sábado, 4 de fevereiro de 2012

Pedro Malasartes (De como Malasartes Cozinha sem Fogo)


Quando chegou à cidade Pedro meteu-se em divertimentos com os estudantes e gastou todo o dinheiro. E antes que ficasse de todo limpo comprou uma panelinha de trempe uma matula e seguiu viagem.

Já havia caminhado muito quando avistou um rancho desocupado. Resolveu descansar ali. Fez fogo, pôs a panela de três pés com a matula a aquecer. Mas nisto vem chegando uma tropa. Pedro Malasartes mais que depressa pôs um monte de terra sobre o fogo e ficou muito quieto diante da panela que fumegava.

Os tropeiros, vendo aquilo ficaram muito espantados e perguntaram:

-Que moda é esta, patrício de cozinhar sem fogo?

Pedro respondeu logo:

-Isto não é para todos. Pois não vêem logo que a minha panela é mágica?

-Então cozinha sem fogo?

-E como estão vendo, e a qualquer hora. Mas, como a fada me disse que estou por poucos dias, posso negociá-la.

Os tropeiros viram naquilo um achado; provaram da comida e acharam tudo muito bom.

Compraram a panela pagando por ela quanto lhes fora pedido.

Quando à hora da ceia foram cozinhar sem fogo deram com a marosca mas já era tarde. O Malasartes tinha-se posto a muita distância...

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 468)

Uma Trova de Ademar


Uma Trova Nacional

Bebida, droga ou cigarro,
males do mesmo quartel,
causando sangue ou escarro,
dão ao dono o beleléu.
– LEME FRANCO/PR -

Uma Trova Potiguar


Como o povo não se inunda
na transparência da luz,
a verdade mais profunda
foi cravada numa cruz.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Sou feliz! Não vivo ao lado
das estrelas na amplidão,
mas posso ter um punhado
de vaga-lumes na mão.
–ANTONIO ROBERTO/RJ–

Uma Trova Premiada


1996 - ATRN – Natal/RN
Tema: POTENGI(Rio) - M/H.


Não há poema mais lindo
neste rincão potiguar:
– ver o Potengi dormindo
abraçado com o mar!
–JOAMIR MEDEIROS/RN–

Simplesmente Poesia


M O T E :
Quer matar o poeta, mate o sonho.
Que o poeta sem sonho se liquida.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–


G L O S A:
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Nestes versos supimpas que componho,
navegando no mar da inspiração,
eu faço poética afirmação:
Quer matar o poeta, mate o sonho.
Se tentarem eu logo me transponho,
para o mundo incomum do suicida...
Para mim já não faz sentido a vida,
se formos impedidos de sonhar
e de dentro de mim posso afirmar,
que o poeta sem sonho se liquida.

Estrofe do Dia

Vamos para o meu sertão
ver no fim da tardezinha
a pequenina andorinha
nas telhas de um casarão,
formigas pelo oitão,
uma atrás outra na frente
e no janelão do poente
o sol dando adeus ao dia;
vamos beber poesia
na cacimba do repente.
–BIU SALVINO/PB–

Soneto do Dia

Delírio
(Soneto a duas mãos)
–EDMAR JAPIASSÚ/RJ E SÉRGIO BERNARDO/RJ–


Dentro dos olhos tenho sóis em brasa,
fagulhas vivas e clarões de luas.
Eu abro os olhos e eles, pela casa,
desenham sombras nas paredes nuas.

Formas disformes de lembranças tuas...
Rastros de um resto que meu peito abrasa...
Eu abro a boca e as expressões mais cruas
enxertam-me a saudade que me arrasa.

Já penso ouvir teus passos sobre a alfombra.
Eu fecho os olhos: o fulgor te ofusca...
Eu abro os olhos: traço a tua sombra...

Visões reais que, em dias enfadonhos,
no interno anseio de uma eterna busca,
vagueiam pelas sombras dos meus sonhos!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Guerra Junqueiro (O Valente Soldado de Chumbo)


Era uma vez vinte e cinco soldados de chumbo, todos irmãos, por todos terem nascido da mesma colher de chumbo. Vede-os: que atitude marcial, de espingarda ao ombro, olhar fixo, e ricos uniformes azuis e vermelhos! A primeira coisa que ouviram neste mundo, quando se levantou a tampa da caixa em que eles estavam, foi este grito:

«Olha, soldados de chumbo!» que soltou um rapazito, batendo as palmas de alegria. Tinham-lhos dado de presente no dia dos anos e o seu divertimento era formá-los sobre a mesa, em linha de batalha. Todos os soldados se pareciam maravilhosamente uns com os outros, exceto um, que tinha uma perna de menos, porque o tinham deitado na forma em último lugar e já não havia chumbo suficiente. Apesar deste defeito, os outros não se firmavam melhor nas duas pernas do que ele na sua única, e é este o que precisamente nos interessa.

Sobre a mesa em que os nossos soldados estavam formados havia mil outros brinquedos, mas o mais bonito de todos, era um lindíssimo castelo de papel. Pelas suas pequeninas janelas via-se-lhe o interior dos salões. À volta era circundado de uma floresta em miniatura, que se refletia poeticamente num pedaço de espelho que fingia um lago, onde nadavam pequeninos cisnes de cera. Tudo isto era encantador, mas não tanto como uma menina que estava à porta, e que era também de papel, vestia um lindo vestido de cassa, apertado com um cinto de fivela anil. A menina apresentava os braços arqueados, porque era dançarina, e uma pernita levantada a tal altura, que o soldado de chumbo a não podia ver, e imaginou que, como ele, não teria senão uma perna.

– Ali está a mulher que me convém, pensou, mas é uma grande fidalga. Mora num palácio, eu numa caixa em companhia de vinte e quatro camaradas, e não haveria cá lugar para ela. No entanto preciso conhecê-la.

Deitou-se atrás de uma caixa de tabaco, e dali podia ver à sua vontade a elegante dançarina, que estava sempre num pé único, sem perder o equilíbrio.

À noite todos os outros soldados foram metidos na caixa, e as pessoas da casa foram deitar-se. Apenas os brinquedos perceberam isto, começaram a divertir-se, fizeram guerras, e afinal deram um baile. Os soldados de chumbo mexiam-se e remexiam-se na caixa, porque queriam lá ir; mas como haviam eles de tiram a tampa? O quebra-nozes começou a dar cabriolas e saltos mortais, o lápis traçou mil arabescos fantásticos numa lousa, enfim o barulho tornou-se tal que o canário acordou, e pôs-se a cantar. Os únicos que estavam quietos eram o soldado de chumbo e a dançarinhazinha, ela no bico do pé, e ele numa perna só a espreitá-la.

Deu meia-noite, e zás! a tampa da caixa de rapé levanta-se, e em lugar de rapé, saiu um feiticeirozinho preto. Era um brinquedo de surpresa.

– Soldado de chumbo, disse o feiticeiro, trata de olhar para outro sítio.

Mas o soldado fez que não ouvia.

– Espera até amanhã e verás o que te acontece, continuou o feiticeiro.

No dia seguinte, quando os pequenos se levantaram, puseram o soldado de chumbo à janela, mas de repente, ou por influência do feiticeiro ou por causa do vento, caiu à rua. Que tombo! Ficou com a perna no ar, o peso do corpo todo sobre a barretina, e com a baioneta enterrada entre duas lajes.

A criada e o rapazito foram lá abaixo procurá-lo, mas estiveram quase a esmagá-lo, sem darem por ele.

Se o soldado tivesse gritado: «Cautela!» tê-lo-iam achado, mas ele julgou que seria desonrar a farda. A chuva começou a cair em torrentes, e tornou-se num verdadeiro dilúvio. Depois do aguaceiro passaram dois garotos.

– Olá! disse um deles, um soldado de chumbo por aqui! vamos fazê-lo navegar.

Construíram um barco de um bocado de jornal velho, meteram o soldado de chumbo dentro, e obrigaram-no a descer pelo regato abaixo. Os dois garotos corriam ao lado, e com gritos de prazer. Que ondas! Santo Deus! que força de corrente! Tinha chovido tanto! O barco jogava de uma maneira horrorosa, mas o soldado de chumbo conservava-se impassível, com os olhos fixos e a espingarda ao ombro.

De repente o barco foi levado para um cano, onde era tão grande a escuridão como na caixa dos soldados.

– Onde irei eu parar? pensou ele. Foi o tratante do feiticeiro quem me meteu nestes trabalhos. Se, apesar de tudo, aquela linda menina estivesse no barco, não importava, ainda que a escuridão fosse duas vezes maior.

Dali a pouco apresentou-se um enorme rato de água; era um habitante do cano.

– Venha o teu passaporte.

Mas o soldado de chumbo não disse nada, e agarrou com mais força na espingarda. O barco continuava o seu caminho, e o rato perseguia-o, rangendo os dentes e gritando às palhas e aos cavacos: – Façam-no parar, façam-no parar! Não pagou a passagem, não mostrou o passaporte.

Mas a corrente era cada vez maior, o soldado via já a luz do dia e sentia ao mesmo tempo um barulho capaz de assustar o mais valente. Havia na extremidade do cano uma queda de água tão perigosa para ele, como é para nós uma catarata.

Aproximava-se dela cada vez mais, sem poder suster-se, com uma rapidez vertiginosa. O barco lançou-se sobre a queda de água e o pobre soldado firmava-se o mais possível, e ninguém se atreveria dizer que o tinha visto fechar os olhos com o medo.

O barco depois de ter andado à roda durante muito tempo, encheu-se de água, e estava a ponto de naufragar. A água já chegava ao pescoço do soldado e o barco afundava-se cada vez mais. O papel desdobrou-se, e a água passou por cima da cabeça do nosso herói. Nesse momento supremo, pensou na gentil dançarinhazinha, e pareceu-lhe ouvir uma voz que dizia:

– Soldado: o perigo é enorme, a morte espera-te.

O papel rasgou-se, e o soldado passou através dele. Nesse momento foi devorado por um grande peixe.

Lá é que era escuro, ainda mais que dentro do cano. E além disso, que talas em que ele estava metido! Mas, sempre intrépido, o soldado estendeu-se ao comprido com a espingarda ao ombro.

O peixe mexia-se e remexia-se, dava saltos de meter medo, até que enfim parou, e pareceu que o atravessava um relâmpago. Apareceu a luz do dia, e alguém exclamou:

– Olha um soldado de chumbo!

O peixe tinha sido pescado, exposto na praça, vendido e levado para a cozinha, e a cozinheira tinha-o aberto com uma enorme faca. Pegou no soldado de chumbo com dois dedos, e levou-o para a sala, onde toda a gente quis admirar esse homem extraordinário, que tinha viajado na barriga de um peixe. No entretanto o soldado não se sentia orgulhoso. Colocaram-no em cima da mesa, e ali – tanto é verdade que acontecem coisas extraordinárias neste mundo – achou-se na mesma sala, de cuja janela tinha caído. Reconheceu os pequenos e os brinquedos que estavam em cima da mesa, o lindo palácio e a adorável dançarina sempre de perna no ar. O soldado de chumbo ficou tão comovido, que de boa vontade teria derramado lágrimas de chumbo, mas não era decente. Olhou para ela, ela olhou para ele, mas não disseram uma palavra um ao outro.

De repente um dos pequenos pegou nele e, sem motivo algum, deitou-o no fogão; eram obras do feiticeiro da caixa do rapé.

