sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Vereda da Poesia = 79 =


Trova de Paracuru/CE

ABIGAIL SAMPAIO

Quando tu falas comigo,
a tua fala me encanta,
creio que tens, meu amigo,
um rouxinol na garganta.
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Poema de Cachoeira do Sul/RS

JAQUELINE MACHADO

Vida de festa

Sou como sou. 
E minha essência nunca esteve tanto em evidência.
Olhem fundo em meus olhos. 
E encontrem a chave da porta de minha alma.
Absorvam meu sorriso. 
E adentrem sem fazer cerimônias à minha vida de festa. 
Venham ao encontro do meu abraço. 
E todos os espaços do mundo serão seus, 
já que sou feita de infinito...
A todos que me amam, sou assim...
Transparência, solo fértil a florir...
Um ventre a criar e recriar os mundos mais belos.
Para livrá-los da feiura da maldade. 
Sou entusiasta da vida!
E amo essa coisa bonita, chamada existir...
Existir para dentro. E para fora de mim. 
Existir para os que querem o meu bem. 
E fazem de tudo para me fazer feliz!
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

FLORESTAN JAPIASSÚ MAIA 
(1915 - 2006)

Perdeu voto o candidato
 no churrasco lá no morro,
 porque o espetinho de gato
 tava duro pra cachorro!
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Soneto de Pilar/PB

ANTONIO COSTTA
Antonio da Costa Silva

A falsidade deste mundo

Neste mundo é tamanha a falsidade
Que a verdade, de repente, ocultou-se;
A mentira transformou-se em verdade,
E a verdade, em mentira, transformou-se!

Porventura alguém sabe onde a verdade
Neste mundo hodierno extraviou-se?
Em que parte do planeta a bondade
Inda não, em maldade, adulterou-se?

Oh Senhor, nos livrai da falsidade!
Que opera neste mundo de maldade,
Da forma mais sutil e traiçoeira!...

Pois no mundo a falsidade não expira,
A verdade é transformada em mentira,
E a mentira - em verdade verdadeira!
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Trova Premiada em Taubaté/SP, 2015

JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

Não se sinta superior
por suas duras vitórias…
Quem lhe parece inferior
já teve dias de glórias.
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Poema de Vila Velha/ES

APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA

A sede dos rios... minha vida...

O que seriam estas serpentes
em permanente carrear de viço,
em serviço de manter a vida?

E seriam estes serpenteares,
por lugares ermos e diferentes,
gestos lentos de despedidas?

Pelo avesso desse finito mundo
presos à incúria do granito,
no fundo da boca espumamos
o gosto de mercúrio e chumbo.

O que seriam estas sementes
em permanente mudar de rebuliço,
genes doentes, eternos movediços?

E seriam estes plantares,
esgares enfermos e impotentes,
infernos bentos em seus feitiços?

Pelo terço da bendita mantra
rimos, salivamos e latimos
como o grito que espanta,
como o abortar dos destinos.
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Trova Popular

Se eu fosse um retratista
tirava um retrato teu,
para mim pôr no meu quarto
para ser consolo meu.
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Dobradinha Poética de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Lar... Doce lar…

Volto à casa, que "era minha",
risco a calçada e, feliz,
vou pular amarelinha
mas, o pranto apaga o giz!

Hoje, saudosa, eu volto ao lar antigo
e escancarando a porta semiaberta,
procuro em vão... vasculho o doce abrigo...
Nem pai... nem mãe... a casa está deserta!

E volto ao lar, que dividi contigo...
- Vaivém dos filhos, pela porta aberta...
- Visita alegre de um ou de outro amigo...
E, hoje, é a saudade que o meu peito aperta.

