sábado, 16 de novembro de 2024

Jerson Brito (Asas da poesia) 01

 

José Feldman (Epopeia de Lysandra, de Malta)


Canto I: A Terra de Malta

Nas águas azuis do Mediterrâneo,  
ergue-se Malta, ilha de história e beleza.  
Das ondas surgem lendas de valentes,  
e entre elas, brilha Lysandra, para a defesa.

Filha de marinheiros, com o sol no cabelo,  
cresceu ouvindo contos de bravura e amor.  
Em cada enseada, uma nova aventura,  
em cada rocha, o eco de um clamor.

Mas a paz da ilha estava ameaçada,  
um dragão de fogo despertara,  
com escamas de ferro e garras afiadas,  
a sombra do medo a ilha espalhara.

 Canto II: O Chamado à Ação

O povo, em desespero, clamou por um herói,  
mas Lysandra, com coragem no peito,  
decidiu que o destino não seria em vão,  
e que a vitória viria com seu feito.

Armou-se com uma espada ancestral,  
forjada nas chamas de um amor perdido.  
Na noite escura, sob as estrelas,  
ela partiu, seu destino querido.

Canto III: O Encontro com o Sábio

Nas montanhas altas, onde o vento uiva,  
encontrou um sábio, de olhar profundo.  
"Você busca o dragão, mas não é só isso,"  
disse ele, com voz que reverberava no mundo.

"O maior combate é dentro de você,  
os dragões que teme são seus receios.  
Domine-os, e com luz em seu ser,  
a vitória será, então, sua, sem rodeios."

Canto IV: A Preparação

Lysandra ouviu, absorveu as palavras,  
e em cada treinamento, cresceu mais forte.  
Com as danças das sombras, aprendeu a lutar,  
e com cada golpe, aproximou-se da sorte.

As noites eram longas, mas seu espírito ardia,  
e os ventos traziam histórias de coragem.  
A ilha a apoiava, suas vozes unidas,  
e Lysandra tornou-se a esperança da paisagem.

Canto V: O Confronto

Finalmente, chegou o dia fatídico,  
o dragão aguardava, a respiração pesada.  
As chamas dançavam, o céu se escurecia,  
mas a heroína, com firmeza, não estava amedrontada.

Ela avançou, espada em punho,  
o rugido do dragão ecoou na noite,  
mas a luz em seu coração iluminou o caminho,  
e com fé inquebrantável desafiou o açoite.

Canto VI: A Batalha

A batalha foi feroz, o chão tremia,  
chamas e aço se encontravam no ar.  
Mas Lysandra, com astúcia e destreza,  
desferiu golpes que fizeram o dragão hesitar.

"Eu não temo você, criatura da noite!  
a força que carrego é maior que a dor."  
Com um golpe final, a luz rompeu a escuridão,  
e a ilha renasceu, no calor do amor.

Canto VII: O Retorno Triunfante

Com o dragão derrotado, Lysandra voltou,  
aplaudida pelo povo, um hino de glória.  
As crianças dançavam, os velhos sorrindo,  
cada um celebrando a nova história.

Mas Lysandra, humilde, não buscou a fama,  
sabia que a verdadeira vitória estava na união.  
Construiu um templo, um lugar de encontro,  
onde as lendas de coragem ecoariam em canção.

Canto VIII: O Legado Eterno

As gerações passaram, mas a lenda cresceu,  
o espírito de Lysandra vive em cada coração.  
Malta, em suas praias, ainda canta,  
a heroína que lutou pela união.

E assim, a epopeia se perpetua,  
um símbolo de força, amor e esperança.  
Que cada alma saiba que, como Lysandra,  
a verdadeira bravura é a luz que se lança.

Epílogo: A Lenda de Lysandra

E nas noites estreladas, quando o vento sopra,  
as ondas sussurram seu nome com fervor.  
Lysandra de Malta, heroína eterna,  
guardiã da paz, da esperança e do amor .

Fontes: José Feldman. Devaneios poéticos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

Aparecido Raimundo de Souza (De um simples ato de beijar uma estranha no meio da rua)

 
ÀS VEZES, a vida apronta das suas e nos surpreende nos momentos mais inesperados. Caminhando pela Avenida Paulista, na altura do MASP, em São Paulo, Eduardo se viu imerso nos sons e atropelos de uma metrópole agitada. Seus passos rápidos denunciavam uma rotina enervante ao tempo em que seu olhar vagava, curioso, pelas faces anônimas que cruzavam num vai e vem desordenado. Foi aí que aconteceu. Ela surgiu como um raio de luz em meio à multidão. Vestida de forma simples, porém com uma elegância impar e um ar de sofisticação, suas emoções cintilavam com um amálgama de mistério e ternura. Eduardo não conseguiu desviar a atenção, sentindo uma discrepância diferente, pesada e inexplicável. 

Então, em um instante que lhe pareceu dulcificado, seus olhares se galantearam por breves segundos. O bastante, para que o mundo ao redor se dissolvesse em uma espécie rara de acolhimento. Sem pensar, sem hesitar, ele se aproximou. Se mediram da cabeça aos pés. Não trocavam palavras. Apenas o silêncio da linguagem do amor pairando acima de suas cabeças.  Antes que ele percebesse, estava tão próximo dela que podia sentir o calor da respiração e até as batidas descompassadas do coração daquela princesa. O beijo aconteceu partindo dele. E ela, se permitiu sem se constranger em meio aos apressados que se esbarravam, uns aos outros, naquela cadência incessante do ir e vir. 

