quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Francisco Miguel de Moura (Poesia incompleta)


O HOJE

certamente inda te adias
pois teus olhos se clareiam
ante a brisa e a paisagem
- que o horizonte é um presente
velejado por rostos escolhidos

mas não atrases teu amor
ao irmão que sofre o preterido

alegria, alegoria
o coração pede ritmos e pulsos
não é nenhum covarde

nem guarde restos e pedaços
de impressentidas elegias

o hoje é tudo o que se tece,
que bem tecido é odor, sabor e prece
em indistintas simetrias.

o amanhã não é teu dia
se hoje não tiveres empatia
com o razoável mundo e o sem-razão.

o ontem não tem clave se te agravas
em sentimento de ódio e entropia
como veio
de teu canto, em toda a via.

colhe a flor que está à mão.

O ONTEM

ontem foi o tempo emocional

assim, como passar
uma esponja
sobre o mal?

e o passado seria mortal

mas uma esponja
embebida do homem
embeberia a coisa:
- na verdade, o mal

um tempo sonâmbulo
que se gravou como um sinal
(esquecer não precisa
nem pode, é tão real)

ontem: eis o tempo que fica
como fundo do tempo
e sem rival.

O AMANHÃ

o amanhã virá
compor-te na teia
do in(completo)
nunca tecido
olho-boca-ouvido
seja fala ou prece
seja foto ou fluido
de luz desejada
paixão não vivida

é limbo incriado
é amor temido

poeta, recia
sem receio
- e recria
teu inteiro futuro

quando o hoje não for mais
essa será a glória
do teu dia.

E O SEMPRE

o hoje se esfume
o ontem se de/pedra
o amanhã quem sabe?

não há sempre
e há o sempre
sempre
sempre
não é começo
não é fim
não é processo

é um tempo sem tempo
nem temporal
nem tem/porão

semper
semper
sem-
per-
seguição

o tempo neutro
dá cacetadas no infinito.

ANTES E DEPOIS

quem saberá se um dia fomos?

e por que auscultar o passado
se se passa
adiante
sem liame de gostos ou de falas?

quando as luzes se apagam
quem diz para onde e a que vamos?

para o vazio e para a morte
de onde deveremos voltar como visões?

vamos para onde não vamos
para além da vida e da morte
onde não há sábios.

quem saberá se um dia fomos?

O CHEIO E O VÁCUO

o nada e o tudo soam nardo
e ab(sinto):
- ab(surdo) na amplidão
dos homens e dos bichos satisfeitos
(inseto ou dinossauro)

cai sobre mim uma poeira
cósmica coceira
de saber
o que constante me devora
e a paciência
me explode em palavrão

palavras vãs, palavras vão
e vêm
cortar o silêncio amplificado
de tudo quanto é voz

não há imposturas, há correntes
de sangue, sabor, gestos(contrários) parados
água e calor que luzem

nardo é nada
ab(sinto) é liberdade:
- um nome sem tempo e com paixão

palavras vêm, palavras vão
soltas ao vento e zunem no telhado
das nuvens e dos astros
mas nada produzem:

- falta espaço
e como vêm, se vão

o mundo em seu bailado, no universo
é impiedade
e tudo cala.
a fala morde a dor do falante
entre dentes, trovões, cometas...
e outras tralhas.
deus se evola e bebe as águas
do abismo
onde se banha

e não há vácuo - falta tempo
e não há cheiro - falta onde pairar.
só deus explora o esquecimento
do existir.
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