terça-feira, 16 de junho de 2009

Dicionário do Folclore (Letra N)



NA-ÁGUA-E-NO-COURO. Diz-se quando a pessoa só tem uma roupa. Tira quando vai lavar e veste depois de lavada.

NA-HORA-DA-PORCA-TORCER-O-RABO. No momento difícil, preciso, de alguém mostrar seu valor, suas qualidades.

NAGÔ. Nome dado a todos os negros da Costa dos Escravos que falavam o ioruba. Os franceses colonizadores do Daomé chamavam os iorubanos de nagôs, que chegaram, em maior quantidade, na cidade de Salvador e tiveram muita influência na formação social e religiosa dos mestiços baianos. O candomblé, os babalaôs, os babas, as filhas de santo, os instrumentos musicais (tambores, agogôs, arguês, adjás), os cantos da tartaruga, a culinária (vatapá, acarajé, abará, etc), o santuário peji, Exu, Ogum, Oxumaré, Oxóssi, chegaram ao Brasil por intermédio dos nagôs.

NAMORO-DE-CABOCLO. É como se diz, do namoro, da paixão em segredo que o homem sente sem ter coragem de se declarar. Namoro a distância, respeitoso, platônico.

NANAR. É o verbo que as crianças usam quando querem dormir. E, para adormecer os filhos de colo as mães costumam entoar este acalanto, esta cantiga de ninar muito conhecida em Portugal e no Brasil: - "Nanai, meu menino,/ Nanai meu amor;/ A faca que corta/ Dá talho sem dor".

NÃO-DÁ-UM-CALDO. Diz-se de quem não é de nada, incapaz de trabalhar, de resolver um problema, de sair de uma situação difícil.

NÃO-É-FLOR-QUE-SE-CHEIRE. Diz-se de quem não é boa pessoa, de quem tem más qualidades.

NÃO-ESTAR-PARA-BIU. O mesmo que não estar pra mim.

NÃO-SABER-DA-MISSA-UM-TERÇO. Ignorar toda a verdade sobre determinado fato ou assunto.

NÃO-ME-TOQUE. 1. É um doce feito com goma de tapioca, leite de coco e açúcar e que se desmancha na boca; 2. É como são designadas as pessoas cheias de melindres, de nó-pelas-costas, de nove-horas, de fricotes.

NÃO-VALER-O-QUE-O-GATO-ENTERRA. Diz-se de quem não tem nenhum valor, nenhuma qualidade.

NATAL. O Natal é uma festa universal. Cada país comemora o Natal à sua maneira. No Brasil, durante o Natal, temos autos tradicionais, bailes, alimentos típicos, reuniões, bumba-meu-boi, boi, boi-calemba, cheganças, marujadas ou fandangos, pastoris, lapinhas, congadas, reisados e missa-do-galo, peru assado, castanhas confeitadas, etc.

NAU-CATARINETA. É uma xácara (narrativa popular em versos), de procedência portuguesa, que conta a estória de um barco que atravessava o Atlântico em circunstâncias trágicas. No Brasil, a nau-catarineta, convergiu para o auto (é um gênero teatral que vem da Idade-Média, período histórico que começa no século V até a metade do século XV), do fandango onde aparece como a jornada XVI.

NAZARÉ. No mês de setembro tem lugar, na cidade de Belém-PA, a festa de Nossa Senhora de Nazaré que reúne milhares de devotos de todo o Brasil. É a festa mais popular do Pará. Tem procissão, desfile de promessas, conduzindo a imagem da santa que percorre as ruas da cidade, acompanhada do círio de Nazaré, uma vela grande de cera, debaixo de uma chuva de flores. A festa dura quatorze dias.

NEGO-BOM. É um doce popular nordestino que se faz assim: Machucam-se vinte bananas-prata com um quilo de açúcar numa caçarola, que é levada ao fogo brando, mexendo-se até soltar da vasilha, isto é, num ponto bem apurado. Bota-se o suco de dois limões, retira-se do fogo e bate-se bem. Depois de bem batido, pega-se a massa e fazem-se bolinhas que são enroladas em pedaços de papel e vendidas em tabuleiros nas feiras ou nas pequenas mercearias dos bairros da cidade.

NEGRINHO-DO-PASTOREIO. O negrinho era escravo de um estancieiro (fazendeiro) rico, mau e perverso. Quando o negrinho estava pastorando os cavalos do patrão alguns deles se perderam, motivo pelo qual foi surrado barbaramente, atirado dentro de um formigueiro, onde faleceu. Dizem que ele aparece montado num cavalo baio, à frente de uma tropilha que ninguém vê mas o tropel de cavalos é ouvido. O negrinho-do-pastoreio é afilhado de Nossa Senhora, a quem as pessoas fazem promessas para encontrar as coisas perdidas. A lenda é muito conhecida do Rio Grande do Sul até as fronteiras do Estado de São Paulo.

NEGRO. O mundo só tomou conhecimento da existência da África a partir do século X, afirma Dela Fosse. E o Império de Ghana foi a porta que se abriu aos olhos curiosos dos europeus aventureiros. Mas, somente a partir do século XV é que a mobilidade dos portugueses começou a explorar o litoral africano, "situação que perdurou até os meados do século XIX", na opinião de Kretschmer. • Nunca foram científicos nem somente políticos os motivos que entusiasmaram os navegantes portugueses na exploração da costa africana. Claro que as expedições, em sua maioria, eram custeadas pelos cofres da Coroa que tinha também interesse em tomar posse das terras descobertas para fazê-las colônias. Com exceção das missões religiosas a serviço da catequese, a motivação responsável, a motivação responsável pelas incursões no mundo africano foi um misto de colonialismo oficial e de comercialização particular, visando o aumento da área de dominação e o enriquecimento do tesouro real e de particulares, com a venda de especiarias e demais produtos do continente. • E o escravo, durante mais de três séculos, foi a mercadoria mais procurada e, conseqüentemente, de maior valor e que mais lucros proporcionou aos mercadores de negros. • Do século XVI até 1830, a escravidão humana foi, até agora, o período mais negro da história desta nação. • Capturado como se fosse um animal qualquer, atravessando o Atlântico no porão infecto dos navios, misturados com ratos e dejeções, sem luz e quase sem ar, mal alimentado, o negro africano chegou ao Brasil contando apenas a seu favor com a igualdade de condições climáticas contra toda uma enorme série de adversidades entre as quais se avultava a completa negação de sua condição de ser humano. O escravo não era considerado gente, pessoa; era apenas uma peça, como se dizia, na época. Do século XVI até 1830, 4.830.000 escravos africanos – entre congos, cambindas, angolas, angicos, e macuas – chegaram ao Brasil, período em que, mais do que o índio e do que o branco, ajudaram este país a crescer. • A participação do negro na vida brasileira é imensurável. A força de seus braços nos deu a cana-de-açúcar, o cacau, o café, o milho, o algodão, os minérios, o feijão. Todos os acontecimentos históricos contam com a participação do negro: da marcha para o Oeste à invasão holandesa, da guerra do Paraguay à II Guerra Mundial, Cruzando com o português, ele nos deu a mulata de dentes claros, faceira, sensual, de corpo bem feito, andar bamboleante e olhos de amor. Deu-nos, também, a morena jambo que, com o mesmo dengo e faceirice, constituem os mais representativos tipos de beleza tropical brasileira. Na música, o samba descido dos morros cariocas e o maracatu pernambucano nos falam de sua tristeza e das dores de amor, constituindo, assim, o que se pode chamar de música brasileira. A própria língua portuguesa falada no Brasil foi enriquecida com a contribuição do negro: acarajé e angu, bangüê e batuque, cachaça e cafuné, dengoso e dunga, engabelar e Exu, fubá e fulo, guandu e gambá, iaiá e inhame, jerebita e jiló, lundu, mandinga e maracatu, Oxum e Orixá, papagaio e patuá, quiabo e quitute, samba e senzala, tanga e tuta, vatapá, xangô, zabumba, zebra e mais 368 vocábulos que Renato Mendonça estudou, foram palavras, muitas delas gostosas, trazidas pelo negro escravo. • Que dizer da enorme contribuição do negro à culinária brasileira do Nordeste? Inúmeros são os pratos encontrados na área de sua maior freqüência: abará e acarajé, bambá e bobó, caruru e cuxá, dendê, efó, fufu, humulucu, ipetê, lelê, mungunzá e muqueca, olubo, quibêbe, quizibiu, sabongo, uado, vatapá, xinxin e uma porção de outras comidas gostosas, estudadas por Luís da Câmara Cascudo. Até na própria religião católica professada no Nordeste o negro tem dado uma colaboração especial. Nas artes, nas ciências e nas letras vamos encontrar negros enriquecendo e abrindo novos horizontes às suas atividades. • O folclore brasileiro tem seu lastro maior na herança do português colonizador. Os índios, por sua vez, mais filósofos do que os negros, sempre foram batuqueiros, e nos legaram muitas lendas explicando a origem das coisas terrenas e sobrenaturais, feitiçarias e pratos ligados à mandioca. Depois da contribuição portuguesa, a participação do negro no folclore brasileiro é a mais importante, quantitativa e, mesmo qualitativamente. Contribuição mais musical do que oral. E muito mais rítmica. O coco, o samba, o maracatu, a capoeira, o bate-coxa, a batucada, o batucajé, o bumba-meu-boi, o esquenta-mulher, o caiapós, o carimbó, as superstições, os tabus, os fetiches, são do negro. • Quando Deus acabou de fazer o mundo, ficou muito cansado. Ficou muito cansado mas ficou também muito contente. Os pássaros, as flores, as árvores, o mar, as borboletas, a brisa, o pôr-do-sol, tudo ficou muito bonito. Mas, quem é que ia admirar as belezas do mundo? Precisava de alguém para ouvir os pássaros, sentir o cheiro das flores, ver o vôo colorido das borboletas, sentir a brisa, viver o pôr-do-sol. Pensou, pensou, pensou e, com um pouco de barro, fez o homem. Achando que o homem estava muito só, fez, depois, a mulher. E assim foi se fazendo o povo. Só que tinha uma coisa: todos os homens e mulheres eram pretos, da cor do barro, que era de massapê. Como não gostassem de ser pretos, foram todos falar com Deus para que ele desse um jeito. Nosso Senhor ouviu a reclamação e mandou que todos fossem se lavar num poço. Os que encontraram a água limpa lavaram-se e ficaram brancos. Os que vieram depois já encontraram a água meio toldada, e, quando tomaram banho, ficaram mulatos. Os que chegaram por último, já encontraram pouca água e, assim mesmo, escura, e só fizeram lavar as palmas das mãos e as solas dos pés que ficaram quase brancos. Assim, os homens são brancos, mulatos e pretos desde o começo do mundo. É a estória que o povo conta, explicando por que os homens têm cores diferentes. • Apesar de sermos um povo sem preconceito racial, qualidade que herdamos do português colonizador que se misturou com o escravo africano e os índios, o que não aconteceu com o inglês na África, onde viveu até hoje isolado dos nativos – o negro, muito poucas vezes, sofre restrições sociais da parte de alguns brancos. De alguns brancos que nem são brancos de todo, é bom que se diga. Há, entretanto, uma rivalidade entre negros e brancos, principalmente entre brancas e mulatas quando se trata de conquistar os homens. E essa briga vem de muito longe, desde os tempos coloniais, quando os senhores de engenho com ainda bom sangue lusitano correndo nas veias, amavam doces escravas, misturando seus gemidos aos dos canaviais açoitados pelo vento. E esse problema sexual envolvendo senhores do engenho preferindo ebúrneas mucamas em detrimento de pálidas sinhás já foi magistralmente estudado por Gilberto Freyre em Casa-Grande & Senzala. • Mas, os brancos portugueses gostavam tanto do negro, de suas comidas, de seus batuques, de suas crendices religiosas, que incluíram no seu vocabulário muitas palavras ainda hoje correntes e vestiram sua linguagem com muito carinho e com muito dengo quando usaram a palavra negro na sua corrutela mais popular, nego. Minha nega, neguinha significam amor e carinho na boca dos brancos e até mesmo dos próprios pretos quando dialogam com a mulher amada. Informa Luís da Câmara Cascudo que Dom Pedro I, quando escrevia suas cartas e seus bilhetes à Marquesa de Santos, terminava sempre assim: "Seu negrinho Pedro".

