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quarta-feira, 19 de junho de 2024

Vereda da Poesia = 38 =


Trova Humorística de Bandeirantes/PR

JOSÉ REGINALDO PORTUGAL

Estes carecas sofridos,
sem cabelos ... que ironia,
deixam piolhos perdidos
por falta de moradia!
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Soneto de Assaré/CE

PATATIVA DO ASSARÉ
(Antonio Gonçalves da Silva)
Assaré/CE, 1909 – 2002

O Burro

Vai ele a trote, pelo chão da serra,
Com a vista espantada e penetrante,
E ninguém nota em seu marchar volante,
A estupidez que este animal encerra.

Muitas vezes, manhoso, ele se emperra,
Sem dar uma passada para diante,
Outras vezes, pinota, revoltante,
E sacode o seu dono sobre a terra.

Mas contudo! Este bruto sem noção,
Que é capaz de fazer uma traição,
A quem quer que lhe venha na defesa,

É mais manso e tem mais inteligência
Do que o sábio que trata de ciência
E não crê no Senhor da Natureza.
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Aldravia do Rio de Janeiro/RJ

DALADIER CARLOS

metáforas
não
eliminam
liberdades
abrem
alternativas
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Soneto do Rio de Janeiro

NARCISA AMÁLIA DE CAMPOS
São João da Barra/RJ, 1852 – 1924, Rio de Janeiro/RJ

Por que Sou Forte
(a Ezequiel Freire)

Dirás que é falso. Não. É certo. Desço
Ao fundo d’alma toda vez que hesito...
Cada vez que uma lágrima ou que um grito
Trai-me a angústia - ao sentir que desfaleço...

E toda assombro, toda amor, confesso,
O limiar desse país bendito
Cruzo: - aguardam-me as festas do infinito!
O horror da vida, deslumbrada, esqueço!

É que há dentro vales, céus, alturas,
Que o olhar do mundo não macula, a terna
Lua, flores, queridas criaturas,

E soa em cada moita, em cada gruta,
A sinfonia da paixão eterna!...
- E eis-me de novo forte para a luta.
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Trova Premiada  em Cachoeiras de Macacu/RJ, 1999 

ANTONIO COLAVITE FILHO 
Santos/SP

“Cara-de-pau!” E o grã-fino 
não se abala, não se afoba;
e no rosto, enfim, ladino,
passa um óleo de peroba…
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Poema de Maringá/PR

CÔNEGO BENEDITO VIEIRA TELLES
Bueno Brandão/MG, 1928 – 2022, Maringá/PR

Lembranças da Velha Árvore

A árvore traz-me lembrança
dos verdes anos, agora.
Como foi bom ser criança,
com meu sonhos desde a aurora.

Toda a árvore oxigena o ar,
purifica a natureza.
Escuta os cantos do mar, 
e da brisa co´a sutileza.

O vento farfalha a copa,
da árvore, folhas e flores,
e a ave seu ninho envelopa
para abrigar seus amores.

Às vezes, no entardecer,
prateia a lua as ramagens.
Velha árvore a fenecer!...
Com ela, as frescas aragens!

A árvore dos ancestrais,
plantada com seus carinhos.
Terno abrigo de animais,
dos ninhos dos passarinhos!

Ó árvore frondosa, bendita,
que antepassados plantaram.
Árvore alegre, bonita,
de ti, saudades ficaram!
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Quadra Popular

Muito vence quem se vence
muito diz quem diz tudo,
porque ao discreto pertence
a tempo fazer-se mudo.
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Soneto de Portugal

MANUEL BOCAGE
(Manuel Maria de Barbosa l'Hedois du Bocage)
Setúbal, 1765 – 1805, Lisboa

Apenas vi do dia a luz brilhante

Apenas vi do dia a luz brilhante
Lá em Setúbal no empório celebrado,
Em sanguíneo caráter foi marcado
Pelos Destinos meu primeiro instante.

Aos dois lustros a morte doravante
Me roubou, terna mãe, teu doce agrado;
Segui Marte depois, e em fim meu fado
Dos irmãos e do pai me pôs distante.

Vagando a curva terra, o mar profundo,
Longe da pátria, longe da ventura,
Minhas faces com lágrimas inundo.

