segunda-feira, 8 de julho de 2024

Vereda da Poesia = 55 =


Trova Humorística de São Paulo/SP

RENATA PACCOLA

Ao deitar na rede, o Guido
morreu de uma forma tétrica,
porque, de tão distraído,
deitara na rede elétrica!
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Poema de Lisboa/Portugal

ANTERO JERÓNIMO

Amigo

É a verdade nua,
tantas vezes vertida na lágrima da palavra
que a mentira piedosa não conforta.

É o abraço fidedigno
estreitado no lamento das árduas horas
na improbabilidade da chegada.

É o doce afago,
que no coração não cansa
quando a distância não alcança.

É a incondicional compreensão
que as aparências não julga,
os erros não condena.

É o olhar cuidado
raio de sol cintilante,
que o tempo não ofusca.

É a saudade perene,
rosto que não se esvanece de ausência.
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Aldravia de Porto Alegre/RS

MADAGLOR DE OLIVEIRA
(Maria da Glória Jesus de Oliveira)

rutila
seduz
olhos
de
mar
menina
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Soneto de Santos/SP

CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

Mocidade

Lindo tempo o do sonho e da vontade!
Sem palavra, sequer, que bem o exprima,
o pensamento a erguer-se bem acima
da montanha da vida em claridade!

Tempo feliz da nossa mocidade
que a luz do amor e da ilusão sublima,
quando tudo nos prende e nos anima
ao fio e à teia da felicidade!

Não há quem não conheça, e, conhecendo,
não dê tudo de si para que nunca
deste tempo de paz vá se esquecendo.

Mágoas? Feliz de quem puder vencê-las,
e ver que a mão de alguém seus passos junca
de pérolas, de rosas e de estrelas!
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Trova Premiada em Campos dos Goytacazes/RJ, 1963

CORIOLANO HENRIQUES DA SILVA CAMPOS 
Maringá/PR

- O que tens, minha netinha,
com este choro profundo?
- Morreu a sua filhinha...
E eu perdi tudo no mundo...
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Poema do Rio de Janeiro/RJ

NÉLIO CHIMENTO

O cão não distingue cores
Mas percebe suas dores
Não sabe o seu salário
Não se importa se você é letrado
Ou se não conhece o dicionário 

É bálsamo que acalma
Que não trata com indiferença
As angústias de sua alma
Nos momentos de aflição

Não tem malícia nem dissimulação
Apenas amor no coração
Recebe sempre com gratidão
O que lhe é oferecido
Seja um alimento enriquecido
Ou apenas um pedaço de pão

Não importa se tem casa bonita
Ou vagueia pela avenida
Sua amizade é infinita
E sua "alma" por Deus bendita

O cão não magoa, não se ofende
Não te abandona por nada
Enfrenta qualquer parada
Na doença, no frio, na solidão...
Com a alegria sincera
De quem te ama de paixão

Um cão, ainda que combalido
Não te deixará desprotegido
Diante de qualquer perigo
Dizem que o amor não tem definição

Discordo, tem sim!
O amor se chama CÃO!
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Trova Popular

Quem tem amores não dorme,
nem de noite, nem de dia;
dá tantas voltas na cama,
como o peixe na água fria.
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Poema de Avaré/SP

ANTONIO CASTILHO

Trabalhar 

Olhando pela janela
Ouço os pássaros cantar
O sol se por
E vejo a lua brilhar

Depois de tantos anos
Só agora venho apreciar
Depois dos cabelos branco 
e da pele enrugar
De tanto trabalhar

Eu não pensava em nada
Não passeava muito menos ia viajar
Só queria ganhar dinheiro
Pra depois sossegar

Mas fiquei velho
Não vi o tempo passar
Hoje vivo no asilo, numa cama
Pois não posso mais andar

Nem família tenho pra me visitar
Nem filho pra me amparar
Amigos, tive pouco
E hoje não sei onde esta

Pra que tanto dinheiro
Se não tenho a onde gastar
De que me valeu trabalhar tanto
Se a juventude que perdi
O meu dinheiro não dá para comprar
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Trova do Paraná