Mas, por deixar pegadas nos caminhos,
não fiquei só!... Cercada de carinhos,
eu sou feliz!... Se volta o sonho louco

do teu amor, acalmo o coração
pois, ao sentir que chega a solidão,
no amor dos filhos eu te encontro um pouco.
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

LUIZ POETA
Luiz Gilberto de Barros

De você, nunca desligo,
amigos têm esse dom
de construir seu abrigo
em cada amigo que é bom, 
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Poema da Itália

LALLA ROMANO
Demonte, 1906 - 2001, Milão

Jovem é o tempo

Estreito e claro era o rio
tornou-se enorme e foge
como um animal ferido

Até o ar está morto
o céu é como uma pedra

Os pássaros não sabem mais voar
atiram-se como cegos
dos beirais dos tetos

O amado odor do corpo

O sono das manhãs
me encadeia os joelhos
me cinge a fronte
com suas vendas de seda

Então sem que eu te chame
penetras nos meus sonhos
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Trova Hispânica de Santo Domingo/ Republica Dominicana

CLAUDIO GARIBALDY MARTÍNEZ 

Todo fiel Entendimiento
llega de Dios con amor,
él nos dá discernimiento
para abolir el dolor.
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Soneto de Brasília/DF

EDIR PINA DE BARROS

Canto! E canto a dor

Canto! E no meu canto eu louvo a dor
que assim nos deixa humildes, mais humanos,
que nos lapida em meio a desenganos
bem mais do se pode ver, supor.

E as lágrimas que escorrem sem pudor
na proporção das perdas e dos danos,
a desvelar fraqueza em espartanos,
com bela rutilância furta-cor.

A dor é a força oculta da alegria,
que vence toda empáfia, galhardia,
e iguala-nos em nossas diferenças.

Oh! Dor! Eu sempre, sempre hei de louvar-te
aqui, ali, além, em toda parte
até que um dia a mim, também, me venças.
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Trova de Bandeirantes/PR

LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DE CARLI

Dentre tudo que é vivido
na curva da trajetória,
encontra-se o amor perdido
bem guardado.,, na memória.
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Spina de Berilo/MG

NINA MARIZA

Sou escritor

Escrevo na linha
do seu coração; 
Escrevo o Amor.

Acalento a minha, sua dor!...
Escrevo nas páginas da vida.
Sou, de almas, um pescador.
Sinto a Poesia... a Natureza.
Sou amor, vida; Sou Escritor.
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Trova de Maringá/PR

NILSA ALVES DE MELO

Por trás desta foto linda,
cheia de risos, de encanto,
esconde a saudade infinda
que, muitas vezes, espanto.
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Soneto de Vitória da Conquista/BA

RICARDO DE BENEDICTIS

Desejos

Fico pensando na idade
e temo a senilidade...
Também cismo com a saúde
cada vez mais amiúde...

A ilusão de viver
sem cair e sem perder...
Na tomada de atitude
que, de repente, me mude...

Quem sabe, assim, suportasse
o desamor e chorasse,
pois que chorar nunca pude...

Quem sabe, neste momento
mitigasse o sofrimento
da esperança que me ilude...
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Trova Premiada  em Nova Friburgo/RJ, 2001

DARLY O. BARROS 
São Francisco do Sul/SC, 1941 - 2021, São Paulo/SP

Meu perdão foi um tributo
A uma lágrima suspensa:
- um detalhe diminuto
Mas, que fez a diferença…
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Soneto de Campos dos Goytacazes/RJ

DIAMANTINO FERREIRA

Uma dádiva de amor

Passei a minha vida, entre percalços,
tão só pela desdita de haver-te amado.
Corri o mundo afora, transtornado,
buscando outros amores; porém, falsos!

Decênios já passaram;  mas, em vão,
ninguém  achei ou que lembrasse a imagem,
em que ao menos sentisse uma passagem,
da que nunca saiu do coração!

E se nós, um de nós, talvez errados,
a culpa dos molestos já passados
já não nos cabe, agora, pesquisar.

A minha dor, no entanto, apenas quero
e no seu fundo, amor!  Eu te assevero:
eu vou morrer, te amando sem cessar!...
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Trova de Ibiporã/PR

MAURÍCIO LEONARDO

O amor chega de mansinho
como quem está brincando…
Mostra a flor, esconde o espinho,
e acaba nos machucando!
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Pantun de São José dos Campos/SP

MIFORI
(Maria Inês Fontes Rico)

Esta atual geração
mostra certa negligência.
Apinhada em atuação
desafiando a ciência.
MIFORI

Mostra certa negligência
em toda a sua postura,
desafiando a ciência,
a juventude imatura.