NEGRO-E-ONÇA. É voz corrente, no interior, que a onça prefere a carne do negro à carne dos homens brancos, mulatos e morenos. Daí dizer-se que "Negro é comida de onça".

NEGRO-PRETO. Como se chama o negro retinto, da cor de ébano, luzidio, mais preto do que os negros comuns.

NELSON DE ARAÚJO nasceu no dia 4 de setembro de 1926, na cidade de Capela, SE. Fez o curso médio no Colégio Salesiano de Aracaju. Passando a residir em Salvador, militou durante longos anos como jornalista, revisor, tradutor, fotógrafo documentarista e laboratorista, repórter, articulista e factotum da Livraria Progresso. Em 1957 publicou seu primeiro livro Um acidente na estrada e outras histórias, com o qual ganhou o Prêmio Gerhard Meyer. Em 1959 veio a lume A companhia das Índias (teatro). Em 1960 foi convidado para ensinar História do Teatro na Universidade Federal da Bahia. Como teatrólogo, também escreveu várias peças, entre as quais Rosarosal, rosalrosa, Auto do tempo e da fé, Cinco autos do Recôncavo, e os trabalhos Alguns aspectos do teatro no Brasil nos séculos XVIII e XIX, História do Teatro, Duas formas de teatro popular do Recôncavo baiano, O baile pastoril da Bahia, La percepcion de la realidad africana en el Brasil (publicado na Argentina e em Portugal), Três novelas do povo baiano, Folclore e política. Em 1982, recebeu o Troféu Martim Gonçalves, como prêmio pelo conjunto de suas obras sobre teatro e em 1985, o título de Cidadão da Cidade de Salvador, Concedido pela Câmara Municipal de Salvador. Autor de outras peças de teatro, muitas das quais tendo o popular como tema, e de ensaios e artigos sobre o folclore do Recôncavo, Nelson de Araújo também se destacou como fotógrafo (menção honrosa com a foto Carroussel, no II Salão Baiano de Fotografia, 1969) e produtor de audio-visuais. Faleceu no dia 7 de abril de 1993, em Salvador.

NEM-COM-AÇÚCAR. De modo nenhum, por nenhum motivo.

NEM-QUE-CHOVA-CANIVETE. Veja NEM-COM-AÇÚCAR.

NINA RODRIGUES nasceu no dia 4 de dezembro de 1862, na cidade de Vargem Grande, MA. Fez o secundário no Seminário de N. S. das Mercês e no Colégio São Paulo. Começou a estudar medicina na Faculdade de Medicina da Bahia e concluiu o curso na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Regressou ao Maranhão, onde pouco demorou, fixando residência em Salvador, ingressando no magistério superior e dedicando-se às pesquisas de sua área de ação. Foi membro da Academia Maranhense de Letras. Publicou Os mestiços brasileiros (1890), O problema negro na América do Sul (1932), Os africanos no Brasil (1932), além de inúmeros ensaios, estudos e artigos em revistas especializadas. Faleceu em Paris, no dia 17 de julho de 1906.

NINAR. É botar o menino para dormir, acalentando, entoando cantigas de ninar. Veja ACALANTO.

. Os feiticeiros e catimbozeiros dão nós nos fios de algodão que simbolizam a vida humana. E os nós que os catimbozeiros e feiticeiros dão atrasam os negócios, botam as pessoas para trás.

NOITE. A noite tem muitos mistérios. Durante a noite não se deve pronunciar nomes malditos nem praguejar porque o Diabo ouve. É durante a noite que os fantasmas e as almas do outro mundo aparecem. Gemidos são ouvidos, gritos, animais horríveis, assombrações que nascem das sombras. Às altas horas da noite e pela madrugada acontecem os assaltos, os roubos.

NOITEIRO. No mês de maio cada noite uma pessoa se encarrega de enfeitar a igreja com flores e velas, foguetes-do-ar, pagar a banda de música, etc. Essa pessoa é o noiteiro, que deseja que sua noite seja a mais bonita de todas as noites da novena do mês de maio.

NOMES. Os meninos quando nasciam, antigamente, recebiam o nome do santo do dia, o nome do avô, ou do pai. As mães faziam promessas na hora do parto, para que tudo corresse bem. Depois, os pais passaram a registrar os filhos com o nome de homens ilustres, de pedras preciosas, de países. Atualmente, muitos recém-nascidos são registrados com nomes de personagens de novela, de filmes. Há, também, os pais que registram os filhos com nomes enormes, extravagantes, como no caso do menino que foi batizado como Tchaikovsky Johannsen Adler Pryce Jachmanfaier Ludwin Zollman Hunter Lins, nome que não vai caber em sua carteira de identidade, no seu título de eleitor e que o menino, na escola, vai levar muito tempo para aprender a escrever. O nome das pessoas é muito importante; a pessoa tem que carregá-lo durante toda a vida.

NOVA-SEITA. É o nome que se dava aos protestantes, evangélicos, batistas, presbiterianos e outros adeptos de seitas diversas, quando começaram a aparecer no Nordeste.
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O Dicionário completo pode ser obtido em http://sites.google.com/site/pavilhaoliterario/dicionario-de-folclore
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Fontes:
LÓSSIO, Rúbia. Dicionário de Folclore para Estudantes. Ed. Fundação Joaquim Nabuco
Imagem = http://www.terracapixaba.com.br/

Palavras e Expressões mais Usuais do Latim e de de outras linguas) Letra I



idem per idem
Latim: O mesmo pelo mesmo. Argumento vicioso, também chamado petição de princípio.

ignoti nulla cupido
Latim: Ao ignorante nenhum desejo. Pensamento de Ovídio equivalente a: Não se deseja aquilo que não se conhece.

il est avec le ciel des accommodements
Francês: Com o céu pode-se arranjar. Tartufo, personagem de Molière, julga poder acomodar-se mesmo com aqueles que primam pelo rigor.

ils sont trop verts
Francês: Estão muito verdes. Palavras da fábula "A Raposa e as Uvas", de la Fontaine. A frustração nos leva a fingir desprezo pelo que mais ambicionamos.

impavidum ferient ruinae
Latim: As ruínas ferirão o destemido. Horácio celebra a bravura e intrepidez do homem justo (Odes, III, 3 e 8).

imperium in imperio
Latim: Um império no império. Diz-se da usurpação, por parte de uma autoridade, das funções de outra.

improbus administrator
Latim: Administrador desonesto.

improbus litigator
Latim Direito: Litigante desonesto. O que entra em demanda sem direito, por ambição, malícia ou emulação.

in absentia
Latim Direito: Na ausência. Diz-se do julgamento a que o réu não está presente.

in abstracto
Latim: Em abstrato. Sem fundamento; teoricamente.

in actu
Latim: No ato. No momento de ação.

in aeternum
Latim: Para sempre; eternamente.

in albis
Latim: Em branco. Sem nenhuma providência. Diz-se também da pessoa vestida apenas com as roupas íntimas.

in ambiguo
Latim: Na dúvida.

inania verba
Latim: Palavras frívolas, ocas, inúteis.

in anima nobili
Latim: Em alma nobre. Med Experiência feita no ser humano.

in anima vili
Latim: Em alma vil; irracional. Med Experiência científica feita em animais.

in aqua scribere
Latim: Escrever na água, isto é, não manter a fé jurada: O que diz a mulher é mesmo que in aqua scribere (Catulo).

in articulo mortis
Latim: Em caso de morte iminente.

in bocca chiusa non entrò mai mosca
Italiano: Em boca fechada nunca entrou mosca.

in cauda venenum
Latim: O veneno está na cauda. Alusão ao escorpião, cujo veneno está na cauda. Aplica-se a um final de carta ou discurso em que se excedeu nas exigências, na linguagem ou na malícia.

Incipit
Latim: Começa. Forma verbal que iniciava as antigas obras literárias: Incipit Vita Nova (Dante Alighieri).

in continenti
Latim: Imediatamente.

incredibile dictu
Latim: Incrível de se dizer. Empregado mais interjetivamente.

inde irae
Latim: Daí, as iras. Palavras de Juvenal para explicar a origem das discórdias.

in dubio contra fiscum
Latim Direito: Na dúvida, contra o fisco.

in dubio libertas
Latim: Na dúvida, Iiberdade. Princípio de moral que autoriza a consciência duvidosa a agir livremente, quando na incapacidade de remover a dúvida.

in dubio pro reo
Latim Direito: Na dúvida, pelo réu. A incerteza sobre a prática de um delito ou sobre alguma circunstância relativa a ele deve favorecer o réu.

in extenso
Latim: Na íntegra.

in extremis
Latim: No último momento. O mesmo que in articulo mortis.

infandum, regina, jubes renovare dolorem
Latim: Mandas, ó rainha, renovar uma dor atroz. Palavras de Enéias, ao referir à rainha Dido a destruição de Tróia (Eneida, II, 3).

in fine
Latim: No fim. Refere-se ao fim de um capítulo, parágrafo ou livro.

in forma pauperis
Latim: Na forma de pobre. Dizia-se, outrora, dos que careciam de recursos para pagar a ação da justiça e as custas do processo, atestado de pobreza.

in foro conscientiae
Latim: No tribunal da consciência.

in fraudem legis
Latim Direito: Em fraude da lei.

in globo
Latim: Em globo; em massa; sem distinção das diversas partes.

in hanc diem
Latim: Até este dia; até o presente momento.

in hoc signo vinces
Latim: Com este sinal vencerás. Palavras que circundavam a cruz que se diz ter aparecido a Constantino antes da batalha da Ponte Mílvio, quando derrotou a Maxêncio em 312.

in illo tempore
Latim: Naquele tempo. Em tempo ou época muito remotos.

in integrum restituere
Latim Direito: Restituir por inteiro. Devolver a coisa no seu estado primitivo.