O soldado de chumbo lá estava perfilado, alumiado por um clarão sinistro, e sofrendo um calor terrível. Todas as cores lhe tinham desaparecido, sem que se pudesse dizer, se era por causa das suas viagens, ou por causa dos seus desgostos. Continuava a olhar para a dançarina, que também olhava para ele. Sentia-se derreter, mas, sempre intrépido, conservava a espingarda ao ombro. De repente abriu-se uma porta, o vento arremessou a dançarina ao fogão para junto do soldado, que apareceu no meio das labaredas. O soldado de chumbo, já não era mais que uma massa informe.

No dia seguinte, quando a criada veio tirar a cinza, encontrou um objeto que tinha o feitio de um pequeno coração de chumbo, e tudo o que restava da dançarina era a fivela do cinto azul, que o lume tinha enegrecido.

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) - Pena de Papagaio - VIII - Os animais e a peste


O leão havia reunido toda a bicharia a fim de resolver sobre a terrível peste que estava arrasando o reino. Antes de decidirem qualquer coisa, os reis costumam consultar os sábios, os astrólogos, os bobos da corte e outras notabilidades do reino. Assim também fazia o Leão da Fábula. O primeiro consultado foi um macaco de barbas brancas, sabido como ele só.

— Qual a sua opinião, senhor mono, sobre a peste que nos desgraça?

O macaco alisou a barbaça, tossiu três vezes e disse:

— Saiba Vossa Majestade que esta peste é um castigo do céu. Ofendemos as majestades celestes, foi isso. Agora, o remédio é aplacarmos a cólera dos deuses com o sacrifício de um de nós.

— Muito bem — disse o leão. — Mas sacrifício do qual?

— Do mais carregado de crimes — respondeu o macaco.

O leão fechou os olhos e pôs-se a meditar. Recordou sua vida passada, suas injustiças, a crueldade com que matara tantas zebras, gazelas, veados, carneiros e até homens. E resolveu fazer um bonito: oferecer-se para o sacrifício como o mais carregado de crimes.

Nenhum animal teria a coragem de concordar com ele, de modo que ele fazia o bonito sem correr o menor perigo. Assim procedem os reis que desejam ficar famosos na história.

— Amigos — disse o leão com cara contrita. — Nenhuma dúvida me resta: quem deve ser sacrificado sou eu. Ninguém cometeu mais crimes do que o vosso rei, ninguém matou maior número de veados, carneiros, zebras e homens do que eu. Devo ser o escolhido para o sacrifício. Que acham?

Disse e correu os olhos pela corte, com ar de quem está pensando lá por dentro: “Quero só ver quem tem o topete de achar que sim”. Todos estavam convencidos de que de fato era o leão o maior criminoso da floresta, mas nenhum tinha a coragem de o dizer em voz alta. A raposa, então, adiantou-se e fez um discursinho.

— Bobagens, Majestade! — disse ela. — Se há no mundo um ente limpo de crimes, certo que é o nosso bondoso rei leão. Matou veados e carneiros e zebras e homens? Oh, isso em vez de crime constitui ato de nobre piedade. Para que servem tais bichos? Que é um veado, uma zebra ou um carneiro ou um homem, na ordem das coisas? Perfeitas imundícies, de modo que o que Vossa Majestade fez foi apenas uma obra de limpeza. Ninguém tome minhas palavras como lisonja, tenho horror a isso, mas Vossa Majestade, na minha opinião, em vez de ser um criminoso é um santo!

Uma chuva de palmas cobriu o discurso da raposa. O leão lambeu a bigodeira, de gosto, e agradeceu à raposa com um gesto cordial. Em seguida levantou-se o tigre e disse o mesmo que havia dito o leão. Acusou-se de grandes crimes e declarou que o merecedor do castigo só podia ser ele, não outro. A raposa fez novo discurso, ainda mais bonito que o primeiro, provando que o santo número dois da floresta era justamente o tigre. A cena repetiu-se com todos os animais de músculos fortes e dentuça afiada. Todos viraram santos.

Por fim chegou a vez do burro.

— Pondo a mão na consciência, não me sinto culpado de coisa nenhuma — declarou a burrísima criatura. Só como capim e outras ervas. Nunca matei um mosquito. Se mutuca me morde, o mais que faço é espantá-la com o espanador da cauda. Nunca furtei. Nunca tomei a mulher do próximo. Nem coices dou, porque sofro duma inchação nos pés, muito dolorosa. A consciência de nada me acusa.

Assim que o burro concluiu, todos os animais entreolharam-se.

Era muito grave aquela sua confissão! A raposa adiantou-se e falou, como intérprete do pensamento geral.

— Eis o grande criminoso, Majestade! — disse ela apontando para o pobre burro. — É por causa dele que o céu nos mandou esta epidemia. Ele tem que ser sacrificado. Não dá coices, confessou, “porque tem os pés inchados”. Quer dizer que se não tivesse os pés inchados andaria pelo mundo a distribuir coices como quem distribui cocadas. Morra o miserável burro coiceiro!

— Morra! Morra! — gritaram mil vozes. Vendo aquilo, o rei leão também indignou-se.

— Miserável burro de carroça! — berrou. — É por tua causa, então, que o meu reino está levando a breca? Pois te condeno a ser imediatamente estraçalhado pelo carrasco da corte. Vamos, tigre, cumpre a sentença do teu rei!...

Os olhos do tigre-carrasco brilharam. Estraçalhar animais era o seu grande prazer. Lambeu os beiços e armou o bote para lançar-se contra o trêmulo burro. Mas ficou no bote. Uma enorme pedra lhe caiu do teto da caverna bem no alto da cabeça — plaf! Grande berreiro!

Correria! Desmaios das damas. Quem é? Quem foi? Fora obra do Peninha.

— Bravos! — exclamaram os meninos. — Isso é que se chama boa pontaria.

— Fujamos enquanto é tempo — gritou Peninha. — O leão já nos farejou aqui e está lambendo os beiços.

Não foi preciso mais. Os meninos botaram-se pela montanha abaixo.
––––––––––––––
Continua… Pena de Papagaio – IX - Os prisioneiros

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Leme Franco (Livro de Trovas)


Amor em grande pedaço,
frio, sem sonho e sem dó,
é como amor de palhaço,
amor de quem está só.

Bebida, droga ou cigarro,
males do mesmo quartel,
causando sangue ou escarro,
levam-nos ao beleléu.

Com minha caneta mágica,
posso escrever até em branco.
letra capital ou básica,
Luiz Carlos Leme Franco

Eu caminho agora a fonte
buscar a pura bebida.
Ali, encontro, no monte
a divina água da vida.

Eu vou pra Maracangalha
hoje e também amanhã.
Lá não terei só migalha.
Serei também rei do clã.

Filhos, filhas, também netos
formam sempre bom legados;
Convivem no mesmo teto
E são sempre bem amados.

Jesus morreu no madeiro
para que tenhamos paz.
Que pena, aquele cruzeiro
deste feito foi incapaz.

Lá vem o mundo de novo
falar outra vez em guerra,
e o coitadinho do povo,
não pode cuidar da Terra.

Mamãe, papai, filho, neto,
formam família feliz.
Há pra tristeza um veto.
Vivem em paz, sempre se diz.

Meu cupido, meu cupido,
O amor velho morreu.
Antes não tivesse ido,
Antes não tivesse ido,

Minha vida tu levaste,
Eu só tenho que morrer.
Se meu coração roubaste
como posso assim viver ?

Motorista, bom amigo,
o vermelho é p’ra parar.
Neste caminho não sigo,
pois não se pode matar.

Ó quanta ternura vejo
em duas mãos enlaçadas,
em um abraço, em um beijo
e nas velhinhas amadas.

Peço paz á humanidade,
muito amor no coração.
Também bastante humildade.
Ouça Deus minha oração.

Quem não sabe discutir,
é muito melhor calar.
Ás vezes é bom ouvir
do que bobagem falar.

Quer uma boa empreitada?
Mude o rio sujo em novo,
nem poluição e nem nada
que possa matar o povo.

Ternura, quanta ternura,
Jesus Cristo nos deixou.
É para que com candura,
Perdoemos a quem errou.

Tudo o que sou ou serei,
devo a um livro amigo,
ao qual não esquecerei
e trago sempre comigo.

Versos, texto, canto ou fala,
mostram a mesma visão
em grande ou pequena escala,
do que diz o coração.

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Luiz Carlos Leme Franco


Professor desde 1966 e médico desde 1973, poeta com trabalhos publicados em Inglês, Espanhol, Chinês e Francês, além do Português, nos E. U. A., Paris e Brasil ( três livros próprios, várias antologias e poesias avulsas em jornais e revistas em vários estados ).

Tem poesias no google ( picasa ) e no you tube.

Premiado muitas vezes.

É verbete em livro do M. E. C. e pertence a mais de quarenta academias de letras no Brasil, Inglaterra e Itália.

Foi fundador e editor da revistas “ Poesia & Cia.” premiada nacionalmente e “Unindo o Brasil pela Trova”, bem como fundador da academia de letras de Londrina (PR) e de várias casas do poeta,

Ex-presidente para o Paraná de Academias Municipais de Letras, da Caravelas, da Casa do Poeta de Londrina, da Casa Literária Lampião de Gás (SP).

Pertence a quatro institutos históricos e geográficos.

Pertenceu a academias de letras maçônicas e clubes literários além de membros de várias instituições literárias.

Julgou em muitos concursos literários e escreveu muitos prefácios e apresentações de poetas.

Atual governador para o Paraná da Associação Internacional Poetas del Mundo, tem algumas páginas literárias virtuais e escreve em várias.

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 467)

Uma Trova de Ademar


Uma Trova Nacional

Nada mais nos aproxima...
e, nessa ausência de afeto,
nós somos trova sem rima
e sem sentido completo!
SÉRGIO FERREIRA DA SILVA/SP–

Uma Trova Potiguar


A saudade, a dor, o trauma,
que pranteia, os olhos meus,
tortura e faz de minha alma,
refúgio, de um triste adeus...
–FABIANO WANDERLEY/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


De ti distante, esquecida,
sem teu riso e a tua voz,
impera na minha vida
a calma triste dos sós...
–NYDIA IAGGI MARTINS/RJ–

Uma Trova Premiada


2002 - Nova Friburgo/RJ
Tema: CERTEZA - 1º Lugar


– Se tu vais, por gentileza,
deixa a porta sem trancar!
Não me roubes a certeza
de que logo irás voltar!
–ADÉLIA VICTÓRIA FERREIRA/SP–

Simplesmente Poesia

Ela
–J. G. DE ARAÚJO JORGE/AC–


Quando ela passa na rua
é como uma banda de música:
- um escarcéu!

E como sou maluco por música
desde garoto,
- lá vou eu !

Estrofe do Dia

Nasce a flor entre pedras e cascalhos
carregada de essência e de espetáculo,
traz no cálice e no seu receptáculo
as gotículas das noites com orvalhos,
o balanço na ponta dos seus galhos
vai soltando na relva o seu frescor
inspirando um cenário de amor
numa cena romântica e colorida;
a alegria é a fonte dessa vida
pra quem vê um sorriso numa flor.
–JÚNIOR ADELINO/PB–

Soneto do Dia

Soneto do Nascer
–RENATO ALVES/RJ–


Brilha ao longe uma luz no fim da estrada
Em que deslizo em contrações cativo
Vou migrando da bolha para o nada
Do destino refém ou fugitivo...

Era bem calma há pouco esta morada:
Um ninho acolhedor, convidativo.
Eu, grão imerso n’água abençoada,
Percorrendo o processo evolutivo.

De repente, porém, explode o ninho...
Lançado fora, tinto, mais que o vinho,
Sou arrastado, assim, de afogadilho...

