sábado, 2 de novembro de 2024

Vereda da Poesia = 147 =


Soneto de
LUIZ POETA
Rio de Janeiro/RJ

Lírico artefato

Não sigo a frota, quando a rota é sem destino.
Que poliglota fala a linguagem do mar?
... sei velejar com a inocência de um menino:
Faço um barquinho... e deixo o vento me levar.

A ingenuidade foi meu ponto de partida
Busquei amar sem questionar a alma alheia,
Fui enganado... ou me enganei, pois minha vida,
É mais que o canto sedutor de uma sereia.

Há, na candura, essa espécie de contato
Que sempre foge da frieza de um retrato
E mostra um rosto que sorri à revelia

Da poesia que se torna um artefato,
No exato instante em que o dragão foge o rato
E a explosão do amor detona a fantasia.
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Trova de
FLÁVIO ROBERTO STEFANI
Porto Alegre/RS

Reunião, hoje em dia,
neste mundo a balançar,
é, senhores, quem diria,
ao redor de um...celular!...
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Soneto de
JOÃO BATISTA XAVIER OLIVEIRA
Bauru/SP

Isolado encanto

Salão repleto, nobre de artes belas,
murmúrios, gestos, ares estilistas.
O afago forte nos pincéis de artistas
moldura abraços, traços, luz nas telas.

A flor disposta à porta em todas vistas
exala as auras plácidas, singelas.
Porém as vistas todas são aquelas
voltadas às paredes tão benquistas.

Se os quadros levam ao encantamento
no brilho mais audaz de um só momento...
o vaso à entrada ampara, preterida,

a forma que transforma a transparência:
- a tela estampa a vida, é consequência;
a flor no entanto é causa, pois tem vida!
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Trova Premiada no Japão
RELVA DO EGYPTO REZENDE SILVEIRA
Belo Horizonte/MG

Nós fios de luz – as pautas –
são as notas musicais
aves migrantes, incautas,
arpejando madrigais.
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Poema de
MARIA LÚCIA SIQUEIRA
Curitiba/PR

A janela

Vem de outras eras as fontes do espírito.
Os jasmins renascem nos canteiros,
a chuva já deu badaladas no telhado.
E quem sou? Me pergunto na noite morna.
Talvez uma ave noturna lenta demais
para atravessar as planícies.
Toda imensidão termina no ocaso.
E para além do sol... onde estão os meus olhos amados?
Sempre atravesso essas sombras ao anoitecer,
diante do quartel de estrelas que me policia.
E a janela é um avental que me convida
a continuar servindo.
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Fábula em Versos
adaptada dos Contos e Lendas da África
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

A Lenda do Macaco e do Crocodilo

No rio profundo, um crocodilo esperava,
um macaco travesso, sua fruta roubava.
“Venha, amigo, venha aqui me contar,
sobre a vida no fundo, onde o sol não vai brilhar.”
O macaco, astuto, viu a armadilha,
mas decidiu brincar, com uma brilhante artimanha.

“Vou te levar, se me prometer,
que nunca mais vais tentar me comer!”
O crocodilo riu, achando que era um jogo,
mas o macaco pulou, e escapou como um fogo.
Aprendeu uma lição, sobre a esperteza,
e nunca mais quis saber de certeza.

A esperteza pode salvar, dos perigos que rondem,
mesmo os mais fortes devem saber que se escondem.
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Trova Popular

Ó morte, ó tirana morte,
contra ti tenho mil queixas
quem hás de levar, não levas,
quem deves deixar, não deixas!
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Soneto de
JERSON BRITO
Porto Velho/RO

Instinto

Escondes nesse corpo, fino manto
As cores da mais pura donzelice
Permitas que navegue em tal encanto
Fascina-me a candura, essa meiguice

Do teu fatal sabor estou faminto
Desejo fenecer no doce enlace
Não posso resistir ao meu instinto
O brilho do querer tomou a face