in limine
Latim: No limiar. Diz-se em linguagem parlamentar do projeto rejeitado em todos os seus itens. Inteiramente rejeitado.

in limine litis
Latim Direito: No limiar do processo. Logo no início do processo.

in loco
Latim: No lugar.

in manus tuas
Latim: Nas tuas mãos. Palavras que, segundo os Evangelhos, Cristo pronunciou na cruz ao expirar (Luc. XXIII, 46).

in medio stat virtus
Latim: A virtude está no meio. Princípio de ascética, que condena o relaxamento, ao mesmo tempo que o rigorismo.

in memoriam
Latim: Em memória; em lembrança de (colocado nos monumentos e lápides mortuárias).

in mente
Latim: Na mente, no espírito.

in naturalibus
Latim: Em nudez.

in nomine
Latim: Em nome; representando a outrem.

in octavo
Latim: Em oitavo.

inops, potentem dum vult imitare, perit
Latim: O pobre, quando quer imitar o poderoso, perece.

in ovo
Latim: No ovo; no embrião; ainda por nascer.

in pace
Latim: Na paz.

in partibus infidelium
Latim: Nas regiões dos infiéis. Diz-se do prelado designado aos países de missão, sem residência fixa.

in pectore
Latim: No peito. Intimamente, secretamente.

in perpetuam rei memoriam
Latim: Para recordação perpéua da coisa. Inscrição colocada nos monumentos históricos.

in plano
Latim: Em plano. Diz-se da folha impressa que forma um só folheto ou duas páginas.

in poculis
Latim: No meio dos copos; a beber.

in posterum
Latim: No futuro.

in praesenti
Latim: No tempo presente; agora.

in puris naturalibus
Latim: Em estado de natureza, na pureza original: O homem, in puris naturalibus, não pode pecar (Rousseau).

in quarto
Latim: Em quarto.

in re
Latim: Na coisa, em realidade, efetivamente, positivamente: Não é fantasia, mas tem fundamento in re.

in rerum natura
Latim: Na natureza das coisas.

in sacris
Latim: Nas coisas sagradas.

in saecula saeculorum
Latim: Pelos séculos dos séculos. Para sempre (expressão litúrgica).

insalutato hospite
Latim: Sem saudar o hospedeiro. Sem saudar o dono da casa.

in silva non ligna feras insanius
Latim: Não (seria) mais insano levar lenha para a floresta.

in situ
Latim: No lugar. No lugar determinado.

in solido
Latim: Em sólido; na massa. Dir Solidariamente.

in speciem
Latim: Na aparência; em forma de.

in spiritualibus
Latim: Nas coisas espirituais.

instar omnium
Latim: Como todos; à maneira dos demais.

intelligenti pauca
Latim: Ao que compreende, poucas palavras. Corresponde a: Para bom entendedor meia palavra basta.

in temporalibus
Latim: Nas coisas temporais.

in tempore oportuno
Latim: Em tempo oportuno. No momento conveniente.

inter amicos non esto judex
Latim: Não sejas juiz entre amigos.

inter arma charitas
Latim: Caridade no meio das armas (entre os combatentes). Divisa da sociedade da Cruz Vermelha.

in terminis
Latim Direito: No fim. Decisão final que encerra o processo.

inter pocula
Latim: No ato de beber, entre os copos, na festa: Discursar inter pocula.

inter vivos
Latim Direito: Entre os vivos. Diz-se da doação propriamente dita, com efeito atual, realizada de modo irrevogável, em vida do doador.

in totum
Latim: No todo; na totalidade.

intra muros
Latim: Dentro dos muros. No interior da cidade.

in transitu
Latim: De passagem.

in utroque jure
Latim: Em ambos os direitos, o Civil e o Canônico.

intuitu personae
Latim: Direito: Em consideração à pessoa.

in vino veritas
Latim: No vinho (está) a verdade.

invita Minerva
Latim: Contra a vontade de Minerva. Horácio refere-se aos autores sem talento ou inspiração que insistem em escrever.

in vitium ducit culpae fuga
Latim: A fuga da culpa conduz ao vício. Pensamento de Horácio.

in vitro
Latim: No vidro. Expressão que indica as reações fisiológicas feitas fora do organismo, em tubos de ensaio.

in vivo
Latim: Expressão que designa as ações e as experiências nos seres vivos.

io non so littere
Italiano: Não sou letrado. Palavras do papa Júlio II a Miguel Ângelo que queria colocar um livro na mão da estátua desse papa. Este preferiu uma espada.

ipsis litteris
Latim: Pelas mesmas letras; textualmente.

ipsis verbis
Latim: Com as mesmas palavras, com as próprias palavras.

ipso facto
Latim: Só pelo mesmo fato; por isso mesmo, conseqüentemente.

ipso jure
Latim Direito: Pelo próprio direito; de acordo com o direito.

ira furor brevis est
Latim: A ira é uma loucura passageira. Pensamento de Horácio.

is fecit cui prodest
Latim: Fez aquele a quem aproveitou. Quase sempre pratica um delito aquele que dele tira proveito.

is pater est quem nuptiae demonstrant
Latim Direito: É pai aquele que as núpcias indicam. Não se supõe a paternidade atribuída a outro, enquanto perdura o matrimônio.

It
Inglês: Magnetismo, encanto pessoal.

ita diis placuit
Latim: Assim aprouve aos deuses. Foi inevitável.

Italia farà da sè
Italiano: A Itália agirá por si (sem precisar de ajuda). Frase usada pelos líderes italianos durante a campanha da unificação.

ite, missa est
Latim: Ide, está terminada. Palavras com que o padre despedia os fiéis ao terminar a missa. Hoje usa o vernáculo: Ide em paz, que Deus vos acompanhe.
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As outras letras:
Fonte:

Anderson Braga Horta (Antologia Pessoal)



SALMO PARA CÉLIA

Olho-te — lúcida no cristal do dia,
suave entre as sedas da noite.

Olho-te na azáfama quotidiana,
entre os mil afazeres do lar que estruturas.
E tu és o dínamo que move os motores do mundo,
a cornucópia que nem sempre se vê por trás das dádivas.

Olho-te sentada,
imersa no cosmo de tuas costuras.
O que cirzes é mais do que meias,
o que pregas e repregas é mais do que botões,
o que surge pronto ou refeito de tuas mãos mágicas, milagrosas,
é mais do que peças de roupa.
São vidas que saem de tuas mãos
e se libertam
e estão, e estarão sempre presas a ti.

Tantos anos de caminhada solidária!
Tantas cicatrizes! Luminosas cicatrizes
dos frutos gerados de teu amor,
amadurados ao calor do teu seio.

Olho-te sempre.
Os pés às vezes tropeçam,
as mãos às vezes tateiam,
as palavras falham.
Mas o amor a tudo provê
e tudo remedeia,
e assim nada está realmente perdido,
mesmo quando as torres da incompreensão lançam sua sombra no vale.
O dia que nasce de tuas mãos
é suave e acolhedor como a noite.
A noite que escorre de teus dedos
tem mais luzes que o meio-dia.

Vejo-te inclinada
sobre os infinitos mistérios do teu minúsculo reino.
Que não tem termo, afinal, porque bebe-lhe as praias o pélago do espírito.
Os óculos atentos
carregam as insônias fecundas.
No tremor das mãos
vibram os raios generosos das bênçãos.
A cor dos cabelos começa a cansar-se,
mas a alma não esmaece.

Cada ruga cristaliza
mil cuidados de amor, e em cada uma
cintila o amor inteiro, como o sol
que se reparte e não se apouca.

Inclino-me à tua fonte,
à estrela em que te disfarças,
à galáxia em que toda resplandeces.
E beijo com ternura os teus cabelos brancos.
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A TARTARUGA

Eu venho donde vem o infinito da Vida,
do crespo e ardente oceano em toda parte ondeando,
da explosão inefável
do que chamais abismo, e é tudo, e é nada,
no pulso intemporal de quanto existe
e de quanto é oculto.
Vivo porque o Mistério impõe que eu viva,
e na vaga da Vida
—sonho que vou sonhando e que me sonha—
eu beijo a mão do Arcano e o lábio do Sigilo,
e reflito no olhar, como um memento,
o olhar do que é, não sendo.

Os olhos tenho abertos
para a impressão do nimbo e do relâmpago,
da água turva e do ar claro,
do céu-mar que se abre e se desdobra
à avidez do meu nado, de meu nada.
Mas não vêem o tempo além do agora,
o segundo futuro,
próximo como o que se foi há um átimo,
e no entanto remoto
como a encoberta eternidade.

Vi o homem de gatinhas,
na semente animal ainda indiferenciado.
Ouvi seus balbucios.
Fiz minha mão a mão que fez o arado,
que faiscou na pedra um firmamento
fugaz de estrelas árdegas.
Tomei-lhe da mão trêmula
a ensaiar-se divina
no primeiro rabisco
do primeiro alfabeto,
na prisca partitura
da vindoura vertigem
de encontrar-se maior que a imensa origem.

Das figuras rupestres das cavernas
subi ao zigurate dos sumérios.
Cunhei sonhos avoengos nos ladrilhos.
Andei Índias e Chinas
do Oriente e do Ocidente.
Topei do Egito o sacro escaravelho.
De tudo em toda parte uma imagem ficou-me
gravada na retina que não vedes.

Sei do amor e do ódio,
sei do hino e do vômito,
sei da paz e da guerra,
sei do mar e da terra,
sei do céu e do éter,
sei da carne e do espírito.

Muito eu tenho vivido,
tanto amado e sofrido
e pecado e ascendido. Respeitai-me,
se não por vós, grumetes
que o Mar aleita ainda,
pela Vida que em mim se fez tempo e caminha
para fazer-se eternidade.

Que novas cores beberei? Que músicas
fluirão no meu dorso? Que suaves,
que pétreos tatos guardarei no olfato,
no paladar, na pele, na retina?

Eu continuo. Adiante!
Para onde, afinal?
Que universo, que abismo
espera por meus pés na curva do infinito?

Eu vou para onde ireis:
para Além, para o Enigma.
Eu vou para onde vai o infinito da Vida.
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SÍSIFO

Rompe a manhã, senil, semeada de escombros.
Perde-se o meio-dia entre nimbos. Escura
pende a tarde, sabendo a cinza e sepultura.
O poeta carrega a noite sobre os ombros.
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RIO

Alguma coisa se desata em mim,
de mim, quando, na música, disperso
o pensamento, o acústico universo
me transporta, num périplo sem fim.
De outro modo, tão outro, e entanto afim
deste fluir, um mesmo e tão diverso
banimento do ser move o meu verso,
e me comove, em êxtase malsim.