Em toda a sua postura,
leva um emblema no peito;
a juventude imatura
se veste de qualquer jeito.

Leva um emblema no peito,
atira-se nua ao mar,
se veste de qualquer jeito,
põe-se logo a navegar.

Atira-se nua ao mar,
com muita satisfação.
Põe-se logo a navegar,
esta atual geração.
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Trova da Princesa dos Trovadores

CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Há vidas que se parecem
com as roseiras viçosas:
quando podadas, mais crescem
e mais se cobrem de rosas!
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Hino de Altônia/PR

Quadro vivo a clareira da mata
Inefável Altônia a sorrir
Na moldura bordada de prata
Pelos rios Paraná e Piquiri.
Miniatura do pátrio torrão
Tens as cores da augusta bandeira
No verdor dos cereais, do algodão,
No azul das lagoas faceiras

Cidade onde o trabalho
É um cântico de fé.
Surgiste dentre os ares
Festivos do café.
Fronteiras da amizade
Inscrevem no teu chão,
Toda a fraternidade
De um nobre coração.
Altônia a tua história
De luta varonil
Será um clarim de glória
Vibrando noBbrasil.

Há uma linda e profunda mensagem
De fartura, de paz e união.
Astro bom que anuncia a vitória
O teu nome amanhã fulgirá,
Fascinante e triunfal trajetória
Deste grande e feliz Paraná

Cidade onde o trabalho
É um cântico de fé.
Surgiste dentre os ares
Festivos do café.
Fronteiras da amizade
Inscrevem no teu chão,
Toda a fraternidade
De um nobre coração.
Altônia a tua história
De luta varonil
Será um clarim de glória
Vibrando no Brasil.
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Trova Humorística de Bandeirantes/PR

WANDA ROSSI DE CARVALHO

Ao não ouvir o “gritinho”
pela querência encontrada,
fez pirraça o “São Longuinho”
e nunca mais achou nada.
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Poema de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS 
(Antônio Augusto de Assis)

Poêmica III

Tinha o céu e tinha a terra,
tinha o sol e tinha a lua,
tinha as estrelas,
milhares.

Tinha os lagos e as lagoas,
tinha os rios e os riachos,
e os verdes bravios
mares.

Tinha as serras e as colinas,
tinha as selvas e as campinas,
tinha os jardins e os
pomares.

Bichos nas matas correndo,
peixes nas águas brincando,
cantando as aves
nos ares,

e tudo era muito bom.

Deu-se porém que
criados
o homem mais a mulher,
criaram logo o machado,
a foice, o fogo e o veneno,

e pôs-se tudo a perder.
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Trova de Maringá/PR

OLGA AGULHON

Aquele “sim” que ele disse,
na igreja, diante do altar,
não suportou a velhice,
que enrugou o nosso olhar.
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

O galo e a raposa

Empoleirado num sobreiro antigo,
Fazia um velho galo sentinela.
Uma raposa diz-lhe: «Irmão e amigo,
Venho trazer-te uma notícia bela.

Nas nossas dissensões lançou-se um traço
E acaba de assinar-se a paz geral;
Desce, que quero dar-te estreito abraço
E juntamente o beijo fraternal!

— Amiga — diz-lhe o galo — folgo imenso;
Não podia esperar maior delícia!...
Vejo dois galgos a correr, e penso
Que são correios da feliz notícia.

Foge a raposa sem dar mais cavaco;
E o galo sentiu íntimo consolo.
Pois é grande prazer ver a um velhaco
Entrar espertalhão e sair tolo!

(tradução: J. I. de Araújo)

Jaqueline Machado (Isadora de Pampa e Bahia) Capítulo Final: Novo ciclo de amor

Isadora volta para o Sul, decidida a separar-se de Fábio e juntar-se a Genuíno.

– Nenhum obstáculo pode ser maior que o nosso amor- pensou ela. Se despediu de dona Branca, das meninas, que com suas histórias de vida a fizeram entender um pouco mais sobre as hipocrisias e desigualdades sociais, e partiu ao lado de João, em seu caminhão. E ele fez questão de devolvê-la sã e salva ao Pampa Riograndense.                    

- Obrigada, amigo. 