E enquanto insana multidão procura
Essas quimeras, esses bens do mundo,
Suspiro pela paz da sepultura.
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Trova de Sorocaba/SP

DOROTHY JANSSON MORETTI
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Que as estrelas com seu brilho,
   e o sol, com seu loiro raio,
        iluminem cada filho 
 do adorável mês de Maio!
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Poema de Lisboa/Portugal

ANTONIO JOSÉ DA SILVA
Rio de Janeiro/RJ, 1705 – 1739, Lisboa/Portugal

A Mulher e o casamento

Toda mulher que não for
Inclinada ao matrimônio,
Se a não levar o amor:
Trate logo de depor
Seu tirano desdenhar;
Seu rigor, deve escolher
Ou casar, por não morrer,
Ou morrer por não casar.
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Haicai de Promissão/SP
Primeiro Haicai Japonês no Brasil (1908)

HYOKOTSU
(Shuhei Uetsuka)
Kumamoto, 1875 – 1935, Promissão/SP

A nau imigrante
chegando: vê-se lá no alto
a cascata seca
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Sextilha Agalopada de Natal/RN

JOSÉ LUCAS DE BARROS
Serra Negra do Norte/RN, 1934 – 2015, Natal/RN

Ninguém quer sucumbir em luta inglória,
por mais tosca que seja sua lança,
porque a vida é um tesouro inestimável
que no campo dos sonhos se balança,
e por ela assumimos neste mundo
as melhores promessas de esperança.
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Trova de Ponta Grossa/PR

SONIA MARIA DITZEL MARTELO
1943 – 2016

 A Natureza hoje chora
a cruel devastação
que faz o verde ir embora  
e veste de cinza o chão !
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Glosa de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

MOTE:
Saudade... espelho quebrado,
com cacos por todo chão
que ao deixar-me angustiado
faz sangrar meu coração!
José Feldman 
Campo Mourão/PR

GLOSA:
Saudade... espelho quebrado,
não mais reflete, uniforme,
as lembranças do passado
na minha memória, informe! 

Quebrado, sem serventia,
com cacos por todo chão
em cada pedaço eu via
reflexos de uma ilusão!

Hoje, ao chão espatifado,
só reflete uma lembrança
que ao deixar-me angustiado
faz-me chorar, feito criança!

Reflexos da uma saudade
que, espalhada pelo chão,
ao lembrá-la, é bem verdade,
faz sangrar meu coração!
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Aldravia de Belo Horizonte/MG

AUXILIADORA DE CARVALHO E LAGO

fugitivo
solitário
é
meu
coração
sagitário
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Soneto de São Felipe (hoje Eirunepé)/AM

PADRE MANUEL ALBUQUERQUE
(Manuel Rebouças e Albuquerque)
1906 – 1977, Rio de Janeiro/RJ

Prova Infalível

Quando eu soltar meu último suspiro;
quando o meu corpo se tornar gelado,
e o meu olhar se apresentar vidrado,
e quiserdes saber se inda respiro,

eis o melhor processo que eu sugiro:
—  Não coloqueis o espelho decantado
cm frente ao meu nariz, mesmo encostado,
porque não falha a prova que eu prefiro:

— Fazei assim: — Por cima do meu peito.
do lado esquerdo, colocai a mão.
e procedei, seguros, deste jeito:

—  Gritai “MARIA!” ao pé do meu ouvido,
e se não palpitar meu coração,
então é certo que eu terei morrido!
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Trova Humorística de Belo Horizonte/MG

DODORA GALINARI

Na venda, a moça esculacha
pelo engano que se deu:
pediu a maior bolacha,
e o vendedor lhe bateu!
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Poema do Recife/PE

JORGE FILÓ

Idas e Idas

Nunca é tarde a partida
E sempre cedo é a ida
Pra quem um fio de vida
Servia de inspiração
Cada gole um novo tema
Em cada trago um poema
Tudo dentro do esquema
Sem dar-se trela à razão.

Vai-se cedo mais um forte
Sem precisar de transporte
Nessa bússola sem norte
Sem que se saiba o destino
Na visão do indeciso
Viaja sem dar aviso
Pois num instante impreciso
Bate o derradeiro sino.
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Triverso de Curitiba/PR

ÁLVARO POSSELT

Meu violão me intriga
Morre de tanto rir
quando lhe coço a barriga
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Spina de Capanema/PR

CLEUSA PIOVESAN

Saldo Final 

Velhice sem idade,
Idade sem traumas,
Medo? Só sobreviver.