Um êxtase que aos astros me delata,
se na barca de uns lábios de escarlata,
no ondear de uns seios langues, no alfenim

do longo enleio, embalo-me de sonho.
E quando os olhos nos teus olhos ponho
sinto que um rio se desata em mim.
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(A)MAR(O)

Em março o mar soletra
sol e ar e luar.
E o pescador espera,
a cismar,
que das espumargênteas
vagalínguas a ondear
saia a palavra peixe.
E põe-se a piscicar,
de anzol, tarrafa, rede,
arpão, — o mar.
Tempera-se a salina
escuma na carícia
doce do ar.
Chispam gaivotas-hifens
a mergulhar,
relâmpagos de união
entre ar e mar.
E o pescador espera.
O mar tostou-lhe a cara,
pôs-lhe vagas no olhar
e na pele. Sua alma
tem um fundo de sal.
Mas deu-lhe o mar um vago
íntimo marulhar
que em março, abril, desmaios
de amor lhe dá.
E essa amável magia
é que o faz esperar,
de janeiro a dezembro,
no seu destino claro:
amar o mar amaro.
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CIRANDA

A minha Mãe

Perdeu-se um dia uma pena
da asa do tempo sem fim,
veio vogando e, serena,
pousou bem dentro de mim.

Trouxe um vôo perfumado
de amburanas de um jardim
seguramente encantado,
que o encantei dentro de mim.

Caiu no centro de nada
do sem-tempo donde vim
e cantou-me em voz calada
cantigas de então e assim.

Doces violões de brumas,
claros pianos de alfenim.
E à brisa, em coro de plumas,
palavras-vida de mim —

quermesse, roda, cantiga,
bisorro, corgo, capim —
palavras-coisas de antiga
aurora perdida em mim —

moça, romã, romaria,
chilreios de passarim —
palavras-lumes que um dia
luziram manhãs em mim —

sanfonas, neblina, aurora,
galopes de cavalim —
palavras cantando agora
no antigamente de mim.

E eu era um barco e era o brando
mar sem tempo do sem-fim,
era a ciranda girando
desse outro eu que havia em mim.

Mas veio o vento do mundo,
um vento adulto e ruim,
fez um remoinho profundo,
levou-me a pena por fim.

Ai, pena, por que voaste
do meu coração assim
e sem pena me deixaste
perdido num eu sem mim?
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ODE À ÁGUA

Quisera ser a Água.
não ter o prejuízo da forma,
pra poder compreender todas as formas.
cor nem cheiro,
para impregnar-me de todas as cores da Terra
e de todos os perfumes das matas e dos campos.

§

A Água fotografa na retina móvel
lava na alma compassiva
as grandezas e misérias da Terra.
A Água quando se turva
é num segredo de útero
para o gesto dos peixes e das algas.
quando se salga
é a grande lágrima do Mundo — o Mar.

§

Sangue nas veias do Planeta,
a Água nos rios flui. Vai sem pergunta,
sem plano e sem mealheiro.
Existe, e é útil: cumpre o seu destino.
Sabe que a espera o Mar.

Também sabemos
que nos espera um Mar.
Mas a Água sabe mais que nós:
o de que esquivamos nosso olhar:
que toda ela é o Mar.
E sobretudo sabe
que há de ir e de voltar
até a consumação dos ciclos.
Nem se lamenta. Sabe,
não há o que lamentar.

§

No Mar!...
Ah música de espumas!
No Mar!...
Ah vinhos de marulhos!
Ah conchas de silêncio!
Ah solidão do todo!
No Mar!...

E o Grande Coração bombeia as águas
para as artérias do ar.

§

A Água quando se eleva
não sabe de orgulho, nem de mesquinha altura.
Sabe a fortuna dos ventos,
a fecundidade das trevas.
E cumpre a Lei. Rosa
de nuvens
dá-se.

§

Água:
Vida que ao Sol nos move
e me comove.
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Anderson Braga Horta (1934)



O Autor por Ele Mesmo

Nasci na cidade mineira de Carangola, em 17 de novembro de 1934. Meu pai, o advogado Anderson de Araújo Horta, e minha mãe, Maria Braga Horta, eram professores e poetas. Assim, criado num ambiente de respeito à cultura e amor aos livros, posso dizer que recebi em casa mesmo os primeiros estímulos literários.

A família morou, sucessivamente, em Carangola, Manhumirim, Belo Horizonte, novamente em Manhumirim, depois em Resplendor, Mutum, outra vez em Carangola. Já então acrescida dos manos Arlyson, Augusto Flávio e Maria da Glória. Em 1942 fomos para Goiás, passando três anos na antiga e dois na nova capital do Estado. Em Goiás Velho nasceu o caçula, Goiano.

De volta a Minas, novo périplo em redor de Manhumirim, onde residiam meus avós maternos: Aimorés, Mantena, Lajinha, cidades que eu visitava nas férias, pois, tendo começado o ginásio em Goiânia, fiz, nesse período (de 1947 a 1953, para ser exato), as três últimas séries em Manhumirim e o clássico em Leopoldina. Já me encontrava no Rio de Janeiro, cursando Direito, quando para lá se mudou a família, em 1956.

Transferi-me para Brasília em julho de 1960, como redator da Câmara dos Deputados, a cujo serviço fora admitido em 1957 como datilógrafo. Os irmãos foram também atraídos pelo Planalto Central, a que finalmente aportaram os pais, em 15 de novembro de 1964.

Exerci ainda o jornalismo e o magistério, tanto no Rio quanto em Brasília. Meu primeiro trabalho, contudo, foi como securitário, na Velha Capital, a não ser pelos meses em que lecionei no Seminário de Leopoldina, cidade em que prestei, após o curso clássico, o serviço militar (tiro-de-guerra).

Já radicado em Brasília, casei-me no Rio, em 1962, com a capixaba (de Cachoeiro de Itapemirim) Célia Santos. No ano seguinte nasceram os gêmeos, brasilienses, Anderson e Marília.

Meus pais aqui faleceram, mamãe em 1980, papai cinco anos depois.

As primeiras impressões literárias que retenho datam da cidade de Goiás: uma página de Humberto de Campos em que o autor, na primeira pessoa, confessava um furto de menino —o que me deixou consternado—; e o “Pequenino Morto”, de Vicente de Carvalho, cujos melodiosos hendecassílabos encheram minha alma infantil de tristeza. Em Goiânia me tornei leitor voraz de histórias em quadrinhos e de todos os livros que havia em casa — Gato Preto em Campo de Neve e Clarissa, Ecce Homo e Assim Falava Zaratustra, Meu Destino É Pecar (isso mesmo, o livro proibido de Nélson Rodrigues) e o mais em que pude pôr a mão e os olhos. A impossibilidade de compreender tudo não era obstáculo ao entusiasmo do jovem devorador de letras.

Por essa época, apesar da força atrativa dos quadrinhos, que me guiou a mão numa série de rabiscos, até mesmo numa historieta de texto e desenhos típicos, o autor mais amado foi, sem dúvida, Monteiro Lobato, por sua obra infanto-juvenil, que reputo ainda hoje incomparável.

Mas quem me levou a escrever poesia, conforme tenho repetido em páginas de depoimento literário, foi mesmo Castro Alves. As primeiras tentativas, frustradas, resultantes em prosa ritmada, datam de Manhumirim, ao tempo em que freqüentava o Colégio Pio XI. As primeiras realizações, de Leopoldina, em 1950.

A outra grande influência de então foi Bilac. E, depois, tantos poetas que nem convém enumerar! Dos clássicos aos românticos, dos parnasianos aos simbolistas, desses aos modernos, que me ensinaram a quebrar o verso, sem descartar a tradição.

Penso que o poeta não pode deixar de se assenhorear das técnicas do verso, embora a técnica, obviamente, não seja tudo. Que ao escritor compete extrair do potencial de sua língua toda a cintilação que possa, dignificando-a sempre. Que escrever é atividade intelectual, sim, mas não se esgota no âmbito do intelecto; que o poeta há de comover-se e comover, sim, mas não se há de entregar, ingenuamente, à emoção desassistida da inteligência, porque a emoção, por si só, não é ainda arte, não é ainda poesia. Que a esse amálgama de pensamento, emoção, sentimento que é o poema não se deve tolher o voltar-se para a sorte do homem no espaço e no tempo, seja do ponto de vista filosófico, seja do social; pois à poesia, arte da palavra, interessa necessariamente tudo o que de humano se possa representar nela. E que, portanto, a arte do poeta há de ser mais complexa, mais completa, mais abrangente e mais profunda do que tendem a fazê-la os jogos —algumas vezes brilhantes— a que pretendem reduzi-la correntes revolucionárias.

Isso posto, confessadas, via de conseqüência, as minhas próprias limitações, passo, com a possível humildade, ao balanço de quatro décadas de produção poética —omitida, quase totalmente, a inicial—, balanço em que, de algum modo, se traduz a seleção de poemas que ofereço ao leitor.

Brasília, 31 de maio de 1999

Fonte:
Academia Brasileira de Poesia da Casa de Raul de Leoni

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Petrus Alphonsus (Humor do Século XII)



Petrus Alphonsus é um erudito judeu (nascido em 1062) que - após abraçar a fé cristã (em 1106) -, para ajudar a formação do clero (e, certamente, também como repertório de exemplos para a pregação), compôs a Disciplina Clericalis, uma obra voltada para a educação moral.

Em seu Prólogo, o autor declara que optou por recolher provérbios e fábulas (em boa parte provenientes da tradição oriental árabe), por pretender tornar os ensinamentos amenos, divertidos e mais acessíveis à memória. Por isso, "compus este livrinho, tomando-o... em parte, dos exemplos morais dos árabes, com fábulas, versos e comparações com animais e aves".

Assim, Alphonsus, apresenta também algumas anedotas como os casos do servo Maimundus nigrus, o sagaz preto Maimundo (o nome Maimundo, de nítida ressonância semítica, acentua, em latim, o preconceito, por sugerir immundus), guloso, falador e preguiçoso que nunca se dá mal, uma espécie de Macunaíma ou Pedro Malazartes da época.

As Piadas do Preto Maimundo

O senhor de Maimundo ordenou-lhe, certa noite, que fosse fechar a porta. Maimundo - que, oprimido pela preguiça, nem podia se levantar - respondeu que a porta já estava fechada.

Ao alvorecer, disse-lhe o senhor: "Maimundo, vai abrir a porta".

Maimundo: "Como eu sabia que o senhor havia de querê-la aberta hoje, nem cheguei a fechá-la ontem".

O senhor, percebendo que, por preguiça, não a tinha fechado, disse-lhe: "Levanta-te e faz o que tens de fazer, pois é dia e o sol já está a pino".

Maimundo: "Se o sol já está a pino, então dá-me de comer".

Senhor: "Servo mau, nem amanheceu e já queres comer?"

Maimundo: "Bom, se não amanheceu, então deixa-me continuar dormindo".

***

Em outra noite, disse o senhor a seu servo: "Maimundo, levanta e vai ver se está chovendo!". Maimundo, porém, chamou o cachorro que estava deitado fora da porta e, quando ele chegou, apalpou-lhe as patas. Vendo que estavam secas, disse: "Não, senhor, não está chovendo!".

***

Noutra ocasião, também de noite, o senhor perguntou a Maimundo se tinham lume na casa. O servo chamou o gato e apalpou-o para ver se estava quente ou não. Como o gato estivesse frio, respondeu: "Não, senhor, não temos fogo!"