- Um homem de caráter jamais desampara uma mulher, seja ela sua mãe, esposa, irmã ou amiga – disse João. 

As moças da casa de dona Branca estavam emocionadas, pois Isadora estava indo ao encontro do sonho da vida de muitas delas:  encontrar o amor. O amor verdadeiro que a má sorte lhes negou. Depois de uma longa e cansativa viagem, chegaram em Cachoeira do Sul. E seguiram até a fazenda onde Genuíno trabalhava e morava. 

Ao avistá-lo em meio ao arrozal, a prenda correu para os braços do peão. João manteve certa distância, respeitando aquele momento importante e decisivo na vida de sua amiga.

 - O que fazes aqui? - pensei que tivesses partido para nunca mais voltar – disse Genuíno, surpreso.- Estive longe, mas voltei. Voltei por ti e para ti.  E então se abraçaram e trocaram um longo beijo.                 

- E eu, fico aqui, segurando vela. Pensou João com um sorriso de satisfação.      

O casal de amantes estavam, sim, decididos a enfrentar o senhor Antônio, Fábio e quem mais fosse preciso. Isadora apresentou seu amigo a Genuíno. E seguiram rumo à fazenda “Prenda Bonita”.   Estavam ansiosos. E tentavam conversar e se distraírem com as lindas paisagens naturais do lugar.              

 - Apesar de conhecer só uns pedaços do Rio Grande, aqui também me parece ser um belo lugar para se viver – falou João com entusiasmo.  Isadora retornou a sua casa, protegida pelo seu amor e seu amigo. Era hora de almoço e o senhor Antônio devorava um pescoço de frango quando eles chegaram de surpresa.                       

 - Fia. Onde tu andava esse tempo todo? O que esse peão tá fazendo aqui e quem esse outro que não conheço?            

- João é meu amigo. E este peão, é o meu amor. Fugi para a Bahia. Fugi de suas tiranias e das garras de Fábio. Mas voltei. Voltei para lutar pelo meu amor. Nem o senhor, e nem mais ninguém vai impedir minha felicidade.              

- Fia. Tu não deve tá no teu juízo perfeito. Ele não combina contigo. – diz o velho, certamente se referindo à cor de pele de Genuíno.                              

- Por que não combino com sua filha? Porque sou preto? Pois fique o senhor sabendo que sou mais limpo e mais honesto do que muito brancos por aí...                

 - Voceis são amantes?    - Sim, pai. Somos. Mas só por enquanto. Vou pedir o divórcio a Fábio. E logo estaremos livres para nos casarmos.    O senhor Antônio empurrou o prato, ergueu -se, abriu a boca e levantou o dedo na tentativa de dizer alguma coisa, mas sofreu um infarto fulminante. 

O real motivo da causa da morte do velho logo se espalhou. E Fábio, temendo as zombarias por ter sido passado para trás pela mulher, desapareceu. 

Dias se passaram. Isadora tomou a frente das terras que eram do seu pai, reabriu a escola da região, e passou a dar aulas em dois turnos: à tarde, para as crianças, e à noite, para os adultos, que por falta de oportunidade ainda eram semi ou totalmente analfabetos. 

Padre Orestes deu o casamento de Isadora e Fábio por anulado, devido ao seu desaparecimento. Assim, ela se casou com Genuíno. E em grande festa junto de amigos, alunos e os peões de sua fazenda, celebrou a vitória do amor.  

A família de Enila permaneceu unida. E mais felizes do que nunca com a notícia de sua gravidez.

Amélia e Pedro estavam com a relação estremecida por razões de desconfianças e ciúmes, mas apesar dos boatos de traição da mulher com seu amigo Simão continuarem a todo vapor entre colegas, eles fizeram as pazes. E voltaram a se amar ardentemente. 

Os demais trabalhadores estavam muito contentes com a fazenda sob a direção de Isadora e Genuíno, que tinham agora a difícil missão de impedir a total falência das produções geradas naquelas terras.

João retornou a Salvador, deixando a promessa de revisitar a terra do arroz em breve. E vó Gorda... Ah... Vó Gorda permanecia à espreita, observando tudo e rezando por todos... 

FIM!

Fonte: Texto enviado pela autora.