HELENA KOLODY
Cruz Machado/PR (1912 – 2004) Curitiba/PR

Para muitos a ventura
é clarão que vem e passa, 
um sorriso que não dura,
um reflexo na vidraça.
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Poema de Curitiba/PR

ATÍLIO ANDRADE

Flores

Flores que enfeitam
O inverno que não vêm
Brancas, azuis, vermelhas tem
A beleza e o perfume  que encantam...
O soprar do vento une
O gosto das fragrâncias
No cheiro das distâncias
Que afogam no perfume
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Haicai de Curitiba/PR

VANICE ZIMERMAN FERREIRA

névoa de inverno -
manhãs em tons de gris
oculta o telhado
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Soneto de São Paulo/SP

CIDOCA DA SILVA VELHO
São Luís do Paratinga/SP, 1920 – 2015, Jundiaí/SP

Poente da vida

É impossível voltar ao tempo antigo,
com tudo começando novamente!
Mesmo assim, quero ser o teu abrigo,
nesta fase da vida de sol poente!

Quantas horas perdemos, meu amigo,
na escalada dos tempos, tristemente!
E passou a ilusão que hoje eu bendigo,
por ver-te em minha estrada, frente a frente.

Foge do vento frio dos caminhos!
Escondido nos galhos farfalhantes,
vê quanto amor existe pelos ninhos.

Há de florir em versos palpitantes
o nosso amor, só feito de carinhos,
num turbilhão de rimas delirantes...
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Quadra Humorística de São Paulo/SP

IDEL BECKER
Porto Casares/Argentina, 1910 – 1994, São Paulo/SP

O amor dum estudante
não dura mais que uma hora:
toca o sino, vai pra aula,
vêm as férias, vai-se embora.
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Poema de Castro/PR

MARIA ANTONIETA GONZAGA TEIXEIRA

Viver de Sonhos

Viver de sonhos
é alegrar-se com os detalhes,
é perambular pelas ruas
e voar pelos ares.
Viver de sonhos
é caminhar nos campos,
apreciar ao vento
madeixas sem grampos.
Viver de sonhos
é ser gente
que vislumbra o mundo
e vive contente.
Viver de sonhos
é ser caminhante,
amante da vida,
de sonho errante.
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Aldravia de Belo Horizonte/MG

MARZO SETTE TORRES

tantos
falsos
deuses
tantos
descrentes
fazem
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

COLBERT RANGEL COELHO
Pitangui/MG, 1925 - 1975, Rio de Janeiro/RJ

O luar de minha terra

Neste luar de minha terra vejo
matizes de saudade pelo espaço,
na evocação do meu primeiro beijo,
na timidez do meu primeiro abraço.

Este luar desperta meu desejo
e volto à juventude; e, passo a passo,
eis-me à beira do cais, no rumorejo
de um passado feliz que eu mesmo traço.

À tua espera, minha grande ausente,
pelo facho de luz que vem da serra,
vejo que surges como antigamente.

E, quando surges, neste mesmo cais,
revivem no luar de minha terra
noites distantes que não voltam mais.
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Trova Premiada em Campos dos Goytacazes/RJ, 1963

LILINHA FERNANDES
Rio de Janeiro/RJ, 1891 – 1981

- Sábio, na vida tão rude,
quem te dá força? - A oração.
- Quem te dirige? - A virtude.
- Quem é teu mestre? - A razão.
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Poema de Curitiba/PR

DANIEL MAURÍCIO

Ela
Era onda de alegria.
Ia
Ria...
Até no bater do peito 
Pois sabia que de outro jeito,
Era um quase nada,
Espumas,
Era um recuar de maré.
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Haicai de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Vinha quente o tempo.
De repente vira o vento,
volte o vinho então.
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Spina de São Paulo/SP

SOLANGE COLOMBARA

O medo 

Sucinto, te sinto
às vezes silente
em raro decanto

ou pressinto teu mavioso canto.
Um instinto quase animal revela
teu êxtase, em peculiar encanto.
Escorres por minhas frestas em
ecos, és o labirinto sacrossanto.
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Trova sobre Casamento de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

Quem busca noiva, é preciso
que tome muito cuidado;
procure uma de bom siso,
pra não terminar "ornado"!
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Hino de Castro/PR

Compositora: Hilda Koller

De pequena freguesia
e pousada de tropeiro
se elevou a vila um dia
pelos bravos pioneiros.