***

Contam que o senhor voltava do mercado, todo contente pelo bom lucro que tinha auferido. E veio Maimundo a seu encontro. O senhor, ao vê-lo, temeu que viesse dar más notícias, como era de costume, e advertiu-o:

"Olha lá, Maimundo, não me venhas com más notícias!"

"Não contarei más notícias, senhor, mas nossa cadelinha Bispella morreu".

"Como foi que ela morreu?".

"Nossa mula, assustada, quebrou o cabresto e, ao fugir, esmagou-a sob suas patas".

"E o que aconteceu com a mula?"

"Caiu no poço e morreu".

"E como foi que ela se assustou?".

"É que teu filho caiu do terraço e morreu. Com a queda, a mula assustou-se".

"E sua mãe, como está?".

"Morreu de dor pela perda do filho".

"E quem está tomando conta da casa?".

"Ninguém, porque virou cinzas: a casa e tudo o que nela havia".

"Como começou o incêndio?"

"Na mesma noite em que a senhora morreu, a criada, no velório pela senhora defunta, esqueceu uma vela acesa na câmara e começou o incêndio, que se espalhou pela casa toda".

"E onde está a criada?".

"Ela quis apagar o fogo, mas caiu-lhe uma viga na cabeça e ela morreu".

"E tu, como conseguiste escapar, sendo tão preguiçoso?"

"Quando vi a moça morta, fugi"

***

A Piada do Pastor e do Mercador

Um pastor sonhou que tinha mil ovelhas. Um mercador quis comprá-las para revendê-las com lucro e queria pagar duas moedas de ouro por cabeça. Mas o pastor queria duas moedas de ouro e uma de prata por cabeça. Enquanto discutiam o preço, o sonho foi-se desvanecendo. E o vendedor, dando-se conta de que tudo não passava de um sonho, mantendo os olhos ainda fechados, gritou: "Uma moeda de ouro por cabeça e você as leva todas...".
––––––––––––
Nota:
Do Disciplina Clericalis, foi apresentado a tradução de algumas piadas dos capítulos 28 e 31: Exemplum de Maimundo Servo e Exemplum de Opilione et Mangone (do cap. XXXI). Para a tradução, valeu-se do original latino, apresentado por Angel González Palencia, Madrid-Granada, CSIC, 1948.
––––––––––-
Fontes:
– LAUAND, L. J. (org.) Oriente & Ocidente VII- Idade Média: Cultura Popular, São Paulo, DLO-FFLCHUSP / Edix, 1995.
– Imagem = Castelos Medievais

domingo, 14 de junho de 2009

Trova XXI

Folclore Brasileiro (O Amigo da Onça)


A literatura popular brasileira também tem seu riso próprio, suas boas histórias e seus personagens marcantes. É o caso do Amigo da Onça, que virou a marca registrada do desenhista de humor Péricles Maranhão na revista Cruzeiro dos anos de 1950. E acabou consagrando-se como uma expressão de uso corrente na nossa língua. Uma das melhores versões desta literatura de origem oral foi registrada por Lindolfo Gomes em 1931, em Contos Populares Brasileiros.

A Onça, que é bicho valente - mas nem sempre atilado, como se pensa -, estava quietinha no seu canto quando lhe apareceu o compadre Lobo e lhe foi dizendo:

- Saiba de uma coisa, comadre Onça: você - com perdão da palavra - não é, como supõe, o bicho mais valente e destemido que existe no mundo, nem também o Leão, com toda a sua prosa de rei dos animais.

- Como assim! - gritou a Onça, enfurecida. - Então, como é isso, grande pedaço de idiota? Haverá bicho mais valente e poderoso do que eu?

O Lobo, adoçando a voz, respondeu:

- Ó comadre, me perdoe. Estou arrependido de dizer tal coisa... Mas a minha intenção foi preveni-la contra um "bicho" terrível que apareceu nesta paragem. Uma pessoa prevenida vale por duas.

- Sim, não deixa você de ter alguma razão - acudiu a Onça mais acomodada. Mas sempre quero saber o nome desse bicho. Como se chama?

- Esse bicho, compadre, chama-se "homem", conforme me disse o amigo papagaio. Nunca vi em minha vida animal de mais perigosa valentia. Ele sim, e ninguém mais, é o que me parece ser mesmo o verdadeiro rei dos animais. Basta dizer que, de longe, o vi matar, com dois espirros, nada menos do que um leão e uma hiena. Ih! Compadre, com o estrondo dos espirros parecia que tudo ia pelos ares. Deus nos livre!

- Oh! Compadre, não me diga!

- É como lhe conto. E o que mais admira é ser o "bicho-homem" de pequeno porte. Parece até fraco, e é muito mal servido de unhas e dentes. Deve ser um "bicho" misterioso e encantado.

- Pois bem, compadre, estou curiosa, e desejo que, sem demora, me conduza ao lugar onde se encontra tão estranho animal.

- Ah, compadre, peça-me tudo, menos isso. Pelos estragos que, de longe, vi o homem fazer, com seus malditos espirros, nunca me atreveria a tal aventura...

- Pois queira ou não queira, tem de mostrar-me o "bicho", ou então, agora mesmo perderá a vida.

- lá por isso não seja - disse o Lobo amedrontado. - Iremos. Mas havemos de tomar todas as precauções. Eu - com a sua licença - posso correr mais do que a comadre.

Assim, levaremos uma embira daquelas que não arrebentam nunca. Amarro uma das pontas no pescoço da comadre e a outra em minha cintura. Em caso de perigo, se for preciso fugir, a comadre e eu corremos...

- Fugir! Veja lá o que diz! Você já viu, "seu" podrela, alguma vez onça fugir?

- Não me expliquei bem. Eu é que fugirei. A comadre será apenas arrastada por mim. Isso não é fugir. Está certo?

- Está bem. Faremos como propõe.

E partiram. A Onça com a embira atada ao pescoço, e o Lobo, muito respeitoso e tímido, a puxá-la.

Quando chegaram ao destino, o "bicho-homem", surpreendido ao avistá-los, tirou da cinta a garrucha e, atarantado, bateu fogo, isto é, espirrou. uma, duas vezes, que foi mesmo um estrondo de todos os diabos.

O Lobo então mais que depressa disparou numa corrida desabalada, redobrando quanto podia as forças para arrastar a Onça pela forte embira "que tinha atado no pescoço dela".

De repente, já muito distante, o Lobo sentiu que a Onça estava mais pesada. Parou então e contemplou a companheira estendida no chão, com os dentes arreganhados, sem o mais leve movimento.

O Lobo, sem perceber que a Onça havia morrido enforcada no laço da embira - antes pensando que estivesse apenas cansada -. disse-lhe, tremendo como varas verdes:

- He lá, comadre! Não ri não que o negócio é sério!

Fonte:
COSTA, Flávio Moreira da (organizador). Os 100 Melhores Contos de Humor da Literatura Universal. 5.ed. RJ: Ediouro, 2001.

Paulo Corrêa Lopes (Contos: Um Caso Estranho – História De Uma Traça)



UM CASO ESTRANHO

Não sei se no momento eu contemplava as águas da enchente ou se pensava em outras épocas, quando uma boca com dentes de outro me interrompeu:

- Tenho ordem de prendê-lo como envolvido no crime da mala.

- Que mala? - indaguei ainda surpreso, como alguém que acabasse de descer de Marte ou de outra região qualquer.

- Siga-me que na delegacia tudo será esclarecido.

Diante do tom autoritário com que a boca com dentes de outro me falava, resolvi seguir o investigador. Atravessamos uma rua deserta, cruzamos uma praça cheia de crianças brincando, desembocamos num largo e por fim entramos num prédio baixo com aspecto de casa de comércio.

Quando menos esperava, fui empurrado para dentro de uma sala escura onde o delegado de plantão me recebeu com ar teatral:

- Então! Custou mas caiu nas mãos da justiça! Ninguém escapa da lei! Confesse, que é a única cousa inteligente que tem a fazer!

A princípio achei graça em tudo aquilo. Pensei mesmo que estava sendo vítima de uma brincadeira de mau gosto. Depois, diante da insistência do delegado, comecei a suar frio. Que sabia eu do crime da mala? É bem possível que alguém, parecido comigo, tivesse cometido o crime pelo qual me acusavam. Há tanta gente parecida no mundo. Ainda há tempos encontrei no bonde um cidadão tão parecido com Henry Fonda que fiquei abismado. Tinha até o jeito de sorrir do simpático artista. Por um pouco não chamei a atenção do cavalheiro para o fato. O próprio delegado, que me interrogava, tinha qualquer cousa de semelhante com o investigador que me havia dado voz de prisão. O verdadeiro culpado talvez se parecesse comigo. Não encontrava outra explicação para tudo aquilo. De súbito fui despertado pela boca com dentes de ouro, que me disse:

- Acompanhe-me.

Segui como um autômato o investigador que me fechou numa sala tão baixa que tive que me curvar para não bater com a cabeça no teto. Justamente no momento em que me curvei, dei com um morto estendido dentro de uma mala meio aberta. Recuei e fiz um grande esforço para não gritar. O morto parece que me acusava com os seus olhos parados, com os seus olhos que vinham de um outro mundo. Tive a impressão de que estava sendo vítima de uma alucinação. Os olhos do morto parece que se dilatavam cada vez mais.

Dominei-me a custo de debrucei-me sobre o morto para examinar melhor a sua fisionomia e não pude conter um grito: o morto era eu. Era eu que estava dentro da mala meio aberta...
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HISTÓRIA DE UMA TRAÇA

Conheci uma traça que se tornou espírita por ter passado uma temporada dentro de um volume de Allan Kardec.

Nunca vi espetáculo mais engraçado do que ouvi-la dissertar sobre a teoria da reencarnação para o aperfeiçoamento das almas.

Por mais que eu tentasse convencê-la do absurdo do espiritismo, nada pude conseguir. Parece que a traça sentia certo bem-estar íntimo.

Certa vez confessou-me:

- Numa vida anterior fui um elefante que vivia feliz nas florestas da Abissínia. Uma tarde, quando me dirigia a um lago para matar a sede, fui ferido em pleno coração pelo poeta Rimbaud, que negociava com marfim para esquecer seu sonho de poesia.

- Você, que me ouve, dizia-me, talvez já tenha sido um tigre e um dia será uma árvore.

Era uma traça terrível. Falava com tanto ardor que muitas vezes pensei que fosse amiga do vinho. Porém, verifiquei com o tempo que detestava a bebida porque o álcool ataca o fígado. Não era, como se vê, por virtude que não bebia.

Ainda me lembro do meu último encontro com a traça. Foi numa noite fria de agosto. O minuano soprava com tanta força que parecia um demônio em liberdade. Nesse encontro ela me falou sobre a loucura. Disse-me que a loucura se dá quando espírito de um morto encarna no corpo de um ser vivo. O espírito dono do corpo protesta contra o usurpador e o usurpador resiste; trava-se a luta e a luta é a loucura.

