quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Cidoca da Silva Velho (Álbum de Trovas)


1
A aurora – incêndio de rosas –
noiva astral de um belo dia,
faz das nuvens vagarosas
sua corte em romaria.
2
A mulher nunca se cansa,
sonda o arcano mais profundo...
A mão que um berço balança
é a mão que governa o mundo.
3
Ao ouvir a serenata,
em devaneios tristonhos,
vem a saudade e desata
dentro de mim velhos sonhos!
4
Ao pranto e ao riso se alinha
a chuva de vez em quando.
Cai chorando e faz festinha
nos beirais, tamborilando.
5
A seresta enluarada,
velhos tempos despertando,
faz da saudade uma estrada
por onde sigo cantando…
6
A trova, tão minha amiga,
eu levo para onde for;
e vou, com minha cantiga,
disfarçando a minha dor.
7
Batalho, mas mil fracassos
me abatem sempre ao rever-te.
Como encontrar em teus braços
coragem para esquecer-te?
8
Cada minuto que passa,
encurtando a nossa vida,
nos leva ao porto que traça
nossa grande despedida.
9
Cai a noite, escura e fria
e a Fé, que sempre nos fala,
nos aponta um novo dia
e os nossos sonhos embala.
10
Das emoções que eu revejo,
uma em pranto se reveste:
a que ficou no desejo
do beijo que não me deste.
11
Do nosso amor fracassado,
às lembranças eu me enlaço,
embalando o meu passado
na ternura de um abraço.
12
Dos meus sonhos, na distância,
o meu veleiro veloz
navega ainda na infância,
numa casquinha de noz.
13
Em vigília, em noite calma,
a espera nunca me anseia:
na janela de minha alma
mantenho acesa a candeia.
14
Fogo sagrado que aviva,
todo amor em doação
é uma lâmpada votiva
no templo do coração.
15
Foi tudo inútil, suponho!
Brigamos nem sei por quê...
Marco encontro com o sonho
e quem encontro? – Você!
16
Folhas mortas, no abandono,
numa tarde esmaecida,
vêm lembrar o triste outono
dos sonhos de minha vida.
17
Folhas secas vão rolando.
O ocaso é um palco tristonho
que aos poucos vai se fechando
sobre as cinzas do meu sonho!
18
Há estrelas por toda parte:
no céu, na terra, no mar...
E descubro, ao contemplar-te,
mais duas no teu olhar.
19
Hoje esqueço as ampulhetas
do tempo, nos torvelinhos...
Quero a paz das violetas
que se ocultam nos caminhos.
20
Horas mortas! Plena noite!
Entre o sonho e a realidade,
a tua ausência é um açoite
no vendaval da saudade!
21
Mais vale a luz da quimera,
que ilumina uma esperança,
que os sonhos mortos da espera,
na penumbra da lembrança.
22
Mãos de mãe, envelhecidas
pelo labor que enobrece,
são como conchas unidas
pelo labor de uma prece.
23
Mar revolto, se agitando,
lembra a vida em seu passar...
Sou veleiro flutuando,
me equilibrando no mar.
24
Mesmo em contraste na vida,
na dor, a fé nos irmana.
A luz do sol tem guarida
no palácio ou na choupana.
25
Meu filho, quando eu te enlaço
nos meus braços, que ventura!
Sempre és pequeno e eu me faço
teu abrigo de ternura.
26
Não diga adeus! Vai seguindo...
Nesta ilusão que me embala,
deixe a saudade dormindo,
é cedo para acordá-la!
27
Não faças da lealdade
sentimento assim a esmo...
Como início de verdade,
sê leal contigo mesmo.
28
Neste bailado das horas,
no longo espaço da espera,
pergunto: Por que demoras,
se é tão curta a primavera?
29
Neste silêncio das horas
dentro da noite tranquila,
minha alma é o resto de auroras
que pela noite desfila.
30
No berço meu filho dorme,
entre nuvens de cetim;
e numa ternura enorme
sinto o céu bem junto a mim.
31
No deslize descuidado,
ainda que reste o amor,
reflete o cristal trincado,
que perdeu o seu valor!
32
No meio termo acharemos
a virtude, a temperança...
Porque jamais nos extremos
fica o fiel da balança!
33
Nosso encontro... A convivência...
E do amor a descoberta
foi a mais linda sequência
que esta saudade desperta.
34
Num mar em trevas, sem lua,
pedindo aos astros clemência,
minha saudade flutua
abraçada à tua ausência.
35
Os meus sonhos... Não me iludo,
são castelos já sem portas,
mostrando a saudade em tudo,
abrigo das horas mortas.
36
O tempo é lento na espera,
longo, se uma dor persiste,
é breve numa quimera...
para quem ama, inexiste!
37
Para enfeitar seu declínio,
o sol – andarilho louro –
faz do crepúsculo escrínio
onde guarda nuvens de ouro.
38
Quando de mim te aproximas,
com semblante sonhador,
minha alma flutua em rimas,
compondo versos de amor.
39
Que as flores da liberdade
se alteiem pelo caminho,
para ocultar a maldade
do marco de um pelourinho.
40
Se na estrada percorrida,
sangrei os pés, a chorar,
que importa? O encanto da vida
não é viver, é sonhar.
41
Sorri sempre, pois que a vida
é um espelho, e onde estiveres,
vai refletir, na medida,
a cara que tu fizeres.
42
Toda essa felicidade
que procuras por aí,
encontrarás na verdade,
dentro, bem dentro de ti.
43
Toda mãe é para o filho
como a luz que se propaga:
só se avalia o seu brilho
quando a luz, por fim, se apaga!
44
Trago sempre a alma em festa,
que importa se a noite é fria...
faço da trova seresta
embalando a fantasia!
45
Tu mentes e eu te proponho
que continues mentindo,
pois alimentas meu sonho
e eu finjo que estou dormindo...
46
Tu vives no teu mirante;
e eu, na saudade, em açoite,
quero ser, mesmo distante,
uma estrela em tua noite.
47
Uma velhice bem-vinda,
de virtudes enfeitada,
lembra a tarde calma e linda
com fulgores de alvorada!
48
Vencendo o fragor da lida,
à tarde, em que a luz desmaia,
sou como a areia batida,
que se faz duna na praia.
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Cidoca da Silva Velho (1920 – 2015)