Já cidade em belo trilho
no mérito das conquistas
exaltou com grande brilho
a alma dos seus artistas

Castro, cidade alegria
orgulho e prazer nos dá
Castro, cidade poesia
jardim do meu Paraná.

Engastada em verde mata
e traçada em linhas retas
quando em flores se desata
como inspira seus poetas.

Tem recanto de turismo,
tem belezas naturais,
tem poesia e tem lirismo
e tem lindos pinheirais.
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Castro: A Poesia e Orgulho do Paraná
A música 'Hino de Castro - PR' celebra a história e as belezas naturais da cidade de Castro, localizada no estado do Paraná. A letra começa destacando a origem humilde da cidade, que começou como uma pequena freguesia e pousada de tropeiros. Esses tropeiros eram responsáveis pelo transporte de gado e mercadorias, e a cidade se desenvolveu graças ao esforço e coragem dos pioneiros que a elevaram ao status de vila.

O hino continua exaltando as conquistas da cidade, que se transformou em uma bela cidade, reconhecida pelo mérito de suas realizações. A letra destaca a importância dos artistas locais, cuja alma e talento contribuíram para o brilho e a cultura de Castro. A cidade é descrita como um lugar de alegria, orgulho e prazer, sendo um verdadeiro jardim no estado do Paraná.

A música também enfatiza a beleza natural de Castro, mencionando suas matas verdes, linhas retas e flores que inspiram poetas. A cidade é apresentada como um recanto de turismo, com belezas naturais, poesia, lirismo e lindos pinheirais. A letra do hino é uma ode à cidade, celebrando sua história, cultura e paisagens deslumbrantes, e reforçando o sentimento de orgulho e pertencimento dos seus habitantes. https://www.letras.mus.br/hinos-de-cidades/942236/ 
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Poetrix de Criciúma/SC

ODETE RONCHI BALTAZAR

Outono

As árvores, nuas,
exibem silhuetas
de provocar inveja.
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

ELTON CARVALHO
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1994

Lavrador

Nem bem surgiu o rubro da alvorada,
nem bem a noite se aquietou no monte,
já vai o lavrador levando a enxada
e se perde nos longes do horizonte.

E, após uma exaustiva caminhada,
antes mesmo, sequer, que o sol desponte,
rega a terra querida e abençoada
o suor que lhe escorre pela fronte!

Os que tratam da terra todo o dia
e fazem do trabalho uma alegria
têm a chama divina dos heróis.

Há centelhas de luz nos seus destinos:
lavradores são deuses pequeninos
que, da terra e do nada, criam sóis!
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Trova de Brusque/SC

ARTHUR EDUARDO PEREIRA

Quando há segredo de amores,
como envelopes lacrados,
se abertos são como flores
e eternos, quando fechados.
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

O financeiro e o remendão

O remendão cantava noite e dia,
Era um gosto escutá-lo!
Feliz em sua pobreza, parecia
Um nababo nadando em opulência.

Seu vizinho não tinha igual regalo,
Nem quieto repouso.
Apesar da riqueza, a consciência
Trazia-o cuidadoso.

Era um grão financeiro o tal vizinho;
Vivia maldizendo a Providência
Por não ter feito o sono e a alegria
Uma mercadoria
Que se comprasse como o pão e o vinho.

Se às vezes dormitava,
Do remendão o canto o acordava!

Fê-lo ir à sua casa o financeiro
E perguntou-lhe: «Ó mestre, quanto ganha
Você num ano inteiro?

— Não posso calcular conta tamanha...
Tantos santos há hoje na folhinha
Causando feriados,
Que não ouso dizer, por vida minha,
Minha renda anual... Alguns cruzados.

Para não morrer de fome chega apenas
O que faço por dia,
Miserando salário,
Após muito trabalho, rudes penas!...