Descerro os olhos: Há luz na saída!...
Os pulmões doem... Sorvo o ar da vida...
E, afinal, uma voz me diz: "Meu Filho!"

Fonte:
Textos enviados pelo autor
Montagem da trova sobre imagem enviada por Ademar Macedo

Adonias Filho (O Largo da Palma) 1. A Moça dos Pãezinhos de Queijo)


Espaços:

Largo da Palma, Igreja e Ladeira da Palma (visão animista). Os encontros entre Gustavo e Célia são no Largo da Palma e no Jardim de Nazaré. A casa dos pãezinhos de queijo e a de Gustavo.

Foco narrativo e Tempo

A narrativa é em terceira pessoa, com um narrador onisciente. Conhece presente e passado dos personagens, os fatos e os sentimentos internos dos personagens diante dos fatos.

Percebemos como os aspectos psicológicos são tão intensos que torna extremamente subjetiva a percepção do mundo exterior.

Embora a narração dos fatos enfatize sempre os aspectos psicológicos, interiores, o decurso temporal é cronológico, com pequenos flashes de volta ao passado (por exemplo: a morte do pai de Célia, a doença da mãe de Gustavo).

A narrativa é bastante lírica, embora aqui e ali se percebam aspectos críticos como quando fala de Largo “sempre mal-iluminado que parece em penumbra” ou quando fala da postura capitalista do pai de Gustavo em sua “decepção de ter um filho, quando não inválido, praticamente inútil”

Linguagem

Linguagem concisa, períodos curtos, incisivos. A linguagem narrativa é intensamente lírica. O narrador explora os aspectos poéticos da linguagem. Presença constante de metáforas, símbolos, comparações.

Uso do Discurso Livre Indireto:

Falará com a mãe, à noite seguinte, pouco antes de sair para encontrar-se com o rapaz. E se a mãe perguntar quem é ele e o que faz, como responderá? Dir-lhe-á que não sabe sequer o nome porque não houve tempo para maior aproximação. Confessará, porém, o detalhe: “Ele é mudo”. Inútil discutir, procurar explicar, tentar justificar-se frente ao espanto da mãe. Sabe que ela não compreenderá, ninguém entenderá, o sobrado inteiro a dizer que tem um parafuso a menos. Uma doida, apenas uma doida se deixará seduzir e fascinar por um mudo.

Personagens

Há nos dois personagens protagonistas uma intercomplementaridade (carência, desejo, complementação no outro).

Joana - viúva de Roberto Militão.

Célia - protagonista, moça de dezoito anos, cabelos de carvão que chegam aos ombros, olhos também negros que combinam com a pele amorenada. Há quem afirme ser mais bonita que o canto do pássaro. Gustavo - protagonista, ele adora, com a música, os ruídos das ondas do mar, do vento nos coqueiros e os cantos dos pássaros. Falar, porém, não fala. Expressa-se com as mãos e o rosto. Responde escrevendo ou gesticulando, porque é mudo. A avó, mãe do pai, é a sua verdadeira mãe. Sua mãe desaparecera e a avó corta, enérgica, qualquer pergunta a esse respeito dizendo: é uma doente da cabeça.

Enredo

É no Largo da Palma, tão velho quanto Salvador, na esquina da ladeira que desce no caminho da Baixa dos Sapateiros, é precisamente aí que fica “A Casa dos Pãezinhos de Queijo”. Ali vive um bocado de povo, cobertas coloridas enfeitam as janelas, e a gritaria dos rádios sufoca os pregões dos vendedores de frutas da Bahia.

Joana faz os pãezinhos no andar de cima e Célia, sua filha, os vende na loja, embaixo, com a freguesia aumentando dia a dia. Todos comentam a delicadeza de quem os vende.

Gustavo escuta a voz de Célia pela primeira vez quando vai comprar pãezinhos de queijo para a avó. Nada permanece a não ser a voz que acabara de ouvir. Doce e macia, ao lado do riso alegre, a voz da moça é música melhor de ouvir-se, nas manhãs de domingo, que o próprio órgão da igreja.

No dia seguinte volta à "Casa dos Pãezinhos de Queijo". O que deseja, no íntimo, é retroceder. As pancadas do coração, porém, ordenam que prossiga. Mas prosseguir para quê? É um homem sem voz que, ao tentar falar, consegue apenas guinchar como um bicho.

Apoiando-se no balcão, escreve: "não sou surdo e, porque ouvi, sei que você se chama Célia." Célia, sentindo mais que percebendo, sabe que ele fora para declarar-se como um namorado. Permanece, pois, fascinada pelo rapaz que não fala e que de rosto faz lembrar um dos anjos da igreja.

Sabe que não esquecerá jamais, com os cabelos negros e os olhos cor de avelã, o rosto do rapaz que reflete enorme amor de homem. Como entender o que acontece? Homem ele já é com o peito largo e forte que é quase um lutador. Alto e belo como uma árvore. E por que – Senhora Santa da Palma – e por que é mudo? Nasceu assim? Houve um acidente? Doença? Uma doida, apenas uma doida se deixaria seduzir e fascinar por um mudo!

O pai de Gustavo não ocultava a decepção de ter um filho, quando não inválido, praticamente inútil. Os médicos não admitiam a cura. Que moça, afinal, o aceitaria como namorado? Ou seria uma criatura extraordinária e incomum ou apenas uma vigarista que, sabendo-o rico, a ele se chegava por causa do dinheiro.

Ele tem medo. Medo de que ela escape qualquer dia por ele ser mudo e – ela escapando – sentir-se novamente desesperado e só.

O milagre

- Não quero que você escreva mais! Quero que você fale!

Gustavo ouve e sente que o amor e o beijo de Célia podem gerar o milagre. (...) As bocas se afastam, as mãos mais se apertam, as lágrimas nos olhos que parecem sangrar. Tudo, agora, é nele angústia e dor. (...) é como num parto, a voz está nascendo. (...) E ele a rir e a chorar ao mesmo tempo, exclama, em tom ainda fraco, mas exclama:

- Amor!

Fonte:
www.integralweb.com.br

J. G. de Araújo Jorge (A Noite e o Poeta)


Esta noite é igual a todas as noites, entretanto, subitamente, é aquela noite que ficará marcada para a minha alegria. Subitamente, estou dentro dela, consciente, e a sinto como se a tivesse aderente a minha pele, como uma tatuagem, como se pudesse envolve-la ou toma-la nos braços

Por que? Não sei. Parece apenas que tudo o que faz a noite, sua calma expectante, seus pequenos ruídos singulares, suas luzes, suas sombras, suas formas estáticas; todos os que são a noite estão presentes, posso senti-los como se fossemos uma mesma coisa, ou um mesmo ser. Como se subitamente, me transmudasse na noite que esta ao meu redor, como se ela estivesse em mim.

Todos os que estão acordados, uns poucos que, como eu, a estão velando ou saboreando, em estado de angústia ou de suprema paz; ou os que embarcaram nos pesados veleiros do sono, e estão adormecidos, onde ? em qualquer lugar, mas sinto que estão adormecidos, fazem parte da minha vida, e dão dimensões inimagináveis a minha solidão.

Sinto sua presença " física ", soma de tantas ausências, nesse extenso e enorme silêncio a volta, silencio de coisa em gestação, tecido de vagos movimentos apenas adivinhados, de sons que não chegam aos nossos ouvidos. Sem a sensação dessa falta, esse silêncio não seria possível, nem essa pausa, essa tranqüilidade, feita de tantos que estão submersos, que nasce da vida momentaneamente em sincope.

Essa hora tarde se impregna de humanidade, porque é justamente a hora em que a vida apenas lateja, distante, sob os meus dedos, como um pulso a apalpação do médico. Em que posso vir a mim, ou ir-me, a encontrar-me como a um velho conhecido, de raras visitas - para conversar sobre coisas de que só nós nos lembramos, tantas e infinitas coisas insignificantes, da maior importância para que continuemos vivos: para falar sobre todos a sobre tudo, a tentar descobertas como quem abre uma janela e se debruça para o acaso. Colho minha alegria em momentos assim. Em de repentes, em subitamentes, como se esbarrasse em transeuntes apressados e desconhecidos. Colho minha alegria de momentos assim, em que nada parece se ter alterado, em que as coisas permanecem como são, em sua rotina, mas em que surpreendentemente me reconheço e me revelo.

Então, ela cintila por segundos, me aposso dela com uma aguda e intensa percepção, penetro-lhe o mistério e o sentido. Mas perco-a também, logo após, tal como a encontrei. E ela se vai e se esvai como surgiu, e mergulho novamente como um ser comum na torrente igual da vida.

Quantos dias, quantos meses, tempo sem tempo, vou seguindo sem me aperceber disto? Mas, de repente, posso reconhecer que vivo.

Sim, a uma descoberta maravilhosa, e tudo me sabe então novo e inédito, como se acabasse de nascer. Grito-me para mim mesmo que estou vivo, e essa sensação é deslumbrante é misteriosa!

- Então eu vivo! E há calor em tudo que me cerca, diante de meus olhos, ao alcance de minhas mãos. Tantos semeando e colhendo. Há estrelas, distantes estrelas, tão próximas para os nossos olhos, nos momentos de desânimo. Há pássaros em perdulários cantos e algazarras, efervescendo nas ramagens ao cair da tarde; automóveis pulsando nas ruas, num vaivém taquicárdico de civilização cardiopática; banhista nas praias, displicentes, colhendo o sol e o mar; crianças, que são sempre crianças, que dão sempre a impressão de que não vão crescer, embaraçando de correrias os jardins, os recreios; e mães gritando há milênios, dos andares altos, das janelas abertas, anunciantes do futuro.

Não é extraordinário que eu descubra que há vida ao meu redor, vida com "V" grande, apenas vida, e que andava cego a surdo ? E que afinal devo a tantos que não me percebem, nem tomam conhecimento de minhas descobertas, e minha alegria de viver?

E só por isso, uma luminosa euforia lava meu coração, e o embebeda, e o abre como uma espátula de luz. Inexplicavelmente compreendo tudo, justifico tudo, e me sinto tocado de amor, de um ímpeto de braços dados, de mãos que se apertam, de peitos que se abraçam!

E só por isso, só ? Meu Deus ? - me sinto melhor, endividado com a vida, a agradecer a todos, e a perdoar até, a todos, a sua presença; paradoxalmente esquecido de mim, integrado a humanidade, a bendize-la.

Meu Deus, acho que nestes momentos fico poeta. Acho que ser poeta é só isto: encontrar-se subitamente dentro da vida, o coração nu, com esse estranho poder de despojar as coisas de si mesmas, a vê-las por dentro, e ama-las em sua palpitante beleza. Sentir-se ao mesmo tempo único a múltiplo, consciente de suas forças pelas infinitas placentas que o prendem ao mundo.

Acho que ser poeta é de repente poder se sentir feliz, apenas porque se vive, sem quaisquer indagações, em contato com Deus, seus mistérios e suas verdades. E a vida ser algo assim que se justifica pela simples e indescritível revelação de um momento perfeito, sem macula, sem preocupações, sem ódios, sem egoísmos, sem despeitos, e até sem desejos; tecido apenas de amor, um amor total, cósmico, transbordante; que não cabe a penas na mulher que nos espera; no filho que se quer; no amigo que nos companha; mas que os integra também na emoção imensa, ampla, profunda - como um remoinho em que nos abandonamos completamente - como uma nebulosa em que nos dissolvemos, inteiros.

Acho que ser poeta é poder colher esse instante, e tentar fixa-lo em palavras e cantos, servi-lo a mancheias, para matar a fome e a sede de paz e beleza, de comunicação e amor, e um mundo feito de ânsias e frustrações, de surdos corações e espíritos cegos.

