ESPERANÇA
Entre o Ódio e o Amor, eu vivo a debater-me.
Quando não sangra o Amor, não ruge o Amor, porém,
Quando aos pés me não calca o Ódio, como um verme,
É o Tédio quem me vê com os olhos do desdém.
E oh! das mãos desse fauno cúpido, eu inerme,
Tal que se fosse uma donzela, uma cecém,
Sentindo que me vão ferir, que vão perder-me,
Tento escapar... Em vão! O monstro me detém...
Tudo, tudo me causa horror. A vida, enfim,
Como um castelo desabou neste momento...
Mas, ah! que uma mulher passa a roçar por mim...
E eu esquecido já do mal que ela me fez,
Vendo-a sorrir, assim, mais leve do que o vento
Atrás dela saí correndo, inda uma vez!
BRUXA
Veio uma bruxa um dia, e eu,
Que nesse tempo era menino,
Mostrei-lhe a mão: a bruxa leu
Linha por linha o meu destino...
Leu tudo, leu, e após, os olhos
Cerrando, exclama: é singular!
Que destino cheio de escolhos,
Altos e baixos, como o mar!
É singular, a bruxa diz,
É singular; mas, ó criança,
Espera e crê. Serás feliz,
Muito feliz! Tem esperança!
Olhei a terra, o abismo, a estrela,
A noite imensa, infindos céus:
“Será mais bela, inda mais bela
Tua sorte, crê! Serás um deus!”
Os anos têm-se sucedido
Numerosíssimos, porém,
Cada vez mais surpreendido,
Espero o bem e é o mal que vem.
Anos têm vindo de permeio,
Quem fui, decerto, já não sou;
Às vezes quase que não creio
No que essa bruxa me contou...
Tudo uma triste mascarada,
Tudo ilusão, tudo quimera;
E pois que já não creio em nada,
Meu coração por que é que espera?
Que mais espera esse infeliz,
Que inda lhe possa dar prazer,
Se tudo, tudo quanto quis,
Completamente, hoje não quer?
Não sei. Porém basta lá fora
Vibrar um hino, que sei eu!
Para que logo exclame: é a hora,
É a hora ideal, que floresceu!
E doido, atrás dessa esperança,
Ei-lo a correr: pois apesar
De conhecer que não a alcança,
Quer ver se a pode inda alcançar...
CAVALEIRO
Por esses campos, ligeiro,
Como a luz e o pensamento,
Vem correndo um cavaleiro,
Cabelos soltos ao vento...
Nem à beira do barranco
Nem do abismo se detém
Aquele cavalo branco
Que a todo galope vem.
Ouvindo o doido tropel,
Param as águas do rio:
“Donde vem esse corcel,
E o cavaleiro sombrio?”
A brisa flébil, a brisa
A vê-lo correr: “Olhai,
Não vê onde o cavalo pisa,
Nem p’r’onde o cavalo vai!”
Não ouve a dor, nem o choro,
Nem a tristeza, que sei
Dentro da púrpura e do ouro
Do seu orgulho de rei.
A galope, pela estrada
É como um cego afinal,
Não vê nada, não vê nada,
Nem o bem e nem o mal.
Ao pé dessa natureza,
Debaixo daqueles céus,
Passa como a realeza,
Como um raio, como um deus!
Tudo para ele é um desejo
Que arde e cintila no espaço
Como o relampo d’um beijo,
Como o fulgor d’um abraço.
Doidamente, doidamente,
No meio de temporais,
Em doido corcel ardente
Galopa cada vez mais.
Galopa. Quase se perde
O sinistro domador,
Por entre a folhagem verde,
Por sobre os campos em flor...
Galopa em tal alvoroço
E tamanho orgulho tem,
Que nessa corrida o moço
Não ouve e não vê ninguém...
Corre, corre mais ligeiro
Do que a luz e o pensamento,
Dia e noite, o cavaleiro,
Cabelos soltos ao vento...
A túnica que ele veste,
A túnica aurilavrada,
Tem a cor azul-celeste,
Os frisos da madrugada.
Mas olhe, da mesma seda
Vestido um dia andei eu;
E pois que lhe não suceda
O que a mim me sucedeu!
VERSOS PARA EMBARCAR
Tudo, tudo vai mal, e tudo é uma viela,
E um beco escuro, e um charco imundo, e um triste horror;
Pois que bom de embarcar, um dia, a toda vela,
E fugir, e fugir, seja para onde for.
Não há como embarcar. A vida é um navio
Doido, a querer partir, mordendo o pé do cais,
Velas estão a encher, sopra o nordeste frio,
Quando é que partes, ó navio, quando sais?
Não há como embarcar. Do alto d’uma equipagem
Ver o mundo! correr o mundo! viajar...
Poder dizer que foi a Vida uma viagem,
Que começou no mar, que se acabou no mar...
Não há como embarcar. É d’um furor tamanho,
É d’um delírio tal que, embora nunca mais
Se tenha de voltar – como um punhal d’antanho,
A esperança reluz, apenas embarcais...
