domingo, 25 de agosto de 2024

Vereda da Poesia = 94 =


Trova de São Paulo/SP

ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP

Se a lua é minha alma gêmea,
longe de ti, eu bendigo
esta saudade boêmia,
que passa as noites comigo!
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Poema de Blumenau/SC

FÁTIMA VENUTTI

Recado

Entre os corpos,
Entre os astros,
Entre as estrelas...
Sob o mar,
Sob o azul,
Sob o luar...
Então, o amor.
Então, o nascer.
Então, o encontrar.
Eu estarei
eternamente
A te embalar
Em meus fictícios
Versos a voar...
Tua
Nua
A te esperar
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Trova de Astolfo Dutra/MG

CÉZAR DEFILIPPO

Na boemia, no abandono...
de tanta dor eu suspeito,
que até saudade sem dono
faz morada no meu peito!
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Soneto de Juiz de Fora/MG

HEGEL PONTES
(1932 – 2012)

A alma da pedra
  
Longa pesquisa. E o mestre hindu descobre
que existe uma fadiga nos metais;
que o descanso renova, do ouro ao cobre,
o reino singular dos minerais.

Eu também sinto que a matéria encobre
estranhas vibrações emocionais.
É que a pedra tem alma, simples, nobre,
sonhando evoluções espirituais.

E a alma da pedra imóvel é a energia
que evolui, na ilusória letargia,
entre seres gigantes e pigmeus.

E sonha, nos milênios que a consomem,
ser um cacto que sonha ser um homem,
ser um homem que sonha ser um Deus.
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Trova Premiada em Blumenau/SC, 2016

NEIVA DE SOUZA FERNANDES
Campos dos Goytacazes/RJ

Sejam sempre abençoados
os que aos velhos e às crianças
transmitem, com seus cuidados,
ternura, amor e esperanças.
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Poema de Balneário Camboriú/SC

PEDRO DU BOIS
Passo Fundo/RS, 1947 – 2021, Balneário Camboriú/SC

Palavras

Ásperas
ditas como ordens
assustadas
macias
ditas como esperas
controladas
raivosas
ditas como verdades
escancaradas
melífluas
ditas como mentiras
dissimuladas
rezadas
ditas como saudades
santificadas
cantadas
ditas como músicas
silenciadas
caladas
ditas como lembranças
extremadas.
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Trova Popular

Carvalho que dá bugalho,
porque não dás coisa boa?        
Cada um dá o que tem,         
conforme a sua pessoa.
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Soneto de Santos/SP

VICENTE DE CARVALHO
(1866 – 1924)

A um poeta moço

Desanimado, entregas-te, sem norte,
Sem relutância, à vida; e aceitas dessa
Torrente que te arrasta — a só promessa
De ir lentamente desaguar na morte.

Que pode haver, em suma, que te impeça
De seguir o teu rumo contra a sorte?
Sonha! e a sonhar, e assim armado e forte,
Vida e mágoas, incólume, atravessa.

Ouve: da minha extinta mocidade
Eu, que já vou fitando céus desertos,
Trouxe a consolação, trouxe a saudade,

Trouxe a certeza, enfim, (se há sonhos certos)
De ter vivido em plena claridade
Dos sonhos que sonhei de olhos abertos.
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

LUIZ POETA
Luiz Gilberto de Barros

A cada passo imprudente,
mais um desejo se solta.
A estrada diz: “- Segue em frente!”
O coração pede: “- Volta!”
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Poema de Joinvile/SC

FERNANDO JOSÉ KARL

O jardim suspenso

 Atirei pedra no sopro,
que fez da pedra uma ode.

Menos palavras, mais sopros,
porque o invisível é simples amor
coberto de flores na curva do vento.

Palavras são visíveis,
com elas posso ler o que passa
por dentro e por fora do jardim suspenso.