Pelo ato impensado, Eduardo se preparou para levar um tremendo tapa no meio da cara, ou no pior de tudo, ela se revoltasse e chamasse a polícia. Nada disso aconteceu. O beijo foi breve, certeiro e intenso. Fatal. O bastante, para selar um encontro de almas mais do que de lábios. Na verdade, um impulsivo regido por uma força maior que ambos. Durou apenas alguns segundos, e neles, o tempo parecia ter parado. De fato, estancou. Quando se separaram, não houve palavras ofensivas, apenas sorrisos tímidos e o entendimento glamoroso de que algo inexplicável acontecera. Ela, tímida e enrubescida, se afastou. A mão direita cobrindo os lábios, como se pretendesse envolver o beijo não autorizado num gesto de felicidade. 

Dessa forma rápida e rasteira, ela seguiu em frente e voltou a se misturar com o agrupamento que a cada minuto mais e mais se avolumava. Eduardo permaneceu como se voasse sem sair do chão. Seus pés pareciam colados à calçada, em vista daquela sucção espetaculosa. Por algum tempo, ficou ali feito um bobo apalermado, a boca escancarada num entreaberto, se deleitando com o sabor do momento gravado na memória. A vida voltou ao normal. O enxurro (ralé) da massa humana continuou a rolar sem interrupção. O barulho da cidade retomou o seu curso tresloucado. Eduardo sabia que aquele breve gesto de tocar uma fenda bucal ádvena (sic* estrangeiro?), assediada com aquele efêmero beijo, seria algo que carregaria consigo para sempre, como um lembrete de que, mesmo no meio da rotina mais frenética, a impulsividade do surreal havia acontecido e ele estava feliz só de pensar nessa possibilidade. 

Nos dias que se seguiram após o “beijo violado” gualdido (sic* esbanjado?) ao furto desgovernado nos lábios carnudos daquela estranha, ele continuou fazendo o mesmo caminho (fosse indo ou vindo) na esperança de revê-la. Contudo, para seu desassossego, Eduardo nunca mais a encontrou, porém, em seu âmago, ele sabia, ou melhor, tinha certeza que embora tivesse sido um “choque” breve e ligeiro de beiços, o ato, em si, havia marcado a sua vida de uma maneira etérea. Em outras ocasiões cada vez que se embrenhava pela Avenida Paulista, seu afligir renovava aquela possibilidade (ainda que distante) de que um dia veria novamente a pecaminosa pessoinha que mudou todo o seu “eu” interior tanto por dentro, como por fora. 

Nas suas andanças posteriores, incansavelmente buscava por aquele brilho especial, na esperança imorredoura de reviver a estrondosa conexão mágica. Mesmo sem reencontrá-la, o ato de oscular uma deia e sonificada (sic*) mulher em plena Paulista, se tornou um lembrete constante de que, em meio à rotina caótica, e momentos inesperados esses entraves poderiam trazer uma alegria inexplicável e transformar um dia comum em algo extraordinário. Embora não soubesse o nome da teteia, Eduardo alimentava a lembrança imperecível daquele roçar de lábios, como um tesouro, um testemunho silencioso da beleza de um comenos (momento) que a vida, assim do nada, lhe ofereceu de bandeja. 

Quase um mês depois, sabia que o seu sonho de voltar a satisfazer  seus anseios se deliciando com aquela formosa, não mais se repetiria. Cada um seguiu sua própria estrada após aquele abrupto indeliberado. A vida continuou, e às vezes, a mágica está apenas guardada numa efemeridade que não se repete. Apesar disso, Eduardo guardou a sete chaves, a lembrança daquele gesto assarapolhado (atrapalhado), como um tesouro raro, audacioso do ato por ele praticado, ou melhor, de uma loucura que se fez assim, do nada (apesar de real e inesquecível) por razões outras prevaleceu misturado a beleza impar das “topadas” fortuitas que surgem quando menos se espera. 

Lembrava sempre que não trocaram palavras nomes nem contatos. Foi um momento só, um acidental puro e isolado, que não precisava de continuidade para ter significado. Ainda assim, ele sempre se perguntava quem seria aquela deliciosa, de corpo escultural, de rostinho de princesa e como levava a sua vida cotidiana? Por outro lado, esse mistério preservou intacto o sonho audacioso do momento, transformando aquele simples e rápido beijo extorquido em uma lenda pessoal, tipo um conto de fadas para ser lembrado em noites solitárias e dias nublados. Às vezes, a beleza da vida, ou o início de uma paixão avassaladora, está justamente na impossibilidade de voltar atrás, e aquele topar ao acaso, se tornou um símbolo disso – ou seja –, se fez mais que um ato de coragem e bravura, uma espontaneidade que iluminou para sempre, a sua existência cotidiana. 

A vida tem suas próprias maneiras de surpreender. Exatos seis meses depois daquele beijo de cena memorável, Eduardo se fazia sentado na “Bovinu’s Grill" (também na Avenida Paulista) tomando um café tranquilo e folheando um livro, quando sentiu, lá fora, na calçada, um olhar familiar. Ao levantar-se de seus devaneios, Nossa Senhora! Por Deus, lá estava ela, a mesma pérola nacarada, a garota com aquele brilho inesquecível no rostinho de boneca que ele nunca esquecera. Surpresos e encantados, ao se reconhecerem, sorriram um para o outro. Ato contínuo, reavivando e reacendendo a antiga homologia (sic* analogia?) advinda de um simples beijo tomado à força, na marra, atrelado ao gosto das trocas de salivas que os uniram naquele dia distanciado se transfigurando e se fazendo imensurável, um correu de encontro ao outro. 

