segunda-feira, 29 de abril de 2024

O. Henry (O romance de um corretor atarefado)

 

Pitcher, empregado de confiança no escritório do corretor Harvey Maxwell, deixou que uma expressão de moderado interesse e surpresa se lhe estampasse na face habitualmente inexpressiva, quando o patrão ali entrou bruscamente, às nove e meia, acompanhado de sua jovem estenógrafa. Com um vigoroso "Bom dia, Pitcher", Maxwell precipitou-se para a sua escrivaninha como se fosse saltá-la, e mergulhou de pronto na enorme pilha de cartas e telegramas que o esperava.

A moça era estenógrafa de Maxwell havia um ano. Era bonita, de maneira decididamente antiestenográfica. Adiantara-se à pompa do atraente penteado à Pompadour. Não usava colares, pulseiras ou broches, nem tinha a aparência de quem aceitasse prontamente convites para o almoço. Seu vestido simples era de cor cinza, mas ressaltava-lhe a figura com fidelidade e discrição. No elegante chapeuzinho preto, via-se uma asa auriverde de arara. Naquela manhã, ela estava suave e timidamente radiante. Os olhos brilhavam-lhe sonhadoramente; suas faces tinham o genuíno aveludado do pêssego; e sua expressão era de felicidade, com laivos de reminiscências.

Pitcher, ainda moderadamente curioso, deu-se conta de uma diferença nas maneiras da moça. Em vez de ir diretamente para a sala ao lado, onde ficava sua mesa, ela permaneceu, meio indecisa, no escritório geral. A certo momento, aproximou-se da mesa de Maxwell, perto o bastante para ele se aperceber de sua presença.

Mas a máquina sentada à mesa nada mais tinha de humano; era um atarefado corretor nova-iorquino, movimentado por rodas zumbidoras e molas tensas.

— Bem, o que há? Quer alguma coisa? — perguntou Maxwell rispídamente. A correspondência recém-aberta jazia, como um monte de neve artificial, sobre a escrivaninha atulhada. Seus olhos cinzentos e perscrutadores dardejaram um olhar impessoal e brusco sobre a moça.

— Nada — respondeu a estenógrafa, afastando-se com um sorrisinho da face.

— Mr. Pitcher — disse ela ao empregado de confiança —,  Mr. Maxwell não lhe disse nada, ontem, acerca de contratar outra estenógrafa?

— Disse — respondeu Pitcher. — Ordenou-me que lhe arranjasse outra. Notifiquei a agência ontem de tarde para que mandasse algumas candidatas hoje de manhã. São 9 e 45 e por enquanto não apareceu nenhum chapéu estapafúrdio, nenhuma mascadora de chiclete por aqui.

— Vou então fazer o trabalho de costume — disse a jovem — até que venha alguém preencher a vaga.

Dirigiu-se em seguida para a sua escrivaninha e dependurou o chapeuzinho preto com a asa auriverde de arara no lugar habitual. Quem nunca contemplou o espetáculo de um atarefado corretor de Manhattan atendendo a um acúmulo de negócios não pode exercer a profissão de antropólogo. Canta o poeta "a hora de azáfama da vida gloriosa". A hora do corretor não é apenas de azáfama, mas seus minutos e segundos se apinham, agarrados às alças, tanto na plataforma dianteira como na traseira.

Assim era o dia laborioso de Harvey Maxwell. O teletipo pôs-se a desenrolar espasmodicamente seus rolos de fita; o telefone de mesa teve um ataque crônico e não parou de tilintar. Gente começou a apinhar-se no escritório e a chamá-lo por sobre a grade divisória, jovial, ríspida, rancorosa, excitadamente. Mensageiros entravam e saiam com mensagens e telegramas. Os empregados do escritório pulavam de cá para lá como marujos durante uma tempestade. Mesmo o rosto de Pitcher exibia algo que lembrava vagamente animação.

Na Bolsa haviam furacões, avalanchas, nevascas, glaciares e vulcões, e essas perturbações dos elementos eram reproduzidas miniaturamente nos escritórios dos corretores. Maxwell empurrara a cadeira contra a parede e fazia negócios no estilo de um dançarino acrobático. Pulava do telefone para o teletipo, da mesa para a porta, com a agilidade adestrada de um arlequim.

Em meio a essa crescente e importante lufa-lufa, o corretor deu-se subitamente conta da presença de uma franja de cabelo dourado sob uma canópia oscilante de veludo e plumas de avestruz, de um casaco imitação de lontra, e de um colar de contas tão graúdas quanto nozes, que terminava perto do chão por um coração de prata. Havia uma senhorinha muito senhora de si ligada a esses acessórios, e Pitcher ali estava para explicá-la.

— Moça da Agência de Estenógrafas que veio saber do emprego — disse ele. 

Maxwell voltou-se com as mãos cheias de papéis e de fitas do teletipo.

