens no íntimo
o brilho de uma estrela
que durante o dia se esconde
e, durante a noite, no infinito,
mostra tua face que resplandece.

És linda, não porque se fez linda,
mas porque a natureza preparou
para nascer e brilhar.
Tu não precisas de arranjos,
porque uma flor já nasce
com toda a beleza, tenra
e perfumada.

És perfeita, não porque te fez perfeita,
mas porque a vida deu-te de tudo.
A simplicidade de um anjo.
A inocência de uma criança.
O carisma de uma rainha
quando sorri…
sorri com os olhos,
com os lábios, com o coração.

Mostras com muita esperança,
a vontade de vencer na vida
e não sabe da virtude que tens,
por isso, és linda, és bela,
como a flor do meu jardim.
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

RENATO ALVES

A leitura é um refrigério,
o livro me envolve e abraça;
é drama, é sonho, é mistério...
É mais do que isso: É UMA GRAÇA!
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Soneto de Évora/ Portugal

PADRE BALTASAR ESTAÇO
1570 – 16??

A um irmão ausente

Dividiu o amor e a sorte esquiva
em partes o sujeito em que morais;
este corpo tem preso onde faltais,
esta alma onde andais anda cativa.

Contente na prisão, mas pensativa,
porque este mal tão mal remediais,
que vós comigo lá solto vivais,
e eu sem mim e sem vós cá preso viva.

Mas lograi desse bem quanto lograis,
que eu como parte vossa o estou logrando
e sinto quanto gosto andares sentindo;

cá folgo, porque sei que lá folgais,
porque minha alma logra imaginando
o que lograr não pode possuindo.
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Trova de São Paulo/SP

JAIME PINA DA SILVEIRA

Se a razão e o coração
não têm a mesma medida,
o valor de uma paixão
se mede na despedida! 
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Soneto de Lisboa/Portugal

SOROR VIOLANTE DO CÉU
1602 – 1693

Vida que não acaba de acabar-se

Vida que não acaba de acabar-se,
chegando já de vós a despedir-se,
ou deixa por sentida de sentir-se,
ou pode de imortal acreditar-se.

Vida que já não chega a terminar-se,
pois chega já de vós a dividir-se,
ou procura vivendo consumir-se,
ou pretende matando eternizar-se.

O certo é, Senhor, que não fenece,
antes no que padece se reporta,
por que não se limite o que padece.

Mas, viver entre lágrimas, que importa?
Se vida que entre ausências permanece
é só vida ao pesar, ao gosto morta?
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Contador e cantador, 
num só tempo eu conto e canto: 
conto as rendas do labor; 
de outras “rendas” canto o encanto.
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Cantiga Infantil de Roda

FESTA DOS INSETOS 

A pulga e o percevejo
Fizeram combinação.
Fizeram serenata
Debaixo do meu colchão.

Torce, retorce,
Procuro mas não vejo
Não sei se era a pulga
Ou se era o percevejo

A Pulga toca flauta,
O Percevejo violão;
E o danado do Piolho
Também toca rabecão.

Torce, retorce,
Procuro mas não vejo
Não sei se era a pulga
Ou se era o percevejo

A Pulga mora em cima,
O Percevejo mora ao lado.
O danado do Piolho
Também tem o seu sobrado.

Torce, retorce,
Procuro mas não vejo
Não sei se era a pulga
Ou se era o percevejo

Lá vem dona pulga,
Vestidinha de balão,
Dando o braço ao piolho
Na entrada do salão.
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Trova da Princesa dos Trovadores

CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Não temas portas fechadas,
nem mesmo fracassos temas,
há sempre forças guardadas
para as conquistas supremas.
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Hino de Catanduva/SP

Sob o sol escaldante dos trópicos,
um pioneiro chegou a esta terra;
terra crua que não prometia
um futuro de tanto esplendor.
 
 O viajante fincou a bandeira
com coragem, confiança e amor,
e o intrépido aventureiro
consagrou-se como fundador.
 
 A semente foi plantada e mudou a paisagem,
nossa terra ficou fértil, floresceu.
E a mão firme do trabalho operou mais um milagre:
fez nascer um povo forte, um povo honesto e lutador.
  