Acho que ser poeta é poder colher esse instante de alegria como a uma flor imortal, para oferta-lo a todos, para que todos participem dele.

Talvez por isso, escrevi um dia aqueles versos. -

O poeta é um prestidigitador
faz mágicas com a vida
transforma água em vinho,
para a embriaguez da beleza

ou, quem sabe? estes outros:

Meus Deus
por que ser difícil ?

É tão fácil cantar: basta abrir a boca.
É tão fácil amar: basta abrir o coração.

Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

Machado de Assis (Pai Contra Mãe)


A ESCRAVIDÃO levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também a máscara de folha-de flandres.

A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinha só três buracos, dois para ver, um para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de beber. perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam dois pecados extintos, e a sobriedade e a honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda, na porta das lojas. Mas não cuidemos de máscaras.

O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. Imaginai uma coleira grossa, com a haste grossa também à direita ou à esquerda, até ao alto da cabeça e fechada atrás com chave. Pesava, naturalmente, mas era menos castigo que sinal. Escravo que fugia assim, onde quer que andasse, mostrava um reincidente, e com pouco era pegado.

Há meio século, os escravos fugiam com freqüência. Eram muitos, e nem todos gostavam da escravidão. Sucedia ocasionalmente apanharem pancada, e nem todos gostavam de apanhar pancada. Grande parte era apenas repreendida; havia alguém de casa que servia de padrinho, e o mesmo dono não era mau; além disso, o sentimento da propriedade moderava a ação, porque dinheiro também dói. A fuga repetia-se, entretanto. Casos houve, ainda que raros, em que o escravo de contrabando, apenas comprado no Valongo, deitava a correr, sem conhecer as ruas da cidade. Dos que seguiam para casa, não raro, apenas ladinos, pediam ao senhor que lhes marcasse aluguel, e iam ganhá-lo fora, quitandando.

Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho levasse. Punha anúncios nas folhas públicas, com os sinais do fugido, o nome, a roupa, o defeito físico, se o tinha, o bairro por onde andava e a quantia de gratificação. Quando não vinha a quantia, vinha promessa: "gratificar-se-á generosamente", -- ou "receberá uma boa gratificação". Muita vez o anúncio trazia em cima ou ao lado uma vinheta, figura de preto, descalço, correndo, vara ao ombro, e na ponta uma trouxa. Protestava-se com todo o rigor da lei contra quem o acoutasse.

Ora, pegar escravos fugidios era um ofício do tempo. Não seria nobre, mas por ser instrumento da força com que se mantêm a lei e a propriedade, trazia esta outra nobreza implícita das ações reivindicadoras. Ninguém se metia em tal ofício por desfastio ou estudo; a pobreza, a necessidade de uma achega, a inaptidão para outros trabalhos, o acaso, e alguma vez o gosto de servir também, ainda que por outra via, davam o impulso ao homem que se sentia bastante rijo para pôr ordem à desordem.

Cândido Neves, -- em família, Candinho,-- é a pessoa a quem se liga a história de uma fuga, cedeu à pobreza, quando adquiriu o ofício de pegar escravos fugidos. Tinha um defeito grave esse homem, não agüentava emprego nem ofício, carecia de estabilidade; é o que ele chamava caiporismo. Começou por querer aprender tipografia, mas viu cedo que era preciso algum tempo para compor bem, e ainda assim talvez não ganhasse o bastante; foi o que ele disse a si mesmo. O comércio chamou-lhe a atenção, era carreira boa. Com algum esforço entrou de caixeiro para um armarinho. A obrigação, porém, de atender e servir a todos feria-o na corda do orgulho, e ao cabo de cinco ou seis semanas estava na rua por sua vontade. Fiel de cartório, contínuo de uma repartição anexa ao Ministério do Império, carteiro e outros empregos foram deixados pouco depois de obtidos.

Quando veio a paixão da moça Clara, não tinha ele mais que dívidas, ainda que poucas, porque morava com um primo, entalhador de ofício. Depois de várias tentativas para obter emprego, resolveu adotar o ofício do primo, de que aliás já tomara algumas lições. Não lhe custou apanhar outras, mas, querendo aprender depressa, aprendeu mal. Não fazia obras finas nem complicadas, apenas garras para sofás e relevos comuns para cadeiras. Queria ter em que trabalhar quando casasse, e o casamento não se demorou muito.

Contava trinta anos. Clara vinte e dois. Ela era órfã, morava com uma tia, Mônica, e cosia com ela. Não cosia tanto que não namorasse o seu pouco, mas os namorados apenas queriam matar o tempo; não tinham outro empenho. Passavam às tardes, olhavam muito para ela, ela para eles, até que a noite a fazia recolher para a costura. O que ela notava é que nenhum deles lhe deixava saudades nem lhe acendia desejos. Talvez nem soubesse o nome de muitos. Queria casar, naturalmente. Era, como lhe dizia a tia, um pescar de caniço, a ver se o peixe pegava, mas o peixe passava de longe; algum que parasse, era só para andar à roda da isca, mirá-la, cheirá-la, deixá-la e ir a outras.

O amor traz sobrescritos. Quando a moça viu Cândido Neves, sentiu que era este o possível marido, o marido verdadeiro e único. O encontro deu-se em um baile; tal foi – para lembrar o primeiro ofício do namorado, - tal foi a página inicial daquele livro, que tinha de sair mal composto e pior brochado. O casamento fez-se onze meses depois, e foi a mais bela festa das relações dos noivos. Amigas de Clara, menos por amizade que por inveja, tentaram arredá-la do passo que ia dar. Não negavam a gentileza do noivo, nem o amor que lhe tinha, nem ainda algumas virtudes; diziam que era dado em demasia a patuscadas.

-Pois ainda bem, replicava a noiva; ao menos, não caso com defunto. -Não, defunto não; mas é que...

Não diziam o que era. Tia Mônica, depois do casamento, na casa pobre onde eles se foram abrigar, falou-lhes uma vez nos filhos possíveis. Eles queriam um, um só, embora viesse agravar a necessidade.

-Vocês, se tiverem um filho, morrem de fome, disse a tia à sobrinha.

-Nossa Senhora nos dará de comer, acudiu Clara. Tia Mônica devia ter-lhes feito a advertência, ou ameaça, quando ele lhe foi pedir a mão da moça; mas também ela era amiga de patuscadas, e o casamento seria uma festa, como foi.

A alegria era comum aos três. O casal ria a propósito de tudo. Os mesmos nomes eram objeto de trocados, Clara, Neves, Cândido; não davam que comer, mas davam que rir, e o riso digeria-se sem esforço. Ela cosia agora mais, ele saía a empreitadas de uma coisa e outra; não tinha emprego certo.

Nem por isso abriam mão do filho. O filho é que, não sabendo daquele desejo específico, deixava-se estar escondido na eternidade. Um dia. porém, deu sinal de si a criança; varão ou fêmea, era o fruto abençoado que viria trazer ao casal a suspirada ventura. Tia Mônica ficou desorientada, Cândido e Clara riram dos seus sustos.

-Deus nos há de ajudar, titia, insistia a futura mãe.

A notícia correu de vizinha a vizinha. Não houve mais que espreitar a aurora do dia grande. A esposa trabalhava agora com mais vontade, e assim era preciso, uma vez que, além das costuras pagas, tinha de ir fazendo com retalhos o enxoval da criança. À força de pensar nela, vivia já com ela, media-lhe fraldas, cosia-lhe camisas. A porção era escassa, os intervalos longos. Tia Mônica ajudava, é certo, ainda que de má vontade.

-Vocês verão a triste vida, suspirava ela. -Mas as outras crianças não nascem também? perguntou Clara. -Nascem, e acham sempre alguma coisa certa que comer, ainda que pouco... -Certa como? --Certa, um emprego, um ofício, uma ocupação, mas em que é que o pai dessa infeliz criatura que aí vem gasta o tempo?

Cândido Neves, logo que soube daquela advertência, foi ter com a tia, não áspero mas muito menos manso que de costume, e lhe perguntou se já algum dia deixara de comer.

-A senhora ainda não jejuou senão pela semana santa, e isso mesmo quando não quer jantar comigo. Nunca deixamos de ter o nosso bacalhau...

– Bem sei, mas somos três.

– Seremos quatro.

-Não é a mesma coisa.

- Que quer então que eu faça, além do que faço? -

- Alguma coisa mais certa. Veja o marceneiro da esquina, o homem do armarinho, o tipógrafo que casou sábado, todos têm um emprego certo... Não fique zangado; não digo que você seja vadio, mas a ocupação que escolheu é vaga. Você passa semanas sem vintém.

- Sim, mas lá vem uma noite que compensa tudo, até de sobra. Deus não me abandona, e preto fugido sabe que comigo não brinca; quase nenhum resiste, muitos entregam-se logo.

Tinha glória nisto, falava da esperança como de capital seguro. Daí a pouco ria, e fazia rir à tia, que era naturalmente alegre, e previa uma patuscada no batizado.

Cândido Neves perdera já o ofício de entalhador, como abrira mão de outros muitos, melhores ou piores. Pegar escravos fugidos trouxe-lhe um encanto novo. Não obrigava a estar longas horas sentado. Só exigia força, olho vivo, paciência, coragem e um pedaço de corda. Cândido Neves lia os anúncios, copiava-os, metia-os no bolso e saía às pesquisas. Tinha boa memória. Fixados os sinais e os costumes de um escravo fugido, gastava pouco tempo em achá-lo, segurá-lo, amarrá-lo e levá-lo. A força era muita, a agilidade também. Mais de uma vez, a uma esquina, conversando de coisas remotas, via passar um escravo como os outros, e descobria logo que ia fugido, quem era, o nome, o dono, a casa deste e a gratificação; interrompia a conversa e ia atrás do vicioso.

Não o apanhava logo, espreitava lugar azado, e de um salto tinha a gratificação nas mãos. Nem sempre saía sem sangue, as unhas e os dentes do outro trabalhavam, mas geralmente ele os vencia sem o menor arranhão.

Um dia os lucros entraram a escassear. Os escravos fugidos não vinham já, como dantes, meter-se nas mãos de Cândido Neves. Havia mãos novas e hábeis. Como o negócio crescesse, mais de um desempregado pegou em si e numa corda, foi aos jornais, copiou anúncios e deitou-se à caçada. No próprio bairro havia mais de um competidor. Quer dizer que as dívidas de Cândido Neves começaram de subir, sem aqueles pagamentos prontos ou quase prontos dos primeiros tempos.

A vida fez-se difícil e dura. Comia-se fiado e mal; comia-se tarde. O senhorio mandava pelo aluguéis. Clara não tinha sequer tempo de remendar a roupa ao marido, tanta era a necessidade de coser para fora. Tia Mônica ajudava a sobrinha, naturalmente. Quando ele chegava à tarde, via-se-lhe pela cara que não trazia vintém. Jantava e saía outra vez, à cata de algum fugido. Já lhe sucedia, ainda que raro, enganar-se de pessoa, e pegar em escravo fiel que ia a serviço de seu senhor; tal era a cegueira da necessidade. Certa vez capturou um preto livre; desfez-se em desculpas, mas recebeu grande soma de murros que lhe deram os parentes do homem.

-É o que lhe faltava! exclamou a tia Mônica, ao vê-lo entrar, e depois de ouvir narrar o equívoco e suas conseqüências. Deixe-se disso, Candinho; procure outra vida, outro emprego.