Depois dessa noite nunca mais a vi. Talvez a esta hora tenha voltado ao volume de Allan Kardec para resolver alguma dúvida que haja surgido em seu cérebro teimoso de traça.
––––
Fontes:
– LOPES, Paulo Corrêa. Um caso estranho. RS: Ed. do autor, 1942.
– COSTA, Flávio Moreira da (organizador). Os 100 Melhores Contos de Humor da Literatura Universal. 5.ed. RJ: Ediouro, 2001.
– Imagem = Sherlock Holmes Br

Mario Quintana (Memória de Paulo Correa Lopes)


Tua poesia não leva à loucura, poeta
Porque sempre voltaste com uma voz mais pura,
Não a voz bramidora e cava dos profetas
Mas um fluir de pura fonte oculta
Na mata...E é como se ir andando descalço sobre a relva
E descobrir de súbito o Trevo de Quatro Folhas
De que nem se sabia que andava à procura
E fica-se um tempo olhando, olhando, sem colhê-lo...
E a tua voz é mansa como quem acaricia o pelo
De um animal doente...Mas a verdade é que
Tua poesia faz bem a gente...
Por que infernos andou a tua pobre alma perdida
Para falar de Deus tão simplesmente
Que até deixaste uma esperança em nossa vida?
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Paulo Corrêa Lopes (Obra Poética)


Homens Humildes

Ninguém sabe a história dos homens humildes
Que adormeceram para sempre.
Ninguém sabe as horas boas ou más
Que viveram na terra.
Ninguém sabe o impossível que sonharam
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Salomé

Só, na cisterna, João Batista em prece
sonha. Estente-se a noite silenciosa,
e, na nudez da solidão piedosa,
o desespero que o tortura esquece.
Dorme o palácio. Salomé ansiosa,
como pantera atroz que se enraivece,
em contorções se agita, e se estremece,
debruçada num tálamo de rosa…
Quase nua se ergue, e altivamente,
nos estos da volúpia que a devora,
desprende as tranças sobre a espádua ardente.
Treme-lhe o lábio aparecendo um beijo,
clama pelo Profeta, e anseia, e chora,
nas algemas da carne e do desejo!
-==================
Amor

Duvido das canções de amor que leio,
na incerteza brutal que me crucia,
porque é tão mudo o amor que me inebria
que se oculta, medroso, no meu seio.

Desminto os poetas sem nenhum receio,
porque cantam o amor em fantasia.
Quem confessar que amou numa poesia,
não me persuadirá, porque não creio.

O amor que é Deus, que é Luz, que é Som, que é Glória
em cujas chamas divinais me inflamo
ninguém traduz na vida transitória!

E é para não turvar meu sonho lindo,
que, nestes versos, não direi que te amo,
porque podes pensar que estou mentindo.
========================

Largai as velas

Largai as velas que o mar é largo!
Para longe, para o fim de tudo!
Largai as velas
E vereis como é mais bela a vida
Entre relâmpagos e abismos!
Largai as velas que o mar é largo
E embala os corações
Que não tremem diante do mistério.
----
Fontes:
– JORGE, J. G. De Araújo. Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou . SP: Ed. Theor.
http://poemadodia.wordpress.com/category/paulo-correa-lopes/
http://gramadosite.com/cultura/artigos/juarez/id:6180

Paulo Corrêa Lopes (19 Julho 1898 - 9 Setembro 1957)

Nasceu na cidade de Itaqui em 19 de julho de 1898. Paulo Corrêa Lopes, orfão de pai aos 11 anos, emigrou com a mãe Maria Dolores para São Paulo, onde realizou as primeiras letras e formou-se professor com o diploma de normalista, em 1918. Em suas inquietas andanças esteve no Rio de Janeiro atraído pelo ambiente literário e lecionou primeiras letras no interior de São Paulo. Colaborou para diversas revistas e jornais do Rio e de São Paulo. Voltou definitivamente para Porto Alegre em 1929, onde exerceu várias atividades: professor, redator de jornal, prático de farmácia e sendo oficial administrativo da Secretaria do Interior, cargo em que se aposentou em 1948.

Revelou-se grande modernista após a experiência parnasiana de Penumbra, em 1919. As obras seguiram-se em pequenos volumes, em que se encontram as vivências de uma alma em luta com os valores transitórios em busca da união perene com o Amor absoluto. Os títulos significam as tendências de um homem: Poemas de Mim Mesmo, 1931; Caminhos, 1933; Poemas da Vida e da Morte, 1938; Um Estranho Caso (livro de contos), 1942 e, Canto de Libertação, 1943.

Casou em 19 de julho de 1939 com a Bacharel Iris Pothoff.

Em 1957, Santiago Naud, diretor da Divisão de Cultura da Secretaria Estadual de Educação, conseguiu reunir as obras anteriores e alguns outros poemas em livro sob o título Obra Poética, com texto de prefácio, a poesia essencial, de Guilhermino César.

Veio a falecer a 9 de setembro de 1957.

Em 1991, a Mestra em Letras Mirna Dietrich e o autor destas linhas realizaram em co-edição EDIPUCRS e IEL, a 2a. Edição da Obra Poética com a fixação técnica e crítica do texto poético.

A poesia de Paulo Corrêa Lopes mereceu a tese de Concurso de Cátedra, em 1959 pelo Prof. Ir. Elvo Clemente, que intitulou o texto: O Temporal e o Eterno na Poesia de Paulo Corrêa Lopes.

O prof. Angelo Ricci apresentou, em 1949, exaustiva análise dos poemas sob o título – Un Poeta Dell’Experienza. Algo de semelhante fora feito pelo humanista e ilustre homem público da Itália, Ministro Amintore Fanfani, na revista Vita e Pensiero sob a epígrafe – Un Poeta Cristiano.

Para dar uma idéia da força poética de Paulo Corrêa Lopes, leia-se com expressão o poema Cem Mil Portas, do livro Poemas da Vida e da Morte:

Há cem mil portas batendo, desesperadas, na treva.
Ventos! Levai nas vossas asas todo o mal do mundo,
todo o horror do mundo!

Amanhã, quando o anjo do Senhor descer sobre a terra,
que será das almas que enganaram, que mataram?
Amanhã, quando as cem mil portas se fecharem
que será das almas que não sabem rezar?

Há cem mil portas batendo, desesperadas, na treva…

Toda sua obra foi reunida em volume publicado pelo Instituto Estadual do Livro em 1958. Foi um lírico de essência metafísica e profunda religiosidade. Seus temas preferidos foram o amor, os sonhos e a morte. Aos jovens e às pessoas enamoradas de um sublime ideal dedicou esta bela mensagem:

A sensibilidade absoluta colocou-o no mundo como um primitivo a olhar pela primeira vez esse mistério permanente chamado vida. Admirava o sol, a chuva, o arco-íris, os vales. Trazia dentro de si fragmentos da aurora original. (Monsieur Jardin Du Bonheur).

Fontes:
- Biografia do livro Folhas do Caminho, de Elvo Clemente. Editora da PUC do Rio Grande do Sul.
-
Judiciário e Sociedade

sábado, 13 de junho de 2009

Jardel Estevão Barbosa Silva (O Perfume)


Conto vencedor do Concurso Literário do Cinqüentenário da Academia Campinense de Letras, categoria contos, em 2007.

Desde a morte de Maria Clara, comecei a cultivar o estranho hábito de passear no shopping, sem objetivos, sem tempo marcado e sem a correria que, por anos, dominou minha vida a cada segundo superficialmente vivido. Apenas andava. Talvez essa fosse uma forma de fugir das marcas tatuadas em minha casa, em meus costumes e em minha alma, que apenas meio século de convívio consegue impregnar. No ambiente fechado, observava o festival de aromas misturados naquela Torre de Babel contemporânea. Meu corpo, já cansado, inexplicavelmente buscava em meu âmago a energia necessária para continuar aquela rotina, mesmo contra a vontade de meus filhos, sempre preocupados. Minhas pernas eram asas que, a cada manhã, batiam em direção ao templo sagrado da superficialidade, buscando um sol artificial, mas igualmente luminoso.

Em uma tarde de verão, caminhava muito distraído, embriagado com questionamentos e reflexões existenciais quando, de repente, senti aquele perfume único, que havia se destacado da multidão para ser absorvido por minha alma adormecida. Foi como se uma força absoluta me agarrasse no abstrato universo das reflexões, no qual eu passeava livremente, e me trouxesse instantaneamente àquele shopping, naquela cidade, naquele ano, naquele dia, naquele segundo. Parei de andar, confuso, vivenciando um momento de silêncio e curiosidade, como a criança que vê o mar afastar-se e, de repente, vislumbra boquiaberta a onda gigantesca que se aproxima. Poseidon, supremo, enviara aquela onda aromática que invadiu a praia, destruiu a muralha defensiva do forte que construí em tantos anos de trabalho e despertou uma memória há tempos não estimulada.

Na dualidade posta entre a realidade atual seca e o passado que vinha em forma de mar, resolvi mergulhar rumo ao esquecido. Lembrei de minha infância, quando passava as férias de verão na casa de minha avó, cuja vizinha tinha uma linda neta, chamada Manuela, que cultivava o mesmo hábito. Eu e Manuela vivemos muitas férias juntos, brincávamos o dia todo e, aos poucos, um sentimento ingênuo passou do branco ao rosa e do rosa ao carmim.

Por um segundo, voltei à superfície em forma de shopping, respirei e retornei aos mistérios da memória como a baleia que, mesmo precisando de ar, precisa também voltar às profundezas.

Senti o gosto do bolo de fubá de minha avó e seu cheiro, que caminhava até o quintal e nos hipnotizava em cantos de sereia aromáticos, os quais nos conduziam ao chá da tarde.

“Será que era ela?”. Havia voltado novamente à superfície, agora como o golfinho que salta das águas e pode, por um instante, flutuar entre o sol e o mar. Olhei para trás e vi uma senhora caminhando com uma jovem em sentido oposto ao meu. Sem pensar muito, passei a segui-las, mas, com a ação da gravidade, voltei ao oceano.

Estávamos agora brincando nas árvores do bosque do bairro, após uma chuva passageira. O vapor verde e cálido que nos atingia trazia um cheiro único, vinculado eternamente ao primeiro toque de nossas mãos. Lembrei das cartas que começamos a trocar durante o ano, aguardando o verão que sempre demorava tanto a chegar. Lembrei do aroma do lago em que assistíamos ao pôr-do-sol, também eternizado pelo nosso primeiro abraço e pelas reações até então desconhecidas que ele provocou em nossos corpos.

Na superfície, a senhora havia parado em uma loja. Nas águas, lembrei que o aroma de Manuela era único, pois ela havia dito que misturara três tipos diferentes de perfume em busca de um cheiro só seu. Realmente conseguiu isso, pois eu nunca mais havia encontrado algo semelhante, até aquele dia. Do perfume, caminhei à lembrança da guerra que chegou e do último verão que passei com ela. Foi muito triste, com cheiro de despedida, pois sabíamos que a guerra era algo cruel. Sem conhecer direito os sentimentos, tínhamos a certeza de que precisávamos um do outro. Em uma tarde triste, ela furou nossos dedos com um espinho do parque (como havia visto em um filme) e disse que, se misturássemos nosso sangue, viveríamos para sempre juntos, um dentro do outro. Aquele cheiro de sangue somou-se ao aroma de seu semblante, que pude sentir bem de perto, em nosso primeiro e único beijo.