Catanduva, Cidade Feitiço!
Quem pisa teu chão não se esquece jamais.
Teu feitiço é mais que um encanto
que inspira meu canto de amor e de paz!
Teu feitiço é mais que um encanto
que inspira meu canto de amor e de paz!
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Trova de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

O político, no pleito,
promete mundos e fundos;
só "papo", pois quando eleito,
"esquece" tudo em segundos!
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Poema de Lisboa/Portugal

ANTÓNIO FLORÊNCIO FERREIRA
1848 – 1914

1

Vês aquele enterro humilde,
sem padre, sem cruz, sem nada?
Vês aquel'outro, pomposo,
do templo a frente enlutada?

O primeiro é d'um honrado;
talvez o do outro o não seja...
Mas ambos, de igual doutrina,
são filhos da mesma igreja.

O que me admira e me assombra
é o afeto desta mãe,
que ao rico dispensa afagos
e ao pobre atira o desdém!
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Trova de São Gonçalo/RJ

GILVAN CARNEIRO DA SILVA

Vivendo de um sonho morto
na solidão dos meus dias,
o meu coração é um porto
cheio de amarras vazias...
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

O porco, a cabra e o carneiro

Uma cabra, um carneiro e um porco gordo,
Juntos num carro, iam à feira. Creio
Que todo o meu leitor será de acordo
Que não davam por gosto este passeio.

O porco ia em grandíssimo berreiro
Ensurdecendo a gente que passava;
E tanto um como outro companheiro
Daquela berraria se espantava.

Diz o carreiro ao porco: «Por que gritas,
Animal inimigo da limpeza?
Por que, trombudo bruto, não imitas
Dos companheiros teus a sizudeza?

— Sisudos, dizes?!... Quer-me parecer
Que não têm a cabeça muito sã,
Porque pensam que apenas vão perder,
A cabra o leite, o companheiro a lã.

Mas eu, que sirvo só para a lambança,
Envio um terno adeus ao meu chiqueiro...
Pois cuido que à goela já me avança
O agudo facalhão do salchicheiro!»

Pensava sabiamente este cochino,
Mas para quê? pergunto eu. Se o mal é certo,
É surdo às nossas queixas o destino;
E o que menos prevê é o mais esperto.

Lembrete aos trovadores que ainda não enviaram suas trovas


No dia 30 deste mês se encerra o prazo para envio das trovas para os concursos

Máximo de 2 trovas por concurso. O tema deve estar na trova no corpo do email.

Fiel depositário: Professor Giuseppe Paolo Dell’Orso  

gpdellorso@gmail.com
(atenção no email: são dois eles)

Concurso de Trovas A. A. DE ASSIS
Tema: Poeta/s  (trova lírica ou filosófica)

Não é necessário fazer alusão ao Assis.

O regulamento está no link:

Concurso de Trovas THEREZINHA BRISOLLA
Tema: Pinguço  (trova humorística)

O regulamento está no link:

Recordando Velhas Canções (Olhos nos olhos)


(MPB, 1976)
Compositor: Chico Buarque de Holanda

Quando você me deixou, meu bem
Me disse pra ser feliz e passar bem
Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci
Mas depois, como era de costume, obedeci

Quando você me quiser rever
Já vai me encontrar refeita, pode crer
Olhos nos olhos, quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais

E que venho até remoçando
Me pego cantando
Sem mais nem porquê
E tantas águas rolaram
Quantos homens me amaram
Bem mais e melhor que você

Quando talvez precisar de mim
Cê sabe que a casa é sempre sua, venha sim
Olhos nos olhos, quero ver o que você diz
Quero ver como suporta me ver tão feliz
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A Força da Superação em 'Olhos Nos Olhos'
A música 'Olhos Nos Olhos', composta e interpretada por Chico Buarque, é uma obra que transita entre a dor do abandono e a superação do eu lírico. A canção inicia com a lembrança de um término, onde o narrador é incentivado pela pessoa amada a seguir em frente e ser feliz. A intensidade dos sentimentos é evidente, pois o eu lírico confessa ter quase enlouquecido de ciúme, mas, seguindo o padrão de comportamento, acaba por obedecer ao pedido de seguir em frente.

No decorrer da música, percebe-se uma mudança significativa na postura do eu lírico. Ele se apresenta refeito, destacando que, ao reencontrar a pessoa que o deixou, mostrará o quanto se tornou feliz sem ela. A expressão 'olhos nos olhos' sugere um confronto direto e honesto, onde o eu lírico quer testemunhar a reação do outro ao perceber sua felicidade e independência emocional. A letra ainda revela que o tempo trouxe novas experiências amorosas, sugerindo que outras pessoas o amaram de forma mais intensa e gratificante.