Cândido quisera efetivamente fazer outra coisa, não pela razão do conselho, mas por simples gosto de trocar de ofício; seria um modo de mudar de pele ou de pessoa. O pior é que não achava à mão negócio que aprendesse depressa.

A natureza ia andando, o feto crescia, até fazer-se pesado à mãe, antes de nascer. Chegou o oitavo mês, mês de angústias e necessidades, menos ainda que o nono, cuja narração dispenso também. Melhor é dizer somente os seus efeitos. Não podiam ser mais amargos.

--Não, tia Mônica! bradou Candinho, recusando um conselho que me custa escrever, quanto mais ao pai ouvi-lo. Isso nunca!

Foi na última semana do derradeiro mês que a tia Mônica deu ao casal o conselho de levar a criança que nascesse à Roda dos enjeitados. Em verdade, não podia haver palavra mais dura de tolerar a dois jovens pais que espreitavam a criança, para beijá-la, guardá-la, vê-la rir, crescer, engordar, pular...

Enjeitar quê? enjeitar como? Candinho arregalou os olhos para a tia, e acabou dando um murro na mesa de jantar. A mesa, que era velha e desconjuntada, esteve quase a se desfazer inteiramente. Clara interveio.

– Titia não fala por mal, Candinho.

-Por mal? replicou tia Mônica. Por mal ou por bem, seja o que for, digo que é o melhor que vocês podem fazer. Vocês devem tudo; a carne e o feijão vão faltando. Se não aparecer algum dinheiro, como é que a família há de aumentar? E depois, há tempo; mais tarde, quando o senhor tiver a vida mais segura, os filhos que vierem serão recebidos com o mesmo cuidado que este ou maior. Este será bem criado, sem lhe faltar nada. Pois então a Roda é alguma praia ou monturo? Lá não se mata ninguém, ninguém morre à toa, enquanto que aqui é certo morrer, se viver à míngua. Enfim...

Tia Mônica terminou a frase com um gesto de ombros, deu as costas e foi meter-se na alcova. Tinha já insinuado aquela solução, mas era a primeira vez que o fazia com tal franqueza e calor,-- crueldade, se preferes. Clara estendeu a mão ao marido, como a amparar-lhe o ânimo; Cândido Neves fez uma careta, e chamou maluca à tia, em voz baixa. A ternura dos dois foi interrompida por alguém que batia à porta da rua.

--Quem é? perguntou o marido. --Sou eu.

Era o dono da casa, credor de três meses de aluguel, que vinha em pessoa ameaçar o inquilino. Este quis que ele entrasse.

--Não é preciso... --Faça favor.

O credor entrou e recusou sentar-se, deitou os olhos à mobília para ver se daria algo à penhora; achou que pouco. Vinha receber os aluguéis vencidos, não podia esperar mais; se dentro de cinco dias não fosse pago, pô-lo-ia na rua. Não havia trabalhado para regalo dos outros. Ao vê-lo, ninguém diria que era proprietário; mas a palavra supria o que faltava ao gesto, e o pobre Cândido Neves preferiu calar a retorquir. Fez uma inclinação de promessa e súplica ao mesmo tempo. O dono da casa não cedeu mais.

-Cinco dias ou rua! repetiu, metendo a mão no ferrolho da porta e saindo.

Candinho saiu por outro lado. Nesses lances não chegava nunca ao desespero, contava com algum empréstimo, não sabia como nem onde, mas contava. Demais, recorreu aos anúncios. Achou vários, alguns já velhos, mas em vão os buscava desde muito. Gastou algumas horas sem proveito, e tornou para casa. Ao fim de quatro dias, não achou recursos; lançou mão de empenhos, foi a pessoas amigas do proprietário, não alcançando mais que a ordem de mudança.

A situação era aguda. Não achavam casa, nem contavam com pessoa que lhes emprestasse alguma; era ir para a rua. Não contavam com a tia. Tia Mônica teve arte de alcançar aposento para os três em casa de uma senhora velha e rica, que lhe prometeu emprestar os quartos baixos da casa, ao fundo da cocheira, para os lados de um pátio.

Teve ainda a arte maior de não dizer nada aos dois, para que Cândido Neves, no desespero da crise começasse por enjeitar o filho e acabasse alcançando algum meio seguro e regular de obter dinheiro; emendar a vida, em suma. Ouvia as queixas de Clara, sem as repetir, é certo, mas sem as consolar. No dia em que fossem obrigados a deixar a
casa, fá-los-ia espantar com a notícia do obséquio e iriam dormir melhor do que cuidassem.

Assim sucedeu. Postos fora da casa, passaram ao aposento de favor, e dois dias depois nasceu a criança. A alegria do pai foi enorme, e a tristeza também. Tia Mônica insistiu em dar a criança à Roda. "Se você não a quer levar, deixe isso comigo; eu vou à Rua dos Barbonos." Cândido Neves pediu que não, que esperasse, que ele mesmo a levaria. Notai que era um menino, e que ambos os pais desejavam justamente este sexo. Mal lhe deram algum leite; mas, como chovesse à noite, assentou o pai levá-lo à Roda na noite seguinte.

Naquela reviu todas as suas notas de escravos fugidos . As gratificações pela maior parte eram promessas; algumas traziam a soma escrita e escassa. Uma, porém, subia a cem mil-réis. Tratava-se de uma mulata; vinham indicações de gesto e de vestido.

Cândido Neves andara a pesquisá-la sem melhor fortuna, e abrira mão do negócio; imaginou que algum amante da escrava a houvesse recolhido. Agora, porém, a vista nova da quantia e a necessidade dela animaram Cândido Neves a fazer um grande esforço derradeiro. Saiu de manhã a ver e indagar pela Rua e Largo da Carioca, Rua do Parto e da Ajuda, onde ela parecia andar, segundo o anúncio. Não a achou; apenas um farmacêutico da Rua da Ajuda se lembrava de ter vendido uma onça de qualquer droga, três dias antes, à pessoa que tinha os sinais indicados. Cândido Neves parecia falar como dono da escrava, e agradeceu cortesmente a notícia. Não foi mais feliz com outros fugidos de gratificação incerta ou barata.

Voltou para a triste casa que lhe haviam emprestado. Tia Mônica arranjara de si mesma a dieta para a recente mãe, e tinha já o menino para ser levado à Roda. O pai, não obstante o acordo feito, mal pôde esconder a dor do espetáculo. Não quis comer o que tia Mônica lhe guardara; não tinha fome, disse, e era verdade. Cogitou mil modos de ficar com o filho; nenhum prestava. Não podia esquecer o próprio albergue em que vivia. Consultou a mulher, que se mostrou resignada. Tia Mônica pintara-lhe a criação do menino; seria maior a miséria, podendo suceder que o filho achasse a morte sem recurso. Cândido Neves foi obrigado a cumprir a promessa; pediu à mulher que desse ao filho o resto do leite que ele beberia da mãe. Assim se fez; o pequeno adormeceu, o pai pegou dele, e saiu na direção da Rua dos Barbonos.

Que pensasse mais de uma vez em voltar para casa com ele, é certo; não menos certo é que o agasalhava muito, que o beijava, que cobria o rosto para preservá-lo do sereno. Ao entrar na Rua da Guarda Velha, Cândido Neves começou a afrouxar o passo.

-Hei de entregá-lo o mais tarde que puder, murmurou ele. Mas não sendo a rua infinita ou
sequer longa, viria a acabá-la; foi então que lhe ocorreu entrar por um dos becos que ligavam aquela à Rua da Ajuda. Chegou ao fim do beco e, indo a dobrar à direita, na direção do Largo da Ajuda, viu do lado oposto um vulto de mulher; era a mulata fugida.

Não dou aqui a comoção de Cândido Neves por não podê-lo fazer com a intensidade real. Um adjetivo basta; digamos enorme. Descendo a mulher, desceu ele também; a poucos passos estava a farmácia onde obtivera a informação, que referi acima. Entrou, achou o farmacêutico, pediu-lhe a fineza de guardar a criança por um instante; viria buscá-la sem falta.

--Mas...

Cândido Neves não lhe deu tempo de dizer nada; saiu rápido, atravessou a rua, até ao ponto em que pudesse pegar a mulher sem dar alarma. No extremo da rua, quando ela ia a descer a de S. José, Cândido Neves aproximou-se dela. Era a mesma, era a mulata fujona. --Arminda! bradou, conforme a nomeava o anúncio.

Arminda voltou-se sem cuidar malícia. Foi só quando ele, tendo tirado o pedaço de corda da algibeira, pegou dos braços da escrava, que ela compreendeu e quis fugir. Era já impossível. Cândido Neves, com as mãos robustas, atava-lhe os pulsos e dizia que andasse. A escrava quis gritar, parece que chegou a soltar alguma voz mais alta que de costume, mas entendeu logo que ninguém viria libertá-la, ao contrário. Pediu então que a soltasse pelo amor de Deus.

--Estou grávida, meu senhor! exclamou. Se Vossa Senhoria tem algum filho, peço-lhe por amor dele que me solte; eu serei tua escrava, vou servi-lo pelo tempo que quiser. Me solte, meu senhor moço!

- Siga! repetiu Cândido Neves.

– Me solte!

– Não quero demoras; siga!

Houve aqui luta, porque a escrava, gemendo, arrastava-se a si e ao filho. Quem passava ou estava à porta de uma loja, compreendia o que era e naturalmente não acudia. Arminda ia alegando que o senhor era muito mau, e provavelmente a castigaria com açoutes,-– coisa que, no estado em que ela estava, seria pior de sentir. Com certeza, ele lhe mandaria dar açoites.

--Você é que tem culpa. Quem lhe manda fazer filhos e fugir depois? perguntou Cândido Neves.

Não estava em maré de riso, por causa do filho que lá ficara na farmácia, à espera dele. Também é certo que não costumava dizer grandes coisas. Foi arrastando a escrava pela Rua dos Ourives, em direção à da Alfândega, onde residia o senhor. Na esquina desta a luta cresceu; a escrava pôs os pés à parede, recuou com grande esforço, inutilmente. O que alcançou foi, apesar de ser a casa próxima, gastar mais tempo em lá chegar do que devera. Chegou, enfim, arrastada, desesperada, arquejando. Ainda ali ajoelhou-se, mas em vão. O senhor estava em casa, acudiu ao chamado e ao rumor.

--Aqui está a fujona, disse Cândido Neves.

- É ela mesma.

-Meu senhor!

-Anda, entra...

Arminda caiu no corredor. Ali mesmo o senhor da escrava abriu a carteira e tirou os cem mil-réis de gratificação. Cândido Neves guardou as duas notas de cinqüenta mil réis, enquanto o senhor novamente dizia à escrava que entrasse. No chão, onde jazia, levada do medo e da dor, e após algum tempo de luta a escrava abortou.

O fruto de algum tempo entrou sem vida neste mundo, entre os gemidos da mãe e os gestos de desespero do dono. Cândido Neves viu todo esse espetáculo. Não sabia que horas eram. Quaisquer que fossem, urgia correr à Rua da Ajuda, e foi o que ele fez sem querer conhecer as conseqüências do desastre.

Quando lá chegou, viu o farmacêutico sozinho, sem o filho que lhe entregara. Quis esganá-lo. Felizmente, o farmacêutico explicou tudo a tempo; o menino estava lá dentro com a família, e ambos entraram. O pai recebeu o filho com a mesma fúria com que pegara a escrava fujona de há pouco, fúria diversa, naturalmente, fúria de amor. Agradeceu depressa e mal, e saiu às carreiras, não para a Roda dos enjeitados, mas para a casa de empréstimo com o filho e os cem mil-réis de gratificação. Tia Mônica, ouvida a explicação, perdoou a volta do pequeno, uma vez que trazia os cem mil-réis. Disse, é verdade, algumas palavras duras contra a escrava, por causa do aborto, além da fuga. Cândido Neves, beijando o filho, entre lágrimas, verdadeiras, abençoava a fuga e não se lhe dava do aborto.