 Prefiro palavras a sopros,
porque de sopros o poço é cheio,
e não haveria sopros e poço sem palavras.
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Trova Humorística de Bandeirantes/PR

VIVIANE ROSSI CHAVES

Minha mãe sempre falava:
"Não existe assombração..."
Mas eu sempre perguntava:
E "cheque-fantasma", então?
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Soneto Mineiro

ALPHONSUS DE GUIMARAENS FILHO
Ouro Preto/MG, 1870 – 1921, Mariana/MG

Momento

Minha amada tão longe! Com franqueza:
eu penso sempre em me mudar daqui.
Pôr na sacola o pão que está na mesa,
sair vagabundando por aí.

A luz do quarto ficará acesa.
(Foi neste quarto que eu me conheci...)
Deixarei um bilhete sobre a mesa,
dizendo a minha mãe por que parti.

Ah! ir cantando pelo mundo afora,
como um boêmio amigo das cantigas,
alma febril que a música alivia!

Se perguntarem, digam: "Ainda agora
saiu buscando terras mais amigas,
mas é possível que ele volte um dia."
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Trova de Santos Dumont/MG

BEATRIZ A. NETTO

Renúncia, palavra dura,
no coração se debruça:
- por ódio, como tortura!
- por amor, como soluça!...
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Poema de Mafra/SC

HUGO MUND JUNIOR

Um único verso

Um único verso sustenta
o equilíbrio do pássaro,
celebra a queda da folha
ao chão, brilha no coração
ilícito. Um único verso
sangra o papel em branco.
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Trova de Campinas/SP

ARTHUR THOMAZ

A casa era sem riqueza,
mas tinha tanta harmonia,
que não cabia a tristeza,
nem a tal melancolia!
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Soneto Paranaense

EMILIANO PERNETA 
Pinhais/PR, 1866 — 1921, Curitiba/PR

O brigue

Num porto quase estranho, o mar de um morto aspecto,
Esse brigue veleiro, e de formas bizarras,
Flutua há muito sobre as ondas, inquieto,
À espera, apenas, que lhe afrouxem as amarras...

Na aparência, a apatia amortece-lhe o esforço;
Se uma brisa, porém, ao passar, o embalsama
Ei-lo em sonho, a partir, e, então, empina o dorso,
Bamboleia-se, mais gentil do que uma dama...

Dentro a maruja acorda ao mínimo ruído,
Deita velas ao mar, à gávea sonda, o ouvido
Alerta, o coração batendo, o olhar aceso...

Mas a nau continua oscilando, oscilando...
Ó quando eu poderei, também, partir, ó quando?
Eu que não sou da Terra e que à Terra estou preso?
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Trova Premiada em Blumenau/SC, 2016

SANDRO PEREIRA REBEL
Niterói/ RJ

Escravo do teu amor,
teus cuidados são meu guia,
e os quero com tal fervor
que nem penso em alforria.
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Poema de Florianópólis/SC

JUVÊNCIO MARTINS COSTA 
(1850 — 1882)

Sonho (II)

 Tranquilo o coração adormecera
Na doce languidez de um beijo ardente. . .
Entre sonhos de flor beijara a crença
A perfumar minh' alma incandescente.

 E amei a vida, respirei das auras
O tépido frescor, banhando a fronte
Da formosa mulher, por quem meu peito
Estremece de amor, tão puro, insonte.

 E amei o sonho desfolhando risos,
Almo* prenúncio d' almo encantamento;
E minh' alma jaze o imersa em gozo,
Numa luta febril com o pensamento.

 E a sonhar vi a imagem predileta
Por entre sombras de uma luz fulgente;
Nus os seios tremendo de volúpia,
E no lábio a brincar beijo inocente.

 E a voz tremente balbucia um termo, —
Repassado de aromas e ambrósias,
Termo tão doce como sons de harpa
Desprendendo ignotas harmonias.

 Esse termo exprimira a majestade
De um profundo sentir, d'alma arrancado:
Amor em cujos elos se enlaçara
O coração do vate apaixonado.

 Termo tão doce a revelar carinhos,
Desprendido de lábios sedutores;
Termo a deslumbrar meu lindo sonho,
Ventura a reviver num céu de amores!

 Ouvi a frase rebentar dos lábios:
Eu sou o teu amor, amo-te tanto!
Não sei o que senti: em doce arroubo
Contemplei a mulher, celeste encanto!

 Era um anjo: sobre a nívea espádua
Vi roçar seu cabelo brandamente. . .
Nos seus olhos o brilho que cintila
Fogo de amor que queima e não se sente!

 Ai! Cedo se turvou a crença d'alma,
Breve se transformou o encantamento. . .
Acordei-me do sonho e não vi nada.
E sinto arder em febre o pensamento!
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* almo = santo.
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Certeza só têm os rios 
sobre aonde vão chegar... 
Por mais que sofram desvios, 
seu destino é sempre o mar! 
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Escada de Trovas de São Paulo/SP

FILEMON MARTINS

Leito

NO TOPO:
"A lua divina e bela
num capricho assim desfeito,
invade a minha janela
e vem sonhar no meu leito".
Hedda Carvalho
(Nova Friburgo - RJ)

SUBINDO:
"E vem sonhar no meu leito"
nesta noite enluarada,
quero ver-te junto ao peito
esperando a madrugada.

"Invade a minha janela"
fique aqui, feliz e calma,
que o perigo da procela
não resiste a paz da alma.

"Num capricho assim desfeito"
ainda há paz e beleza,
que o clima fica perfeito,
- o amor é luz e certeza.

"A lua divina e bela"
reina perene no céu,
lua que a todos, revela,
quem ama, não vive ao léu. 
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Trova da Princesa dos Trovadores

CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Ouço teus passos serenos
e o meu abraço se expande,
mas sinto os braços pequenos,
para ternura tão grande!
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Hino de Barra do Piraí/RJ

Em dez de março de noventa,
Um sonho fez-se realidade.
Sem a menor visão sangrenta,
Surgiu a tua liberdade.

E tu, outrora tripartida,
Rompeste em marcha triunfante.
E nesta luta pela vida
Foste um exemplo edificante.

Salve! Salve! Boa terra hospitaleira!
Barra! Barra! Progressista e altaneira!
Barra! Barra! Tu serás a vida inteira,
Em terras fluminenses,
Todo o nosso orgulho
De fiéis barrenses!

Entre colinas verdejantes,
Ricas, tão ricas de beleza,
Com teus dois rios coleantes,
És um primor da natureza.

Terra feliz, feliz e calma,
Sob este céu sempre de anil,
Tu és a cidade que tem alma,
Ó meu pedaço do Brasil!

Salve! Salve! Boa terra hospitaleira!
Barra! Barra! Progressista e altaneira!
Barra! Barra! Tu serás a vida inteira,
Em terras fluminenses,
Todo o nosso orgulho
De fiéis barrenses!

Ó terra minha, berço amado!
Ó meu torrão bem brasileiro!
Cheio de glória no passado
E de futuro alvissareiro!

À luz da tua própria história,
O teu caminho percorrido
É rumo certo para a glória
Deste Brasil estremecido!

Salve! Salve! Boa terra hospitaleira!
Barra! Barra! Progressista e altaneira!
Barra! Barra! Tu serás a vida inteira,
Em terras fluminenses,
Todo o nosso orgulho
De fiéis barrenses!
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

ALMERINDA LIPORAGE

Em criminosas queimadas
por ambição desmedida,
vê-se, nas vidas ceifadas,
a extinção da própria vida!
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Soneto Potiguar

AUTA DE SOUZA
Macaíba/RN (1876 – 1901) Natal/RN

Estrada afora

Ela passou por mim toda de preto,
Pela mão conduzindo uma criança...
E eu cuidei ver ali uma Esperança
E uma saudade em pálido dueto.

Pois, quando a perda de um sagrado afeto
De lastimar esta mulher não cansa,
Numa alegria descuidosa e mansa,
Passa a criança, o beija-flor inquieto.

Também na vida o gozo e a desventura
Caminham sempre unidos, de mãos dadas,
E o berço, às vezes, leva à sepultura...