Por fim, a música fecha com uma oferta de generosidade, onde o eu lírico diz que, apesar de tudo, a pessoa que o deixou ainda pode procurá-lo se precisar. Essa atitude demonstra uma força interior e uma superação completa, onde o passado não é mais uma fonte de dor, mas uma lição aprendida. A canção de Chico Buarque, portanto, é um hino à resiliência e à capacidade de se reconstruir após um término amoroso, encontrando alegria e satisfação na própria companhia e nas novas possibilidades que a vida oferece.

Nenhum letrista brasileiro supera Chico Buarque na arte de escrever canções para personagens femininas. Numa entrevista à Rádio JB, em 16.5.90, ele afirmou: “fiz muitas músicas de encomenda para teatro. Nesses casos, mais do que os personagens, eu procuro saber quem é o ator ou a atriz que vai interpretá-las.

Então, em minha cabeça, eu misturo a figura da atriz com a da cantora que gostaria que cantasse aquela música. Daí saíram canções como ‘Folhetim’, que tem a cara da Gal. Mas às vezes a canção nem é para teatro, como ‘Olhos nos Olhos’, que fiz para Bethânia. Quando terminei ‘Olhos nos Olhos’ eu disse: olha, esta música está a cara da Maria Bethânia.”

Realmente uma composição melodramática como “Olhos nos Olhos” (“Quando você me deixou, meu bem / me disse pra ser feliz e passar bem / quis morrer de ciúme, quase enlouqueci...”) teria mesmo que ser cantada por Maria Bethânia, tal como outras (“Sem Açúcar”, “O Meu Amor”, “Gota d’Água”) que Chico deve ter feito pensando nela, pois até versos banais—como “olhos nos olhos, quero ver o que você faz / ao sentir que sem você eu passo bem demais” — ganham especial dramaticidade em sua voz rouca.

Uma curiosidade: a canção não termina na tônica. Na tonalidade de lá maior, por exemplo, como está no livro Chico Buarque — letra e música, a melodia acaba na nota sol, sétimo grau da escala, o que dá uma sensação de que não termina. 
Fontes:
Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello. A Canção no Tempo – Vol. 2. Editora 34.

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Carolina Ramos (Trovando) “24”

 

Trovadora homenageada do dia: Renata Paccola (Trovas em preto e branco)

                        

 1
A força de uma nação
começa com a caneta...
Um a mais na educação:
um a menos na sarjeta!
2
Ao deitar na rede, o Guido
morreu de uma forma tétrica,
porque, de tão distraído,
deitara na rede elétrica!
3
Conquistar novos espaços...
eis a semente da guerra.
Tantas vidas em pedaços
por um pedaço de terra!
4
É na busca pela paz
e o conhecimento novo
que tantas vezes se faz
a identidade de um povo!
5
Eu que fui grão escolhido
nos trigais da mocidade,
hoje sou pão ressequido
nas migalhas da saudade…
6
Fraternidade é sentir
uma comunhão tão alta
que nos leva a dividir
até mesmo o que nos falta…
7
Insensatez... Causa? Efeito?
Sentimento ou atitude?
Para quem pensa, é defeito;
para quem sonha, é virtude!
8
Meu verso reflete a dor
de um coração solitário,
que escreve cartas de amor,
sem qualquer destinatário…
9
Na inspiração oportuna
pode o poeta buscar,
mais do que criar fortuna,
a fortuna de criar.
10
O futuro, eu mesmo faço
nas sementes que eu espalho,
transformando meu cansaço
nos frutos do meu trabalho.
11
Para o furacão filmar,
a TV saiu-se bem:
a matéria foi ao ar
e o repórter foi também!
12
Quem dera a justiça cega
pudesse ver, tão somente,
a falsa prova que entrega
e condena um inocente!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

AS TROVAS DE RENATA EM PRETO E BRANCO
por José Feldman


AS TROVAS UMA A UMA

1. A força de uma nação
A primeira trova destaca a educação como um pilar fundamental para o desenvolvimento social. A metáfora da "caneta" sugere que as decisões escritas, como políticas educacionais, moldam o futuro. A frase "um a menos na sarjeta" ressalta a importância de evitar a marginalização social, indicando que a educação pode tirar indivíduos da pobreza.

2. Ao deitar na rede, o Guido
Aqui, a ironia é evidente. O Guido se distrai e acaba morrendo de forma trágica por um acidente com a rede elétrica. Essa imagem provoca uma reflexão sobre a distração na vida cotidiana e a fragilidade da existência, mostrando como um momento de desatenção pode ter consequências fatais.