Dessa vez, ao se “pegarem,” não deixaram que o audacioso  passasse. Se beijaram, em ímpetos soberbos e, em seguida, arranjaram junto ao garçom, um lugar mais reservado lá para os fundos para conversarem E fizeram isso por horas. À medida em que o tempo passava, iam se redescobrindo e o melhor de tudo, se vangloriaram a compartilharem, numa mesma jornada, as suas impudências adormecidas. Aquele reencontro não foi planejado, tampouco premeditado, menos ainda esperado. Aconteceu assim, ao acaso, como se o destino tivesse conspirado para uni-los novamente. Dessa forma, Eduardo e ela (o nome da preciosa era Paloma) se entrecruzaram. Movido por um breve ato impulsivo de beijar uma donzela no meio de uma via pública, essa insânia paranoia contribuiu, sobremaneira, para algo muito maior, provando que, às vezes, a vida agitada em sua conturbação desenfreada, reserva segundas chances para aqueles que se atrevem a seguir os impulsos de seus desejos mais prementes. 

Nesse embalo de mil tons de instantâneos pressurosos, Eduardo e Paloma decidiram não deixar o destino ao acaso. O reencontro marcou definitivamente o início de algo muito especial. Eles passaram a se ver regularmente, redescobrindo o maravilhoso de um amor que a cada dia prosperava para se tornar em algo que não poderia ser medido. De fato, esse manente (constante) se rejuvenesceu e se agigantou por consequência daquele simples beijo que Eduardo roubou sem pensar no que poderia advir depois. Aquela moça, como uma Iracema saída das páginas de José de Alencar, que ele nunca antes havia visto, se fez a sua namorada. Pouco tempo à frente, noivaram e casaram. Hoje, passados dois anos, aquela joia de extremo valor está grávida do primeiro filho. 

O que começou como um encontro abstruso (confuso) de um beijo afanado em pleno reboliço da Avenida Paulista, voou imarcescível (duradouro) para um relacionamento profundo e significativo. A vida deles, por conta, mudou. Guinou 360 graus, descambando para um patamar que nunca poderiam ter previsto. Aquele simples e breve ato de Eduardo beijar uma alienígena no burburinho da Avenida Paulista, se tornou o ponto de partida para uma história inesquecível de amor pleno que desafiou as probabilidades e provou que os momentos mais inesperados podem levar às maiores e bem-aventuradas cartadas de sucesso. Realmente, a vida, às vezes imita as histórias românticas que encontramos nos livros ou vemos nos filmes. 

Na maioria, esses encontros mais significativos surgem de formas, as mais sutis e cotidianas, e no caso de Eduardo, um simples beijo na calçada, no meio da rua, poderia parecer improvável como início de uma bela e insofismável história de amor. Devemos ter em mente, que a beleza da vida está em sua imprevisibilidade. Os entrelaçamentos humanos surgem dos lugares mais inesperados, seja num sorriso trocado no metrô, ou dentro do ônibus, "usque" (em latim: até) uma conversa casual em uma fila de banco ou, quem sabe, um trocar de gestos apaixonados em um café ou dentro de um elevador. É essa incerteza deslumbrante que mantém pulsante a magia eloquente da vida abundante e nos lembra de estarmos sempre abertos para todas as possibilidades que o cotidiano, de uma maneira inverossímil e assombrosa tem a nos oferecer.
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* Nota do blog: (sic) é relativo a palavras inexistentes no dicionário ou sem sentido no parágrafo, talvez por distração do autor.

Fonte: Texto enviado pelo autor

Vereda da Poesia = 159 =


Trova de
HELVÉCIO BARROS
Macau/RN (1909 – 1995) Bauru/SP

Um grande amor não se esquece!
Nada no mundo o destrói!...
Quanto mais longe, mais cresce!
Quanto mais perto, mais dói!
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Folclore Brasileiro em Versos de
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

Boitatá

Das chamas que dançam, um mito a brilhar,
Boitatá, guardião das matas a vagar,
com olhos de fogo na noite a iluminar,
protege os campos e o lar a preservar.

Serpente de luz, em meio à escuridão,
aquece a floresta, traz vida e união.
Com sua presença afugenta o mal,
e em cada passo, um eterno ritual.

Mas quem o desafia, deve temer,
pois a ira do fogo pode consumir,
e a sabedoria do homem a esquecer,

que em seu calor, há vida a florir,
Boitatá, o mito, com amor a proteger,
na dança das chamas, um eterno existir.
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Trova de
HAROLDO LYRA
Fortaleza/CE

Com sua vela enfunada
não lhe intimidam navios
e singra, afoita jangada,
os verdes mares bravios.
= = = = = = 

Soneto de
JOÃO BATISTA XAVIER OLIVEIRA
Bauru/SP

Velejando

Varanda, vales, verdes, primavera;
o ar envolto em meigas cantilenas...
Imagens tão serenas que eu quisera
perenes, tácitas em mim apenas.

Sonhar é o som sagrado da quimera
num canto enquanto as dores são amenas.
Descanso à rede a lágrima sincera
que luz na luz dos olhos dos mecenas.

A bordo de uma rede a velejar
eu sorvo a paz que a brisa faz ao mar
no vento que acarinha as mãos poetas.