Armaste uma delícia... Oh, nobre teia!
É natural, princesa, que me atraia
O meu pensar em ti, ledo, passeia

Tu és o mar revolto, eu sou a praia
Um beijo teu em mim, decerto enleia
De laço assim não há, amor, quem saia
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Trova de
AUTA DE SOUZA
Macaíba/RN (1876 – 1901) Natal/RN

Paixão é diamante bruto,
que burilado, a rigor,
surge mudado no tempo
em linda estrela de amor. 
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Poema de
CECY BARBOSA CAMPOS
Juiz de Fora/MG

Invasão 

A primavera chegou de madrugada 
e entrou pela janela do meu quarto 
vestida de prateado. 
Enluarando a minha cama 
cobriu o meu corpo insone 
e anestesiou os meus sentidos. 
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Trova de
VICENTE LILES DE ARAÚJO PEREIRA
São Simão/SP

O sol pela rocha aberta
parece aviso divino,
indicando a rota certa
ao barqueiro sem destino.
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Soneto de 
ALFREDO SANTOS MENDES
Lisboa/Portugal

O embrião

Mãe! Por que não me deixas ver teu mundo?
Por que acabas assim com minha vida?
Por que será que estás tão decidida,
a praticar tal ato tão imundo!

Mãe! Eu não sou um ser nauseabundo!
Não sou uma doença contraída!
Faço parte de ti, fui concebida!
Sou vida no teu útero fecundo!

Não queiras destruir-me por favor!
Não transformes em ódio, aquele amor,
do momento da minha concepção!

Eu sei que não pensavas conceber…
Mas, por favor mãe, deixa-me nascer,
eu sou um ser humano em formação!
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Trova do
Príncipe dos Trovadores
LUIZ OTÁVIO
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1977, Santos/SP

Como Colombo, singrando
esta vida - incerto mar,
vivo no mundo esperando
um Novo Mundo encontrar...
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Soneto de
FLORBELA ESPANCA 
Vila Viçosa, 1894 – 1930, Matosinhos

Horas rubras

Horas profundas, lentas e caladas
feitas de beijos sensuais e ardentes,
de noites de volúpia, noites quentes
onde há risos de virgens desmaiadas.

Ouço as olaias rindo desgrenhadas...
tombas astros em fogo, astros dementes
e do luar, os beijos languescentes
são pedaços de prata pelas estradas...

Os meus lábios são brancos como lagos...
os meus braços são leves como afagos,
vestiu-os o luar de sedas puras...

Sou chama e neve branca misteriosa...
e sou talvez na noite voluptuosa
ó meu poeta, o beijo que procuras.
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Trova Funerária Cigana

Sou triste como a caveira
no cemitério rolando,
que vai com o correr do tempo
em negro pó se tornando.
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Spina de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

Olhares que Sorriem 

Ainda que cubram
os belos sorrisos, 
sejamos em brilho 

as janelas do novo estribilho.
Ainda que tirem nossas asas
sejamos o som do andarilho. 
Mesmo que os dias anuviem,
brindemos à paz nesse trilho.
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Trova de 
SINCLAIR POZZA CASEMIRO
Campo Mourão/PR

O instante existe e convém
a quem procura harmonia,
ter consciência e, por bem,
renovar-se a cada dia!
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Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Catorze versos

Ah, se compor sonetos não tivesse
tão complicadas regras a seguir,
não sairia agora dessa messe,
deixando outras missões para o porvir!

Porém, comigo, às vezes acontece
de me insurgir demais contra o exigir...
Não vou correr atrás de uma benesse,
dar meu suor sem nada conseguir...

Já que não posso, assim, bem sonetear,
eu me distraio com catorze versos,
mas sem, sequer, seu nome mencionar.