Não há como embarcar. Furiosos d’insônia,
Enervados de dor, que ânsia d’ir para além,
Ó tísicos, morrer aos pés de Babilônia,
Nos muros de Siquém ou de Jerusalém?
Não há como embarcar. Para onde quer que seja,
Para o desterro, mil perigos através,
Quando os míseros vão, é como olhos d’inveja
Que eu os vejo partir, de corrente nos pés...
Sempre que avisto o mar com as ondas inquietas,
Sempre que o vejo assim, não sei por que será,
Mas tenho as ambições mais doidas, mais secretas,
Loucuras de poder inda fugir p’ra lá.
À mercê e ao furor das ondas e dos ventos,
Havia de correr o mar que não tem fim,
Como Ulisses; porém, ó trágicos momentos,
Sem ter uma mulher que chorasse por mim!
De pé no tombadilho, em frente, à minha vista,
Eu veria passar o que não vi jamais,
A não ser através dos meus sonhos d’artista:
– Encarnações febris, diademas imperiais...
E cegueira ideal e vã de quem se esconde,
E loucura de quem fugiu d’uma prisão,
E doido, sem saber de nada, nem para onde,
A correr, a correr atrás d’uma ilusão!
Ó terras de mistério, ó terras de mantilha,
Ó terras onde o céu é como a flor-de-lis,
Quem me dera dormir, folha de mancenilha,
Debaixo de teu manto azul d’imperatriz!
Reinos antigos, ó paisagem de romance,
Como uma rosa que fenece num jardim,
Ah que bom! ah que bom! de vê-los de relance,
Com castelos feudais, com torres de marfim!
Rainhas como flor, graciosas donzelas,
Com gestos e com voz que me causam prazer,
Como seria bom que, ansiando para vê-las,
Eu as vendo uma vez, não as tornasse a ver...
Eu não sei, eu não sei para onde fugiria,
Eu não sei, eu não sei o que ia ser de mim,
Quem me dera, porém, que logo fosse o dia
De poder embarcar e de fugir daqui!
Quem dera que fosse hoje! E enquanto a nau sulcasse
De proceloso mar entre uivos e baldões,
Eu poder, sem terror, olhando face a face
O abismo, descrever as minhas impressões!
É bem possível que eu, arriscando na sorte,
Notasse que por fim só me saía o azar,
E o diabo, e tudo, e o mais, e tudo, e a própria morte,
E ainda tudo; porém, que ânsia de viajar!
Outubro – 1903
Entre o Ódio e o Amor, eu vivo a debater-me.
Quando não sangra o Amor, não ruge o Amor, porém,
Quando aos pés me não calca o Ódio, como um verme,
É o Tédio quem me vê com os olhos do desdém.
E oh! das mãos desse fauno cúpido, eu inerme,
Tal que se fosse uma donzela, uma cecém,
Sentindo que me vão ferir, que vão perder-me,
Tento escapar... Em vão! O monstro me detém...
Tudo, tudo me causa horror. A vida, enfim,
Como um castelo desabou neste momento...
Mas, ah! que uma mulher passa a roçar por mim...
E eu esquecido já do mal que ela me fez,
Vendo-a sorrir, assim, mais leve do que o vento
Atrás dela saí correndo, inda uma vez!
BRUXA
Ao Pereira da Silva
Veio uma bruxa um dia, e eu,
Que nesse tempo era menino,
Mostrei-lhe a mão: a bruxa leu
Linha por linha o meu destino...
Leu tudo, leu, e após, os olhos
Cerrando, exclama: é singular!
Que destino cheio de escolhos,
Altos e baixos, como o mar!
É singular, a bruxa diz,
É singular; mas, ó criança,
Espera e crê. Serás feliz,
Muito feliz! Tem esperança!
Olhei a terra, o abismo, a estrela,
A noite imensa, infindos céus:
“Será mais bela, inda mais bela
Tua sorte, crê! Serás um deus!”
Os anos têm-se sucedido
Numerosíssimos, porém,
Cada vez mais surpreendido,
Espero o bem e é o mal que vem.
Anos têm vindo de permeio,
Quem fui, decerto, já não sou;
Às vezes quase que não creio
No que essa bruxa me contou...
Tudo uma triste mascarada,
Tudo ilusão, tudo quimera;
E pois que já não creio em nada,
Meu coração por que é que espera?
Que mais espera esse infeliz,
Que inda lhe possa dar prazer,
Se tudo, tudo quanto quis,
Completamente, hoje não quer?
Não sei. Porém basta lá fora
Vibrar um hino, que sei eu!
Para que logo exclame: é a hora,
É a hora ideal, que floresceu!
E doido, atrás dessa esperança,
Ei-lo a correr: pois apesar
De conhecer que não a alcança,
Quer ver se a pode inda alcançar...
CAVALEIRO
Por esses campos, ligeiro,
Como a luz e o pensamento,
Vem correndo um cavaleiro,
Cabelos soltos ao vento...
Nem à beira do barranco
Nem do abismo se detém
Aquele cavalo branco
Que a todo galope vem.
Ouvindo o doido tropel,
Param as águas do rio:
“Donde vem esse corcel,
E o cavaleiro sombrio?”
A brisa flébil, a brisa
A vê-lo correr: “Olhai,
Não vê onde o cavalo pisa,
Nem p’r’onde o cavalo vai!”
Não ouve a dor, nem o choro,
Nem a tristeza, que sei
Dentro da púrpura e do ouro
Do seu orgulho de rei.
A galope, pela estrada
É como um cego afinal,
Não vê nada, não vê nada,
Nem o bem e nem o mal.
Ao pé dessa natureza,
Debaixo daqueles céus,
Passa como a realeza,
Como um raio, como um deus!
Tudo para ele é um desejo
Que arde e cintila no espaço
Como o relampo d’um beijo,
Como o fulgor d’um abraço.
Doidamente, doidamente,
No meio de temporais,
Em doido corcel ardente
Galopa cada vez mais.
Galopa. Quase se perde
O sinistro domador,
Por entre a folhagem verde,
Por sobre os campos em flor...
Galopa em tal alvoroço
E tamanho orgulho tem,
Que nessa corrida o moço
Não ouve e não vê ninguém...
Corre, corre mais ligeiro
Do que a luz e o pensamento,
Dia e noite, o cavaleiro,
Cabelos soltos ao vento...
A túnica que ele veste,
A túnica aurilavrada,
Tem a cor azul-celeste,
Os frisos da madrugada.
Mas olhe, da mesma seda
Vestido um dia andei eu;
E pois que lhe não suceda
O que a mim me sucedeu!
VERSOS PARA EMBARCAR
Ao Virgílio Várzea
Tudo, tudo vai mal, e tudo é uma viela,
E um beco escuro, e um charco imundo, e um triste horror;
Pois que bom de embarcar, um dia, a toda vela,
E fugir, e fugir, seja para onde for.
Não há como embarcar. A vida é um navio
Doido, a querer partir, mordendo o pé do cais,
Velas estão a encher, sopra o nordeste frio,
Quando é que partes, ó navio, quando sais?
Não há como embarcar. Do alto d’uma equipagem
Ver o mundo! correr o mundo! viajar...
Poder dizer que foi a Vida uma viagem,
Que começou no mar, que se acabou no mar...
Não há como embarcar. É d’um furor tamanho,
É d’um delírio tal que, embora nunca mais
Se tenha de voltar – como um punhal d’antanho,
A esperança reluz, apenas embarcais...
Não há como embarcar. Furiosos d’insônia,
Enervados de dor, que ânsia d’ir para além,
Ó tísicos, morrer aos pés de Babilônia,
Nos muros de Siquém ou de Jerusalém?
Não há como embarcar. Para onde quer que seja,
Para o desterro, mil perigos através,
Quando os míseros vão, é como olhos d’inveja
Que eu os vejo partir, de corrente nos pés...
Sempre que avisto o mar com as ondas inquietas,
Sempre que o vejo assim, não sei por que será,
Mas tenho as ambições mais doidas, mais secretas,
Loucuras de poder inda fugir p’ra lá.
À mercê e ao furor das ondas e dos ventos,
Havia de correr o mar que não tem fim,
Como Ulisses; porém, ó trágicos momentos,
Sem ter uma mulher que chorasse por mim!
De pé no tombadilho, em frente, à minha vista,
Eu veria passar o que não vi jamais,
A não ser através dos meus sonhos d’artista:
– Encarnações febris, diademas imperiais...
E cegueira ideal e vã de quem se esconde,
E loucura de quem fugiu d’uma prisão,
E doido, sem saber de nada, nem para onde,
A correr, a correr atrás d’uma ilusão!
Ó terras de mistério, ó terras de mantilha,
Ó terras onde o céu é como a flor-de-lis,
Quem me dera dormir, folha de mancenilha,
Debaixo de teu manto azul d’imperatriz!
Reinos antigos, ó paisagem de romance,
Como uma rosa que fenece num jardim,
Ah que bom! ah que bom! de vê-los de relance,
Com castelos feudais, com torres de marfim!
Rainhas como flor, graciosas donzelas,
Com gestos e com voz que me causam prazer,
Como seria bom que, ansiando para vê-las,
Eu as vendo uma vez, não as tornasse a ver...
Eu não sei, eu não sei para onde fugiria,
Eu não sei, eu não sei o que ia ser de mim,
Quem me dera, porém, que logo fosse o dia
De poder embarcar e de fugir daqui!
Quem dera que fosse hoje! E enquanto a nau sulcasse
De proceloso mar entre uivos e baldões,
Eu poder, sem terror, olhando face a face
O abismo, descrever as minhas impressões!
É bem possível que eu, arriscando na sorte,
Notasse que por fim só me saía o azar,
E o diabo, e tudo, e o mais, e tudo, e a própria morte,
E ainda tudo; porém, que ânsia de viajar!
Outubro – 1903
Fonte:
Emiliano Perneta. Ilusão e outros poemas. Re-edição Virtual. Revista e atualizada por Ivan Justen Santana. Curitiba: 2011