Bendigo a natureza onde os estetas
descrevem a meiguice de um tormento
na voz que se enternece à voz do vento!!
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Trova Popular

Meu peito padece dor,
minh’alma sofre agonia
meus olhos vivem chorando;
- terão consolo algum dia?
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Poema de
PAULO SETÚBAL
São Paulo/SP (1893 – 1937)

De todos que me beijaram
De todos que beijei

De todos que me abraçaram
De todos que abracei

São tantos que me amaram
São tantos que amei

Mas tu (que rude contraste)
Tu que jamais beijastes
Tu que jamais abracei
Só tu nesta alma ficaste
De todos que amei...
= = = = = = 

Trova de
APARÍCIO FERNANDES
Acari/RN, 1934 – 1996, Rio de Janeiro/RJ

Conselhos, desde menino,
muita gente me quis dar,
mas a cruz do meu destino
quem me ajuda a carregar?
= = = = = = 

Poema de
VASKO POPA
Grébenatz/Sérvia (1922 – 1991)

Dente de Leão

Na beira do passeio
No fim do mundo
Olho amarelo da solidão

Cegos pés
Apertam-lhe o pescoço
No abdômen de pedra

Cotovelos subterrâneos
Empurram suas raízes
Para o húmus do céu

Pata canina ereta
Faz-lhe troça
Com o aguaceiro recozido

Contenta-o apenas
O olhar sem dono do passante
Que em sua coroa
Pernoita

E assim
A ponta de cigarro vai queimando
No lábio inferior da impotência
No fim do mundo
= = = = = = = = = 

Trova de
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

Antes que a aurora desponte
dando vida à luz do dia,
tenho que cruzar a ponte
nos braços da poesia.
= = = = = = 

Poema de 
RAINER MARIA RILKE
Praga/ Tchecoslováquia (1875 – 1926) Montreux/Suiça

Que farás tu, meu Deus, se eu perecer?

Que farás tu, meu Deus, se eu perecer?
Eu sou o teu vaso - e se me quebro?
Eu sou tua água - e se apodreço?
Sou tua roupa e teu trabalho
Comigo perdes tu o teu sentido.

Depois de mim não terás um lugar
Onde as palavras ardentes te saúdem.
Dos teus pés cansados cairão
As sandálias que sou.
Perderás tua ampla túnica.
Teu olhar que em minhas pálpebras,
Como num travesseiro,
Ardentemente recebo,
Virá me procurar por largo tempo
E se deitará, na hora do crepúsculo,
No duro chão de pedra.

Que farás tu, meu Deus? O medo me domina.
= = = = = = 

Trova de 
WANDA DE PAULA MOURTHÉ
Belo Horizonte/MG

Merece subir ao pódio
o glorioso vencedor
que destrói barreiras de ódio
e constrói túneis de amor.
= = = = = = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Quem me dera!

Ah! Quem me dera ser metaforista,
para compor meus versos, sem, no entanto,
mostrar o quanto esta alma sofre tanto
cada vez com o que sonha, não conquista!

Eu poderia expor a minha lista
de dores e recalques em meu canto,
sem me ferir e nem causar espanto
aos leigos que não privam com analista!

Seria como o som de qualquer sino
que muitos ouvem, mas somente alguns
conseguem decifrar o seu destino...

Mas não nasci assim! O que fazer,
se faço sempre estâncias tão comuns?
Talvez fosse melhor emudecer!
= = = = = = 

Trova de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP

Com passagem só de ida
no meu barco sideral,
sou marinheiro da vida
chegando ao porto final!
= = = = = = 

Hino de 
XAMBIOÁ/TO

Nestes lindos babaçuais
Grandes heróis garimpeiros,
Na procura dos cristais
Foram teus belos pioneiros.

A cachoeira São Miguel
Com grandes encantos faz,
Com que as bênçãos num anel
Tragam do céu toda paz.

Oh! Xambioá
Terra bela e cheia de amor
Teu céu, solo e meigo luar,
Resplandecem com fervor.
O Rio Araguaia ao se agitar
Faz todos sempre te amar,
Te amar, te amar, ah! ah! ah!

Sei que em ti impera o progresso
E a esperança do Brasil.
Tua marcha não há regresso.
Teu povo é varonil.

Como é maravilhoso
Ter nascido neste chão,
Ter sentido o ar tão gostoso
Nas margens do teu poção.

Oh! Xambioá
Terra bela e cheia de amor
Teu céu, solo e meigo luar,
Resplandecem com fervor.
O Rio Araguaia ao se agitar
Faz todos sempre te amar,
Te amar, te amar, ah! ah! ah!
= = = = = = 

Trova Premiada de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Seria a paz mais presente
e o porvir menos incerto,
se nas mãos do adolescente
sempre houvesse um livro aberto.
= = = = = = 

Recordando Velhas Canções
AS ROSAS NÃO FALAM
(1976)

Bate outra vez
Com esperanças o meu coração
Pois já vai terminando o verão,
Enfim

Volto ao jardim
Com a certeza que devo chorar
Pois bem sei que não queres voltar
Para mim

Queixo-me às rosas,
Mas que bobagem
As rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti, ai

Devias vir
Para ver os meus olhos tristonhos
E, quem sabe, sonhavas meus sonhos
Por fim
= = = = = = = = = = = = = 

Dissecando a magia dos textos ("Valor da Amizade" de Renato Frata)

O texto se encontra no link abaixo

Estrutura e Narrativa

O texto "Valor da Amizade" é um relato em primeira pessoa que explora a experiência de um menino que enfrenta a desilusão da infância ao descobrir que o Papai Noel não existe e que seus pais usaram o dinheiro destinado à tão sonhada bicicleta para pagar contas. 

A narrativa é pessoal e íntima, permitindo ao leitor conectar-se com as emoções do protagonista. A estrutura do texto é linear, movendo-se através de uma sequência de eventos que culminam em uma reflexão sobre a amizade.