Recordando Velhas Canções (Atiraste uma pedra)


Compositor: David Nasser e Herivelto Martins

Atiraste uma pedra no peito de quem só te fez tanto bem
E quebraste um telhado, perdeste um abrigo
Feriste um amigo
Conseguiste magoar quem das mágoas te livrou

Atiraste uma pedra com as mãos que essa boca
Tantas vezes beijou
Quebraste um telhado
Que nas noites de frio te servia de abrigo
Perdeste um amigo que os teus erros não viu
E o teu pranto enxugou

Mas acima de tudo atiraste uma pedra
Turvando esta água
Esta água que um dia, por estranha ironia
Tua sede matou
Atiraste uma pedra no peito de quem
Só te fez tanto bem
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
A Dor da Traição em 'Atiraste Uma Pedra' de Herivelto Martins
A música 'Atiraste Uma Pedra', composta por Herivelto Martins, é uma profunda reflexão sobre a dor da traição e a ingratidão. A letra descreve a sensação de ser traído por alguém que se amava e em quem se confiava. A metáfora da pedra atirada simboliza um ato de agressão e deslealdade, que causa uma ferida profunda no coração de quem sempre fez o bem para o outro. A imagem do telhado quebrado e do abrigo perdido reforça a ideia de que a traição destrói a segurança e a confiança que existiam na relação.

Herivelto Martins utiliza uma linguagem poética para expressar a mágoa e a decepção de quem foi traído. A repetição da ideia de que a pessoa traída sempre esteve ao lado do traidor, enxugando suas lágrimas e perdoando seus erros, intensifica o sentimento de injustiça. A letra também menciona a ironia de que a mesma pessoa que agora traiu, um dia foi salva e acolhida por quem agora sofre. Essa dualidade entre o bem que foi feito e o mal que foi recebido é um dos pontos centrais da canção.

A música também aborda a ideia de que a traição não apenas fere o traído, mas também turva a pureza de algo que era vital e essencial, como a água que matou a sede. Essa metáfora finaliza a canção com uma nota de amargura, mostrando que a traição tem consequências profundas e duradouras. 'Atiraste Uma Pedra' é, portanto, uma canção que fala sobre a dor da ingratidão e a devastação emocional causada pela traição, temas universais que ressoam com muitos ouvintes.  

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

José Feldman (Versejando) 145

 

Coelho Neto (O lenhador)

Quando chegamos à cabana do velho Amâncio, à boca da mata, um cãozinho que dormia encolhido sobre um monte de bagaços de cana já secos, perto de uma moenda, saltou ladrando: mas o velho aquietou-o, e abrindo a cancelinha que dava ingresso ao terreiro, recebeu-nos amavelmente.

A casa de taipa, coberta de sapê, era um ninho entre as árvores. As laranjeiras carregadas vergavam os ramos ao peso dos frutos.

Num lado o canavial e os milhos, em outro lado a horta, onde cantava um fino córrego; e sob a rama frondosa de robusta mangueira agasalhava-se o paiol modesto; mais adiante, o cercado onde berrava a cabra leiteira, o galinheiro e a ceva.

Amâncio era homem de cinquenta anos, moreno e robusto, de olhos vivos, barbas e cabelos grisalhos. Falava sorrindo com expressão afável, e a boa Lívia, sua esposa, que o acompanhava desde a mocidade, já com a pele enrugada e a cabeça toda branca, parecia mais velha do que ele.

Quando entramos na sala da pobre gente, fora na mata, as cigarras cantavam, e as pombas punham uma nota de melancolia no crepúsculo. Vendo-nos com a espingarda, e sabendo que pretendíamos passar a noite na montanha para que pudéssemos surpreender a caça na hora em que ela sai pelas trilhas sossegadas, Amâncio ofereceu-nos do que tinha no armário, enquanto a boa Lívia estendia na mesa tosca uma toalha alvíssima, que exalava o suave perfume da erva de São João.

Aceitando o repasto que nos oferecia o honesto lenhador, pusemo-nos à mesa.

À luz de uma candeia, a sala tinha um triste aspecto, mas a pobreza era largamente compensada pelo escrupuloso asseio.