--Nem todas as crianças vingam, bateu-lhe o coração.

Fonte:
Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro
Texto-base digitalizado por NUPILL - Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Lingüística – Universidade Federal de Santa Catarina

Emilio de Menezes (Poemas Esparsos III, final)


A JÚLIO FURTADO

Enquanto a idade fria e indiferente,
Os teus cabelos, pérfida, descora,
O teu trabalho e o teu esforço ingente
Cercam?te a fronte de perpétua aurora.

É que teu viver religiosamente
Nas oficinas em que se elabora
A grande força rejuvenescente
Da natureza, no esplendor de Flora!

Flora te é grata, Flora te reanima,
E te confere a eterna mocidade,
Porque, em seu culto, ergueste uma obra?prima.

Teu nome jeito não conhece idade:
É imorredouro para a nossa estima
E para a gratidão desta Cidade!

HOMENAGEM DO "CENTRO DOS VELEIROS"

Tu que hoje cais no misterioso abismo,
Depois de incerta e tropeçante viagem,
Por teu amargo e mórbido humorismo,
Eras do nosso meio a própria imagem.

Não te valendo o musical lirismo,
Não te valendo o apuro da linguagem,
Foste arrastado pelo pessimismo,
Que ataca os que perderam a coragem.

No entanto, o verso teu era um escudo
De ouro polido e de cristal perfeito,
Que ora chamava ao sonho, ora ao estudo.

Tu, que vítima foste deste estreito
E torpe meio, que avassala tudo,
Descansa em paz no derradeiro leito.

EM VIAGEM

Ao fulgor sideral desta noite radiosa,
Foi que te vi partir, indiferente e fria.
Como que entre nós dois, em turbilhão, raivosa,
A avalancha do. Pólo um mar de gelo abria.

E eras tu! Eras tu! pois, no meu peito, ansiosa,
Um maelstrom de amor minh'alma percorria;
E tudo em mim vibrava essa canção saudosa
De tristeza e de fel que o meu lábio exprimia.

Mas, que importa a glacial, a rude despedida,
Se dentro d'alma, alegre, o teu perfil risonho
Levava o resplendor que me aureoleia a vida?

Que importa eu seja, agora, o espectro tristonho
De uma antiga paixão imensa e indefinida,
Se ainda tu és a luz do meu único sonho?

Vetusta catedral que, ao tempo, te esborcinas,
Choras a torre audaz que, aos céus erguendo a agulha,
Os mistérios e os bens, de que a Igreja se orgulha,
Do alto mostrava aos fiéis, nas sonoras matinas.

Já, de ti, longe vão as práticas divinas
Com que davas ao incréu a sagrada fagulha
E ainda julgas ouvi?Ia, em fragorosa bulha,
A oscilar no teu flanco e a desfazer?se em, ruínas.

Abateste, eu me lembro, à tarde, de repente,
Dourando, no clarão de um último arrebol,
0 pó que te envolveu sutil e refulgente!

Torre morta! Afinal, do orgulho, no crisol,
Tombaste amortalhada, ampla e gloriosamente,
No purpúreo esplendor da agonia do sol!

SONETO
(Carta íntima)


Que este soneto, assím, feito ao correr da pena
Possa, filha, dizer?te o que a voz te não diz,
Porque este afeto excede a linguagem terrena,
E não tenho expressões se te vejo infeliz.

Se a vida te não corre, acaso, alegre e amena,
Ouve, em vez da minha, as mil vozes hostis
Em que buscam, os teus, nos infligir a pena
De curvarmos a alguém, humildes, a cerviz,

Tu, que foste, que ainda és e que serás, por certo,
Aquela que, jamais, do interesse ouve a voz
Mais longe estás de mim quando de ti estou perto!

Deves, porém, saber que, quando fico a sós,
A própria multidão, para mim, é um deserto,
Porque o mundo não és nem eu sou: somos nós!

ÚLTIMOS VERSOS

A arte, amigo, em noss'alma só se interna
Por caminho em que o uso é um empecilho,
É a dor, a eterna dor, a estrada eterna
Que eu, entre versos, pés sangrando, trilho,
Quantas vezes o atro fundo da cisterna
A água que dela sai mostra no brilho
É o fulgor de uma lágrima paterna
A refletir a imagem de um mau filho.

Fonte:
Obra Reunida, de Emílio de Menezes. RJ: Livraria José Olympio, 1980.

Pedro Malasartes (De como Malasartes Evitou que o Mundo Desabasse)


Em certa altura deu-lhe vontade de verter água. Encostou-se a um grande paredão pertencente a uma bonita quinta. E, quando estava no melhor, apareceu o dono da chácara muito zangado a perguntar-lhe quem lhe tinha dado ordem para fazer aquilo ali.

Pedro disfarçou e respondeu:

-Ah! meu senhor desde manhã que estou aqui encostado sem comer, nem beber só por causa dos outros.

-Por causa dos outros? Então como é lá isso?

-Estou escorando o mundo.

-Você está doido!

-Pois é verdade, patrão! Vinha eu caminhando no meu quieto mas, quando cheguei neste lugar me apareceu a figura de um anjo que veio descendo do céu e que me disse estas palavras:

-Por ordem do Senhor Deus o mundo vai acabar à meia-noite de hoje. Imagine o susto que não levei! Mas o anjo me aquietou: tem remédio para se evitar isto: é encontrar alguém que escore este muro desde este momento.

" Só por isso não seja a dúvida respondi vou cortar uma estaca...

-Não, não há tempo. Antes de um minuto o muro deve estar escorado. E me empurrou para aqui onde me acho, sem poder arredar pé, pois, se saio o mundo vem abaixo.

-Deveras!

-Ah! se o patrão me fizesse o favor de tomar o meu lugar enquanto eu vou ali no mato cortar uma escora, tudo estava arranjado mesmo porque se eu aqui ficar por mais tempo, não resistirei e com a minha morte o mundo virá abaixo e ninguém escapará.

O homem pensou e resolveu tomar o lugar de Pedro que prometeu voltar logo com a escora, e até hoje está sendo esperado.

Lendas e Contos Populares do Paraná (Telêmaco Borba – Tibagi – Ubiratã)


TELÊMACO BORBA
Cruz do mudinho


Quando esta cidade ainda era uma criança;
Criança com vontade de crescer
E as casas de madeira começavam a aparecer...

As ruas eram de terra batida, asfalto não havia;
Iluminação era fraca, nas ruas pouca gente saía.
Não havia violência como hoje em dia.

Um vivente aqui apareceu.
Ninguém soube de onde veio, nem quem era parente seu.
Esmolava nas ruas para se alimentar!
Dormia em qualquer lugar!
Era surdo-mudo, não podia falar.
Tinha dificuldade até para andar.

Onde hoje é a Concha Acústica e Rodoviária
Era terreno abandonado
Onde muito lixo até era depositado.

Naquele cruzamento
Certo dia, certo momento,
O mudinho que não escutava
Ali atravessava...

Lá de cima um caminhão sem freio, desgovernado;
Pegou o Mudinho deixando-o no meio da rua
Esmagado

Naquele local, foi fincada uma cruz e uma
minicapela.
Por muito tempo, muita gente, ali até hoje acende
vela

Coisa que aconteceu
E pode acontecer.
Coisa que quem viu
Não pode esquecer.

TIBAGI
Casa mal-assombrada


Dizem que na fazenda Cambará muita assombração aparece. Que, à noite, arrastam-se correntes, batem-se janelas e ouvem-se ruídos estarrecedores. Quando eu era criança ficava tiritando de medo ao ver os mais antigos falarem da casa mal-assombrada. Sei que na outra fazenda ali por perto, quase entrando no município de Ventania, havia histórias de fantasmas. Quando minha mãe era jovem, disse que vinha um homem loiro, alto e belo, oferecer uma panela de dinheiro. Nas fazendas Ipê, Guaricanga, e a do senhor Fernando Taques, muitas coisas estranhas acontecem.

No limiar das fronteiras de Tibagi, o mistério circunda e mete medo. A lenda das casas mal-assombradas já vêm de longe, acompanhada de anedotas de sinhozinhos e sinhazinhas que haviam por aqui.

UBIRATÃ
A lenda da curva da onça


Em 1954, a sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná Ltda. -SINOP, iniciou a colonização desta região. A equipe de engenharia e topografia passava por inúmeras dificuldades, abrindo picadas na mata para chegarem ao local preestabelecido, que denominaram Sauju, ou seja, o espigão mais alto do contraforte da serra do Piquiri, hoje Ubiratã.

Inúmeros obstáculos e dificuldades foram encontrados. Com a ajuda de mais de duzentos homens contratados, construíram acampamentos e um campo de pouso em plena mata virgem.

Foi nesse contexto que surgiu em Ubiratã uma localidade na zona rural, mais especificamente na estrada Caviúna, denominada São Cristóvão. Conhecida popularmente como Curva da Onça, ela era o elo para as cidades de Cascavel, Foz do Iguaçu e a Região sul do país.

O nome se deu, porque diziam existir uma onça naquele local, dado o fato de que este animal tentou apanhar um cachorro dos funcionários do acampamento da SINOP. Os trabalhadores que estavam no acampamento contam que na cabeceira de um córrego, o cachorro, aos latidos, foi arrastado pela suposta onça, mas depois de muito custo conseguiu fugir e voltar ao acampamento, onde recebeu os devidos cuidados.

Logo após o ocorrido foram conferir as pegadas, que realmente pareciam ser de onça. O acontecido foi comunicado ao escritório central da SINOP e técnicos foram até o local, pois os funcionários relutavam em continuar o trabalho de abertura da estrada, temendo novos ataques da onça misteriosa.

O fato é que a onça desapareceu, ninguém nunca mais a viu, mas a história ficou registrada na mente daquelas pessoas e foi contada de pai para filho, chegando até os nossos dias. Este local continua sendo chamado de Curva da Onça.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3).

O Índio na Literatura Brasileira (Estante de Livros) 8, final


TAPAJÓS, Paulinho. Verde que te quero ver.

Aborda o tema ecologia, por meio da lenda de Luana, a menina-flor. Fabiano, um menino que ama a natureza, está descontente com o destino do planeta e decide organizar, com os amigos, uma passeata em defesa da ecologia. Na madrugada que antecede o evento, conhece Luana e sua história. Na manhã seguinte, julga ter sonhado, porém, na passeata, reencontra a menina- flor .

TELLES, Carlos Queiroz. Anhemby piá Tietê menino.

Apresenta a história poética de três curumins que assistem desolados à poluição do Tietê e de seus principais afluentes, o Tamanduateí e o Pinheiros. Inconformados, os indiozinhos resolvem agir.

TENÊ. A estrela.

Narra a lenda de um curumim que encontra uma estrela, utilizando-se de uma linguagem acessível para crianças pré-alfabetizadas.

VASCONCELOS, José Mauro de.Kuryala: capitão e Carajá.