— Pois toma esta quantia,
Retruca o milionário,
Quero dar-te a fartura.
Não mais trabalharás em tua vida.»
E entregou-lhe uma bolsa bem sortida.

Foi às nuvens o pobre sapateiro!
Julgou-se logo o dono
De todo o ouro da terra!
Apressado correu ao seu telheiro,
Aonde esconde e enterra
Não só o ouro... a alegria e o sono!

Adeus, ledas cantigas!
Qualquer ruído o põe em sobressalto;
Se dorme, escuta vozes inimigas,
E treme até do leve andar do gato!

O mísero maldiz do seu contrato,
E prestes o desfaz;
Vai ter com o financeiro,
Que tranquilo dormia,
E diz-lhe: «Aqui tem o seu dinheiro,
Guarde-o, eu guardarei a cantoria,
E o meu dormir em paz!»

(tradução: Joaquim Serra)
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Colaborações: gralha1954@gmail.com

Recordando Velhas Canções (A jangada voltou só)


Compositor: Dorival Caymmi

A jangada saiu
Com Chico Ferreira e Bento
A jangada voltou só
Com certeza foi lá fora, 
algum pé de vento
A jangada voltou só...

Chico era o boi do rancho
Nas festa de Natá
Chico era o boi do rancho
Nas festa de Natá
Não se ensaiava o rancho
Sem com Chico se contá
E agora que não tem Chico
Que graça é que pode ter
Se Chico foi na jangada...
E a jangada voltou só... 
a jangada saiu
Com Chico Ferreira e Bento
A jangada voltou só
Com certeza foi lá fora, 
algum pé de vento
A jangada voltou só...

Bento cantando modas 
Muita figura fez
Bento tinha bom peito
E pra cantar não tinha vez
Bento cantando modas 
Muita figura fez
Bento tinha bom peito
E pra cantar não tinha vez

As moça de Jaguaripe
Choraram de fazê dó
Seu Bento foi na jangada
E a jangada voltou só
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A Tragédia do Mar em 'A Jangada Voltou Só' de Dorival Caymmi
A música 'A Jangada Voltou Só', de Dorival Caymmi, é uma narrativa poética e melancólica que retrata a tragédia de pescadores que não retornam do mar. A letra começa descrevendo a partida da jangada com Chico Ferreira e Bento, dois personagens que simbolizam a vida e a cultura local. A repetição da frase 'A jangada voltou só' enfatiza a tragédia e a perda, sugerindo que algo terrível aconteceu durante a viagem.

Dorival Caymmi, conhecido por suas canções que exaltam a vida dos pescadores e a cultura baiana, utiliza essa música para abordar a imprevisibilidade e os perigos do mar. A menção a 'algum pé de vento' indica que uma tempestade ou um evento climático adverso pode ter sido a causa do desaparecimento dos pescadores. A música também destaca a importância de Chico e Bento na comunidade, mencionando suas contribuições nas festas e na vida social, o que torna a perda ainda mais dolorosa para os habitantes de Jaguaripe.

A canção é uma homenagem àqueles que vivem do mar e enfrentam seus perigos diariamente. A tristeza e o luto são palpáveis na letra, especialmente quando se menciona que as moças de Jaguaripe choraram pela perda de Bento. A música é um retrato fiel da realidade de muitas comunidades pesqueiras, onde a ausência de um ente querido é uma constante lembrança dos riscos associados à profissão. Caymmi, com sua habilidade lírica, consegue transmitir a dor e a saudade de forma profunda e comovente, fazendo com que o ouvinte sinta a tragédia como se fosse parte da comunidade retratada na canção. (https://www.letras.mus.br/dorival-caymmi/45572/)

domingo, 7 de julho de 2024

Vanice Zimerman (Tela de versos) 40

 

Laé de Souza (Carnaval, nunca mais)

De uns tempos para cá, vinha me recusando a aceitar o carnaval como festa de gente. Gente de bem, quero dizer.

Se no dia-a-dia já está uma esculhambação, imaginem então se no carnaval a coisa não vai ficar como o diabo gosta, plagiando o discutido anúncio da cerveja. Qual o indivíduo que aguenta tanta insinuação e estímulo ao apetite sexual sem se revoltar? Difícil encontrar um programa de televisão que não tenha uma dançarina quase pelada. Coisa horrível.