Saldo de noites mal dormidas,
Bem vividas em poesia insone,
Instigam minha ânsia de viver.
Tive amores, paz, medo, dores...
Tenho benção de não esquecer!
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Ouço ainda, ao longe, o canto
de um velho carro de boi...
Lembrança de um tempo e tanto,
que há tanto tempo se foi!
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Acróstico* de Jacarepaguá/RJ

ANTONIO CABRAL FILHO

Acróstico Rimado

Agora eu preciso ver
Como a jiripoca chia,
Riscar e não escrever
O que a caneta exigia;
Sair por aí sozinho
Tonto como a vaca louca,
Irritando meu vizinho
Com mais outro bate-boca,
Ou então cair de quina
Rumo à terra do Drummond
Inventando um mal na esquina
Mais que a dona Trianon,
Ainda que a mesma seja
Dependente de cerveja
Ou eu cumpra minha sina.
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Poetrix de Santa Maria de Itabira/MG

ANÍSIO LAGE

epitáfio

sou na vida um opróbio
escrevam em minha lápide:
finalmente sóbrio!
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Soneto de Coimbra/Portugal

LUIS VAZ DE CAMÕES
Coimbra, 1524 – 1580, Lisboa

Aquela triste e leda madrugada,
Cheia toda de mágoa e de piedade,
Enquanto houver no mundo saudade
Quero que seja sempre celebrada.

Ela só, quando amena e marchetada
Saía, dando ao mundo claridade,
Viu apartar-se d'uma outra vontade,
Que nunca poderá ver-se apartada.

Ela só viu as lágrimas em fio
Que d'uns e d'outros olhos derivadas
S'acrescentaram em grande e largo rio.

Ela viu as palavras magoadas
Que puderam tornar o fogo frio,
E dar descanso às almas condenadas.
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Trova Premiada em Natal/RN, 2010 

PROFESSOR GARCIA 
Caicó/RN

Cadeira velha, esquecida, 
sem dono e sem mais ninguém… 
Só a saudade atrevida 
reclama a ausência de alguém.
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Poema de Belo Horizonte/MG

CLEVANE PESSOA
(Clevane Pessoa de Araújo Lopes)

Lunar

Nasci sob teus signo e signais.
Se estou em solidão, recolho-me minguante,
à míngua de carinhos entressonhados
ou já vividos...
Se a esperança acena sua mãozinha de jade
alegro-me,  permito-me imaginar, crescente...
Quando empobreço de cansaço, perdas e ausências,
visto-me de dourado, alma nua,
em campo aberto, deixo que tua luz me envolva,
vestido longo e fascinante,
seda pura...
E então, volto a bailar...
Quando engravido,
meu corpo é semiplenilúneo,
ventre túmido, imenso.
E nasce um novo ser...
Minha mente abre a porta do imaginário 
e criativa, dá à luz
tudo que nela foi gestado...
Lua, lua, sou lunar,
minha bela fada madrinha ,
inspiração perene,
rainha...
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* Acróstico  é um gênero de composição geralmente poética, que consiste em formar uma palavra vertical com as letras iniciais ou finais de cada verso gerando um nome próprio ou uma sequência significativa.

Os acrósticos já existiam na antiguidade com escritores gregos e latinos e na Idade Média com os monges. Foi um gênero muito utilizado no período barroco, durante os séculos XVI e XVII, e ainda hoje é muito utilizado por pessoas de várias faixas etárias, classes sociais e culturas diferentes.

A palavra ACRÓSTICO originou-se da palavra grega Ákros (extremo) e stikhon (linha ou verso), onde o prefixo indica extremidade, apontando a principal característica desse tipo de composição poética: as letras de uma das extremidades de cada verso vão formando uma palavra vertical. Mas as letras podem também aparecer no meio do verso.

Segundo a Enciclopédia Britânica, o acróstico é utilizado desde a antiguidade, inclusive nos livros bíblicos dos Provérbios e dos Salmos.

Em português o acróstico apareceu no Cancioneiro geral (século XVI) e chegou a ser feito por Camões, no soneto CCIX, cujo primeiro verso é “Vencido está de amor meu pensamento".

Há muitas variantes: o acróstico alfabético, em que se vai enfileirando o alfabeto verticalmente; o mesóstico, em que as letras da palavra-chave aparecem no meio da composição, no final de cada primeiro hemistíquio ou início do segundo; e outras modalidades ainda mais complicadas.