No coração — um horto de martírios!
Brotam sem fim as ilusões douradas,
Como nas campanhas desabrocham lírios.
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Trova Paulista

CAMPOS SALES 
Lucélia/SP, 1940 – 2017, São Paulo/SP

Respeito, luz permanente,
que alumia a fronte erguida,
daquele que tem na mente
o respeito pela vida.
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

O lavrador e seus filhos

Um lavrador sentindo vir chegando
O fim da sua vida, e desejando
Que os filhos trabalhassem na cultura,
Chamou-os, e lhes disse: «A sepultura
Por instantes me espera: os bens, que tinha,
Enterrados estão na nossa vinha.»

Morto o pai, e tendo eles suspeitado
Que algum grande tesouro sepultado
Lhes deixava na vinha, aparelharam
Enxadas, e solícitos cavaram.
Não acharam tesouro, é bem verdade;
Mas a vinha deu tanta novidade,

Que se pode dizer que foi tesouro,
Segundo o que rendeu de prata e ouro

O nosso português de cada dia (Expressões) = 1

CAIÇARA
Habitante típico de região litorânea, pessoa simples, própria do lugar, caipira, usado sempre no sentido pejorativo.

A expressão vem do tupi kaaías, e quer dizer cerca de ramos, vedação para impedir o trânsito. Uma caiçara implicava em cerca muito rudimentar e própria dos índios que habitavam as costas de São Paulo, no período do descobrimento, daí a associação metonímica entre o objeto e as pessoas,

CAIXA DE PANDORA (ABRIR A)
Contar um grande segredo, deixar escapar muitas coisas que não deveriam se espalhar porque causariam medo. Lugar ou situação repleta de segredo.

A origem também é mitológica e está ligada à lenda de Prometeu, depois de sua punição por Zeus. Pandora é considerada a primeira mulher, criada em conjunto pelos deuses, sob o comando de Hefesto e de Atena, Ela simbolizaria a mãe natureza, era linda, graciosa e possuía grande capacidade de persuasão. Foi enviada por Zeus de presente a Epimeteu, irmão de Prometeu. Ele não deveria aceitá-la, mas casou-se com ela. A moça trazia consigo uma caixa (na verdade um vaso) que tinha a tampa sobre a qual ela nunca deveria abrir. Curiosa, ela abriu a caixa e dela saíram todos os vícios humanos (a inveja, o ódio, a ganância, a luxúria, que foram morar nos corações dos homens). Estava feita a vingança dos deuses contra os homens. A simbologia equivale à expulsão do paraíso para os cristãos.

CALCANHAR DE AQUILES
No sentido de ponto fraco, vulnerabilidade de alguém.

Aquiles vem da mitologia grega, era filho de Tétis e de Peleu. Ao nascer, sua mãe, para protegê-lo e torná-lo invulnerável, mergulhou-o no Estige, o rio infernal. No entanto, para o mergulho, segurou-o pelo calcanhar, que não foi banhado e, portanto, tornou-se seu ponto fraco. Aquiles foi morto por uma flechada de Páris, guiada por Apolo, justamente no seu calcanhar, durante a Guerra de Tróia,

CAMELAR
Trabalhar muito pesado.

É óbvio que o termo vem da comparação com o camelo, mas isto ocorre porque o animal em um dia inteiro de caminhada, consegue carregar uma carga de 15O kg por quase 150 quilômetros, atravessando um deserto seco, sem parar um minuto para beber ou comer coisa alguma. Na verdade, ele consegue ficar até oito dias inteiros sem beber água, mas então fica esgotado. Pode perder mais de 100 kg e ficar magérrimo, apenas osso e pele. Ainda assim, ele se aguentará em pé! Normalmente, o sangue do animal contém 94% de água, exatamente como o nosso. No entanto, quando não encontra água para beber, o calor do sol gradualmente o faz perder um pouco da água do sangue.