Quando voltei à superfície, percebi que as imagens haviam embaçado e, ao piscar, não pude conter duas lágrimas de criança percorrendo a face já enrugada. Mesmo assim, resolvi voltar às profundezas...

Após o beijo, eu havia pressionado os dedos polegar e indicador para conter o sangramento e, levando-os ao peito, disse “para sempre juntos”. Ela fez o mesmo e eu me lembrava perfeitamente daqueles lábios jovens pronunciando palavras tão carregadas de afeto. Após aquele verão, houve a guerra. Nossas famílias mudaram várias vezes de endereço e a mútua imaturidade nos fez perder contato. Os anos passaram e a vida seguiu seu curso natural.

Uma instantânea falta de ar trouxe-me fortemente à superfície com a pergunta que gritava em minha mente: será que era ela? Vi que a jovem havia entrado em uma loja enquanto a senhora estava sentada em um banco do lado de fora: aquele era o momento! Tremendo, caminhei em sua direção guiado pelo perfume, que se tornava mais intenso a cada passo. Ainda de longe, vi que não havia alianças em seus dedos: a sorte lutava ao meu favor! Caminhei mais alguns passos e sentei ao seu lado.

Ela olhou para mim por um único instante e me cumprimentou movimentando o rosto, educadamente, como se faz a um desconhecido. Naquele único momento em que pude olhar para seus olhos, toda a realidade foi alterada. O brilho azul levou–me a um último mergulho, em que vi exatamente a mesma cor refletindo o sol daquele último verão, instantes antes do beijo. A cor era a mesma, o brilho era o mesmo, o perfume era o mesmo: senti que estava realmente diante de meu primeiro Amor.

Saltei com todas as minhas forças das águas em direção ao sol, voltando à realidade.
Meu coração, eufórico, dançava inebriado por aquele perfume de que tanto sentiu falta.
Uni meu polegar ao indicador e, levando-os ao peito, disse a frase daquele verão.

A senhora levou um aparente susto e parou de respirar por alguns segundos, na certa mergulhando nas mesmas profundezas das quais eu havia acabado de sair. Vagarosamente, virou seu rosto para o lado, exibindo os olhos arregalados e seu semblante lívido. Mais alguns segundos passaram até que ela mostrou um surpreendente sorriso: o mesmo sorriso que eu tão bem conhecia! Naquele momento supremo, percebi que eu havia saltado das águas não mais com nadadeiras, mas agora com asas! Despedi-me do mar e olhei para o céu, de onde pude sentir o caseiro aroma de meu então antigo, atual e futuro lar.
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Sobre o autor:
Jardel Estevão Barbosa Silva é formado técnico em eletro-eletrônica, cursou faculdade de psicologia, e, além de poeta, é também contista. Presidente do Grupo CRIA Literária, em Campinas-SP. Foi premiado em diversos concursos, inclusive melhor ensaio nos 10ºs Jogos Florais da Junta de Freguesia de São Domingos de Rana – Portugal, em 2006, melhor conto nos 9ºs Jogos Florais da Junta de Freguesia de São Domingos de Rana, Portugal, em 2005, 2º Lugar no V Prêmio Escriba de Contos – Piracicaba (SP) e primeiro lugar no Concurso Nacional de Poesia promovido pelo CBE (Clube Brasileiro de Escritores) – São Paulo, em 2004.


Fontes:
– Revista da ACL (Academia Campinense de Letras). – Ano nº 1 • Abril/2007 – pag.7-9.
Abrace Editora.
– Imagem do perfume = http://blog.cancaonova.com/

Fernando Campanella (O Poeta no Papel)



AO VENTO

Fica comigo, mas não posso pedir ao vento
que sopre ao alcance de meu ouvido,
ou à terra que abençoe nossos longos segredos
-nem mesmo da luz querer ouso
que se demore em meu abrigo.
Quando os dados lançados e até meu silêncio
contra toda certeza parecem que conspiram
- e caso os dedos do mundo
em suas recurvas unhas nos firam -
releva, e fica comigo, os anjos sabem mais alto
daquilo em que insisto, do que preciso.

NINFÉIAS

Eu vou aonde as nuvens
de impossíveis tons se embriagam,
eu nado onde aquáticos leques
se irisam em sonhos
e por arte do encanto se dissolvem.

Eu furto cores,
clico roxos que se miram
em espelhos que me expandem.

Bebo a luz, traço a alma,
eu sou o impressionista ambulante.

Então nem me perguntes
por quais cambiantes geografias me espalho:
meus olhos são câmeras mimadas
meus pincéis são artífices do instante.

LUZ CADENTE

Serão miragens
aqueles tons em cobre
ondulando em folhas na tarde?
Meus olhos devem andar poéticos
ou delirantes.
Ou mais febril a minha percepção
que entende
Que os animais atendem
às nuances que a luz da tarde concede.
Luz e folha devem ter naturezas atadas
em delicado, intraduzível elo
que traça o pássaro ao ninho.
Não sei.
O que para as aves deve ser
algo como arbóreas núpcias
em mim
é um degredo em ecos,
um vago ruflar de um sentido.

Minha razão nada pode
Contra a luz cadente
Que vela e desvela
aquele tom amêndoa
- ferrugem quase dor,
Quase leve -
Que a alma agora consente.
E que de volta
à presciência do mundo,
ao ninho da terra
vai me cumprindo.

REFABULANDO

Estas cigarras toantes
flutuam na sã inconsciência
de um sono. Estas cigarras
-não as perturbes, não as toques -
estas belezas crepitam
em líquidas texturas de sonho.
Mas se buscares que despertem,
Afina os ouvidos, achega-te,
Imperceptível, leve, e mais leve
E como elas, enquanto verão,
Arde então, e canta.

CAPELA DOS OSSOS

Eu que não vivi o Alentejo,
que não voei com as cegonhas
sobre suas albufeiras ao entardecer
( nem em suas quintas pernoitei)
e que não cantei odes
à glória de um D.Manuel e suas esquadras
( nem o Tejo naveguei)
que às suas capelas
não me desfiz dos ossos,
não me embriaguei do néctar
de seus deuses
nem da flor mais bela
em Évora me enamorei,
eu, disso tudo,
por descompasso dos astros,
me privei.
Mas, oh fado lusitano,
Oh, alma dolente e migrante,
tua nostalgia,
teu estar nunca estando,
esta sede por outros mundos,
esse tanto, eu herdei.

LA CAMPANELLA

Aquela senhora
toca um piano na tarde,
La campanella, as teclas
ágeis ondulando em mimos,
em vibrantes sinos delicados.
Imersos, cada qual em sua estória,
uma sintonia de repente
nos toma, uma arte -
um rio profundo sem corte,
um certo azul que nos sonha.

A MEDIA LUZ

Sempre reneguei o tango
e os entusiastas de Gardel,
(longe de mim a passional postura
eivada de desolação e dor),
o amor sempre em mim um campo
de mais alvos lírios onde não choveu.
Cerrei as tendas, afastei o bruxo,
mas na contrapartida
adiei o fruto, me ceguei à cor.

Violinos eternos , bandoneón ,
toquem-me hoje um tango crepuscular
e tardio, toquem, que desaprendi
o me bastar e o meu cismar sozinho,
à meia-luz meu coração são girassóis
que dançam - todo chama, e torvelinho.

ALQUIMIA

Bom dia, minha jaqueta surrada,
reincorporo-te como a uma identidade, a um eu
imune aos ecos do mundo,a uma canção de amor
tão gasta, e ainda sempre,sempre, ressuscitada.
Bom dia, meu ninho, onde ao largo do dia
me deito, resvalo dos elos concêntricos
e disparo meus sonhos, em mais íntima revoada.
Retomo-te, minha outra natureza, e contigo escrevo,
entranho o reino dos meus velhos poetas -
meus alquimistas dos sonhos –
da realidade mais sutil, imaginária.
Bom dia, meus sóis com chuvas,
meu arco, meu ouro, meu pote de luz
- claras núpcias de minhas raposas e viúvas.

OLHOS

Dois pássaros voam,
de um leve azul inebriados.
De onde os vejo
Só há o espelho quieto de um lago.
E já não sei o que é mais visível
se o que enxergo, as aves,
com meus olhos,
ou se aquelas flautas moventes
sincronizadas,
que sonho
com os olhos quietos do lago.

TUA BELEZA

Tua beleza, inconsciente de si,
Me puxa em seus encantos
Para o seu leito.
Mas o que fazer de tua beleza
Senão sofrer/gozá-la em doses
de solidões noturnas e densas?
(Senão armá-la em vaso
Para decantar a mesa.)
Como um jardineiro de ventos
Prefiro ver-te
Heras galgando muros
Ervas tecendo pastos
Ou aérea flor da memória.
Amar tua beleza , não mais,
Como cor que não apreendo
Rio que não detenho
e que passa.

CONSUMMATUM

A poesia, se um de mim se for,
que eu não a renegue, nem de meus poemas
eu diga, ‘ah um dia isto tresloucado eu fiz’.
Se o tempo da mais morna sensatez
Ao chão me puxar , como um tempo de razão
a ensombrar os deuses, e os dias
vierem despidos, desfolhados na vastidão ,
que eu não cerre as pálpebras
e murmure, ' consummatum est,
foi tudo desvio e dissipação’.
E se não mais me vibrarem os timbales
e de mim restarem tão somente
o silêncio imune e a cinza amorfa,
que de mim eu me lembre
como um acendedor de palavras,
e que eu me leia, na noite,
como se lêem os mosaicos dos sonhos,
os versos, o melhor de meus atos,
a mais sublime, libertária , rendição.

FRUTOS DA TERRA

Benditos os filhos do ventre da terra
Que o sol desperta tão cedo,
Que o trigo e a uva aguardam no campo
Para o mágico processo do pão e do vinho.

Benditos os frutos da terra
Que se abrem à manhã
Em silêncios e cantos
Que mesclam no ar

e os filhos da paz,
que ligam o céu ao mundo,
os que reciclam o dia
e dele retiram sustento e eternidade.

Abençoados os que bendizem,
Os que curam, e que a dor amenizam,
os que por via de tolerância
se entendem.

Benditos os que domam a cólera
E se transformam no amor,
Amor que bebe da identidade da vida.

Bendito o sol que amadurece os frutos de terra.
Mais bendita a luz
por que anseia ‘a noite escura da alma’.