Temas Centrais

Desilusão da Infância: 
O protagonista, ao descobrir a verdade sobre o Papai Noel, passa por um processo doloroso de perda da inocência. A crença numa figura mágica é um símbolo da infância, e a revelação de que os sonhos podem ser destruídos pela realidade é um tema sempre presente na literatura.

Decepção e Dor: 
A frase "Não existe dor maior que a decepção" circunda a experiência emocional do protagonista. A decepção não vem apenas da perda da bicicleta, mas também da quebra da confiança em seus pais e na fantasia que cercava a infância. Essa dor é descrita como mais intensa que uma "surra injusta", enfatizando o impacto psicológico da traição de expectativas.

Amizade e Solidariedade: 
O amigo Marco emerge como um símbolo de apoio e empatia. Sua disposição em compartilhar a bicicleta, mesmo sabendo que isso significaria sacrificar parte de sua propriedade, demonstra uma amizade genuína. O ato de chorar em conjunto também revela a profundidade da conexão emocional entre as crianças.

A Luta contra a Solidão: 
A solidão da decepção é contrabalançada pela presença de Marco. Enquanto o protagonista se sente abandonado e traído, a amizade oferece um refúgio emocional. A disposição de Marco de "dar metade" da bicicleta simboliza a partilha e a união, valores que superam a dor individual.

Análise de Personagens

Santiago: O protagonista é um menino que representa a inocência e a vulnerabilidade da infância. Sua jornada emocional é marcada pela transição de um estado de esperança e alegria para a desilusão e a busca por conforto. A sua dor é palpável e ressoa com qualquer leitor que já tenha passado por experiências semelhantes.

Marco: O amigo, com sua atitude generosa, contrasta com a desilusão do protagonista. Ele é a personificação da verdadeira amizade, oferecendo não apenas um brinquedo, mas também a segurança emocional que o protagonista precisa. A sua capacidade de entender e partilhar a dor do amigo é um testemunho de sua maturidade emocional, mesmo em tenra idade.

Estilo e Linguagem

A linguagem utilizada por Renato Frata é direta e repleta de emoções. O uso de expressões como "mil hienas dilaceravam meu coração de menino" evoca imagens vívidas que intensificam a dor sentida pelo protagonista. O tom é melancólico, especialmente nas reflexões sobre a mentira e a decepção, mas também há momentos de leveza e alegria quando as crianças andam de bicicleta.

A narrativa utiliza um estilo coloquial, que torna a experiência mais acessível e realista. O diálogo entre os personagens é natural e reflete a autenticidade da infância, com uma linguagem que se parece com a fala de crianças. Isso fortalece a conexão do leitor com os sentimentos e experiências dos protagonistas.

Relação da Amizade de Marco com o Protagonista

A amizade de Marco, se destaca como uma relação fundamental na vida do protagonista, especialmente quando comparada a outras relações significativas, como as com seus pais e as expectativas em torno da figura do Papai Noel.

1. Amizade com Marco

A amizade de Marco é marcada por um profundo senso de empatia. Quando o protagonista enfrenta a desilusão de não receber a bicicleta, Marco se solidariza, chorando junto e oferecendo sua própria bicicleta. Essa disposição para compartilhar simboliza um vínculo genuíno, onde a dor e a alegria são experimentadas em conjunto.

Marco se apresenta como um porto seguro em um momento de crise emocional. Sua oferta de dividir a bicicleta, mesmo que isso signifique abrir mão de algo que ele também desejava, demonstra a força da amizade verdadeira, que é capaz de superar a dor e a desilusão.

2. Relação com os Pais

A relação do protagonista com seus pais é complexa. Inicialmente, os pais são vistos como figuras protetoras que alimentam a crença no Papai Noel, mas sua decisão de usar o dinheiro da bicicleta para pagar o aluguel destrói essa imagem. Essa decepção é profunda, pois os pais, que deveriam ser fontes de segurança e felicidade, se tornam responsáveis pela quebra de um sonho infantil.

A relação com os pais também é marcada por uma falta de comunicação e compreensão. O protagonista não entende as razões por trás das escolhas financeiras dos pais, o que acentua sua sensação de abandono e traição. Essa falta de diálogo contrasta com a abertura emocional que ele encontra em Marco.

3. Expectativa em Relação ao Papai Noel

A figura do Papai Noel representa uma crença inocente que, quando desmascarada, provoca uma dor intensa. A expectativa em relação ao presente de Natal é um símbolo de esperança e alegria, mas a revelação de que o Papai Noel não existe leva a uma desilusão profunda. Essa relação é marcada por uma ilusão que, uma vez quebrada, deixa um vazio no coração do protagonista.

Enquanto a relação com o Papai Noel é efêmera e baseada em fantasias, a amizade de Marco é concreta e duradoura. Marco oferece um tipo de segurança emocional que é palpável e real, ao contrário da ilusão do Papai Noel. A amizade se transforma em um alicerce para o protagonista, ajudando-o a lidar com a desilusão.

A amizade de Marco se destaca como um farol de esperança e apoio em meio às desilusões que o protagonista enfrenta. Em comparação com suas relações com os pais e a figura do Papai Noel, a amizade é apresentada como um valor essencial e resiliente. Enquanto os relacionamentos familiares e as crenças infantis podem falhar, a verdadeira amizade, caracterizada por empatia, solidariedade e apoio incondicional, provê o conforto necessário para enfrentar as dificuldades da vida.

Essa comparação ressalta a importância das conexões humanas genuínas e como elas podem oferecer um senso de pertencimento e segurança, especialmente em momentos de crise emocional. Marco se torna, assim, não apenas um amigo, mas um símbolo da força que as amizades verdadeiras têm de curar e confortar diante das decepções da vida.