Narra a história de Kuryala, desde seu nascimento a sua infância e adolescência, fase dos preparativos para tornar-se homem e, principalmente, futuro capitão Karajá, líder de seu povo. Orgulho dos pais, Kuryala é um menino bom e passa depressa de um rapaz bom para um homem melhor. Recebe como esposa Akurriro e entre os dois nasce um grande amor e companheirismo, além de tornar-se um grande chefe, muito respeitado e amado por todos. Até que, um dia, uma doença nos olhos o cega para sempre, levando-o à renúncia do cargo de capitão. Desse momento em diante, sua vida começa a degradar-se, ele cai no esquecimento do povo como capitão de honra, até chegar a velhice impiedosa, e com ela o frio, a fome e a morte de Akurriro, que há muito se tornara os seus olhos, a sua vida. Finalmente, Kuryala parte para as terras de Tahiná-Kan, onde só há paz e amor.

VERÍSSIMO, Érico. As aventuras de Tibicuera.

Aborda as aventuras de Tibicuera, contadas por ele próprio. O herói narra sua viagem através do tempo, a qual começa numa taba Tupinambá, antes de 1500, e termina num arranha-céu de Copacabana em 1942.

VIEIRA, Isabel. O último curumim.

Conta a história de um curumim, Tarek, que durante dois anos vaga pela floresta sozinho e ferido, até chegar a uma fazenda em Goiás. Os irmãos Lico, Hugo e Bela, de férias na fazenda do avô, são os primeiros a terem contato com Tarek, alimentando-o e curando suas feridas. Muitas brincadeiras acontecem entre as crianças, que já se comunicam com grande naturalidade, o que as auxilia na descoberta da história de Tarek. Vó Gilda é a primeira adulta a descobrir a presença do curumim, e, a partir de então, começam a tomar providências a respeito do destino do indiozinho. Fazem contato com Serviço Indigenista Nacional e, por meio de antropólogos e sertanistas, descobrem que Tarek é um sobrevivente Ubá-Uná, sendo este levado ao encontro dos seus. Na presença deles, ficam surpresos quando descobrem que o cacique, Enaré, é o pai de Tarek, do qual havia se perdido na ocasião do massacre de sua aldeia.

VILLAS BÔAS, Cláudio; VILLAS BÔAS, Orlando. Kanassa – o grande pajé.

Conta a história do velho pajé Kanassa, que, ao visitar seus amigos, determina a cada um deles uma alteração em seus corpos. O mutum fica com um enfeite de penas na cabeça, o jacaré com um ralo nas costas, os patos passam a nadar e alguns pássaros cantam bem alto ao encontrarem água na mata.

VILLAS BÔAS, Cláudio; VILLAS BÔAS, Orlando. Morená – a praia sagrada.

Conta a história de Morená, a praia sagrada, que se forma na confluência dos rios Kuluene, Ronuro e Batovi, onde o criador Mavutsinin criou os índios.

VILLAS BÔAS, Cláudio; VILLAS BÔAS, Orlando.O rei e o menino índio.

Narra a visita do rei da Bélgica a uma aldeia do Xingu e sua relação com as crianças, em especial com Acanái, quando o menino caça um pequeno passarinho.

VILLAS BÔAS, Cláudio; VILLAS BÔAS, Orlando. Tamacavi – o gigante.

Narra a história do gigante Tamacavi, que habita as margens da lagoa de Itavununo. Tamacavi é temido e invejado pelos vizinhos, que decidem matá-lo e comê-lo a fim de adquirirem seus poderes. Porém, quando matam Tamacavi e comem sua carne, morrem envenenados.

VILLAS BÔAS, Cláudio; VILLAS BÔAS, Orlando. O Tamoin e a onça.

Narra a história do velho índio Tamoin, contador de histórias para a criançada, e seu encontro com a onça, que lhe dá de presente um jabuti.

VILLAS BÔAS, Cláudio; VILLAS BÔAS, Orlando. Xingu: os contos do Tamoin.

Mostra o diálogo entre índio e “civilizado”, acerca de sua maneira de viver, seu modo de ser, de agir e de se relacionar entre si. Os contos do Tamoin são verdadeiros e não criação dos autores.

VILLAS BÔAS, Cláudio; VILLAS BÔAS, Orlando. Xingu: os náufragos do Rio das Mortes e outras histórias.

Narra-se, em Os náufragos do Rio das Mortes, a viagem e a tragédia vivida por náufragos no Rio das Mortes, assim como o seu resgate e retorno ao povoado de São Domingos. Ao se dirigirem para o local do naufrágio, visando a resgatar as vítimas, os sertanejos Idalino e Ladislau recordam-se da par ticipação na Expedição Roncador Xingu e a terceira tentativa de contato com os índios Xavante, coordenada por Francisco Meireles, do Serviço de Proteção ao Índio. Apresenta, ainda, outras histórias, como: O bamburro do Baiano; Um conto antigo; A perdida; Monólogo do Zé Negrinho.

WATANABE, Luci Guimarães. Os fantasmas da rua do canto.

Aborda a História do Brasil e dos povos que contribuíram para a sua formação. Em destaque, um casarão construído no século XVIII e uma história de amor interrompida por um trágico acontecimento. Em 1999, Rogério e sua família vão morar nesse casarão, que um dia foi palco da história de amor de Ana e Mateus. Mas lá também habitam fantasmas, presos às histórias vividas no local. Até que é chegada a hora de eles irem embora, libertarem-se do casarão. E, num sonho, um dos fantasmas revela a Rogério como ajudá-los a fazer essa travessia.

WEISS, Mery. O peixe de olho grande.

Relata a estória de quatro crianças que saem para um acampamento na beira de um rio e lá conhecem Carolina, que tem muito medo de um tal peixe do olho grande, acusando-o de ter comido parte do corpo de Peteleca, sua boneca. As crianças conhecem também Vô Tolé, um velho índio Guarani que pretende voltar para seu povo e para isso caminha em direção ao norte. O índio faz balaios para vender, a fim de obter o dinheiro necessário para comprar uma passagem de ônibus. Para livrar Carolina de seu medo, Vô Tolé finge ter prendido o peixe do olho grande em um balaio e diz que o levará para as profundezas do rio. Com isso, Carolina não sente mais medo e Vô Tolé vai para o norte. As outras crianças voltam para casa, apesar de não desejarem voltar, pois gostaram muito da aventura.

YAZBEK, Mustafa. Os Bandeirantes.

Aborda a epopéia bandeirante, inspirando-se em documentos históricos. Relata a viagem de uma bandeira paulista imaginária, que sai em busca de índios na primeira metade do século XVII. Narra sua partida da vila de São Paulo de Piratininga, seu percurso pelos sertões do Sul do Brasil e seu ataque a uma redução, aldeia de índios Guarani administrada por missionários jesuítas espanhóis.

Fonte:
Moreira, Cleide de Albuquerque; Fajardo, Hilda Carla Barbosa. O índio na literatura infanto-juvenil no Brasil. - Brasília: FUNAI/DEDOC, 2003.

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 466)

Uma Trova de Ademar
Uma Trova Nacional

Antes um "não " que amargura:
antes um "não" que maltrata,
do que a terrível tortura
do teu silêncio - que mata!
–HÉRON PATRÍCIO/SP–

Uma Trova Potiguar


O aborto, triste ferida,
que nos faz tanto sofrer;
como dói matar a vida,
antes da vida nascer!
–PROF. GARCIA/RN–

...E Suas Trovas Ficaram


Que me importa a despedida
dos meus dias mais risonhos.
Eu sinto a aurora da vida,
no que resta dos meus sonhos.
–ADELIR MACHADO/RJ–

Uma Trova Premiada


2005 - Belém/PA
Tema: DELÍRIO - M/E


Atrás dos sonhos correndo,
no meu delírio sem fim,
eu acabei me esquecendo
de passar perto de mim...
–VANDA FAGUNDES QUEIROZ/PR–

Simplesmente Poesia

À Paulicéia
–SÉRGIO SEVERO/RN–


Ah! Fosse eu Veloso, o Caetano
para cantar num Verso Desvairado
as tuas ruas cheias de Pecado
Chorar a dor de ser um paulistano...

Cantar tuas guardadas tradições,
me admirar com tanto arranha-céu
e caminhar pelo passeio, ao léo,
chutando o lixo dos teus Calçadões.

Como não sou Cantor, sou Vagabundo,
enxugo o rosto com este lenço imundo
com o qual limpei a mesa deste bar...

Meus parabéns, São Paulo e obrigado
por me deixar, já quase embriagado,
compor tais versos que não sei Cantar.

Estrofe do Dia

Um país que perdeu a identidade
Sepultou o idioma português
Aprendeu a falar pornofonês
Aderindo à global vulgaridade;
Um país que não tem capacidade
De saber o que pensa e o que diz
Que não pode esconder a cicatriz
De um povo de bem que vive mal;
Pode ser o país do carnaval
Mas não é, com certeza, o meu país.
–ORLANDO TEJO/PE–

Soneto do Dia

Soneto a Quatro Mãos
–VINICIUS DE MORAES/RJ–


Tudo de amor que existe em mim foi dado
tudo que fala em mim de amor foi dito
do nada em mim o amor fez o infinito
que por muito tornou-me escravizado.

Tão pródigo de amor fiquei coitado
tão fácil para amar fiquei proscrito
cada voto que fiz ergueu-se em grito
contra o meu próprio dar demasiado.

Tenho dado de amor mais que coubesse
nesse meu pobre coração humano
desse eterno amor meu antes não desse.

Pois se por tanto dar me fiz engano
melhor fora que desse e recebesse
para viver da vida o amor sem dano.

Fonte:
Textos enviados pelo autor
Montagem da trova sobre imagem enviada pelo Ademar Macedo

Guerra Junqueiro (A Boneca)


Deixe-me agora, leitor, contar-lhe a história de uma boneca!

Estava eu uma noite, distraidamente, encostado a uma barraca de feira.

Cansado das inúmeras figuras, que tinha visto passar por aquela espécie de lanterna mágica, dispunha-me a dar o espetáculo por concluído, quando novas personagens me chamaram a atenção.

Eram os meus vizinhos ricos.

Expliquemos:

Das famílias da minha vizinhança, só conheço três.

Uma vive na loja da casa onde habito. É uma tribo de crianças que fazem o martírio e a alegria da pobre mãe, e tem por chefe um honrado sapateiro.

Algumas delas, andando limpas, seriam encantadoras; assim, parecem anjos, caídos do Céu sobre um monte de lama.

São os meus vizinhos pobres.

A segunda compõe-se de marido, mulher e filha, e ocupa a casa imediata.

como se costuma dizer, gente que vai muito bem com a sua vida.

A filha, de dez anos, tem destas faces rosadas, rijas e carnudas, cuja solidez a gente, gosta de experimentar com o dedo e que resistem à pressão.

São os meus vizinhos remediados. A terceira é a dos nossos vizinhos ricos. Casa nobre, jardim espaçoso, cavalos,

criados, nome inscrito nas listas dos acionistas de todos os bancos e no rol dos credores do Estado – nada falta àquela ditosa gente!

Compõe-se por igual de marido, mulher e filha.

Que linda criança!... Terá oito anos.

Delgada e pálida, com os cabelos negros, os olhos grandes e cismadores, nunca lhe contemplo as pequeninas mãos de dedos compridos e esguios, terminando por unhas de uma cor-de-rosa transparente, que não sinta antecipada inveja do feliz namorado – provavelmente ainda a crescer – que terá um dia direito de lhas cobrir de beijos.

Qual das três famílias será a mais feliz?...

Pelo que noto, não podem invejar-se umas às outras.

São todas felizes: cada qual a seu modo.

Vi, pois, chegar os meus vizinhos ricos.

Parou o carro, o trintanário saltou da almofada e veio, de chapéu na mão e dorso ligeiramente curvado, abrir a portinhola; o meu vizinho saltou, tomou nos braços a filhinha, depô-la no chão, auxiliou a esposa a descer, e com ela e com a menina dirigiu-se para a barraca onde eu estava.