Maria Campos da Silva Velho, a Cidoca da Silva Velho, nasceu em São Luiz do Paraitinga (SP) em 15 de agosto de 1920, filha de Joaquim Pereira de Campos e Maria Theodora Pereira de Campos, de descendência portuguesa, era sobrinha/neta de duas baronesas e prima do Barão de Paraitinga. Foi Funcionária Pública (Escriturária) da Fazenda do Estado de São Paulo. Era viúva de Renê da Silva Velho (coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo, advogado, poeta, escritor, professor de Inglês e Francês), com quem teve dois filhos – Marcelo Campos da Silva Velho (Engenheiro) e Maurício Campos da Silva Velho (Juiz de Direito). Escritora bastante ativa, Cidoca conquistou diversos prêmios literários, bem como pertenceu a entidades literárias: Academia Pindamonhangabense de Letras, Academia de Letras de Campos do Jordão e União Brasileira de Trovadores – Seção Santos. Faleceu em 07 de maio de 2015, aos 94 anos, em Jundiaí/SP, sendo sepultada no Cemitério Nossa Senhora do Desterro, no centro da cidade.

Produção literária:
Esteira de Luz - Poesia: 
Cantigas do Entardecer - Trovas, 
Martins Fontes, sua vida e obra em versos e prosa
Entardecer – Poesia. 
O Águia de Haia.

Fonte:
União Brasileira de Trovadores de Porto Alegre - RS. 
Trovas de Pedro Melo e Cidoca da Silva Velho. 
Coleção Terra e Céu vol. XCVII. Porto Alegre/RS: Texto Certo, 2016.

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