– Que emprego? — perguntou, franzindo as sobrancelhas.

— Emprego de estenógrafa — respondeu Pitcher. — O senhor me disse ontem para telefonar à Agência e pedir que nos mandassem uma hoje de manhã. 

— Você está ficando doido, Pitcher — disse Maxwell. — Por que cargas d'água lhe daria eu tais instruções? Miss Leslie tem sido perfeitamente satisfatória durante o ano que está conosco, O emprego é dela enquanto ela quiser permanecer nele. Não há vagas aqui, minha senhora. Suspenda a ordem que deu à Agência, Pitcher, e não me traga mais nenhuma candidata aqui. 

O coração de prata deixou o escritório, balançando-se e colidindo, por conta própria, contra os móveis, à medida que dali se retirava. Pitcher aproveitou a oportunidade para observar ao guarda-livros que "o velho'' parecia tornar-se cada vez mais distraído e desmemoriado. O corre-corre e o ritmo dos negócios se tornava mais apressado e violento. Na Bolsa, estavam leiloando alguns lotes de ações das quais os clientes de Maxwell eram grandes investidores. Ordens de compra e venda iam e vinham tão celeremente quanto o voo de andorinhas. Alguns dos títulos do próprio Maxwell perigavam e ele trabalhava como uma máquina possante, delicada, de alta velocidade, retesada ao máximo, a todo vapor, precisa, sem hesitações, sempre com a palavra e a decisão adequadas, sempre pronta a agir com a exatidão de um relógio. Títulos e ações, empréstimos e hipotecas, margens e valores — era todo o mundo das finanças, e nele não havia lugar nem para o mundo humano nem para o mundo da natureza. 

Quando se aproximou a hora do almoço, houve uma leve estiagem na azáfama.

Maxwell ficou sentado à mesa, com as mãos cheias de telegramas e memorandos, uma caneta-tinteiro presa à orelha direita, o cabelo caindo-lhe em fios desordenados sobre a fronte. Sua janela estava aberta, pois a bem-amada zeladora, a Primavera, insuflara um pouco de calor nos registros despertos da Terra. E pela janela veio um odor vadio — talvez extraviado —, um odor delicado e doce de lilases, que imobilizou o corretor durante um momento. Pois esse odor pertencia a Miss Leslie: era dela, só dela. 

O odor a pôs vividamente, quase tangivelmente em presença de Maxwell. O mundo das finanças amesquinhou-se subitamente às proporções de um grão de poeira. E ela estava na sala ao lado, a vinte passos de distância,

— Por Deus, vou fazê-lo agora! — disse Maxwell, em voz audível. 

— Vou pedi-la agora mesmo. Por que será que não o fiz antes? 

Irrompeu no escritório interno com a pressa de um vendedor a descoberto em busca de cobertura. Investiu para a mesa da estenógrafa.

Ela olhou-o com um sorriso. Um rubor delicado coloriu-lhe as faces; seus olhos eram francos e doces. Maxwell apoiou um dos cotovelos à mesa. Tinha ainda ambas as mãos ocupadas com papéis, e a caneta continuava empoleirada sobre a sua orelha.

— Miss Leslie — começou, apressadamente. — Tenho apenas um instante disponível. Quero dizer-lhe algo nesse instante. Quer ser minha esposa? Não pude fazer-lhe a corte como se costuma fazer, mas eu a amo de verdade. Responda depressa, por favor. Aqueles sujeitos estão arrancando o tutano da Union Pacific.

– Oh! Que é que está dizendo? – exclamou a jovem. Pôs-se de pé e ficou a olhá-lo de olhos arregalados.

— Mas você não entende? — disse Maxwell, teimosamente. — Quero que se case comigo. Amo-a, Miss Leslie. Queria dizer-lhe isso e aproveitei este minuto que as coisas acalmaram um pouco. Estão-me chamando ao telefone agora. Diga-lhes que esperem um instante, Pitcher. Você não aceita, Miss Leslie?

A estenógrafa agiu de modo muito estranho. A princípio, pareceu atônita de surpresa; depois lágrimas começaram a correr-lhe de seus lindos olhos; por fim, sorriu entre elas, radiosamente, e passou o braço com ternura, pelo pescoço do corretor,

— Agora compreendo — disse, com voz carinhosa. — Foi esse velho negócio que durante algum tempo lhe varreu tudo o mais da cabeça. Fiquei com medo, no começo. Não se lembra, Harvey? Casamo-nos ontem à noite às 8 horas, na igrejinha da esquina.

Fonte> O. Henry. Caminhos do Destino. Contos. Publicado originalmente em 1909. 
Disponível em Domínio Público.