Foi por tudo isso e apontando o porquê, que no carnaval do ano passado, falei para a minha mulher que queria isolamento. Claro que ela reclamou. Disse que tinha planejado viajarmos para o litoral, como todos os anos. Que tinha combinado com amigos de irmos para o clube, reservado mesa. Quando expliquei que o isolamento, era isolamento mesmo, isto é, eu iria ficar sozinho, longe de todo mundo e só em orações, ela se assustou. Minha mulher, é assim, só pensa em festa, diversão, Ela me sugeriu que fossemos para a praia e eu ficasse no quarto dos fundos rezando. 

Veja se tem cabimento. Quem consegue se concentrar e pensar em Deus, sabendo que lá fora rola bebida e cantoria. Não ia dar certo. O que eu queria, mesmo, era ficar longe de tudo e todos, sem uma viva alma, só eu e Deus. 

"Comprei mantimentos e, amanhã cedo, vou tomar um ônibus qualquer, descer no meio da estrada e entrar no meio do mato, Andar até achar um lugar adequado para me purificar", falei, querendo encerrar o assunto.

Não é que a mulher veio com conversas, de que era bobagem e exagero? Pois bem, precisei arrastá-la para um canto e abrir o jogo: "Tu lembra daquele meu caso com aquela fulana? Pois é, tu me perdoou, mas eu não. Preciso me penitenciar e vai ser agora." 

Ela chamou a minha sogra, achando que era mais uma recaída de loucura. E sempre assim. Quando a gente quer pensar alto, se dedicar ao espírito, acham que a gente endoideceu.

Minha sogra veio. Vocês devem saber muito bem como são as sogras. Cochichou que eu estava querendo aprontar alguma. Ameaçou me prender no quarto e me obrigar a fazer a oração lá, durante o tempo que quisesse.

Claro que não aguentei e ameacei: "Se alguém tocar a mão em mim, perco a cabeça." Peguei minha Bíblia, coloquei na sacola, me benzi e falei: 'Afasta tentação." 

Viram que estava muito contrito e que não tinha jeito. De manhã cedinho catei minhas coisas e fui embora.

Na quarta, por volta do meio dia, cheguei assonorentado. Minha mulher me serviu um café e perguntou se eu tinha rezado muito. "Demais", respondi.

"Leu a Bíblia?" perguntou interessada. 

"Li e reli", falei. 

Ela retirou a Bíblia da minha sacola, me entregou nas mãos, pedindo que eu lesse um salmo. Tentei abrir e qual nada. Uma folha colada na outra, como se fosse um bloco só. Me veio no pensamento o diabo de um lado e minha sogra do outro, os dois rindo a valer. Só podia ser coisa dos dois. Por mais que eu dissesse que cerca de meia hora atrás eu estava folheando o santo livro, minha mulher não quis acreditar.

Saiba, amigo, que os mais fervorosos são expostos a maiores provações. Se em dias normais o diabo já faz das suas, imagine no carnaval. Portanto, tenho comigo que carnaval é o dia em que ele mais apronta.

Ontem minha sogra perguntou se eu iria me isolar de novo. 

Respondi seco: "No carnaval, nunca mais.

Enquanto entrava no quarto, ouvi-a dando uma risadinha sarcástica,

Fonte: Laé de Souza. Acredite se quiser. SP: Ecoarte, 2000. Enviado pelo autor.