Os cientistas descobriram que o animal pode perder até 40% da água do sangue, e mesmo assim continuar saudável. Somente para se ter uma ideia, se um ser humano perder 5% da água no sangue, a visão fica comprometida; se a perda for de 10%, a pessoa enlouquece; com 12%, o sangue fica tão espesso que o coração não consegue bombeá-lo mais e para.

Fontes: Nailor Marques Jr. Será o Benedito?: Dicionário de origens de expressões. Maringá/PR: Liceu, 2002.
Imagem = criação por JFeldman com Microsoft Bing

Recordando Velhas Canções (Quem Sabe?)


(modinha, 1859)

Compositor: Antônio Carlos Gomes e Bittencourt Sampaio

Tão longe, de mim distante
Onde irá, onde irá teu pensamento?
Tão longe de mim distante
Onde irá, onde irá teu pensamento?
Quisera saber agora
Quisera saber agora
Se esqueceste
Se esqueceste o juramento

Quem sabe se és constante
Se ainda é meu teu pensamento
Minh'alma toda devora da saudade
Da saudade agro tormento

Tão longe de mim distante
Onde irá, onde irá o teu pensamento?
Quisera saber agora
Se esqueceste o juramento

Quem sabe se és constante
Se ainda é meu teu pensamento?
Minh'alma toda devota da saudade
Da saudade agro tormento
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A Saudade e o Juramento Perdido
A música "Quem Sabe", interpretada por Francisco Petrônio, é uma expressão lírica da saudade e da incerteza no amor. A letra reflete a dor de um amor que se distancia, tanto fisicamente quanto emocionalmente, e o anseio do eu lírico em saber se ainda ocupa os pensamentos da pessoa amada. A repetição da frase "Tão longe de mim distante" enfatiza a separação e a distância que se interpõe entre os amantes, criando uma atmosfera de melancolia e desejo por um reencontro.

O questionamento "Onde irá, onde irá teu pensamento?" revela a insegurança e a preocupação do eu lírico em ser esquecido ou substituído no coração da pessoa amada. A música explora a angústia de não saber se o outro ainda mantém o juramento de amor que foi feito, sugerindo que houve uma promessa de fidelidade e constância que agora parece ameaçada pela distância. A saudade é descrita como um "agro tormento", uma dor profunda e amarga que consome a alma do eu lírico.

Francisco Petrônio, conhecido por sua voz marcante e interpretações emotivas, dá vida a essa canção com uma entrega que toca o coração dos ouvintes. A música, que pode ser classificada como uma seresta ou valsa, carrega a tradição da música romântica brasileira, onde a expressão dos sentimentos e a contemplação da dor amorosa são elementos centrais. "Quem Sabe" é uma canção que fala diretamente aos corações apaixonados e saudosos, evocando a universalidade da experiência do amor e da perda.

Carlos Gomes ficou reconhecido internacionalmente como compositor de óperas. O que pouca gente sabe é que ele compôs a partir de um universo bastante diversificado, bem próprio de seu estilo, influências e contexto histórico. No seu repertório encontramos música sacra, modinhas, cantatas e operetas. Quando ouvimos suas modinhas nos lembramos de sua origem interiorana, das festas de salões em volta do piano, dos saraus lítero-musicais tão frequentes no Rio e São Paulo do século XIX.

Nas modinhas e canções de Carlos Gomes encontramos um pouco do lirismo francês e muito dos tons humorísticos das canções italianas, sobretudo a forte presença do estilo verdiano, tão em voga no ensino musical da época. Da sua primeira fase, ainda como estudante de música, destacamos os títulos mais famosos: Hino acadêmico e Quem Sabe? ambas de 1859. A grande parte dos textos musicados por Carlos Gomes eram de caráter romântico, realçando o estilo melodramático, típico das árias de salão.

sábado, 24 de agosto de 2024

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 54

 

Rita Mourão (Trovas em preto e branco)