José Ouverney (Oceano de Trovas)


1
A "cara" do meu destino
vai na carteira, onde eu vou,
num retrato pequenino
que a saudade autografou!
2
A fé, rompendo caminhos
em passadas vigorosas,
põe perfume nos espinhos
e favos de mel nas rosas! 
3
Brigamos... e a solidão
desperta a minha revolta:
de que vale eu ter razão,
se ela não tem... mas não volta?
4
Cuidado, esposa e marido,
nessas brigas conjugais,
porque o casal sai ferido
e as crianças... muito mais!
5
De um homem não se questionam
os seus valores morais:
as paredes desmoronam
mas, a estrutura, jamais!
6
Duas culpas, um pecado
e um remorso a nos doer:
você – que escolheu errado;
eu – que nem pude escolher... 
7
Enquanto a Paz se cultua
dentro dos lares, com grade,
a violência, na rua,
dita leis à liberdade.

8
Era um ninho tão modesto
que, ao entrarmos, eu e ela,
a felicidade... e o resto...
saíram pela janela.
9
Expulsando a maquiagem,
a lágrima veio, pura,
e pousou sobre a mensagem,
no lugar da assinatura!...
10
Fugir, poeta, não queiras,
do que a vida preceitua:
teu destino é abrir fronteiras
e deixar que o sonho flua!
11
Há mentiras proferidas,
bem piores que punhais,
porque provocam feridas
que não se fecham jamais...
12
Havia tanto respeito
naquele beijo na testa,
que a paixão ficou sem jeito
e retirou-se da festa!
13
Já bêbado na balada,
viu uma saia xadrez,
e, ao persistir na “cantada”,
quase apanhou do escocês”!
14
"Mãe-Natureza"! – Eis o nome
de quem, em nome do amor,
gera o fruto e estanca a fome
do seu próprio predador!...
15
- Me empresta cem?  - Nem por alto!
- Vinte!  - Eu já disse: não tem!
- Passe a grana: isto é um assalto!
- OK, eu te empresto os cem!
16
“Nada de truque, safado,
que eu vi a vizinha à espreita!”
E ele, agora, interessado:
“a da esquerda...ou da direita?”
17
Não sei o que é mais chocante
numa explosão entre dois:
se são os gritos, durante,
ou é o silêncio depois...
18
Na varanda, ao rés do chão,
que simbiose perfeita:
a lua estende o colchão
e a fantasia se deita!
19
Na vida há instantes brutais,
gerados com tal crueza,
que eu não sei o que dói mais:
se é a dúvida... ou a certeza...
20
Nos teatros das calçadas,
"artistas" – que a dor consome –
exibem cenas ousadas
do frio abraçando a fome... 
21
No teatro da ilusão
minha tristeza, em cartaz,
vive o drama da paixão
que em três atos se desfaz...
22
No velório, que lambança:
o clima era tão festivo
que até o morto entrou na dança,
pensando que estava vivo!
23
Num desfile sensual
de muitas rosas vermelhas,
põe-se em festa o roseiral,
saudando o enxame de abelhas!
24
Num encontro inesperado
tudo voltou, de repente,
e os fantasmas do passado
invadiram meu presente...
25
Num rodeio o que me encanta
é a humildade do peão,
que nunca ao pódio se adianta
sem antes "beijar" o chão!
26
O tempo passa depressa
mas, quem diz que eu envelheço?
- cada olhar é uma promessa!
- cada espera... um recomeço!
27
Pendendo no quarto a rama
a roseira parecia
deslumbrada ao ver, na cama,
outra rosa... que dormia!
28
Poeta é um iluminado:
cantando as mágoas que tem,
torna o seu mundo encantado
e encanta o nosso também!
29
Quando se tem por escopo
o trabalho e a persistência,
marcar presença no topo
deixa de ser coincidência!
30
Quem de utopias precisa
para algum sonho alcançar?
Basta dar rédeas à brisa
e aprender a galopar!
31
Que mico: o cara, simplório,
até por falta de assunto,
pôs a contar, no velório,
anedotas de... defunto!
32
Renúncia nem sempre vem
nos causar medo ou vergonha;
só perde tudo que tem
quem renuncia ao que sonha!
33
Se brigamos, certamente
todos temos a perder;
quando a discórdia é a semente,
o que se pode colher???
34
Se já não sou, no salão,
teu par de todos os dias,
que eu seja ao menos o chão
onde a valsar rodopias!
35
Se o teu noivado vai mal,
é claro que isso me importa:
goteira no teu quintal
é "chuva na minha horta"!
36
Se somos vidas sozinhas,
não culpemos mais ninguém:
tu, prometeste e não tinhas;
eu... dei tudo e fiquei sem...
37
Uma porteira é o bastante
para eu lembrar de um menino
correndo atrás do berrante,
nas estradas de Ouro Fino!
38
Um buquê de romantismo
redesenhou o horizonte:
se a distância foi o abismo,
a saudade foi a ponte!
39
Um carro de bois chorão
 que eu vi passar, à distância,
 trouxe de volta o sertão
 que povoou minha infância!  
40
Velhice é um soturno porto
no qual eu passo meus dias
acenando, em desconforto,
para embarcações vazias...

Fontes:
Desenho do Trovador, por José Feldman

Contos Tradicionais Portugueses (A Princesa Carlota)

Havia um rei que era solteiro, e os conselheiros aconselhavam-no a que se casasse, para deixar sucessores ao trono. O rei era amigo de caçar, e sempre que saía passava defronte de uma cabana, onde morava um velho pastor e sua formosa filha, chamada Carlota. Um dia disse o rei ao pastor:

— Os meus vassalos querem que eu case, e tu és a única mulher de quem gosto. Queres casar comigo?

— Isso não pode ser, senhor, porque eu apenas sou uma pobre pastora.

— Mesmo assim, caso contigo; mas com uma condição, de nunca me contrariares nos meus desejos, por menos razoáveis que sejam.

— Estou por tudo que Vossa Majestade me ordenar.

Realizou-se o casamento. O rei mandou para a cabana do pobre velho fatos de rainha, que ela vestiu, largando os seus trapinhos. Então, disse-lhe o velho pai:

— Guarda esses trapinhos para quando te sejam precisos.

A filha guardou os trapos em uma caixa, que deixou em poder do pai, e partiu para o palácio.

Ao fim de nove meses deu à luz uma menina, tão formosa como sua mãe. Passados três dias entrou o rei no quarto da esposa e disse-lhe:

— Trago-te uma triste notícia: os meus vassalos querem que eu mande matar a nossa filha, porque não se conformam ser um dia governados pela filha de uma pastora.

— Vossa Majestade manda, e cumpre-me obedecer, respondeu a rainha, quase a saltarem-lhe as lágrimas dos olhos. O rei recebeu a menina e entregou-a a um conselheiro. 

Tempos depois teve a rainha um filho, que o rei mandou igualmente matar sob o mesmo pretexto.

Alguns anos depois entrou o rei muito apoquentado no quarto da esposa e disse-lhe:

— Vou dar-te uma notícia, de todas a mais triste, os meus vassalos estão indignados comigo; não querem que estejas em lugar de rainha, e dizem-me que te expulse do palácio. Por isso, querida Carlota, prepara-te, que tens de voltar para a cabana de teu pai.

— Não se apoquente, Real Senhor, estou pronta a obedecer. Parto já.

— Tens que despir os fatos de rainha.

— É o que já vou fazer.

E a rainha despiu todo o fato ficando em camisa.

— Não dispo a camisa, porque encobre o ventre onde estiveram guardados os nossos filhos. - Disse a rainha.

O rei nada teve que objetar. Estava o velho pastor à porta, quando viu aproximar-se a filha. Recolheu-lhe logo para dentro, tirou da caixa os antigos trapinhos e levou-os à filha para que os vestisse. Ela vestiu-os sem proferir um queixume. 

Continuou na antiga vida de pastora. Para ela a sua vida de rainha fora apenas um sonho; lembrava-se muito dos seus filhos e para estes eram todas as suas saudades. 

Passados anos voltou o rei à casa de Carlota, e disse-lhe que os vassalos instavam com ele, que casasse, e por isso tinha resolvido casar com uma formosa princesa de quinze anos.

— Efetivamente, respondeu a pastora, um rei bom como Vossa Majestade merece ter uma descendência que lhe perpetue o nome.

— Venho pedir-te o favor de voltares ao palácio para dirigires as criadas de cozinha. Bem sabes que a princesa há de ser acompanhada por fidalgos, e vem igualmente com seu irmão mais novo; quero, portanto, servi-los com lauta mesa.

— Estou pronta, logo que Vossa Majestade ordenar.

— Chegam amanhã. Deves ir hoje para o palácio.

Carlota foi, vestindo um pobre vestido de chita com que costumava ir à igreja. 

No dia seguinte, chegou a noiva e o irmão, com outros fidalgos, e houve à sua chegada grandes festejos. 

Carlota estava governando na cozinha e aí a foi o rei encontrar.

— Não vens ver a minha noiva?

— Estou esperando quem me substitua aqui, enquanto vou e volto.

Chegou então uma cozinheira, e Carlota foi cumprimentar a noiva.

— É muito linda! disse Carlota, beijando a mão da noiva: Deus conserve muitos anos a sua preciosa saúde. É digna do rei que vai receber por seu marido.

A menina ficou perplexa. Então o rei ajoelhou-se em frente de Carlota, e disse:

— Olha que são os nosso filhos. Quis experimentar o teu coração: és uma pastora que vale mil rainhas.

Houve então mil abraços e beijos, de parte a parte. O rei mandara os filhos para casa de uma tia, que os educava como príncipes que eram, em vez de os mandar matar como tinha firmado à rainha.