Recordando Velhas Canções (Luar do Sertão)


Compositor: Catulo da Paixão Cearense

Ah, que saudade
Do luar da minha terra
Lá na serra branquejando
Folhas secas pelo chão
Este luar cá da cidade tão escuro
Não tem aquela saudade
Do luar lá do sertão

Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão
Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão

A lua nasce
Por detrás da verde mata
Mais parece um sol de prata
Prateando a escuridão
E a gente pega na viola que ponteia
E a canção é a lua cheia
A nos nascer no coração

Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão
Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão

A gente fria
Desta terra sem poesia
Não se importa com esta lua
Nem faz caso do luar
Enquanto a onça
Lá na verde da capoeira
Leva uma hora inteira
Vendo a lua derivar

Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão
Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão

Coisa mais bela
Neste mundo não existe
Do que ouvir-se um galo triste
No sertão se faz luar
Parece até que alma da lua
É que descansa escondida na garganta
Desse galo a soluçar

Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão
Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão

Ai quem me dera
Que eu morresse lá na serra
Abraçado à minha terra
E dormindo de uma vez
Ser enterrado numa cova pequenina
Onde à tarde a sururina
Chora a sua viuvez

Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão
Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão
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Saudades do Luar Sertanejo 
A música 'Luar do Sertão', composta por Catulo da Paixão Cearense, é uma expressão lírica da nostalgia e do amor profundo pelas raízes sertanejas do autor. Através de sua poesia, Catulo evoca a beleza e a simplicidade do sertão, contrastando-a com a vida na cidade, que ele percebe como carente de poesia e beleza natural.

O refrão 'Não há, oh gente, oh não, Luar como este do sertão' serve como um estribilho que reforça a ideia central da música: a incomparabilidade do luar no sertão em relação a qualquer outro lugar. Essa repetição não apenas enfatiza a saudade sentida pelo poeta, mas também celebra as características únicas do sertão, como a lua que nasce por detrás da mata e o som melancólico de um galo ao luar. A descrição sensorial rica transforma a paisagem sertaneja em um personagem vivo na letra da música.

Além disso, a música toca em temas de morte e eternidade, especialmente no último verso onde o autor expressa o desejo de morrer no sertão, abraçado à sua terra. Isso reflete não apenas um desejo de retorno às origens, mas também uma busca por paz final na terra que ele tanto ama. Através dessa música, Catulo da Paixão Cearense não apenas compartilha sua saudade, mas também imortaliza a cultura e o ambiente do sertão brasileiro em sua obra.

A toada "Luar do Sertão" é um dos maiores sucessos de nossa música popular em todos os tempos. Fácil de cantar, está na memória de cada brasileiro, até dos que não se interessam por música. Como a maioria das canções que fazem apologia da vida campestre, encanta principalmente pela ingenuidade dos versos e simplicidade da melodia. Embora tenha defendido com veemência pela vida afora sua condição de autor único de "Luar do Sertão", Catulo da Paixão Cearense deve ser apenas o autor da letra.

A melodia seria de João Pernambuco ou, mais provavelmente, de um anônimo, tratando-se assim de um tema folclórico - o côco "É do Maitá" ou "Meu Engenho é do Humaitá" -, recolhido e modificado pelo violonista. Este côco integrava seu repertório e teria sido por ele transmitido a Catulo, como tantos outros temas. Pelo menos, isso é o que se deduz dos depoimentos de personalidades como Heitor Villa-Lobos, Mozart de Araújo, Sílvio Salema e Benjamin de Oliveira, publicados por Almirante no livro No tempo de Noel Rosa.

Há ainda a favor da versão do aproveitamento de tema popular, uma declaração do próprio Catulo (em entrevista a Joel Silveira) que diz: "Compus o Luar do Sertão ouvindo uma melodia antiga (...) cujo estribilho era assim: 'É do Maitá! É do Maitá"'. A propósito, conta o historiador Ary Vasconcelos (em Panorama da música popular brasileira na belle époque) que teve a oportunidade de ouvir "Luperce Miranda tocar ao bandolim duas versões do 'É do Maitá': a original e 'outra modificada por João Pernambuco', esta realmente muito parecida com Luar do sertão".

Homem humilde, quase analfabeto, sem muita noção do que representavam os direitos de uma música célebre, João Pernambuco teve dois defensores ilustres - Heitor Villa-Lobos e Henrique Foreis Domingues, o Almirante - que, se não conseguiram o reconhecimento judicial de sua condição de autor de Luar do Sertão, pelo menos deram credibilidade à reivindicação. Ainda do mesmo Almirante foi a iniciativa de tornar o Luar do Sertão prefixo musical da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a partir de 1939.

Fontes: