terça-feira, 10 de março de 2020

Cândido Canela (Jardim de Versos)


TROVAS

Dizem que a pinga nos mata
pouco a pouco, lentamente.
Por isso não largo dela
pra não morrer de repente...
- - - - - -

Duas caveiras na mesa,
A de um mendigo e a de um nobre.
Dize agora: tens certeza
qual a do rico e a do pobre?
- - - - - –

Esquecer-te, meu amor?...
Impossível! Não consigo.
– Durante o dia te vejo,
a noite sonho contigo...
- - - - - –

Eu não sou tão pobre assim
como pensa todo mundo.
Tenho um pedaço de terra
de sete palmos de fundo.

Matar é crime na terra,
tu sabes, bem como sei.
Por isto inventou-se a guerra,
que mata dentro da lei...
- - - - - –

Não lamentes tua origem,
teu leito humilde, pequeno,
lembra que o Filho da Virgem
nasceu num berço de feno.
- - - - - –

Não tenho medo da fera
que vive na mata imensa.   
Temo, entretanto, a pantera
que fala, tem alma e pensa.
- - - - - –

Nasci chorando num rancho,
na mata escura e bravia.
Mas hei de morrer cantando
entre os braços de Maria.
- - - - - -

Quantos heróis esquecidos
deste mundo, sem medalhas,
E quantos brasões no peito
de refinados canalhas!…
- - - - - –

Quantos lábios sorridentes
a nos traírem de perto.
E quanto rosto fechado
de coração sempre aberto!
- - - - - -

LÍRICA E HUMOR DO SERTÃO (1952)

Morena, bela, iscuta estes meus versos,
ouve, Cabocla, esta triste canção,
qu'eu iscrivi com a pena da sodade
e com a tinta roxa da paixão.

Inda se alembro da premera vez
qu'eu te incontrei na Igreja da Maiada,
inté pensei qui fosse a Virge Santa
quitava cá imbaxo ajueiada.

E foi ali, Caboca feiticera,
eu ti oiei, vancê tomém me oiou.
E nest'ora ganhei seu coração,
meu coração vancê tomem ganhou.

Nós dois se amemo quatro ano afio,
nesta fazenda, aqui neste Sertão,
inté que um dia de infilicidade
trouxe pra nós triste disilusão.

E como a Pomba Juriti sodosa,
qui o caçadô matou s cumpanhera
varei o mundo a fora sem distino,
quage trint'ano quage a vida intera.

Sufri na Terra grandes disventura,
ai sempre percurando sempre tiisquecê,
mais cada dia e noite qui passava
mais eu quiria vortá pra vancê.

Aqui cheguei, Morena, nesta Terra,
Já tô de vorta, aqui neste Sertão,
véio acabado, fraco e sem dinhêro,
mais tenho novo ainda o coração.

Mais se vancê, Morena, inda quisé,
este caboco véio e sem valia,
abre esta porta e vem me abraçá,
pois eu ti quero mais do quiria.

E ela uviu estes meus versos triste
Esta viola, esta triste canção.
Abriu a porta e veio me abraçá,
e junto ao meu botou seu coração.

Fontes:
– Aparício Fernandes (org.). Trovadores do Brasil. 2. Volume. RJ: Minerva.
Memórias da Poesia Popular

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