Hinos de Cidades Brasileiras (Pindamonhangaba/SP)


Compositor: Dr. João Marcondes de Moura

Salve! Ó terra querida!
Paraíso terreal,
Onde tudo tem mais vida !
Salve! Ó terra natal

Nos corações dos teus filhos
Não se apagarão jamais,
Tradições que nos orgulham
Contadas por nossos pais.

Salve! Ó terra querida!

Encantadora paragem,
Linda, Formosa, sem par!
Das belas plagas brasílias
O mais formoso lugar.

Salve! Ó terra querida!

Céu azul estrelado,
Vargens cobertas de flores,
Prados de eterna verdura
Mil encantos, mil primores!

Salve! Ó terra querida!

A beijar-te o Paraíba
Em curvaturas tamanhas!
Um sol que doira a existência,
Doira vales e montanhas!

Salve! Ó terra querida!

Tesouro tão precioso
Das mãos de Deus recebido
Pelas mãos cruéis do tempo
Nunca será destruído.

Salve! Ó terra querida!

Nas ricas terras paulistas,
Todos te invejam a sorte,
Por todo o mundo aclamada
Gentil "Princesa do Norte”

 Salve! Ó terra querida!

Abbie Phillips Walker (Asas Douradas De Nim-Nim)

Certa vez, havia uma pequena fada chamada Nim-nim que causou mais problemas e preocupações à Rainha do que todas as outras fadas juntas. Nim-nim nunca ganhou suas asas douradas e ela era uma fada há muito tempo.

Para ganhar suas asas de ouro, todas as pequenas fadas tiveram que fazer algo que sua Rainha considerava digna de usar asas de ouro. Até então, as pequenas fadas podiam carregar uma varinha e fazer coisas mágicas, mas não podiam ter asas até que as ganhassem.

Noite após noite, a Rainha esperava que Nim-nim ganhasse suas asas, e todas as noites ela dava a mesma resposta. “Não consigo encontrar nada para fazer, minha Rainha. Embora eu procure em todos os lugares, parece não haver mais nada para mim. Receio nunca poder usar asas douradas como minhas irmãs.

“Mas certamente deve haver boas ações a serem feitas no mundo”, disse a Rainha. “Tenho certeza de que você poderia encontrar muito o que fazer se tentasse, Nim-nim.”

“Oh, mas, minha Rainha, garanto-lhe que procuro em todos os lugares, e em nenhum lugar posso encontrar algo que valha a pena fazer”, disse Nim-nim.

“Eu irei com você amanhã à noite,” disse a Rainha. “Acho que sei onde está o problema com você, Nim-nim.”

Na noite seguinte, quando as fadas saíram em sua missão de boas ações, a Rainha foi com Nim-nim, seguindo logo atrás. Elas foram embora pelas florestas e prados, e finalmente Nim-nim voltou-se para sua Rainha e disse: “Veja, minha Rainha, eu estava certa; não há mais nada para eu fazer que valha a pena. Eu nunca vou ganhar minhas asas.”

“Venha comigo,” disse a Rainha, liderando o caminho. Desta vez, elas se afastaram dos verdes prados, árvores e colinas e foram para a cidade, para as ruelas onde a tristeza e o sofrimento abundavam.

Então a Rainha disse a Nim-nim para olhar em volta, mas mesmo assim Nim-nim continuou; ela não parou para fazer nenhuma ação gentil.

“Não há nada aqui para eu fazer,” disse Nim-nim finalmente. “Minhas asas douradas não podem ser conquistadas; não há trabalho para mim”.

“Aqui nesta pobre casa mora um garotinho aleijado”, disse a Rainha. “Você não poderia encontrar atos de bondade para fazer aqui? Tire suas muletas e toque com sua varinha suas pernas tortas e endireite-as.

“E aqui mora a velha Martha, a mulher-maçã, que tem reumatismo em seus velhos ossos. Você não poderia tocar sua varinha nas costas dela e fazer a dor ir embora?

“E aqui está a pequena florista, cujas flores murcham antes que ela possa vendê-las. Você não poderia tocar as flores murchas com sua varinha mágica e fazer com que elas exalem seu perfume e coloquem vida em suas pétalas?”

Nim-nim ouviu sua Rainha, e então ela disse, “Mas, minha Rainha, certamente asas douradas não podem ser ganhas trabalhando em lugares tão pobres e humildes como estes. Devo fazer grandes feitos e salvar a filha de um rei ou fazer algum feito real, tenho certeza, antes de ganhar lindas asas douradas como as que minhas irmãs usam.

“Não pense que esses serão atos de baixo grau”, disse a Rainha. “As asas mais brilhantes são conquistadas pelos atos mais humildes, como você os chama. Nim-nim, você procurou apenas no palácio por seu trabalho. Asas douradas não são facilmente conquistadas, como você diz, mas se você estiver disposta a fazer o trabalho que encontra aqui, logo terá um par de asas que ofuscará todas as outras. Deixe-me ver se você é digna de usá-las.