1
Bilhetes de amor... saudade
que a lembrança hoje cultua
onde a tal felicidade
era o carteiro da rua!…
2
Deriva meu corpo, enquanto
contra os reveses reluto.
Hoje o tempo usa meu pranto
para cobrar seu tributo.
3
Deus ao criar as estrelas
zeloso cumpriu a meta,
mas para alguém descrevê-las
criou também o poeta.
4
Este espinho que me atira
aos braços da dor sem fim,
é o fruto desta mentira
que você plantou em mim.
5
É um velho lar meu legado
onde o amor gerou bonança
e pôs um filho ao meu lado
multiplicando essa herança.
6
Fui juiz de alheios fatos
hoje a vida com razão
me faz réu dos mesmos atos
que aos outros neguei perdão.
7
Meus retalhos de esperança,
juntei-os, pus no correio.
( Destino, velha criança,)
mas a resposta não veio.
8
Não condeno a caminhada
culpo sim, meus passos falhos.
Foi bem larga a minha estrada
fui eu quem buscou atalhos.
9
Ousar não é ser valente
ao buscar gloria e poder.
Ousadia é quando a gente
humaniza o nosso ser!
10
Por mais que o orgulho insista
peço a Deus a quem me entrego
que nas horas da conquista
eu saiba despir meu ego.
11
Quando uma ofensa me oprime
em silêncio enfrento tudo.
Qualquer grito se redime
ante meu protesto mudo.
12
Se o homem abaixasse a fronte
com fé, respeito, humildade,
seria a Terra uma ponte
entre Deus e a humanidade.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

SOBRE AS TROVAS DE RITA
por José Feldman

TEMAS CENTRAIS PRESENTES:

1. Saudade e Memória
Frequentemente evoca sentimentos de nostalgia, lembrando momentos de felicidade e amor. A saudade é um sentimento complexo, muitas vezes ligado ao amor perdido ou a momentos felizes. Rita utiliza essa nostalgia para conectar o passado com o presente, sugerindo que as memórias moldam nossa identidade. A ideia de que o tempo passa, mas as lembranças permanecem, é central em suas trovas.

2. Dor e Sofrimento
A dor é uma presença constante, expressando a luta interna e as desilusões que todos enfrentamos. A dor é apresentada não apenas como um fardo, mas como uma parte inevitável da vida. Transforma essa experiência em uma reflexão sobre a condição humana, mostrando que o sofrimento pode levar à compreensão e à empatia. Essa dualidade é uma das características mais marcantes de sua poesia. Ela fala sobre como as experiências difíceis podem ser transformadas em aprendizado e crescimento.

3. Esperança e Renovação
Rita fala sobre a importância de acreditar em um futuro melhor, mesmo quando as respostas parecem ausentes. Apesar das dificuldades, há sempre uma esperança subjacente. Fala sobre a capacidade de recomeçar e a importância de manter a fé em tempos difíceis. Essa esperança é frequentemente personificada em suas trovas, como um guia nas trilhas da vida.

4. Reflexão e Autoconhecimento
Suas trovas muitas vezes abordam a autoanálise, refletindo sobre ações passadas e suas consequências. A busca por perdão e compreensão é uma jornada central. Essa busca por compreensão pessoal é essencial para o crescimento. Ela sugere que reconhecer nossos erros é um passo importante para a evolução.

5. Humanidade e Compaixão
A poetisa enfatiza a importância de tratar os outros com respeito e dignidade. Suas trovas muitas vezes apelam para uma conexão mais profunda entre as pessoas, sugerindo que a empatia é fundamental para a construção de relacionamentos saudáveis. Ela sugere que, ao nos conectarmos uns com os outros, podemos construir um mundo melhor.

6. O Papel do Poeta
Também explora a função do poeta como alguém que traduz a beleza e a complexidade da vida em palavras, destacando o poder da arte de tocar o coração humano, é uma ponte entre o cotidiano e o sublime, capturando a essência da existência humana.

CONCLUSÃO

As trovas de Rita Mourão são um belo exemplo de poesia que explora temas como amor, dor, esperança e a condição humana. Através de uma linguagem simples e direta, ela consegue transmitir emoções profundas e reflexões sobre a vida. Cada estrofe traz à tona sentimentos universais, como a saudade, a busca por perdão e a necessidade de humildade.