Meu coração não mais fica tristonho,
nem aborreço ilustres controversos;
e posso acalentar, enfim, meu sonho!
= = = = = = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Como se diz lá na roça, 
o amor é um bichim-de-pé: 
quanto mais a gente coça, 
mais boa a coceira é...
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Poema de
FILEMON MARTINS
São Paulo/SP

Meu verso

Meu verso vem do Nordeste,
vem do roçado, vem do Sertão,
vem das veredas lá do agreste,
vem das cacimbas e dos grotões.

Meu verso vem dos garimpos,
das catras dos garimpeiros,
da coragem dos vaqueiros
vestidos no seu gibão,
vem do sereno da noite
do perfume do Sertão.

Meu verso simples, sem medo,
vem do sítio, do rochedo,
vem do povo do Sertão,
que com a luz do arrebol
trabalha de sol a sol
para ganhar o seu pão.

Vem da Serra do Carranca
onde a beleza não manca,
e a onça faz sentinela.
Da Serra da Mangabeira
onde a Lua vem brejeira
tecer a renda mais bela.

Meu verso vem da goiaba,
do puçá e da mangaba,
da seriguela e do mamão.
Da pinha e da acerola,
da atemóia e graviola
plantadas no roçadão.

Nasceu na bela Umbaúba,
Boa Vista, Bela Sombra,
na Lagoa de Prudente,
na Chiquita e no Vanique,
onde há muito xique-xique
e o sol parece mais quente.

Brejões, Lagoa do Barro,
Santo Antonio, Traçadal,
Olho D´Água, Rio Verde,
Baixa dos Marques, Coxim,
Ibipetum, depois Pintada,
onde passa a velha estrada,
Zequinha e Lamarca morreram.

Sodrelândia, Deus me Livre,
Pé de Serra, Poço da Areia,
Riacho das Telhas também.
Poço do Cavalo, Matinha,
Mata do Evaristo e Veríssimo,
Olhodaguinha e Ipupiara.

Meu verso nasceu no mato,
não tem brilho, nem ornato,
vem do Morro do Mocó,
da Serra do Sincorá,
vem do morro do Araçá,
nasceu pobre e vive só…
= = = = = = 

Poetrix de
ELIANA MORA
Rio de Janeiro/RJ

sentimento clandestino

Tu, em viagens ao mundo,
Eu, ali, sempre escondida,
nos porões do teu navio.
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Soneto de
JOSÉ XAVIER BORGES JUNIOR
São Paulo/SP

Esquecimento
 
Tu te esqueceste que esqueci de te esquecer
Mas me lembrei de relembrar tua partida
E o esquecimento na lembrança tem poder
De relembrar que possuíste minha vida.
 
E por lembrar-te não consigo compreender
Por que não posso me esquecer desta ferida
Que o esquecimento da lembrança vem trazer
Me relembrando que jazias esquecida.
 
E vou lembrando e te esquecendo enquanto sigo
Revigorando o esquecimento da lembrança
Enquanto lembro como era estar contigo.
 
Até que um dia eu me lembrei de ter-te aqui
E fui eu mesmo me esquecendo nesta dança
E me lembrando de esquecer que te esqueci…
= = = = = = 

Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/ SP

Pra cantá, estudamo um meis
e num é que nóis se gabe:
nóis quebra um galho em ingleis
e portugueis... nóis já sabe!
= = = = = = 

Poema de 
ANTONIO BATICÃ FERREIRA
Canchungo/Guiné-Bissau

Infância

Eu corria através dos bosques e das florestas
Eu ouvia o ruído vibrante de um bosque desvendado,
Eu via belos pássaros voando pelos campos
E parecia ser levado por seus cantos.

Subitamente, desviei os meus olhos
Para o alto mar e para os grandes celeiros
Cheios da colheita dos bravos camponeses
Que, terminando o dia, regressavam à noite entoando

Canções tradicionais das selvas africanas
Que lhes lembravam os ódios ardentes
Dos velhos. Subitamente, uma corça gritou
Fugindo na frente dos leões esfomeados.