Lá se foi a Rainha, deixando Nim-nim sozinha com o trabalho que ela não queria fazer. “Que glória pode haver em ajudar essas pobres criaturas?” ela pensou. “Mas eu devo ter minhas asas, então tentarei fazer o que a Rainha deseja.”

Demorou mais de uma noite para Nim-nim fazer todo o trabalho que ela encontrou na rua da tristeza e sofrimento, mas logo ela ficou tão feliz em fazer o bem e ver a felicidade que ela poderia dar que ela se esqueceu completamente das asas douradas para que ela estava trabalhando.

Uma noite, a Rainha chamou Nim-nim. “Você ganhou as asas douradas,” ela disse a ela, tocando-a com sua varinha, e o pequeno vale onde elas estavam ficou brilhante como com a luz do sol.

“Oh, o que é que brilha tanto?” perguntou Nim-nim.

“Suas asas douradas, minha querida,” disse a Rainha com um sorriso. “Suas boas ações as poliram até que ficassem tão brilhantes quanto o sol.”

Nim-nim agradeceu à Rainha e voou para seu trabalho com o pensamento de que ela nunca deixaria suas asas escurecerem por negligenciar as ações de bondade que ela poderia fazer, não importa onde as encontrasse.

Fonte> Abbie Phillips Walker (EUA, 1867 - 1951). Contos para crianças. 
Disponível em Domínio Público.

domingo, 28 de abril de 2024

Almanaque Baú de Trovas n. 2


Mais um número do Almanaque “Baú de Trovas”, em pdf. 

Em suas 45 páginas:

– Trovas de trovadores de diversos recantos;

– Na Tertúlia da Saudade, trovas e mini biografia de Dorothy Jansson Moretti;

– Trovas humorísticas de José Fabiano;

– Continuação da Didática da Trova, de Nilton Manoel;

– O Almanaque se encerra com Destaque ao Magnífico Trovador de Pindamonhangaba/SP, José Ouverney, com trovas e uma mini biografia.
 

Você pode baixar no link

sábado, 27 de abril de 2024

Varal de Trovas n. 599

 

Mensagem na Garrafa = 114 =

Clarice Lispector
Chechelnyk/Ucrânia, 1920 – 1977, Rio de Janeiro/RJ

SOBRE ESCREVER

Às vezes tenho a impressão de que escrevo por simples curiosidade intensa. É que, ao escrever, eu me dou as mais inesperadas surpresas. É na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconsciente, eu antes não sabia que sabia.

Fala-se da dificuldade entre a forma e o conteúdo, em matéria de escrever; até se diz: o conteúdo é bom, mas a forma não, etc. Mas, por Deus, o problema é que não há de um lado um conteúdo, e de outro, a forma. Assim seria fácil: seria como relatar através de uma forma o que já existisse livre, o conteúdo. Mas a luta entre a forma e o conteúdo está no próprio pensamento: o conteúdo luta para se formar. Para falar a verdade, não se pode pensar num conteúdo sem sua forma. Só a intuição toca na verdade sem precisar nem de conteúdo nem de forma. A intuição é a funda reflexão inconsciente que prescinde de forma enquanto ela própria, antes de subir à tona, se trabalha. Parece-me que a forma já aparece quando o ser todo está com conteúdo maduro, já que se quer dividir o pensar ou escrever em duas fases. A dificuldade de forma está no próprio constituir-se do conteúdo, no próprio pensar ou sentir, que não saberiam existir sem sua forma adequada e às vezes única.

(Clarice Lispector. A Descoberta do Mundo. Publicado originalmente em 1967)

Recordando Velhas Canções (Pra não dizer que não falei das flores)


Compositor: Geraldo Vandré

Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não

Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Caminhando e cantando
E seguindo a canção

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Pelos campos, há fome
Em grandes plantações
Pelas ruas, marchando
Indecisos cordões

Ainda fazem da flor
Seu mais forte refrão
E acreditam nas flores
Vencendo o canhão

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Há soldados armados
Amados ou não
Quase todos perdidos
De armas na mão

Nos quartéis lhes ensinam
Uma antiga lição
De morrer pela pátria
E viver sem razão

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Somos todos soldados
Armados ou não

Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não

Os amores na mente
As flores no chão
A certeza na frente
A história na mão

Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Aprendendo e ensinando
Uma nova lição

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer
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A Voz da Resistência em 'Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores'
A música 'Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores', também conhecida como 'Caminhando', é uma das mais emblemáticas composições de Geraldo Vandré e um símbolo da resistência contra a ditadura militar no Brasil (1964-1985). Lançada em 1968, em pleno auge do regime autoritário, a canção se tornou um hino de protesto e esperança para uma geração que clamava por liberdade e democracia.