3. Conquistar novos espaços
Esta trova aborda a relação entre a luta por território e a guerra. A frase "tantas vidas em pedaços" evoca a devastação causada por conflitos motivados por posse de terra. A mensagem sugere que a ambição territorial é muitas vezes fútil, levando a um custo humano elevado.

4. É na busca pela paz
A busca pelo conhecimento e pela paz é apresentada como uma característica definidora de um povo. A trova sugere que a identidade cultural se forma através da educação e da paz, enfatizando a importância de valores coletivos na construção de uma nação.

5. Eu que fui grão escolhido
Esta reflexão aborda a transição da juventude para a velhice, simbolizada pela mudança de "grão escolhido" para "pão ressequido". O contraste entre a vitalidade passada e a saudade presente revela a melancolia da passagem do tempo e a perda de oportunidades.

6. Fraternidade é sentir
A fraternidade é apresentada como uma comunhão profunda que transcende a escassez. A ideia de compartilhar até mesmo o que se carece ressalta a essência da empatia humana e a importância de cuidar uns dos outros em tempos difíceis.

7. Insensatez... Causa? Efeito?
Essa trova explora a dualidade entre razão e sonho. A insensatez é vista de maneiras opostas: como um defeito para os racionais e como uma virtude para os sonhadores. Isso provoca uma reflexão sobre a natureza do pensamento e da ação humana.

8. Meu verso reflete a dor
Aqui, a solidão é capturada através da metáfora de cartas de amor sem destinatário. Isso simboliza a busca por conexão e a dor da ausência, refletindo a luta interna de quem anseia por amor e compreensão.

9. Na inspiração oportuna
A trova destaca o valor da criatividade e da inspiração. O poeta não busca apenas riqueza material, mas a "fortuna de criar", enfatizando que a verdadeira riqueza reside na capacidade de expressar sentimentos e ideias por meio da arte.

10. O futuro, eu mesmo faço
Esta reflexão aborda a responsabilidade individual na construção do futuro. As "sementes" representam ações e esforços que, com o tempo, se transformam em frutos. Essa mensagem é um chamado à proatividade e à determinação.

11. Para o furacão filmar
A crítica à mídia é evidente nesta trova. A superficialidade com que a mídia pode tratar tragédias é ressaltada, mostrando como a busca por audiência pode desumanizar eventos sérios e transformar a dor em espetáculo.

12. Quem dera a justiça cega
A última trova lamenta a cegueira da justiça, que falha em reconhecer a verdade e pode condenar inocentes. Essa reflexão provoca um questionamento profundo sobre a ética e a eficácia dos sistemas judiciais, ressaltando a necessidade de um olhar mais atento e justo.

TEMAS ABORDADOS PELAS TROVAS DE RENATA E SUA SIMILARIDADE COM POETAS DE DIVERSAS ÉPOCAS

1. Educação e Progresso
A primeira trova destaca a educação como um alicerce da sociedade. Essa ideia ecoa a obra de Paulo Freire, que defendia a educação como um meio de emancipação. Comparando com Mário Quintana, que também valorizava a simplicidade e a importância do conhecimento, podemos ver como a educação é um tema atemporal na poesia. A ênfase na educação como motor de transformação social destaca a consciência crítica que muitos poetas contemporâneos, como Márcia Leite, também abordam. Ambos reconhecem que a educação é uma ferramenta vital para a emancipação e a construção de identidades coletivas, refletindo um desejo comum de um futuro mais justo.

2. Justiça e Injustiça
Paccola critica a cegueira da justiça, uma preocupação que remete a poetas como Camões, que explorou questões de moralidade e justiça em suas obras. Em tempos contemporâneos, Adélia Prado também aborda a injustiça social, refletindo a dor e a luta da vida cotidiana, criando um diálogo entre a tradição e a modernidade. Suas trovas se alinham a Eucanaã Ferraz, que exploram a complexidade das questões sociais e legais. A injustiça, tanto histórica quanto atual, é um tema que atravessa gerações, e a luta pela verdade e pela equidade permanece central na poesia contemporânea.

3. Paz e Conflito
A luta por território e a dor da guerra são temas universais. Cecília Meireles e sua busca pela paz na poesia dialogam com Paccola, enquanto Vinicius de Moraes reflete sobre as consequências emocionais da guerra e do conflito, enfatizando a fragilidade da paz.