Aos saltos, os leões perseguiram a corça
Derrubando as lianas e afugentando os pássaros.
A desgraçada atingiu a planície
E os dois reis breve a alcançaram
= = = = = = 

Trova Humorística de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP

O nosso amor vem de quando
Deus criou o amanhecer...
E ainda estarei te amando,
quando Deus envelhecer...
= = = = = = 

Hino de 
Cruzeiro do Sul/AC

No regaço da Selva assombrosa
onde outrora espumava o Tapi
Uma Bela Cidade Ruidosa
Vimos hoje fagueira surgir.

Para o seio da Mata orvalhada
as aragens correndo lá vão
E no cimo da Selva ondulada
Thaumaturgo Azevedo dirão.

Pasma o índio bravio confundido
Empolgando uma flecha nos ares
Ao ouvir que é tão repetido
Vosso nome nos nossos palmares.

O lampejo do sol do progresso
D’ouro ufano este alcantil
Contemplado será no universo
Novo estado no chão do Brasil.

E do trono dos seus esplendores
Sobre nuvens bordados de azul
Deus semeia cascata de flores
E abençoa o Cruzeiro do Sul.
= = = = = = 

Trova de
DOMITILLA BORGES BELTRAME
São Paulo/SP

A mamãe cura o dodói,
afaga, põe atadura…
e o rosto do seu herói
se lambuza de ternura!
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Soneto de 
FRANCISCA JÚLIA
(Francisca Júlia da Silva Munster)
Eldorado/SP (antiga Xiririca) 1874 –  1920, São Paulo/SP

Musa impassível

Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero
Luto jamais te afeie o cândido semblante!
Diante de um Jó conserva o mesmo orgulho e diante
De um morto o mesmo olhar e sobrecenho austero.

Em teus olhos não quero a lágrima; não quero
Em tua boca o suave e idílico descante.
Celebra ora um fantasma anguiforme de Dante,
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero.

Dá-me o hemistíquio d'ouro, a imagem atrativa;
A rima cujo som, de uma harmonia crebra*,
Cante aos ouvidos d'alma; a estrofe limpa e viva;

Versos que lembrem, com seus bárbaros ruídos,
Ora o áspero rumor de um calhau que se quebra,
Ora o surdo rumor de mármores partidos!
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* crebra = frequente
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Trova Premiada de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Num jogo da fantasia
entre a loucura e a razão,
vislumbro na cama fria
teu corpo que busco, em vão.
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Recordando Velhas Canções
Meu mundo caiu 
(samba-canção, 1958) 

Meu mundo caiu
E me fez ficar assim
Você conseguiu e agora
Diz que tem pena de mim
Não sei se me explico bem
Eu nada pedi
Nem a você, nem a ninguém
Não fui eu que caí

Não sei se você me entendeu
Sei também que não vai se importar
Se meu mundo caiu
Eu que aprenda a levantar
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Aparecido Raimundo de Souza (Saudades)


 “A saudade é um momento único que não nos deixa voltar ao tempo em que a saudade, como um todo, não ia além de uma palavra vazia, que nada dizia à saudade que hoje nos atormenta a alma.” (Tompson de Panasco, morador de rua)

(Para a “Teusa”)

TENHO SAUDADE DAS BRIGAS, dos desencontros, das bobeiras e das suas ceninhas de ciúmes. Tenho saudade dos seus abraços, dos seus olhares de meiguice e benevolência. Saudade das palavras que não dissemos um ao outro e das coisas simples e corriqueiras que deixamos de fazer. Na verdade, eu não tinha tempo para me dedicar a você... talvez, por isso, tenha saudade do tempo em que você me ligava perguntando onde eu estava e a que horas chegaria do serviço. Saudade da mesa posta todos os dias, na hora do café, do almoço e do jantar. 

