quinta-feira, 25 de julho de 2024

Edy Soares (Fragata da Poesia) 52: Infinitude

 

Mensagem na Garrafa = 127 =


por SILVANA DUBOC

Não se acostume com o que não o faz feliz, revolte-se quando julgar necessário.

Alague seu coração de esperanças, mas não deixe que ele se afogue nelas.

Se achar que precisa voltar, volte!

Se perceber que precisa seguir, siga!

Se estiver tudo errado, comece novamente.

Se estiver tudo certo, continue.

Se sentir saudades, mate-a.

Se perder um amor, não se perca!

Se o achar, segure-o!

O. Henry (Noite Árabe em Madison Square)

 A Carson Chalmers, no seu apartamento perto da praça, Phillips trouxe o correio da tarde. Além da correspondência de rotina, havia dois envelopes tendo o mesmo carimbo postal estrangeiro. 

Em um dos envelopes recém-chegados continha uma fotografia de mulher. O outro, uma carta interminável, em cuja leitura Chalmers se absorveu muito tempo. A carta era de outra mulher, e encerrava farpas envenenadas, adoçadas com mel e emplumadas com insinuações referentes à mulher fotografada.

Chalmers rasgou a carta numa centena de pedacinhos e pôs-se a gastar o seu caro tapete andando de cá para lá sobre ele. Assim age um animal selvagem quando é enjaulado, e assim age um homem enjaulado quando se vê perdido numa selva de dúvidas.

Aos poucos, a inquietação se acalmou. O tapete não era mágico. Podia viajar sobre ele dezesseis pés; três mil milhas estavam além do seu poder.

Phillips surgiu. Nunca entrava; surgia invariavelmente, como um gênio bem azeitado.

– Vai jantar aqui ou fora, senhor? — perguntou.

– Aqui — disse Chalmers — e dentro de meia hora.

Prestou ouvidos, sombriamente, às rajadas de janeiro, que faziam da rua deserta um trombone eólio.

– Espere — disse ao gênio em vias de desaparecer. — Quando vinha para casa, vi no fim da praça, uma porção de homens formando fila. Havia um trepado sobre não sei que, falando. Por que esses homens fazem fila, e por que estão ali?

– São gente sem teto, senhor — respondeu Phillips. — O homem sobre o caixote procura arranjar alojamento para eles passarem a noite. As pessoas vêm ouvi-lo e dão-lhe dinheiro. Então, ele encaminha a alguma casa e cômodos tantos homens quantos o dinheiro possa pagar. Por isso fazem fila; são encaminhados para os alojamentos na ordem em que chegam.

– À hora em que o jantar for servido — disse Chalmers —, traga um desses homens aqui. Jantará comigo.

– Q-q-qual ? - perguntou Phillips, gaguejando pela primeira vez em todo o seu tempo de serviço.

– Escolha a esmo — disse Chalmers. — Veja que esteja razoavelmente sóbrio… e uma certa dose de limpeza não será de desprezar. É tudo.

Era coisa inusitada Carson Chalmers bancar o califa. Mas naquela noite sentia a ineficácia dos antídotos convencionais para a melancolia. A fim de melhorar o humor, carecia de algo caprichoso e chocante, algo de caráter extravagante e arábico.

Em meia hora, Phillips cumpriu os seus deveres de escravo da lâmpada. Os garçons do restaurante embaixo haviam trazido o deleitoso jantar. A mesa, posta para dois, fulgurava festivamente à luz dos círios com pantalhas rosas.

E então Phillips, como se introduzisse um cardeal - ou mantivesse sob custódia um assaltante -, impeliu suavemente para dentro da sala o tiritante conviva, que fora arrancado à fila de hóspedes mendicantes.

É coisa comum chamar-se naufrágios a tais homens;  se a expressão for aqui usada, sê-lo-á no caso específico de um barco desgraçado pelo fogo. Alguma combustão bruxuleante iluminava ainda o casco à deriva. Sua face e suas mãos haviam sido recentemente lavadas — rito no qual Phillips insistira como homenagem póstuma às convenções trucidadas. A luz das velas iluminava o recém-vindo, verdadeira aberração no decoroso ambiente. Sua face era de um branco doentio, coberta até quase os olhos por um restolho que tinha o tom do pelame avermelhado de um setter irlandês. O pente de Phillips não alcançara dominar o cabelo castanho claro, todo emaranhado, que se havia conformado ao contorno de um chapéu usado permanentemente. Seus olhos estavam cheios de desesperançado e ardiloso desafio, como o que se vê nos olhos de um animal acossado pelos seus algozes. O casaco surrado estava abotoado até em cima, mas um quarto de polegada de colarinho redentor se mostrava acima dele. Suas maneiras demostraram ser singularmente isentas de embaraço quando Chalmers se ergueu de sua cadeira do outro lado da mesa circular.

- Se me conceder a honra — disse o anfitrião — ficarei encantado com a sua companhia ao jantar.

— Meu nome é Plumer — disse o conviva estradeiro, em tom áspero e agressivo — Se você for como eu, gostará de saber o nome da pessoa com quem vai jantar.

— Eu estava a pique de dizer — continuou Chalmers, algo apressadamente — que o meu é Chalmers. Quer sentar-se ali?

Plumer, o das plumas amarrotadas, dobrou os joelhos a fim de que Phillips empurrasse a cadeira para ele sentar-se. Tinha aparência de quem frequentara antes mesas servidas por garçons. Phillips apresentou-lhe as anchovas e as azeitonas.

— Bom! — latiu Plumer —, vai ser servido à francesa, pois não? Está bem, meu jovial soberano de Bagdá. Serei sua Xerazade até o fim, até os palitos. Você é o primeiro Califa de sainete genuinamente oriental que encontro em pleno inverno. Que sorte! E eu era o quadragésimo terceiro da fila. Acabara de contar quando o seu bem-vindo emissário veio convidar-me para o festim. Eu tinha tanta possibilidade de arranjar uma cama hoje à noite quanto teria de ser o próximo Presidente. Gostaria de ouvir a triste história da minha vida, Mr. Al-Rachide? Prefere um capítulo a cada prato, ou a edição integral com os charutos e o café?

— A situação não parece ser inédita para você — disse Chalmers com um sorriso.

— Pelo cavanhaque do profeta, não! — respondeu o conviva. — Nova Iorque está tão cheia de Haruns Al-Rachides de fancaria com Bagdá de pulgas. Por causa da minha história, já me vi detido, com um lauto jantar suspenso sobre a cabeça, mais de vinte vezes. Veja se é capaz de descobrir em Nova Iorque alguém que lhe dê algo por nada. Escrevem curiosidade e caridade com o mesmo jogo de letras de armar. A maioria lhe pagará um chop-suey; uns poucos bancarão os califas na base do filé mignon, mas uns e outros não o deixarão em paz enquanto não lhe arrancarem a autobiografia completa, com notas, apêndices e fragmentos inéditos. Oh, já sei o que fazer quando vejo vitualhas à minha frente na velha e querida Bagdá-Sobre-o-Metropolitano. Toco o asfalto três vezes com a fronte e preparo-me para contar patranhas em troca da janta. Declaro-me descendente do falecido Tommy Tucker, que era forçado a propiciar harmonia vocal em troca da sua pré-digerida sopa de trigo com spoopju.

— Não lhe peço que conte a sua história — disse Chalmers — Digo-lhe, com franqueza, que foi um capricho repentino que me fez mandar vir um estranho para jantar comigo. Asseguro-lhe que nada tem a recear da minha curiosidade.

— Ora, que bobagem! — exclamou o conviva, atacando entusiasticamente a sopa — Não me importo nem um pouco. Sou uma revista oriental bastante razoável, com capa vermelha e folhas cortadas quando o Califa viaja. Na verdade, nós, gente que não tem cama para dormir, cobramos uma espécie de tarifa sindical para coisas dessa espécie. Há sempre alguém querendo saber o que nos fez cair tão baixo na vida. Por um sanduíche e um copo de cerveja, digo-lhes que foi a bebida. Por um bife com couve e café, dou-lhes uma dose da história do impiedoso-senhorio-seis-meses-no-hospital-emprego-perdido. Um bom filé e uns cobres para a dormida merecem a tragédia de Wall Street da fortuna evaporada e da progressiva decadência. Este é o primeiro banquete de classe que me acontece. Não tenho pronta nenhuma história que lhe faça jus. Pois, Mr. Chalmers, já lhe digo o que vou fazer: vou contar-lhe, em troca, a verdade, se dispuser a escutá-la. Será mais difícil de acreditar do que as histórias inventadas.

Uma hora mais tarde o conviva árabe recostou-se na cadeira com um suspiro de satisfação, enquanto Phillips trazia o café e os charutos e tirava a mesa.

- Já ouvia falar alguma vez em Sherrard Plumer? — perguntou, com um sorriso estranho.

— Lembro-me do nome — disse Chalmers — Creio que era um pintor bastante proeminente há uns anos atrás.

— Cinco anos — respondeu o convidado. — Desde então, afundei como um pedaço de chumbo. Sou Sherrard Plumer. Vendi o último retrato que pintei por dois mil dólares. Depois disso, não arranjaria quem posasse nem para um quadro grátis.

— Que foi que aconteceu? — não pôde Chalmers deixar de perguntar.