4. Solidão e Saudade
A solidão é um tema profundo na obra de Carlos Drummond de Andrade, que frequentemente explorava a condição humana. Paccola, ao falar da saudade, dialoga com Alphonsus de Guimaraens, cuja poesia é permeada por um sentimento de nostalgia e perda, mostrando como a solidão e a saudade são experiências universais. As trovas dela se identificam com a obra de Ana Cristina César, que também explora a subjetividade e a busca por conexão em um mundo muitas vezes isolante.

5. Fraternidade e Empatia
A ideia de compartilhar o que se tem, mesmo na escassez, ressoa com a obra de Guilherme de Almeida, que frequentemente abordava a solidariedade humana. Em tempos mais recentes, poetas como Carolina Maria de Jesus também enfatizavam a importância da empatia em uma sociedade desigual. A noção de compartilhar mesmo nas dificuldades é um eco das vozes contemporâneas de poetas como Bruno Ramos, que falam sobre a vulnerabilidade e a solidariedade humanas. A empatia, como um valor essencial, é um tema que ganha nova vida nas discussões sobre justiça social e direitos humanos, mostrando que a poesia é um campo fértil para a promoção de valores éticos.

6. Inspiração e Criatividade
A busca pela inspiração na criação poética é um tema comum. Fernando Pessoa, com sua multiplicidade de vozes, se assemelha com Paccola ao explorar a complexidade do ser criador. Adélia Prado também fala da criação como uma forma de transcendência, reforçando a importância da arte. Chico Buarque, não apenas compõe, mas também reflete sobre o ato de criar como um ato de resistência e uma forma de reivindicação social. A arte, para ambos, é um espaço de liberdade e expressão.

7. Identidade Cultural
A construção da identidade de um povo por meio da educação e da paz é um tema que remete a Guilherme de Almeida e sua valorização das raízes culturais. Augusto dos Anjos, com sua crítica social, também explora a formação da identidade através da luta e da dor.

8. Ação e Futuro
A ideia de que cada um é responsável por seu futuro se conecta com a obra de Cora Coralina, que falava sobre o poder do trabalho e da determinação. Essa mensagem é reforçada na contemporaneidade por poetas como Rafael Alencar, que também enfatiza a importância da ação individual na construção de um futuro melhor.

9. Mídia e Realidade
A crítica à superficialidade da mídia na cobertura de tragédias lembra a obra de Bertolt Brecht, que discutia a manipulação da informação. Poetas contemporâneos, como Marcio-André, também abordam a relação entre a mídia e a realidade, mostrando como essa discussão é cada vez mais pertinente.

10. Dualidade da Insensatez
A insensatez como virtude ou defeito é uma dicotomia que pode ser vista na obra de Machado de Assis, que frequentemente explorava a ambiguidade da natureza humana. Poetas contemporâneos, como Ruth Rocha, também tocam nessa complexidade, refletindo sobre a dualidade do ser.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A obra de Renata Paccola não só se destaca por sua musicalidade e profundidade, mas também estabelece um diálogo rico e significativo com poetas de diferentes épocas. Seus temas universais e atemporais ressoam em vozes que vão desde a poesia clássica até a contemporânea, refletindo preocupações humanas comuns e a luta por um mundo melhor. Essa intertextualidade enriquece a análise da poesia, mostrando que a busca por compreensão, justiça e expressão artística é uma constante na literatura.

Os temas abordados por Renata Paccola se conectam a um panorama mais amplo da poesia contemporânea. A intersecção entre suas trovas e a obra de poetas atuais revela uma continuidade na busca por compreensão e transformação social. 

Assim, a obra de Paccola não só se afirma como um testemunho da experiência humana, mas também como um convite à reflexão e à ação em um mundo que continua a desafiar nossos valores e crenças.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. IA Open. vol.1. Maringá/PR: Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Aparecido Raimundo de Souza (Sacada de um passo)

 

NO “ÂMAGO” de meu coração, moram muitas e muitas histórias não contadas, menos ainda escritas ou divulgadas. Também é nele que residem, em teto cativo, os sonhos desfeitos e as esperanças renovadoras. Principalmente as renovadoras. Por conta disso, é o “âmago” do meu coração, um lugar sagrado, onde o silêncio fala mais alto que mil palavras. Cada batida amplia a sua linha de ação em socorro às minhas mazelas e necessidades mais prementes. Desta forma, cada pancada ressoa forte com ecos de memórias passadas, contudo, sem jogar longe ou sem tirar da minha beira, o foco da paz tranquilizadora que me sustenta. 