Saudade do seu esmero em fazer o melhor e dar o que havia de mais saudável em você. Apesar disso... eu não tinha tempo para me dedicar a seus mimos... e agora, repare, agora tenho saudade do amor que você nutria por mim, do “morzinho” dito às amigas, quando perguntavam por seu “namorido...” Saudades iguais das suas preocupações com as minhas roupas no roupeiro... lembro perfeitamente de cada detalhe, dos desvelos, dos resguardos, bem como da sua aplicação em cada dia fazer o melhor e me agraciar com o perfeito que emanava de dentro de seu interior.  

Mas, ainda assim, apesar disso tudo, eu não tinha tempo para me dedicar a você... tudo seguia nos trilhos, guardado com a fascinação do apuro diligente e ímpar. Tudo tão limpinho e asseado... cada coisa no seu devido lugar. Lembro-me das meias, das cuecas e dos lenços dobrados e passados com um prazer que brotava de dentro de você de forma tão cristalina e pura como água de nascente. Que saudade! E eu, cego, não tinha tempo para me dedicar a você... idêntica saudade da sua casa simples, que você batia o pé e dizia “nossa casa,” onde eu recebia uma felicidade perene, e desfrutava de uma paz acolhedora e, por conta disso, me sentia como se fosse senhor de tudo, tipo um rei diante de seu castelo. 

Mas meu tempo se fazia demasiadamente escasso e você... você sempre ficava em segundo plano... saudade das suas roupas simples, dos seus vestidinhos do tempo “do ronca,” saudade seu cabelo cortado curtinho, do par de brincos que nunca saia das suas orelhas... saudade das suas preocupações com a higiene dos cômodos da casa, tudo assim numa sincronia esmerada... saudade dos seus cuidados com o papagaio, com a comida e a água do coelho. E nem assim eu parava para dar um pouco de atenção a sua atenção... meu corpo estava ao seu lado, mas a minha mente... voava por devaneios inconstantes. Tenho saudade, igualmente, da sua simplicidade... 

Não somente dela, saudade do tempo em que dormíamos abraçados, de conchinha. Saudade do seu ronco, da sua implicância com o rádio alto e o tempo demasiado que eu passava sentado na frente do computador. Que bobo fui...  tenho saudade, grande saudade, acredite... saudade do seu perfil de mulher batalhadora, trabalhadora, que não deixava faltar o pão de cada dia. Saudade das suas ausências logo cedo nas manhãs de sábado, quando você se levantava em silêncio e ia para a feira com o carrinho de compras. 

Saudade de ir com você, de mãos dadas, cortar aquelas folhas perto da quadra do “Campo do Motivo” para levar para o restaurante onde você dava um duro desgraçado todo domingo, chovesse ou fizesse sol... saudade do seu cansaço... saudade da visão da perna que fazia você mancar em decorrência de seu ex-marido ter lhe espancado com severa brutalidade. Neófito, eu procurava por alguma coisa impossível e isso me fazia não enxergar a ternura da luz pulsante que estava bem ali ao meu lado... saudade da saudade que ficou quando você me mandou embora, alegando que um “antigo alguém com quem namorara reaparecera de repente.” 

Saudade de quando me levou até o portão e eu entrei no carro e você ficou me olhando, olhos compridos, silenciosos, como se interiormente, num repente intempestivo me pedisse perdão ou silenciosamente implorasse para que eu não partisse... saudade, imagine... saudade até de quando brigava com você e você queria se aconchegar ao meu lado e eu a empurrava e virava para o lado oposto da cama. Saudade do amor que não fizemos, dos carinhos que não permutamos, das lágrimas que não enxuguei quando lhe pegava chorando pelos cantos. 

Saudade do seu sorriso, saudade do seu rosto, da sua voz, do calor do seu corpo... saudades enfim, de não poder mais voltar e lhe dar um abraço, um beijo nos olhos e esperar pelo seu “tchau,” quando virava a esquina... quando também me dirigia para o escritório. Hoje, agora, carrego minhas dores todas juntas no mesmo lado do peito despedaçado. Essas saudades se avolumaram. Pior, me perseguem como sombras fantasmagóricas. E eu então me questiono terrivelmente, me indago até a exaustão: em que parte, em que ponto, em que momento da minha estrada incerta EU REALMENTE PERDI VOCÊ??!!