A letra da música é um convite à ação e à união. 'Caminhando e cantando e seguindo a canção' sugere um movimento coletivo de marcha, onde a música é o elo que une as pessoas na luta por um objetivo comum. A frase 'Quem sabe faz a hora, não espera acontecer' é um chamado à proatividade, incentivando os ouvintes a serem agentes de mudança em vez de meros espectadores da história. A referência às 'flores vencendo o canhão' é uma metáfora poderosa da não-violência e da força simbólica da resistência pacífica em contraste com a brutalidade das armas.

A canção também aborda a alienação dos soldados ('Há soldados armados, amados ou não, quase todos perdidos, de armas na mão'), que são ensinados a morrer pela pátria sem questionar o porquê, refletindo a crítica ao nacionalismo exacerbado e à manipulação dos militares. 'Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores' é, portanto, um marco da música de protesto brasileira, que transcendeu seu tempo e continua a ser um lembrete da importância da luta por direitos e liberdades fundamentais.

Carolina Ramos (Página Aberta)

Fruto de terna conversa, nasceu este conto não alheio à temática, porque envolve, como veículo de abertura, um casal de cães. A tal conversa aconteceu entre mãe e filha. A primeira redige estas linhas e, a segunda, na história por ela relatada, aparece, simplesmente, como: - "a moça dos cachorrinhos".

Mais realidade do que ficção, o conto leva o nome de "Página Aberta", que outra coisa não é, uma vez que, à mercê do imprevisível, as reticências substituem com maior propriedade o que deveria ser um ponto final.

PÁGINA ABERTA
(inspirado na narrativa da "moça dos cachorrinhos")

O céu, encapotado de cinza, ranzinzava um trovão, com cara de poucos amigos.

Juvenal desviou os olhos do mar e fixou-os nas nuvens carrancudas, a pressentir ser hora de voltar para casa. Não tinha relógio, mas vários indícios à sua volta mediam o tempo com precisão. Deveriam ser quase seis da tarde, afirmava o rabo-de-cavalo a pendular de lá para cá, ao ritmo dos passos da moça que "pastoreava" os dois cãezinhos sortudos, resgatados da rua pelo bom coração da futura dona. Dois cãezinhos bastante simpáticos – brancos, com manchas negras espalhadas pelo corpo – incontestável RG de "viralatice" explícita. Pedigree de ambos: - cão vaquinha ou paulistinha. Origem: - uma rua qualquer.

Ela: - Teca, a cadelinha - Olhos expressivos, baixinha, gordinha, meiguinha, merecedora de todos os inhas possíveis, de fato e de direito

Ele: - Nino, mais alto, mais magro, sempre tenso, sempre alerta, resmunguento, pouco afeito a carinhos - dentes pontiagudos, prontos a demonstrar a preferência pelas canelas de alguém surpreendido em descuido.

- Vale a digressão, porque Juvenal já conversara com a "moça dos cachorrinhos", por várias vezes, chegando mesmo a confidenciar-lhe algumas passagens de sua vida, tendo, também, oportunidade de conhecer de perto a história do festejado casal canino.

Naquela tarde, embora conhecendo o mau humor do Nino, Juvenal sentia, mais do que nunca, a necessidade de trocar ideias com alguém sensível. Precisava partilhar com a outrem a festa interior que o envolvia. A moça era receptiva. Aproximou-se dela.

" 0i! O Nino, hoje, ainda não atacou nenhum calcanhar? - A "moça dos cachorrinhos" sorriu: - Hoje ele está em paz com o mundo! A briga é com ele mesmo. Tomou banho com shampoo perfumado e perdeu as referências. Estranha o próprio cheiro! Por isso, está quieto, confuso... indiferente a quem passa.

Só então a moça prestou mais atenção no homem que, naquele dia, demonstrava apuro incomum - cabelos penteados, barba feita... e um brilho especial no olhar.

- E o senhor... como vai?

- Menina... amanhã vou ter um encontro muito importante! O mais importante encontro de toda minha vida!

- Soraya?!

- Isso mesmo, Soraya... a mulher da minha vida!

Nos encontros anteriores o nome Soraya já se fizera familiar. Para a "moça dos cachorrinhos", era nome bastante significativo. Sabia bem o que ele representava para aquele homem tenso, de emoções à flor da pele e de consciência pesada. Alguém que já lhe dera acesso espontâneo ao "site" de sua vida, onde estavam inclusos o casamento com Soraya, a felicidade curtida por algum tempo e, aquela separação absurda, que já se prolongava por, nada mais nada menos, que trinta e cinco longos anos!

Naquela infeliz tarde, distante e inexplicável, depois de uma rusga banal, tão comum entre pessoas que se querem bem, ele, homem impulsivo, num rompante, passara a mão nos pertences e deixara tudo para atrás! E, nesse tudo, incluía-se "a mulher da sua vida".