As trovas de Rita Mourão são um reflexo da rica tapeçaria cultural brasileira, abordando temas universais com um toque local. Ela oferece uma voz importante na literatura contemporânea, incentivando a reflexão e a conexão entre as pessoas.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco.vol.1. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Antônio Juraci Siqueira (Encavernado)

Chove sobre a cidade. Chuva densa, impiedosa. Chuva que exerce sobre mim o estranho poder de conduzir-me às brenhas de mim mesmo qual animal acuado à procura da toca. Troglodita indefeso em busca do ventre pétreo da caverna...

Mergulho em meus comigos a cismar sobre o destino da Terra e do Homem – esse construtor de estradas para lugar nenhum. Mas quando a antevisão do caos me deixa apavorado e triste, transponho os muros do real e vou colher, no pomar dos sonhos, os pomos dourados da poesia.

Os poetas somos, em nosso ofício, criaturas solitárias por razões que bem não atino. Talvez pela necessidade de estarmos a sós com a palavra no momento mágico da concepção da poesia, para que nenhum mortal possa testemunhar a dor ou a alegria estampadas em nossas faces na hora do parto do poema.

Chove. Cerco-me de palavras para tentar esquecer que neste momento o planeta é oferecido em holocausto aos deuses do progresso e que, em nome de Deus e da Justiça, homens sacrificam-se mutuamente como se fosse possível conceber guerra justas e santas!...

Tento desesperadamente convencer-me de que a poesia está acima do bem e do mal, acima dos homens, de suas leis, crenças e ideologias. Digo a mim mesmo que os poetas somos seres privilegiados, que não devemos, por isso, deixar que a voz das armas fale mais alto aos nossos ouvidos que a voz do vento, que a voz do mar, que a voz do nosso coração. Mas é impossível enganar-se a si mesmo quando se tem o peito dilacerado por uma bala ou por uma lâmina de baioneta que, sem pedir licença, invadem nossos lares via satélite. Impossível não escutar as trombetas do Apocalipse anunciando que mais cordeiros serão imolados para saciar a sede de modernos e sádicos vampiros.

A chuva faz-me regredir no tempo e voltar à caverna, jardim de infância da humanidade onde o homem rabiscou a primeira flor, domou a primeira fera, articulou a primeira palavra, fabricou a primeira arma e, seguramente, organizou a primeira batalha contra seus semelhantes...

Os ruídos da chuva misturam-se ao som do televisor que exibe imagens de um conflito qualquer. Imagens cruéis, animalescas. Fatos que fazem com que eu me sinta, verdadeiramente, um troglodita cercado de feras e condenado aos limites de minha própria caverna. Humana e trágica caverna a se fechar, cada vez mais, em torno de meus medos, meus delírios, minhas convicções...

E é assim que vejo a alegoria platônica da caverna realizar-se em mim. Atualizar-se com o regresso do homem ao seu primitivo útero de pedra. Mas, ao contrário do mito, já não há boas novas para anunciar. Apenas a triste constatação de que o homem moderno, a despeito de sua avançada tecnologia que lhe permite destruir seu semelhante e o meio em que vive com o auxílio do átomo, não conseguiu ser um pouco melhor que seus ancestrais que já faziam o mesmo com paus e pedras. É triste admitir que em plena era da informática as armas continuem a falar mais alto que as palavras e que estas sirvam de instrumento para promover a discórdia entre os povos, para inverter e perverter valores, para transformar a liberdade numa “calça velha, azul e desbotada...”

A chuva passou mas eu continuo entrincheirado entre palavras. Afundo e confundo-me nelas para proteger-me das garras do ódio, para resistir às leis das armas. Com elas fabrico, quixotescamente, meu escudo e minha lança para investir contra os moinhos da insensibilidade humana.

Os poetas somos criaturas solitárias a esgrimir com o verbo. E precisamos, urgentemente, de paz para continuar semeando amor e poesia nos canteiros do mundo, nos pomares da vida, nos corações dos homens.