É quase madrugada,
não consegui dormir,
cabeça preocupada,
vontade de fugir.
Olhando no espelho
fica estampada
a solidão em mim

Depois de tanto tempo,
vivendo lado a lado,
não posso aceitar
que está tudo acabado,
não dá pra acreditar
que o desamor chegou,
agora é o fim...

Meu Deus! Ela reclama
de falta de atenção
e diz não ter espaço
no meu coração,
e tudo o que ela faz
pra mim não tem valor.
Só penso no Senhor...

Meu Deus! Ela não sabe
que a minha intenção
é ver a nossa vida
mudar de direção,
não sabe que é por ela
que eu peço todo dia
as bênçãos do Senhor...

Meu Deus! Vem dar um jeito
nesta amargura,
e tira do meu peito
a dor que não tem cura,
faz ela entender
que a história desse amor
não pode terminar assim...

O que o Senhor uniu,
ninguém vai separar,
é ela que eu amo
e sempre vou amar.
Escute esta oração,
estende as suas mãos
e salva ela pra mim.

Fonte: Texto enviado pelo autor 

Luciano Dídimo (Lançamento do Livro “A rosa de pérola”)


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Abçs,
Luciano Dídimo

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sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Ademar Macedo (Ramalhete de Trovas) 29

 

José Feldman (O Arranha-Céu nas Nuvens)

Era uma manhã qualquer em Campinas, cidade do interior do estado de São Paulo, e o novo arranha-céu da cidade, o "Céu de Aço", finalmente estava completo. Com seus 300 andares, ele se elevava tão alto que, em um dia nublado, parecia perfurar as nuvens. O arquiteto, Leonardo, estava em êxtase. Ele não apenas havia projetado uma obra-prima, mas também se vangloriava de ter criado o prédio mais alto do mundo.

Após uma manhã cheia de reuniões e comemorações, Leonardo decidiu fazer uma última inspeção no topo do edifício. Ele subiu até o 300º andar, ansioso para ver a vista. Assim que chegou, porém, algo inesperado aconteceu. O céu se iluminou, e, de repente, ele se viu atravessando uma nuvem espessa. Quando a névoa se dissipou, ele ficou pasmo ao ver que havia chegado ao que parecia ser a entrada do céu!

— O que... onde estou? — murmurou, olhando ao redor.

Diante dele, uma porta dourada se abria com um rangido celestial. E, para sua surpresa, São Pedro estava ali, com uma prancheta na mão e uma expressão que misturava curiosidade e ceticismo.

— Olá, amigo! — disse São Pedro, com um sorriso. — O que traz você por aqui?

Leonardo, ainda atordoado, tentou entender a situação.

— Eu... eu sou o arquiteto do "Céu de Aço"! Acabei de completar o edifício mais alto do mundo!

São Pedro ergueu uma sobrancelha.

— Ah, sim, o arranha-céu que fura as nuvens. Muito interessante! Mas, veja bem, você precisa de permissão para estar aqui.

— Permissão? — Leonardo exclamou, ofendido. — Eu sou o arquiteto! Fiz tudo legalmente! Tenho documentos de propriedade!

São Pedro olhou para a prancheta.

— Documentos de propriedade? Aqui no céu? Não sei se isso vai funcionar.

Leonardo se aproximou, gesticulando com as mãos.

— Olha, São Pedro, eu não sei como você faz as coisas aqui, mas na Terra, eu tenho todos os papéis necessários. Licença de construção, planta do edifício, até o alvará da prefeitura!

— E quem te deu a licença para furar nuvens? — São Pedro perguntou, tentando segurar o riso.

