Affonso Montenegro Louzada
(Rio de Janeiro/GB, 1904 – ?)
" DE ARVERS "
Guardo na alma um recôndito segredo:
este amor que surgiu tão de repente -
como um sonho sonhado quase a medo
e quem o despertou nem o pressente.
Ao vê-la, no silencio imenso e tredo,
eu sinto que ela me olha indiferente
e, assim irei para o último degredo -
sem que ela o saiba, amando-a loucamente.
Essa que é o próprio amor que tudo vence,
vai pela vida tão serena e pura -
meus gemidos talvez nunca ouvirá.
E fiel ao seu amor que a outro pertence,
ainda lendo os meus versos, porventura,
dirá consigo mesma: - Quem será?
" FATALIDADE "
Sonhei, amei, pela existência afora,
na dourada ilusão da primavera
e muito mais sonhara, se pudera
e mais amara, permitido fora.
Sonhei, amei, cantei, sabendo embora
que pelo mundo imenso da quimera
a treva do horizonte se apodera
e o perfume das flores se evapora.
Afinal, pelo abismo em que resvalo,
talvez o desengano foi meu prêmio
e quem fora capaz de desejá-lo?!
No desengano imenso que me inquieta,
eu vou vivendo ao léu, como um boêmio
e vou sonhando sempre, como um poeta.
" MAL DE AMOR "
Ha tanto amor que é falso, que é perjuro,
que mente e engana traiçoeiramente -
que, sempre cauteloso, enfim procuro
fugir do mal que sofre toda gente.
Mas, pobre coração que se faz duro!
Só para não sentir a dor pungente
de uma desilusão, mais me torturo
evitando esse amor que ilude e mente.
Antes sofrer, portanto, o mal que, eterno,
mata depois de todas as torturas
onde a traição tão facilmente medra.
Embora queime tanto ou mais que o inferno -
antes a dor de todas as criaturas,
que ter no peito um coração de pedra.
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Agrippino Grieco
(Paraíba do Sul/RJ, 15 de outubro de 1888 – Rio de Janeiro/RJ, 25 de agosto de 1973 )
" COPO DE CRISTAL "
Naquele quarto estreito e abandonado,
onde passo estirado na rede,
horas de tédio, enquanto o sol despede
as setas de ouro sobre o campo ao lado,
esquecido num canto, e, da parede
junto, entre flores, vasos, e um bordado,
há um velho copo de cristal lavrado,
em que, às vezes, aplaco a dor da sede.
Contam-me que esse copo pertencera
outrora a uma esquisita e romanesca
jovem, que nele muita vez bebera.
E ainda hoje a extravagar – cabeça louca ! -
se ao lábio o levo, sinto na água fresca
o perfume e o sabor daquela boca...
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Alberto de Magalhães Hecksher
(Rio de Janeiro/GB, 1916 – Rio de Janeiro/RJ, 6 de fevereiro de 1950)
" Mais Tarde... "
Eu penso às vezes que algum dia, certo,
quando mais tarde andarmos pela vida,
com passo incerto e tendo a voz sumida,
um do outro havemos de passar bem perto !...
E há de pousar a tua vista erguida
em meu olhar parado... E se ora acerto
nosso passado há de ficar desperto
mesmo que passes despercebida !...
E hão de se ver nos últimos arrancos
nossas ruínas cada qual maior,
todas floridas de cabelos brancos !...
E tal se dando embora não mereças,
- que eu não te veja então será melhor...
E é bem melhor que não me reconheças !…
Fonte:
J.G . de Araujo Jorge . "Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou". 1a ed. 1963