Juvenal fora cruel com Soraya e, mais ainda, consigo mesmo. Tão logo chegado o arrependimento, chegaram também o pudor e o medo do retorno. Como seria recebido? Teria direito ao perdão? Como reagiria a esposa, a sua "moleca", agora talvez de cabelos brancos? E os familiares?! Seria aceito?!

- Retorno abortado! - O que, sem mais palavras, explicam os trinta e cinco anos de separação.

Nesse meio tempo, muitas mulheres haviam tentado ocupar o lugar de Soraya no coração daquele homem arrependido, sem o conseguirem. Celeste até que chegou perto, mas, logo fora chamada à pátria que o próprio nome insinuava.

Uma vez mais, Juvenal resvalara para o abismo. Aos poucos, seus parcos valores se diluíram. Deu de beber. Bebeu muito! Degradou-se. Para quem se entrega a qualquer vício, o caminho da descida é por demais conhecido e bastante escorregadio. Desceu degrau por degrau. Perdeu o emprego, perdeu os documentos, perdeu os amigos e a própria identidade.

Chegara à mendicância! Só não conseguira ser desonesto! Seu anjo da guarda não estava de todo adormecido, salvara-o dessa fase terrível, por meio de uma bondosa assistente social, que não só lhe pôs os papéis em dia como lhe conseguiu até uma aposentadoria - modesta, mas suficiente para que recuperasse a dignidade. E ele - que em sua mocidade colecionara troféus conquistados no esporte em algumas maratonas - voltara, afinal, a acertar o passo.

Foi quando Soraya, a esposa abandonada, na impossibilidade de vender a casa, sem a assinatura do marido fujão, acabara por descobri-lo, após tantos anos de tenaz procura.

O primeiro encontro estava para acontecer no dia imediato.

A "moça dos cachorrinhos" entendeu, num relance, o tamanho da emoção e do conflito interior daquele homem inseguro, temente do que estava por vir e que ele era incapaz de adivinhar.

Uma semana depois, viriam à tona os pormenores daquele encontro.

Juvenal chegara ao endereço que o aguardava, mal contendo o nervosismo.

Ao toque da campainha, a porta fora aberta por uma mulher de mela idade, bonita ainda, cabelos tintos, ligeiramente aloirados e com aqueles olhos, meigos e tristes, que Juvenal tão bem conhecia.

Olhos tristes, sim... contudo, não acusadores. No instante em que os dois se fitaram, a ternura do olhar daquela mulher casou-se com a ansiedade do olhar recém-chegado.

- Jú! - murmurou ela, quase num sussurro.

- Soraya... Soraya, minha moleca!

Apesar da mútua ternura, Soraya evitou o beijo. Fugiu a contatos mais íntimos e deixou Juvenal cheio de grilos, sentindo-se rejeitado, apesar do bom acolhimento por parte da família.

Ao final do dia, após muita insistência e rejeição, a verdade veio à tona sob a forma de tristíssima revelação: - foi-lhe apresentado o resultado de um exame de laboratório. Em resumo; Soraya contraíra Aids mercê de um curto relacionamento. O parceiro unira-se a ela sem saber do mal que portava. Falecera há dois anos. Fato consumado!

Soraya botou para fora o drama do qual era protagonista, como um vulcão que vomitasse as próprias entranhas. Sentia a felicidade escapar-lhe novamente das mãos, como água a fugir-lhe por entre os dedos.

E as cinzas e lavas candentes, desse vulcão reativado, desabaram com violência sobre a alma aturdida daquele homem sacudido pelos soluços.

Juvenal acovardou-se. Não sabia o que dizer, nem tampouco o que pensar. Uniu suas lágrimas às de Soraya e, como bom desportista, acabou por pedir tempo. Precisava pensar! Pensar profundamente, longe de tudo e de todos... Antes de qualquer resolução!

Quinze dias bastaram para que aquele homem se decidisse:

- Por motivo algum, renunciaria ao amor de Soraya pela segunda vez! A ciência, evoluindo a cada dia... Os recursos multiplicando-se com ela... Deveria haver uma solução! A curto ou a longo prazo... deveria, sim! Mas... que espera duvidosa e cruel!

- Para aquele homem, contudo, uma coisa era absolutamente certa; - Sem dúvida alguma, queria a sua "moleca" de volta! A qualquer preço! Fosse como fosse! Para o que desse e viesse... e até que a morte os separasse! Igual ao que haviam prometido, num certo dia, à frente ao altar!

Mal ou bem, Juvenal escrevera a história de sua vida. Chegava, agora, ao capítulo decisivo!

As últimas e definitivas linhas deste relato ficam em branco... a serem completadas pelo próprio destino.

Deus pingará o ponto final na derradeira página. E a Sua misericórdia, então, a assinará…

Fonte> Carolina Ramos. Meus Bichos, Bichinhos e… Bichanos. Santos/SP: Ed. da Autora, 2023. Enviado pela autora.