PÁSSAROS

A primavera de New England
não traz seus pássaros à minha janela.
Mas por que penso naqueles cantos
Se nem os pássaros de meu velho rio
Ou de minhas conhecidas árvores
Vêm ao meu jardim cantar?
Só cantam para si próprios, creio,
o martim- pescador, a corrila ,
o joão-de-barro atribulado.
Pensando bem, nem mesmo pardais,
Nenhum pio, nenhum bemol acasalado
Conseguem meu dia despertar.
Ficam por si, longínquos, os canários
e os bem-te-vis nas cercanias .
Como é triste acordar, agora percebo,
Daquelas ternuras surdo, descantado.
Como é áspero raspar do dia o aço.
Ranger roldanas de hábitos e ossos.
Cantem para si, para Deus
ou para quem os consiga ouvir
o exótico robin , o cuco e a cotovia.
Nenhum trinado, nem mesmo um grasnar
Vem alcançar meus ouvidos ruidosos.
Ah, vejam, sou mesmo um rei nu,
Um moedor de pedras,
Sou aquele imperador da China
Que tão pobre era sem seu pássaro -
Aquele pobre mandarim ,
A solidão, meu triste rabicho,
a ausência, esta enorme vassala de mim.
---

Fernando Campanella, por ele mesmo (1953)


O que teríamos, almas de artista , que aos olhos racionais e práticos seria enxergado como desequilíbrio ou quimera? Por que sentimos as dores da alma com maior intensidade, e vivemos maior interação entre o de dentro e o de fora? Por que tudo em nós tem ressonância, e o silêncio a mais forte voz, ainda que delicada? Por que? Por que? Seríamos crianças indagando as razões, vislumbrando os sentidos? Traríamos o condão dos magos, refazendo o encanto dos elos perdidos?. Fluxo, refluxo, sístole, diástole, mundo, alma.... Deus, no sétimo dia, sob toda responsabilidade e peso da orbe criada, deve ter pintado um quadro, tocado uma flauta, ou escrito poesia.

Antonio Fernando Cruz. O sobrenome Campanella vem da família de minha mãe, o qual adotei como nome de poeta pelo fato de meu bisavô materno, assim como meu avô, terem sido , de alguma forma, escritores, e , também, pelo fato de meu tio, irmão de minha mãe, o Campanella Neto, ter sido um fotógrafo. A paixão pelo literatura e fotografia, então, foi herdada dessa vertente, da família de minha mãe.

Nascimento: 13 de junho de 1953, em Pouso Alegre, sul de MG

Formação: Curso primário em Pouso Alegre, sul de MG. Ginasial em Cambuí, e Poços de Caldas, sul de MG. Curso Clássico em Belo Horizonte, MG. Curso Superior (Letras, Português e Inglês, em Itajubá, sul de MG). Cursos rápidos de inglês avançado em Londres, e E.U.A. Cursos de aperfeiçoamento de conversação inglesa, e para professores, assim como congressos de ensino da Língua Inglesa.

Profissional: Professor de Inglês, Ex-diretor da franquia da Escola Fisk em minha cidade. Professor de Língua Portuguesa em colégio municipal de minha cidade por um determinado período.

Outras informações: Membro da academia de Letras de Pouso Alegre. Vencedor de um concurso de poesia em minha cidade. Nenhum livro ainda publicado.

Curiosidade: Adélia Prado, após ler alguns poemas que lhe enviei, há alguns anos atrás, respondeu-me:

Caro Fernando, fiquei feliz ao ler teus poemas, pois são de um poeta. E para poetas não se dão conselhos. Escreva, escreva, escreva, para nossa e sua alegria. Como fiquei feliz! Pentecostes está chegando, que seu coração se incendeie de poesia. Não fique ansioso, Deus quando dá o dom, dá os meios. Por que não envia seus originais para este editor no Rio de Janeiro:............

Já quase em fase de aposentadoria, pretendo dedicar-me, nesta fase de minha vida, á poesia, crônicas, e , como registro de minha região, à fotografia.

Fonte:
Academia Brasileira de Poesia da Casa de Raul de Leoni.

Jogos Florais Estudantis de Ribeirão Preto 2009 (Classificação Final)



Estudantil para alunos de 5ª a 8ª e ensino médio de todas as redes de ensino


LÁPIS – (Lírico ou filosófico)
BORRACHA (Humorístico)

VENCEDORES: (troféu)
LÁPIS – (Lírico ou filosófico)

1º lugar
O lápis trabalha o tema
que escrevo com alegria
o lápis cria o poema
amigo no dia-a-dia!
Christian G. Serafim 8ª B
Escola: Cemei Dr. João Gilberto Sampaio

2º lugar
Com o lápis registrei
o seu nome, com amor,
só que nunca imaginei
que me desse tanta dor!
Maria Fabiana G. da Silva 6ªA
Escola: Cemei Dr. João Gilberto Sampaio

3ª lugar
O lápis e o pensamento
escreveram bem assim:
com meu puro sentimento
eu te juro amor sem fim!
Raquel P. da Silveira 8ª A
Escola: Cemei Dr. João Gilberto Sampaio

4º lugar
No papel tento expressar
Os gestos que não consigo
Só o lápis pode mostrar
Os dons que trago comigo.
Maria Rúbia S. Machado-nº26-7ª
EMEF “Professor Anísio Teixeira”

5º lugar
O lápis tem cores lindas
Arco-íris que vem do além
Como saudades infindas
Que nos fazem muito bem.
Guilherme de Almeida Camargo -7ª A
EMEF “Professor Anísio Teixeira”

MENÇÕES HONROSAS:
(medalha de prata)

1º lugar
No papel branco desenho
com o lápis, uma flor;
assim algo terno tenho
pra mandar ao meu amor!
Larissa G da Silva-6ª C
Escola: Cemei Dr. João Gilberto Sampai

2º lugar
O lápis é meu amigo
Com ele vou escrevendo
Ele sempre está comigo
A lição vou aprendendo.
Vania Carla Correa-6ª série
EMEF do CAIC Antonio Palocci

3º lugar
Com o lápis vou escrever
a paixão que tens por mim
com os teus olhos vou ver
um sentimento sem fim.
Gabriella Lucindo Reyde-7ª A
Escola Municipal de Ensino Fundamental Profª Elisa Duboc Garcia

4º lugar
Com o lápis vou escrevendo
um mundo sem crueldade
e assim nós vamos vivendo
com um pouco de igualdade.
Karina Aparecida Barreto Quirino -7ª A
Escola Municipal de Ensino Fundamental Profª Elisa Duboc Garcia

5º lugar
“Com um pequenino toque
De um só lápis encantado
Eu modifico meu rock
Num clássico inesperado”.
Mariana Cardoso Amaral Gonçalves-8ª A
EMEF “Professor Anísio Teixeira”

-


MENÇÕES ESPECIAIS
(medalha de bronze)

1º lugar
O meu lápis registrou
dias de felicidade,
mas a dor logo lembrou:
não passava de saudade!
Jaqueline A. de Oliveira-8ª A
Escola: Cemei Dr. João Gilberto Sampaio


2º lugar
Dia da prova chegou
todos com lápis na mão
a professora falou:
- agora, muita atenção!
Matheus H. Zanin-7ª A
EMEF do CAIC Antonio Palocci

3º lugar
Eu não posso te dizer
Também não posso explicar
Com o lápis posso escrever
O que sofro por amar.
Natália de Carvalho Vieira-7ª série D
CAIC Antonio Palocci

4º lugar
Lápis não anda sozinho
Precisa de uma mãozinha
Para escrever um versinho
Para brilhar na escolinha.
Adolfo Ribeiro Pina-7ª C
EMEF do CAIC Antonio Palocci

5º lugar
O lápis é como a vida:
um dia vai se acabar.
Só que a vida bem vivida
mais feliz vai terminar.
Thaís Marilaine T. Rodrigues da Silva-8ª A
CEMEI” Virgílio Salata”
===================
BORRACHA (Humorístico)
VENCEDORES:
(troféu)

1º lugar
A borracha eu usei
pra apagar minha lição
e com ela apaguei
nota baixa no provão.
João Vitor A Rosato-5ª A
Cemei Dr. João Gilberto Sampaio

2º lugar
O churrasco do meu pai
é borracha...de terceira:
a cada mordida, um ai
e dois dentes pra lixeira!
Matheus Mattos -8ª A
Cemei Dr. João Gilberto Sampaio


3º lugar
Em minha rósea borracha
desenhei um coração
mas meu amor, que se “acha”,
jogou a pobre no chão!
Maria Victória -5ª A
Cemei Dr. João Gilberto Sampaio

4º lugar
A borracha foi queixar
Perto daquela morena
Eu fui correndo buscar
Caí e saí de cena!
Marcos Aparecido Mendes Sobrinho-6ª C
Cemei Dr. João Gilberto Sampaio

5º lugar
A borracha do chiclete
Eu mastigo sem parar
e sem dó eu pinto o sete
o meu dente a estragar!
Artur Henrique Costa de Souza-5ª B
Cemei Dr. João Gilberto Sampaio

MENÇÕES HONROSAS
(medalha de prata)

1º lugar
A danada da borracha
sem querer caiu no chão,
dureza, ninguém a acha,
e me custou um dinheirão!
Izadora P. Moreira -8ª A
Cemei Dr. João Gilberto Sampaio


2º lugar
A borracha do estilingue
pra matar um passarinho,
se rasgou e, puxa, zingue!
foi na casa do vizinho!
Peterson José de Melo de Campos-5ª B
Cemei Dr. João Gilberto Sampaio

3º lugar
A borracha da mangueira
estourou na minha mão
puxa, me molhei inteira,
parecia um sopão!
Larissa G. da Silva-6ª C
Cemei Dr. João Gilberto Sampaio

4º lugar
Quis pedir uma borracha,
mas a língua é grudada...
falei mesmo foi “bolacha”
ganhei uma bofetada!
Paulo Henrique Mendonça Junior-7ª A
Cemei Dr. João Gilberto Sampaio

5º lugar
Este cara do meu lado
Gastou da minha borracha
Mandou eu ficar calado
E comeu minha bolacha.
Vinicius Cipriano Andrade-6ª série
EMEF do CAIC Antonio Palocci

MENÇÕES ESPECIAIS
(medalha de bronze)

1º lugar
Com a borracha apaguei
lembranças de um mau passado
a cabeça eu arejei
- era um namoro arretado!
Júlia Maria Araújo -7ª B
Cemei Dr. João Gilberto Sampaio

2º lugar
A borracha eu cortei
fiz com ela uma mistura
num menino atirei
pois era uma belezura!
Mayara Ruiz Bonassa-5ª A
Cemei Dr. João Gilberto Sampaio


3º lugar
Emprestei uma borracha
mas ninguém me devolveu
eu comprei uma bolacha
só que o meu bem comeu!
Steffani Soares N. Amado-7ª A
Cemei Dr. João Gilberto Sampaio

4º lugar
A borracha apagou
o erro no meu escrito;
foi o lápis que errou
no fim, eu tomei um pito?
Reginaldo Ignácio Ferreira-7ª B
Cemei Dr. João Gilberto Sampaio

5º lugar
A borracha era infiel
Então o lápis se vingou
Desenhou-a no papel
ela mesma se apagou.
Bruna Giovana Malta Victal Teodoro -1º B-Ensino Médio
Emefem Dom Luis do Amaral Mousinho
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O resultado do XXII Jogos Florais de Ribeirão Preto Nacional e Internacional se encontra em http://singrandohorizontes.blogspot.com/2009/05/xxii-jogos-florais-de-ribeirao-preto_31.html
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Fonte:
UBT/SP– Seção de Ribeirão Preto