Ao lado, igualmente escondido na minha alma (num lugar que somente eu tenho acesso), as lágrimas arfam de pasmo e quando resolvem brotar, agem em comum acordo num gesto franqueador com o meu estado de espírito. Instauram, para tanto, uma variante de acesso restrita. Com isto, carregam mais sorrisos que tristezas. Cada uma que rola, rosto abaixo, leva na sua partida, como uma força mística, a doce candura de uma lição aprendida. O amor que se esvaiu pelos caminhos onde andei sempre deixam espaços para um novo querer, ou um gostar mais acautelado e maduro, mais cordato e consciente. 

Neste, tomo plena e consciente ciência de que a dor é uma espécie de núcleo embaraçoso e angustiante, quieto e consternado. Agora apenas reflete a paradoxalidade da outra face oculta da alegria, ou seja, aquele rosto que me faz bem. A saudade, mesmo assim, é o preço justo que pago pelas ocasiões que se ostentam inesquecíveis. Aprendi mais, e, hoje sei, cada cicatriz me ajudou a desenhar e construir um mapa limpo e cristalino das sendas que percorri deixando de lado as tentativas de hospedar a atenção das fraturas que me faziam um grande mal. Sobrevivi às intempéries. 

Por conseguinte, cada escolha feita me trouxe até aqui. Cheguei são e salvo, sem os pesadelos dos fantasmas que insistiam em me deixar às raias das desgraças anunciadas. Bem ou mal, todo o quadro lúgubre pelo qual passei, mostrou-me uma nova perspectiva de recomeço. O avesso do meu coração é hoje um mosaico de tudo o que vivi, ou melhor, de tudo o que passei, tipo tal e qual um pedaço de tecido feito de pequenos e insignificantes retalhos que redundaram em uma explosão de experiências construídas e costuradas com as linhas rígidas e fiéis da melhor forma de austeridade e superação. 

Na verdade, me vanglorio, neste momento, de uma progressão que não mais se curva, nem se dobra, que não se descamba, nem se deixa ser levada pelas intempéries mais furiosas e turbulentas.  Portanto, é dentro dele, o “âmago,” ou o “núcleo-essência” do meu coração, que guardo, à sete chaves, os segredos e enigmas, as confidências e os  dogmas mais fâmulos (domésticos e serviçais) ... enfim, as confissões pinceladas a gênio que só a mim pertencem. Embora muitas pessoas ao meu redor vejam apenas a superfície polida que mostro ao mundo, é no reverso dos meus “setenta e um anos,” que bato na tecla que verdadeiramente me conhece de cabo à rabo. 

Sob mesma visão, é onde aceito, de apreço satisfatório, as minhas carências e malogros, as descaídas (erros) e imperfeições, as rupturas e falhas. Ao final de tudo, eu celebro, com a cabeça erguida, o melhor e o mais magnificente da minha humildade. Não só ela. Com a mesma energia, me vejo e me aclamo, me ovaciono por ser inteiro e completo, principalmente quando sinto no corpo transbordando, as marcas indeléveis como patadas de um testrálio (raça de cavalo com corpo esquelético) regozijante –, a glória efêmera de identificar e sopesar os estiolamentos e as frouxidões, as covardias e os desfalecimentos advindos das próprias astenias (debilidades) que, por muitas vezes, tentaram me colocar às rés do chão. 

No profundo intocável do meu “eu”, encontrei a liberdade de ser quem sou. E quem realmente sou? Um sujeito sem máscaras ou disfarces. Aliás, do mesmo modo, me considero intemerato e sacrossanto, vez que renovo as minhas forças, exatamente onde o amor incondicional floresce e a vida ganha novos significados. Em resumo, é no outro lado da moeda que a vida (a minha vida) se revela em toda a sua complexidade estardalhante. E é nela, sem sombra de dúvidas, que descubro a beleza ímpar escondida nas dobras da existência na qual me contempla. 

No recôndito do meu coração, bem lá no fundo, existe um jardim florido, que dá para uma sacada suspensa. E bem alta. Nesse jardim, todos os dias, em flavas (amareladas ou douradas) manhãs e, num passo apenas, “eu sou eu mesmo.” Por inteiro e sem partes faltantes em minha forma mais pura e verdadeira, procuro estorcegar (torcer com força) os meus ridículos. E consigo. Espero, pois, que as minhas palavras explodam em todos os meus amigos leitores e leitoras que me leem. Ao expor esse meu texto, que ele ofereça a “todos e todas” a reflexão clara e perfeita sobre a beleza e a complexidade vinda do mais poderoso infinito: O Deus-Pai-Supremo. 
Fonte: Texto enviado pelo autor