Fizeram-se acrósticos em prosa, com as letras do começo de cada parágrafo, e se chegou a verdadeira mania de acrósticos nos tempos do barroco.

Os acrósticos podem ser simples, com frases, nomes ou palavras que não tenha ligação entre si, ou ainda poemas completos. Podem ser encarados como atividade lúdica, tornando-se um jogo muito interessante. Assim, uma das funções pode ser ressaltar as qualidades ou defeitos de alguém.

Pode-se dar evidência às letras em cada verso para evidenciar a quem são dedicados, ou ainda deixá-las sem evidência alguma, para torná-las secretas. Depende da intenção com que se fez o acróstico. Os acrósticos são ainda encontrados na Bíblia, principalmente nos Salmos, e em alguns poemas com o objetivo de revelar sua autoria.

Podemos dizer que o acróstico parece englobar três funções: 1) uma procura de virtuosidade própria dos poetas palacianos; 2) um caráter lúdico que designa todo um jogo de espírito sutil; 3) um certo gosto pelo secreto.

O duplo acróstico é uma composição difícil, na qual a leitura de duas séries de letras separadas forma uma frase significativa. Mas se relermos o repertório das curiosidades poéticas deparamos com o pentacróstico que repete cinco vezes a mesma palavra, em cinco partes verticais dos versos (v. Tratatus de Executoribus de Silvestre de Morais, Tome II, Lisboa, 1730, p. 11).

O acróstico dissimula a palavra, que ele dá, escondendo-a; e requer do leitor uma certa esperteza para descobrir a sua sutileza. Relaciona-se com a adivinha e liga-se logicamente com ela pois existem enigmas em verso cujo nome figura em acróstico. Um autor pode assinar com um tipo de assinatura  cifrada o seu próprio nome em acróstico.
(Fonte: Ana Paula de Araújo, in http://www.infoescola.com/literatura/acrostico

terça-feira, 18 de junho de 2024

Vereda da Poesia = 37 =


Trova Humorística, de São João de Meriti/RJ

CLEBER ROBERTO DE OLIVEIRA

Os passarinhos da praça
não podem nem ver um calvo:
- Na careca de um que passa
praticam... "titica ao alvo"!
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Soneto do Rio de Janeiro

AGRIPPINO GRIECO 
Paraíba do Sul/RJ, 1888 – 1973, Rio de Janeiro/RJ

Copo de Cristal

Naquele quarto estreito e abandonado,
onde passo estirado na rede,
horas de tédio, enquanto o sol despede
as setas de ouro sobre o campo ao lado,

esquecido num canto, e, da parede
junto, entre flores, vasos, e um bordado,
há um velho copo de cristal lavrado,
em que, às vezes, aplaco a dor da sede.

Contam-me que esse copo pertencera
outrora a uma esquisita e romanesca
jovem, que nele muita vez bebera.

E ainda hoje a extravagar – cabeça louca ! -
se ao lábio o levo, sinto na água fresca
o perfume e o sabor daquela boca...
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Aldravia de Belo Horizonte/MG

ÂNGELA FONSECA

lápis
sobre
papel
tessitura
de
ideias
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Soneto de São José do Egito/PE

VINÍCIUS GREGÓRIO

Eu e o Galo de Campina

Triste sina de um Galo-de-Campina
Que era alegre bem antes da prisão,
Mas foi preso nas grades do alçapão
E hoje chora no canto a triste sina.

Eu também tive a sina repentina,
Pois um dia fui livre e hoje não.
Na tristeza, esse Galo é meu irmão:
Minha sina da dele é copia fina.

Hoje a casa do Galo é a gaiola.
Notas tristes no canto é que ele sola.
A saudade do Galo - a vastidão.

O meu canto é um canto de lamento.
A gaiola é o meu apartamento.
E a saudade que eu sinto é do sertão.
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Trova Premiada em Rio Novo/MG, 1988

ABIGAIL DE ARAÚJO LIMA RIZZINI 
Nova Friburgo/RJ

Perco a calma se demoras...
Mas chegas e, ao te abraçar,
quisera reter as horas...
fazer o tempo parar...
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Poema do Rio de Janeiro/RJ

CECÍLIA MEIRELES
(Cecília Benevides de Carvalho Meireles)
1901 – 1964

Fantasma

Para onde vais, assim calado,
de olhos hirtos, quieto e deitado,
as mãos imóveis de cada lado?

Tua longa barca desliza
por não sei que onda, límpida e lisa,
sem leme, sem vela, sem brisa...