Aquele homem, exemplar como marido, rico, doido por ela, parecia agradecer à formosa criança a manifestação de qualquer desejo.

No fim de meia hora possuía a minha pequena vizinha com que fazer a felicidade de dez crianças menos abastadas.

Tinha o necessário para montar completamente a casa de uma boneca... rica.

Faltava apenas a dona da casa – a boneca.

Todo risos e atenções, apresentou o lojista o que havia de melhor.

Depois de muita hesitação e de, já com os olhos, já com a voz, consultar a mamã, a gentil criança, acabou por escolher uma bela boneca de dois palmos de altura, cabelo de ouro e grandes olhos azuis.

Uma boneca como as outras: cabeça e peito de massa, corpo de pelica recheada, braços e pernas de pau.

Feita a compra, levou o escudeiro todas aquelas preciosidades para dentro do carro.

A boneca teve a honra de ser transportada pela aristocrática menina.

Saí dali, apenas o trem rodou, e fui fazendo até casa variadíssimas considerações, sugeridas pela quase indiferença com que aquela criança recebera brinquedos, que representavam um bom par de moedas.

Que contraste com os olhares de cobiça, com que outras raparigas da mesma idade namoravam uma simples boneca de cabeça de pano, horrível artefato, em que os olhos são representados por dois pontos de linha azul, o nariz por um alinhavo de retrós cor-de-rosa, a boca por outro fio vermelho, e os cabelos por flocos de lã preta!

Quando cheguei a casa, já na dos meus vizinhos remediados não havia luz.

Na dos meus vizinhos pobres, o pai batia a sola, cantando ao som de três assobios e duas campainhas de barro, com que os anjos, por lavar, provocavam zangas e descomposturas da mãe.

Quando, no dia seguinte, cheguei à janela, seriam onze horas da manhã.

Na rua agenciavam nova camada de imundície os filhos do sapateiro; na casa imediata não se via ninguém – estava a pequena na mestra; no palácio, sentada num tapete estendido sobre a ampla pedra da varanda, divertia-se a minha pequena milionária fazendo rodar, com o auxílio de uma linha, uma magnífica caleche descoberta, puxada por cavalos brancos.

Dentro da caleche pavoneava-se a boneca opulentamente vestida.

– Ah! está a tua caricatura, minha feiticeira!... – disse eu de mim para mim. «Ensaias nas bonecas o que vês no mundo a que pertences!... Estás a aprender a copiar... Sempre este mundo!...»

Retirei-me da janela.

Durante uma semana vi muitas vezes repetida a mesma cena.

A boneca ostentava todos os dias novas galas, e havia dia em que mudava três e quatro vezes de vestido.

Ao que eu, porém, achava mais graça, era ao respeito com que a dona a tratava!

Chamava-lhe Srª D. Luísa; dava-lhe excelência; sustentava, finalmente, com a boneca um destes diálogos de senhoras de alta sociedade, em que se fala de tudo, sem se dizer coisa alguma.

Um dia – estava eu de costas voltadas para a janela dos meus vizinhos ricos –ouvi um grito de susto.

Era devido a um acidente, a que está sujeito quem anda de carro.

Voltara-se este e caíra a boneca, rachando a cabeça na pedra da janela.

O primeiro movimento da pequena foi beijar e prantear a vítima; vendo, porém, que a ferida havia forçosamente de deixar cicatriz, e lembrando-se de que sé lhe bastava querer, para que lhe dessem outra boneca nova, agarrou-a pelos pés e ia atirá-la com despeito à rua, quando mais perto de mim bradou voz tímida e suplicante:

– Não deite fora!... Dê-ma.

Era a minha pequena vizinha da casa contígua, de quem eu não dera fé até então.

Assim invocada, a menina rica franziu levemente as sobrancelhas e lançou um olhar de rainha para o sítio donde viera a súplica.

Mas, vendo uma criança, pouco mais ou menos da sua idade, serenou e, encolhendo os ombros, respondeu:

– Já não presta!... Está esmurrada!...

– É o mesmo!... Dá-ma?... – bradou a outra, cujos olhos ardiam de cobiça.

– Dou... volveu a rica, encolhendo novamente os ombros.

E, caminhando para o canto da varanda, deixou cair a boneca nas mãos da vizinha, que tremia receosa de que o tesouro se fosse despedaçar nas pedras da calçada.

Fugiram ambas as pequenas a um tempo: a rica para exigir nova boneca; a outra, para mostrar à mãe o que ela ainda não podia acreditar que fosse seu!

Durante meses foi a boneca a principal ocupação da sua dona.

A pobre perdera na troca. ia longe o tempo em que ela se vestia quatro vezes em quatro horas!... Já lhe não davam excelência! Chamavam-lhe a Srª D. Ana; falavam-lhe de arranjos domésticos, de desmazelo da criada, da missa das almas, de coisas, enfim, completamente estranhas para ela!

E a desgraçada perdia as cores; os olhos tornavam-se-lhe cada vez menos azuis; mas o que mais a desfigurava era a cicatriz, que de dia para dia se ia tornando mais escura: parecia uma nódoa, um estigma!

Nos primeiros tempos, enquanto durou o vestido que trouxera no corpo, ainda enganaria olhos pouco conhecedores.

Não tardou, porém, que arrebique de mau gosto, fitas velhas, rendas amareladas, chapéus impossíveis, viessem contrastar com a elegância do vestido. Dava ares de se ter equipado ao acaso, na loja de uma adeleira.

Mas o vestido foi-se tornando velho; desapareceu o brilho, e com ele as ondulações ao moiré, até que, um belo dia, vi a boneca vestida de cassa – no Inverno! – xale e manta na cabeça.

Muito mal lhe ficava aquilo!... Aquela boneca custava-lhe decerto o ver-se tão mal arranjada.

Eu retirei-me da janela com um suspiro e balbuciei:

– É justo!... Cada qual segundo as suas posses.

Por este tempo, entrei em relações com o meu vizinho sapateiro.

O honrado homem soubera que eu me queixara da bulha, que os filhos faziam logo ao amanhecer, e aproveitara a primeira ocasião, para me pedir desculpa...

Vendo-me conversar com o pai, tinham-se os filhos animado a aproximar-se de nós e, desde então, nunca saio de casa nem entro, sem grave risco de sofrer as consequências da sua travessa familiaridade.

Entre os filhos do sapateiro, porém, há uma pequenita de onze anos, com quem simpatizei logo à primeira vista.

Chama-se Maria.

Por um destes acasos, que parece às vezes comprazerem-se em suscitar contrastes, Maria destaca no meio de todos os irmãos.

Acostumado às travessuras e desalinho dos outros filhos do sapateiro, fiquei: deveras atônito quando o pai inda apresentou.

E ele conhecia bem o valor daquela criança, porque se sentia verdadeiro orgulho no olhar do pobre homem quando me disse:

«Esta é a minha Maria!» E tinha razão!

Não podia ser mais discreta do que já era naquela idade.

– É quem vale à mãe!... – acrescentou o velho. – Ali, onde a vê, faz o serviço de uma mulher.... – Há seis meses, quando a minha santa caiu de cama – bem pensei que não arribasse! – a pequena era quem cozinhava e olhava pelos irmãos! E caridade como ela tem!?... Olhe que esteve três dias sem se deitar... Ali... ao pé da mãe! Foi preciso eu obrigá-la, não a queria deixar!...

E o desvanecido pai enxugou com a manga da camisa uma lágrima, que, havia muito, hesitava sobre se sim ou não se devia desprender.

Fazia gosto ver aquela criança com o seu vestidinho de chita escura e a cabeça coberta por um lenço branco.

Desde que o pai me deu tão boas informações da rapariga, nunca passei por defronte da porta da loja, sem dar pelo menos os bons-dias à pequena.

Uma vez recolhia eu para jantar, quando vi a Mariquitas, com uma boneca deitada nos joelhos.

– Eu conheço aquela boneca!... – disse de mim para mim.

E, não podendo resistir à curiosidade, bradei:

– Maricas! Quem te deu a boneca?...

– Foi ali a menina da vizinha! – respondeu corando de prazer.

Era escusado dizer-mo.

A Maria pegara na boneca e voltara-a de face para mim. Não podia duvidar... Era ela; lá estava a mancha, o estigma cada vez mais visível no meio da testa.

De tempos a tempos, nas raras horas do descanso, Maria entretinha-se com a boneca.

Quem te viu e quem te vê!... – pensava eu.

Às vezes, se a Maria se descuidava e os irmãos lha apanhavam, que tratos diabólicos não sofria a desgraçada!

Roçada por aquelas mãos, que envergonhariam um carvoeiro, empregada como péla, submetida a torturas, era, ainda assim, bem singular o aspecto da triste miserável!

Dava ares de uma duquesa que, por necessidade, houvera sido levada a fraternizar com o povo.

A triste boneca mudara mais uma vez de nome!... De Srª D. Ana, passara a ser Srª Rosinha e tratavam-na por vossemecê.

Usava vestido de chita, capote velho de pano verde e lenço na cabeça.

Era um prazer para mim escutar as conversas, que Maria sustentava com a boneca.

Esta, umas vezes, fazia o papel de mulher casada, e Maria, encarregando-se de perguntar e responder por ela, obrigava a pobre boneca a lastimar-se por tudo estar caro, por haver falta de trabalho, por ter os filhos doentes, todos os casos, em suma, que mais familiares eram à pequena.

Outras vezes passava a boneca a ser criada de servir. Repreendiam-na, mandavam-na buscar água à fonte, pagavam-lhe, regateando, a soldada, e acabavam por a despedir.

Já o leitor vê que, apesar da bondade de Maria, a mísera boneca era infelicíssima.

Iam longe os bons tempos em que ela, rica, morava no palácio vizinho!

Desmaiada de cores, quase perdido o cabelo, semiapagados os olhos, desfeito o carmim dos lábios, a boneca não prometia longa duração.

Foi este pelo menos o prognóstico que fiz a última vez que a vi, tentando em vão agradar à última dona que o seu destino lhe dera.

Coitada!... Bem longe estava de lhe imaginar o fim!

Um dia chovia a cântaros! – o enxurro mal cabendo nas valetas da rua, espadanava em cachão para cima dos passeios, arrastando na passagem mil imundícies.

Eu estava à porta de casa, esperando que a chuva cessasse, e olhava melancolicamente para a água negra, que coma. Nisto ouvi um grito que partiu da loja do sapateiro. Voltei maquinalmente o rosto... Um objecto, arremessado de dentro da loja, atravessou o espaço voando, e foi cair no leito do enxurro...

Olhei... Era a boneca!...

A mísera, arrastada pela água, vogou rua abaixo até esbarrar numa pedra; mas o redemoinho envolveu-a, e depois de a fazer girar três ou quatro vezes, obrigou-a a passar entre a pedra e o passeio, e lá a triste seguiu no fio da corrente, até se submergir nas profundezas da primeira boca de lobo, que encontrou na passagem!

Será pieguice, será o que o leitor quiser: mas, confesso-lhe, que me impressionou o destino da pobre boneca.

Mas passou a chuva, desci o degrau da porta e, chegado à vidraça do sapateiro, perguntei com voz involuntariamente severa:

– Porque deitaste fora a boneca, Maricas!?

– Não fui eu... balbuciou a pequena, chorando. – Foi ali o Joaquim!

– E porque fizeste tu aquilo, Joaquim?...

– Ora!... respondeu o garoto com enfado... Ora!... Estava velha.., e feia!...

Curvei a cabeça ante aquela razão, e segui o meu caminho.

Pobre boneca!

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.