Relação do texto de Frata com outros escritores

1. "O Pequeno Príncipe" de Antoine de Saint-Exupéry
Assim como o protagonista de Frata encontra consolo na amizade de Marco, o Pequeno Príncipe estabelece uma conexão profunda com a raposa, que lhe ensina sobre a importância dos laços afetivos. A famosa frase "O essencial é invisível aos olhos" reflete a ideia de que o valor das relações vai além do material. Ambas as obras tratam da dor da desilusão e da importância dos vínculos emocionais.

2. "A Menina que Roubava Livros" de Markus Zusak
No livro de Zusak, a protagonista Liesel também enfrenta a desilusão em meio a um contexto de guerra e perda. A amizade com Rudy e a relação com sua família adotiva oferecem a ela um espaço seguro. Assim como em "Valor da Amizade", a amizade é uma fonte de conforto e força em tempos de crise. Ambas as histórias mostram como laços afetivos podem nos ajudar a enfrentar as adversidades da vida.

3. "As Aventuras de Tom Sawyer" de Mark Twain
Tom Sawyer e seu amigo Huck Finn vivem aventuras que refletem a inocência e os desafios da infância. A relação entre os dois meninos é marcada por lealdade e camaradagem, similar à amizade de Marco e do protagonista de Frata. A desilusão de Tom ao confrontar a realidade também ecoa a experiência do protagonista, que lida com a perda da inocência.

4. "O Alquimista" de Paulo Coelho
Embora "O Alquimista" trate de uma jornada mais filosófica, a amizade entre Santiago e o velho rei Melquisedeque, bem como a conexão que ele forma ao longo de sua jornada, refletem a importância das relações na busca por sonhos. Assim como no texto de Frata, a amizade é vista como um suporte essencial na busca por compreensão e realização pessoal.

5. "O Guarani" de José de Alencar
Em "O Guarani", a amizade e o amor são temas centrais, especialmente na relação entre Peri e a família de Ceci. Assim como Marco em "Valor da Amizade", Peri demonstra lealdade e disposição para proteger aqueles que ama. Ambos os textos revelam como a amizade pode ser uma força poderosa em meio a adversidades, destacando o sacrifício e a solidariedade.

Considerações Finais

"Valor da Amizade" é um texto que trata de temas universais como a desilusão, a dor da perda e a importância da amizade. Através da experiência do protagonista, o autor nos convida a refletir sobre como as relações interpessoais podem oferecer consolo em momentos de crise emocional. A amizade é apresentada como um valor inestimável, capaz de curar feridas e proporcionar alívio em tempos difíceis.

A conclusão do texto, onde o protagonista reconhece que "mil bicicletas não pagariam o que ele fez por espontaneidade", sublinha a ideia de que a verdadeira amizade transcende bens materiais. A amizade é um porto seguro em meio às tempestades da vida, mostrando que, mesmo nas situações mais dolorosas, a solidariedade e o amor podem trazer esperança e luz.

Diversos escritores como os citados acima também exploram essas ideias, mostrando como as relações humanas são fundamentais para enfrentar as dores e desafios da vida. A amizade, em todas essas obras, emerge como um elemento vital que nos fortalece e nos ajuda a superar as adversidades.

Enfim, a obra de Renato Frata é uma bela meditação sobre o valor das relações humanas, destacando que, apesar das desilusões inevitáveis que enfrentamos, a amizade pode ser uma fonte de força e resiliência.

Fontes: José Feldman. Dissecando a magia dos textos: Contos e Crônicas. Maringá/PR: IA Poe.  Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por JFeldman com Microsoft Bing

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

José Feldman (Guirlanda de Versos) * 8 *

 

Eduardo Martínez (Erasto, o entediado)

Erasto, velho que era há tanto tempo, afundado na poltrona da sala, aguardava pela finitude chegar. Incomodado pela demora, de vez em quando procurava algo para fazer. Um livro, que não poderia ser muito grosso, pois não suportava a ideia de não terminar de lê-lo antes da derradeira batida do coração. 

Contos e crônicas, até pela pouca extensão, eram seus preferidos. No entanto, arriscava uma ou outra poesia, ainda mais do seu autor favorito, Daniel Marchi. Perdia-se nos versos, enquanto os dias se tornavam mais leves, mas sem afastá-lo por completo da ideia de que precisava morrer. Aliás, era uma questão de honra deixar a vida para quem tivesse sede, e não para um idoso carcomido de lamúrias por saudosismos inexistentes. 

Enquanto folheava o livro "A verdade nos seres", Erasto escutou uma sonora gargalhada vinda lá debaixo na calçada, bem em frente à praia de Arapuama, na cidade do Cabo de Santo Agostinho-PE. Curioso, foi ver do que se tratava, quando viu uma bela mulher conversando com um vendedor de picolé. O que seria tão engraçado? Ele ficou ali na janela tentando imaginar, até que o telefone tocou.

— Alô!

— Erasto?

— Sim. Quem é?

— Sou eu, a Sofia.

Sofia era uma amiga, dessas que somem e aparecem sem motivo aparente. Na verdade, ela e Erasto tiveram um caso extraconjugal há quase duas décadas. Não mais do que duas ou três saídas, até que ela, talvez sem esperança por algo além do que possuía em casa, resolveu não dar corda ao adultério. 

— Oi, Sofia! Há quanto tempo!

— Pois é. Muito tempo mesmo!

— O que tem feito da vida?

— Depois que me aposentei, algumas viagens. E você?