Passas por mim na órbita imensa
de uma secreta indiferença,
que qualquer pergunta dispensa.

Desapareces do lado oposto
e, então, com súbito desgosto,
vejo que teu rosto é o meu rosto,

e que vais levando contigo,
pelo silencioso perigo
dessa tua navegação,

minha voz na tua garganta,
e tanta cinza, tanta, tanta,
de mim, sobre o teu coração!
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Quadra Popular

Acordei antes da aurora
dando suspiros por ti,
suspirei o dia inteiro,
suspirando adormeci.
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Soneto de Curitiba/PR

PEDRO SATURNINO
Cabo Verde/MG, 1883 – 1953, Curitiba/PR

Cavalo Pampa

Devo contar (naturalmente em rima)
que também tive o meu cavalo pampa,
de muita fibra, de bonita estampa,
em que eu montava para ver a prima.

O soberbo animal de minha estima,
que bem marchava pela estrada escampa,
ao pé da casa dela, numa rampa,
estralava as ferragens rua acima.

Adivinhando que eu gostava dela,
com tal força batia as ferraduras,
que ela vinha postar-se na janela.

E eu lograva da flor do lugarejo,
das mais belas e gentil das criaturas,
um sorriso de amor melhor que um beijo! 
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Trova de Juiz de Fora/MG

GERALDA ARMOND

A saudade é simplesmente,
um claro espelho encantado,
mira-se nele o presente
e ele reflete o passado.
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Poema de Goiás

CORA CORALINA
(Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas)
Cidade de Goiás/GO, 1889 – 1985, Goiânia/GO

Mãe

Renovadora e reveladora do mundo
A humanidade se renova no teu ventre.
Cria teus filhos,
não os entregues à creche.
Creche é fria, impessoal.
Nunca será um lar
para teu filho.
Ele, pequenino, precisa de ti.
Não o desligues da tua força maternal.
Que pretendes, mulher?
Independência, igualdade de condições...
Empregos fora do lar?
És superior àqueles
que procuras imitar.
Tens o dom divino
de ser mãe
Em ti está presente a humanidade.

Mulher, não te deixes castrar.
Serás um animal somente de prazer
e às vezes nem mais isso.
Frígida, bloqueada, teu orgulho te faz calar.
Tumultuada, fingindo ser o que não és.
Roendo o teu osso negro da amargura.
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Haicai de Santos/SP

SONIA ADARIAS SOARES BRUNO

Velho cão se encolhe
E o dono divide a colcha –
Inverno na rua.
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Sextilha de Porto Alegre/RS

MILTON SEBASTIÃO SOUZA
Porto Alegre/RS, 1945 – 2018, Cachoeirinha/RS

Quando somo, na vida, o meu total,
reconheço, queria fazer mais...
Muitas vezes meu passo foi pequeno,
outras vezes, tremi nos temporais...
Mesmo assim, fiz bastante, e agora eu sei
dar amor, pois amor nunca é demais...
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Trova de Santos/SP

CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

A inspiração lembra um sonho...
As trovas, para escrevê-las,
basta querer, eu suponho,
e chegamos às estrelas.
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Glosa de Catanduva/SP

ÓGUI LOURENÇO MAURI

MOTE: 
Tu vieste qual guarida
dando sentido ao meu passo.
E passaste em minha vida
qual nuvem, sem deixar traço. 
J. B. Xavier 
São Paulo/SP
 
GLOSA: 
Tu vieste qual guarida 
desde o Plano Superior; 
antes mesmo de nascida, 
incrustavas-me de amor. 

Filha amada, tu chegaste 
dando sentido ao meu passo. 
Eu nem sentia o desgaste 
diante de algum embaraço. 

Por força preconcebida, 
deixaste-me abruptamente. 
E passaste em minha vida 
qual um raio, de repente... 

Não me cabe lamentar, 
esse rude descompasso, 
pois tinhas que aqui passar 
qual nuvem, sem deixar traço.
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Aldravia de Belo Horizonte/MG

GILBERTO MADEIRA PEIXOTO

luz
divina
Deus
assiste
minha
alma
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Soneto de Maceió/AL

GUIMARÃES PASSOS
(Sebastião Cícero dos Guimarães Passos)
Maceió/AL, 1867 – 1909, Paris/França

Teu lenço

Esse teu lenço que possuo e aperto
De encontro ao peito quando durmo, creio
Que hei de mandar-t'o um dia, pois roubei-o,
E foi meu crime em breve descoberto.