— É... isso não estava nos regulamentos! — Leonardo admitiu, um pouco envergonhado.

— Então você me diz que invadiu o espaço aéreo celestial sem autorização? — São Pedro disse, cruzando os braços. — Isso é um problema!

Leonardo, percebendo que estava perdendo a discussão, decidiu apelar para a lógica.

— Mas, veja, se eu estou aqui, isso significa que o arranha-céu é tão impressionante que até as nuvens não conseguiram resistir! Eu trouxe beleza e inovação para a cidade. Você não gostaria de ver isso?

São Pedro coçou a barba, pensativo.

— Bem, é verdade que o céu tem uma nova perspectiva agora. Mas o que temos aqui é uma questão de propriedade. Você realmente tem documentos?

— Eu tenho! — Leonardo gritou, puxando um rolo de papéis do bolso. Ele começou a desenrolar os documentos, mas a brisa celestial os fez voar.

— Não! — Leonardo gritou, enquanto os papéis dançavam no ar.

São Pedro começou a rir.

— Olha, talvez você devesse considerar a possibilidade de que a burocracia no céu é um pouco diferente da sua. Aqui, não temos essa coisa de papéis!

— Como assim? — Leonardo estava perplexo.

— Aqui no céu, nós confiamos uns nos outros. Não precisamos de licenças para apreciar a beleza! — São Pedro respondeu, com um brilho nos olhos.

— Mas e se eu quisesse construir um shopping no céu? Precisaria de permissão para isso! — Leonardo argumentou.

— Ah, um shopping? Isso seria complicado. Você teria que passar pela comissão de anjos do comércio! — São Pedro brincou.

— Olha, eu só quero saber quem é o responsável por essa parte do céu! — Leonardo insistiu, ainda segurando os pedaços de papel que sobreviveram à ventania.

— Eu sou! — São Pedro respondeu, rindo. — Mas pense bem. Em vez de se preocupar com documentos, que tal usar seu talento para criar algo incrível aqui?

Leonardo refletiu por um momento. Ele tinha sempre sonhado em projetar algo grandioso. E se ele pudesse fazer isso no céu?

— Você está dizendo que eu poderia criar uma nova estrutura aqui? — perguntou Leonardo, seus olhos brilhando.

— Exatamente! Um café nas nuvens, uma galeria de arte celestial, quem sabe até um parque onde os anjos possam passear! — São Pedro respondeu, empolgado.

— Isso seria incrível! — Leonardo exclamou. — Mas... e os documentos?

— Ah, isso é só um detalhe. Vamos fazer assim: você me promete que não vai furar mais nuvens sem avisar, e eu deixo você criar o que quiser! — São Pedro disse, piscando um olho.

— Fechado! — Leonardo respondeu, estendendo a mão para um aperto.

E assim, com um acordo feito, Leonardo começou a planejar seu novo projeto celestial, enquanto São Pedro anotava tudo em sua prancheta, agora cheia de ideias criativas.

— E se você fizesse uma escada que levasse ao céu? — sugeriu São Pedro, pensando alto.

— Uma escada? Isso seria revolucionário! — Leonardo respondeu, agora empolgado.

— E que tal um mirante? Para as pessoas apreciarem a vista das nuvens? — continuou São Pedro.

— Adorei a ideia! — estava cada vez mais animado. — E uma área para piqueniques!

— Piqueniques nas nuvens? Agora você está falando! — São Pedro riu, imaginando a cena.

No final das contas, o arquiteto e o guardião do céu se tornaram amigos improváveis, e o "Céu de Aço" ganhou uma nova dimensão. Leonardo voltou para a Terra, não apenas com um projeto incrível em mente, mas também com uma história extraordinária para contar.

E assim, o arranha-céu que furava nuvens se transformou em um verdadeiro símbolo de criatividade e amizade, onde a burocracia se encontrava com a imaginação, e onde as nuvens não eram mais barreiras, mas sim oportunidades.

Fonte: José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.