— Quase não saio de casa, ainda mais depois que a minha mulher se foi.

— Não sabia que você ficou viúvo.

— Não fiquei. A Ruth simplesmente foi embora. 

— Ah, tá!

— E o seu marido?

— Está bem. Adora pescar com os amigos.

— Hum...

— Tá fazendo o quê agora?

— Nada.

— Então, desce aqui.

— Como assim?

— Desce aqui. Estou debaixo do seu prédio tomando um picolé. Quer um?

Erasto, por um instante, deixou o desejo de terminar o dia dentro de um caixão. Já no elevador, pensou: "Pois não é que, de vez em quando, o tempo passeia por aqui!”

Vereda da Poesia = 158 =


Trova de
NEI GARCEZ
Curitiba/PR

A justiça nos ensina
o equilíbrio que nos deu:
o teu direito termina,
bem onde começa o meu!
= = = = = =

Folclore Brasileiro em Versos de
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

O Lobisomem

Na lua cheia um uivo a ressoar,
o Lobisomem surge, a besta a vagar,
filho da maldição em dor a se transformar,
nas noites sombrias sua fúria a despertar.

Homem e lobo em luta a se tornar,
os instintos primais, a razão a ofuscar,
entre as sombras da floresta, um ser a errar,
a busca por paz, que nunca vai encontrar.

Mas há quem o veja como trágico ser,
uma vida marcada, um amor a perder,
e em cada transformação, um grito de dor,

que ecoa na bruma em busca de amor.
Na solidão da noite, um lamento a crescer,
o Lobisomem, na sombra, anseia por viver.
= = = = = = 

Trova de
FLÁVIO ROBERTO STEFANI
Porto Alegre/RS

Abaixo a guerra entre irmãos!
Plantemos a paz somente.
- Quem tem sementes nas mãos
não tem granadas na mente.
= = = = = = 

Soneto de
JOÃO BATISTA XAVIER OLIVEIRA
Bauru/SP

Tropeço

Vejo-me agora no final da estrada
e as consequências de uma vida aflita
a procurar afoito a mais bonita
virtude altiva, joia lapidada.

As mãos vazias cheias de desdita
não afagaram outras sem ter nada.
E a consciência viva, tão pesada,
arrasta o fardo que a ambição incita.

Peço perdão para mim mesmo, eu sei
que para evoluir existe lei
da semeadura e sua consequência.

Queira ou não queira o fim faz o começo
para engendrar a escala sem tropeço;
ser mais humilde na nova existência!
= = = = = = 

Trova de
ÂNGELA TOGEIRO
Belo Horizonte/MG

Nesta minha caminhada
não me horroriza a violência,
mas a boca que calada
alimenta-lhe a existência.
= = = = = = 

Poema de
ANTERO JERÓNIMO
Lisboa/Portugal

Há nesta recorrente dolência 
um preparo para o saber
barreiras a quebrar fronteiras
a adivinhar o acontecer 

Ciente desta real irrealidade, 
desta minha inconformidade  
anulo a envolvência do espaço
à dimensão retemperadora dum abraço

Há beleza e encanto
no dia onde espreita o pranto
da nuvem carregada d' incerteza 
esparjo água límpida e fecunda

Existo na pureza utópica
revelando anseios secretos
na essência harmoniosa dos afetos 

Na beleza deste amar
quero em gratidão levitar!
= = = = = = 

Quadra Popular

Diga, meu benzinho, diga,
com tua boca, confesse,
se no mundo já encontrou
quem tanto bem lhe quisesse.
= = = = = = 

Poema de
NELIO CHIMENTO
Rio de Janeiro/RJ

Gentileza

A gentileza anda tão pálida
Quão fagulha apagada
Perdida na poeira bruta
Que envolve essa era de gente afobada.

Gente que vive no corre-corre sem fim,
Competindo entre si e com o tempo,
Que não para uma prosa
E acha que a vida é mesmo assim.

Mas assim não é, isso o tempo dirá,
Precisamos do afeto e da energia humana...
Para alimentar o ânimo que nos elevará
Ao patamar que a alma reclama.

Temos a primazia de saber sorrir
E o privilégio de se emocionar,
Para desenvolver a arte de se relacionar
E aprender a viver e se divertir.

Nesses tempos de afeto precário,
Encoberto pelo encanto do novo,
Bom seria que a gentileza desse povo,
Não virasse joia inativa de relicário.

Quero me ver nos olhos dos outros,
Dizer algo a alguém, para ouvir meu pensamento,
Ceder o lugar, para ter um lugar na vida,
Fazer da trilha rude, uma alameda florida.
= = = = = = 

Trova de
APARÍCIO FERNANDES
Acari/RN, 1934 – 1996, Rio de Janeiro/RJ

A justiça humana é falha!
E reconheço isto a custo...
Se é rico, livra o canalha!
Se é pobre, condena o justo...
= = = = = = 

Poema de
CRIS ANVAGO
Lisboa/Portugal

Vê para lá do nevoeiro
Não te deixes cegar
Fechar os olhos
Não te leva a nenhum lugar

A canção foi feita para ser compreendida
Preciso de ouvir todas as palavras
Só assim percebo as frases
E com elas o pensamento
Que, de repente passou por ti

Não vejas só o nevoeiro
Vê com o coração
Eu estou para lá do que não vês…
= = = = = = = = = 

Trova de
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

A estrela da mocidade,
que em minha infância brilhou;
brilha em meu céu de saudade,
depois que a infância passou!
= = = = = = 