Mariposas voavam em torno da candeia, e lá fora, no silêncio, à luz das estrelas, os sapos coaxavam. Em uma das paredes, entre vários quadros de santos, havia uma litografia representando o general Osório.

— Vosmecês estão olhando? — disse o lenhador sorrindo. — Aquele é o homem que nos defendeu nos campos de guerra, por isso está perto de Nosso Senhor. A gente acostuma-se a querer bem a esses patrícios, e acaba fazendo o que eu fiz. Lívia anda sempre insistindo comigo para tirar o retrato dali, porque não é santo. Mas fez tanto como se o fosse, porque salvou a honra do povo! Pois não é assim? Deus Nosso Senhor do céu há de aprovar meu pensamento. Eu sou assim: tudo por minha terra e pelos homens que lhe fazem bem.

— Desde quando vives neste monte, Amâncio?

— Eu sei lá! Posso dizer que foi neste cantinho que nasci. Quando dei por mim, meu pai, que era um caboclo forte, morava em uma casinha um pouco mais lá embaixo. Tudo era mato nesse tempo, hoje é quase tudo cidade. Ainda as onças vagavam pelos caminhos, e não se andava neste monte com o sossego com que se anda agora...

— Havia perigo?

— Se havia perigo! Tudo isto estava ainda como Deus criou. Bem me lembro! À noite era um cuidado! Muita vez meu pai saía com a espingarda para espantar as suçuaranas que rondavam a casa. E isto não era como é hoje. Os bichos foram para longe, não há mais aqui em cima, nem mesmo na Mantiqueira onde está o Itatiaia, que é o pico mais alto do Brasil, vosmecês sabem. Só as árvores ficaram, ainda assim já desceram muitas.

O velho lenhador baixou a cabeça grisalha, mas levantando-a, pouco depois, continuou:

— Américo (vosmecês não conhecem meu filho Américo, que é marinheiro?) disse-me, certa vez, uma coisa que me fez pensar: “Ah! Meu pai, a gente na cidade é que compreende o valor das árvores que foram as suas companheiras. O tronco que meu pai derruba vem para as oficinas — de uma sai feito navio, de outra sai transformado em leito: é mobília do rico, é o catre do pobre, é o esteio da casa, é o altar. Quase tudo quanto a gente vê em construções saiu da floresta. O navio no qual eu estou, foi um canto de bosque — teve folhas e flores — hoje, depois que os troncos foram trabalhados, anda sobre as águas: é a floresta que vai pelo mundo levando a nossa bandeira nos mastros como uma flor no galho. Eu vejo a floresta em toda parte, meu pai.” É bem verdade! Américo disse bem! E não é só a madeira que vai do monte — é a água, que mata a sede, é a caça, que alimenta, são as penas dos passarinhos, é a flor, é a resina, é a erva que cura, é tudo quanto há de bom nesse mundo. No tempo da guerra — tempo triste! — vieram aqui buscar madeira para os navios, para os carros, para os esteios, e a mata foi descendo, a seguir com o exército. A terra também entra em combate quando os seus filhos pelejam por sua honra.

— E você vive de lenhar, Amâncio?

— Então? Cada um faz o que pode, contanto que trabalhe. O cavoeiro vem, abre a cava, queima a lenha e desce com o carvão que vai dar fogo às casas. Não é um homem honrado? É, faz a sua tarefa. Eu derrubo árvores, vosmecês estudam. Eu trabalho para vosmecês, vosmecês trabalham para mim. É duro o meu serviço, estou com as mãos cheias de calos, mas a minha consciência é leve, porque nunca procedi mal.

 Assim dizendo levantou-se, abriu uma janela ao luar e ao perfume do monte:

— Se vosmecês querem apanhar alguma coisa, vão indo — agora as pacas estão bebendo. Eu vou também para mostrar os caminhos. Dá cá a espingarda, minha velha. Fecha a casa e dorme. Vamos! Está uma noite como poucas, e a gente, aqui em cima, parece que está mais perto do céu. Vamos com Deus e a Virgem!

E saímos os três pelo monte adormecido.

Fonte: Olavo Bilac & Coelho Neto. Contos Pátrios. RJ: Francisco Alves, 1931. Disponível em Domínio Público.