Luto, porém, a procurar quem certo
Pode servir-me nisto de correio;
Tu nem sabes que grande é o meu receio
Se em caminho te fosse o lenço aberto...

Porém, ó minha vívida quimera.
Fita as bandas que eu moro, fita e espera,
Que enfim verás, em trêmulos adejos,

Em cada ponta um beija-flor pegando.
Ir pelo espaço o lenço teu voando
Pando, enfunado, côncavo de beijos.
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Trova Premiada de Santos/SP

EDNA GALLO

Mensageira tão formosa
é a trova em rimas de amor,
que leva o aroma da rosa
de um coração trovador!
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Poema de Tambaú/SP

SEBAS SUNDFELD
Pirassununga/SP, 1924 – 2015, Tambaú/SP

Dilema

O coração é uma taça para a festa da vida.
Com ela comemoramos, na embriaguez da euforia,
os esplendores das pompas, o riso da alegria,
a glória encantada dos amores.
Mas o fazemos com tamanha ansiedade,
com tanto medo
de ver a festa em breve terminar,
que, ao fim, quando brindamos à Felicidade,
que um dia há de chegar,
temos cansado o coração
e a taça está vazia.
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Triverso de Curitiba/PR

ÁLVARO POSSELT

portabilidade

A vida é duradoura
Pra falar com Deus
só com outra operadora
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Spina de São Paulo/SP

SOLANGE COLOMBARA

O Medo

Sucinto, te sinto
às vezes silente
em raro decanto

ou pressinto teu mavioso canto.
Um instinto quase animal revela
teu êxtase, em peculiar encanto.
Escorres por minhas frestas em
ecos, és o labirinto sacrossanto.
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Escravo da liberdade,
sem ela não sei viver.
– Abaixo a corrente, a grade,
tudo quanto anule o ser!
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Dobradinha Poética de Bandeirantes/PR

LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI

Reminiscência

O joão-de-barro, a paineira,
e a casinha, ali construída…
Na infância, sobremaneira,
deram-me exemplo de vida!

''São Carlos"... Era o nome da fazenda,
com primaveras, pássaros, paineira...
O cafezal em flor, cena estupenda:
— recordação para uma vida inteira!

No terreirão, na grama em verde renda
- eu com dez anos –, quanta brincadeira!
Na casa simples, mesa com merenda;
dali se via o véu da cachoeira!...

Lembro o balanço no chorão... — Saudade!
Naquele pasto o gado em liberdade;
farto pomar, coqueiro carregado...

Apenas meses e eu nunca esqueci,
da infância a fase que passei ali:
— um tempo mágico do meu passado!
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Poetrix de Paranavaí/PR

RENATO FRATA

Ocasião

Carente e "pidoncha",
a gripe se aninhou
no meu ninho.
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Soneto de Joaçaba/SC

MIGUEL RUSSOWSKY
(Miguel Kopstein Russowsky)
Santa Maria/RS, 1923 – 2009, Joaçaba/SC

A Vida é Urgente

Se sabes que te quero e sou por ti bem quisto,
o “depois” não importa. O tempo nos dirá.
Viver!... Sentir o amor, é urgentíssimo já!
Não somes ao anseio uma descrença, insisto!

Felicidade... Instante azul!... Apenas isto.
Deixa então, o porvir, às leis do “Deus dará”.
Não penses que o amanhã necessite alvará
para dar luz ao sol, se tudo está previsto.

Aproveitemos agora os encantos da vida,
antes que o fado hostil os sonhos desarrume,
ou às desilusões os teus enganos somes!

A existência esvai-se em célere corrida...
Um dia eu serei pó e tu serás perfume
e o vento soprará sem lembrar nossos nomes.
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Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Cai no trilho e a triste sina
maldiz tanto o beberrão...
“Essa escada não termina
e é tão baixo o corrimão!”
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Poema de Portugal 

EUGÉNIO DE ANDRADE 
(José Fontinhas)
Fundão, 1923 – 2005, Porto

A boca 

A boca,
onde o fogo 
de um verão
muito antigo cintila,
a boca espera
(que pode uma boca esperar senão outra boca?) 
espera o ardor do vento
para ser ave e cantar.

Levar-te à boca,
beber a água mais funda do teu ser 
se a luz é tanta,
como se pode morrer?