Poema de 
SEBASTIÃO ALBA
Braga/Portugal, 1940 – 2000

Ninguém, Meu Amor

Ninguém, meu amor
 ninguém como nós conhece o sol
 Podem utilizá-lo nos espelhos
 apagar com ele
 os barcos de papel dos nossos lagos
 podem obrigá-lo a parar 
 à entrada das casas mais baixas
 podem ainda fazer
 com que a noite gravite
 hoje do mesmo lado
 Mas ninguém meu amor
 ninguém como nós conhece o sol
 Até que o sol degole
 o horizonte em que um a um
 nos deitam
 vendando-nos os olhos.
= = = = = = 

Trova de
FRANCISCO JOSÉ PESSOA
Fortaleza/CE, 1949 - 2020

Quantos banquetes regados
a vinho, trufa e salmão...
quantos irmãos relegados
sem água, sem luz, sem pão!
= = = = = = 

Spina de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

Clausura 

Reclusa no próprio 
tempo, seu sorriso
é seu sentimento.

Ora transborda paz, um alento, 
às vezes um leve contratempo. 
Atada em utopias, é momento, 
ou somente uma página virada
levada por folhagens no vento.
= = = = = = 

Trova de 
MARA MELINNI
Caicó/RN

Uma família sem teto,
repartia o mesmo pão...
Mas sobrava sempre afeto,
no final da divisão...!
= = = = = = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Será?

Tal qual a juriti de canto triste,
que enfrenta a vida solitariamente,
mas mesmo assim tão só, jamais desiste
de esperar que um amor se lhe apresente...

Também minha alma que é tristonha e crente,
no aguardo de seu par, por muito insiste...
E tal e qual a juriti, não sente
vontade de cantar e ainda resiste.

Será que a juriti tristonha, um dia
terá o trinado de uma cotovia,
de tão feliz, por encontrar seu par?

Se acontecer tal sorte, algo me diz,
minha alma vai também ser tão feliz,
que ao certo vai cantar, e muito amar!
= = = = = = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Com que suave ternura 
tece a canária o seu ninho! 
– Mãe é assim, dengosa e pura... 
a nossa e a do passarinho. 
= = = = = = 

Poema de
SONIA CARDOSO
Curitiba/PR

Finitude 

Não mereces a finitude 
No duro calcário 
Mereces o acolhimento 
Da terra mãe, que te 
Acolheu, te fez germinar 
E crescer em tamanho e beleza.
= = = = = = 

Trova de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

Tenham todos terra e teto,
sem preconceito ou fronteira
e que haja amor, não decreto,
para a inclusão verdadeira!
= = = = = = 

Poema de 
PEDRO EMÍLIO 
São Fidélis/RJ (1936 – 2013)

Canção Finita

Do primeiro canto da primavera
serão teus:
- o pássaro e a canção

Da primeira flor da primavera
serão teus:
- a cor e o perfume

Do primeiro verso da primavera
serão teus:
- o poeta e o poema.

Do último canto da primavera
de quem serão:
- o pássaro e a canção?

Da última flor da primavera
de quem serão:
- a cor e o perfume?

Do último verso da primavera
de quem serão:
- o poeta e o poema?

Murcha a flor...
quieto o pássaro...
morto o verso...

De quem será a primavera?
= = = = = = 

Trova Humorística de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP

O meu sonho é uma tapera
que nenhum caminho corta;
e assim mesmo ainda espera
que alguém bata à sua porta!
= = = = = = 

Hino de 
TREZE TÍLIAS/SC

Erguendo os braços co´as algemas rotas
Na data augusta da libertação
O escravo outrora vil e acorrentado
Enflora as armas deste teu brasão.

Deixando ao longe a escravatura branca
Louro imigrante aqui chegou
Liberto da opressão e agora livre
Semente, flor e fruto ele plantou.

Teu signo é herança de um falaz passado,
Mas hoje é lema do Brasil inteiro
A liberdade à sombra da Bandeira
Os pés na terra e os olhos no Cruzeiro.

Por sobre os troncos e os grilhões em sangue
E o azorrague de uma mão cruel
Colocou Deus as régias mãos bondosas
E a imagem redentora de Isabel.

Caminha, juventude, e acende a chama
E mostra ao mundo escravo o teu perfil.
És filho desta terra quem a ama.
A liberdade é filha do Brasil.

Não olhes nunca, heroica juventude
Lá no passado as marcas dos grilhões,
Há no futuro uma esperança nova
Tu és da primavera as florações.
= = = = = = 

Poetrix de
CECY BARBOSA CAMPOS
Juiz de Fora/MG

Retrospecto

Relógio antigo
ecoa passado
em badaladas musicais.
= = = = = = 

Poema de
ELCIANA GOEDERT
Curitiba/PR

En(frente)

Como disse outro poeta
Sim, "a vida vale a pena"
Tá difícil nesse planeta
Mas tento me manter serena
Sigo firme com minha meta
Se preciso rezo uma novena
Repito um mantra, discreta
Sei que logo tudo se engrena.
= = = = = =

Trova Premiada de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Sozinha, num desvario,
sem concretude, meus braços,
traçam, sobre um leito frio
o perfil dos teus abraços.
= = = = = = 

Recordando Velhas Canções
CONSTRUÇÃO (DEUS LHE PAGUE) 
(1971)
Chico Buarque de Holanda 
Rio de Janeiro/RJ

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido

Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo por tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima

Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música

E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
E agonizou no meio do passeio público

Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado

Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo por tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego

Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo

E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
E agonizou no meio do passeio náufrago

Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe

E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado
Deus lhe pague

Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir,
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair,
Deus lhe pague

Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir,
Deus lhe pague