— Engraçado — respondeu Plumer, sombriamente, — Nem eu mesmo entendi bem a coisa. Durante algum tempo, nadei como uma rolha. Meti-me na roda grã-fina e arranjei encomendas a torto e direito. Os jornais me chamavam o pintor da moda. Então começaram a acontecer coisas engraçadas. Sempre que eu terminava um quadro, vinham pessoas vê-lo e punham-se a cochichar e a entreolhar-se.

“Logo descobri qual era o transtorno. Eu tinha uma grande destreza para externar, no retrato, o caráter oculto da pessoa retratada. Não sei como o conseguia... pintava o que via... mas sei que me arruinou. Alguns dos meus modelos ficaram terrivelmente zangados e recusaram seus retratos. Pintei o retrato de uma senhora de sociedade, muito bela e muito popular. Quando estava pronto, o marido dela olhou-o com uma expressão peculiar no rosto, e na semana seguinte entrou com um pedido de divórcio.

“Lembro-me do caso de um conhecido banqueiro que posou para mim. Enquanto o retrato dele estava ainda em exibição no meu atelier, apareceu um conhecido seu para examiná-lo. 'Deus meu', disse, 'ele tem mesmo essa aparência?' Respondi que o retrato fora considerado extremamente fiel. 'Nunca reparara antes nessa expressão nos olhos dele', declarou o visitante. 'Acho que vou dar um pulo até a cidade e transferir o meu depósito bancário.' Foi até a cidade, mas o seu depósito bancário desaparecera, juntamente com o Senhor Banqueiro.

"Não demorou muito para me forçarem a abandonar o negócio. As pessoas não gostam de ver suas mesquinharias secretas mostradas num quadro. Podem sorrir, contorcer as feições, e enganá-lo, mas o retrato não pode. Não houve jeito de eu arranjar encomenda para nenhum outro quadro, e tive de desistir. Trabalhei durante algum tempo como desenhista de jornal , e depois para um litógrafo, mas o meu trabalho com ambos acabou resultando na mesma encrenca. Se eu desenhava sobre uma fotografia, meu desenho mostrava características e expressões que você não poderia encontrar na foto; acho, porém, que estavam no original, sem dúvida alguma. Os fregueses provocavam brigas incríveis, especialmente as mulheres, e nunca consegui manter-me muito tempo num emprego. Assim comecei a repousar a minha fatigada cabeça no seio da Boa Garrafa, em busca de consolo. E não tardou muito, estava eu na fila do leito grátis e praticando ficção oral, por esmolas, nos bazares alimentícios. Será que a expressão da verdade vos entedia, ó Califa? Posso mudar para o desastre de Wall Street, se preferir, mas isso requer uma bebedeira, e receio que não possa suportá-la depois deste excelente jantar.”

— Não, não — disse Chalmers, gravemente —, você me interessa muito. Todos os seus retratos revelavam algum traço desagradável, ou havia alguns que passavam indenes pela prova do seu singular pincel?

— Alguns? Sim — respondeu Plumer. — As crianças, geralmente, muitas mulheres, e um número razoável de homens. Nem todas as pessoas são más, sabe? Quando eram boas, os retratos saíam bons. Como já disse, não sei explicá-los, mas estou-lhe relatando fatos.

Sobre a escrivaninha de Chalmers jazia a foto que recebera naquele mesmo dia na mala estrangeira. Minutos mais tarde, pusera Plumer a trabalhar num esboço, a pastel, da fotografia. Ao cabo de uma hora, o artista ergueu-se e espreguiçou-se fatigadamente.

— Está pronto — bocejou. - Vai perdoar-me por ter demorado tanto. Interessei-me pelo trabalho. Deus, como estou cansado! Não arranjei cama na noite passada, sabe. Acho que vou dar-vos as boas noites agora, ó Comandante dos Fiéis!

Chalmers acompanhou-o até a porta e enfiou-lhe um punhado de notas na mão.

— Oh, aceito! — disse Plumer. — Isso está incluído na queda. Obrigado. Especialmente pelo esplêndido jantar. Vou dormir sobre penas, hoje à noite, e sonhar com Bagdá. Espero que tudo não se revele apenas um sonho, amanhã de manhã. Adeus, excelentíssimo Califa!

De novo pôs-se Chalmers a passear, inquieto, pelo tapete. Mas seu itinerário se afastava da mesa onde jazia o esboço a pastel tanto quanto o permitiam as dimensões do aposento. Duas, três vezes tentou aproximar-se da mesa, mas em vão. Podia enxergar o castanho, o dourado e o marrom das cores, mas havia em torno da mesa uma parede construída pelos seus temores, que o mantinha à distância. Sentou-se e procurou acalmar-se. Ergueu-se e tocou a sineta chamando Phillips.

— Há um jovem artista neste edifício — disse — um certo Mr. Reineman... sabe qual é o seu apartamento?

— Último andar, em frente, sir — respondeu Phillips.

— Vá até lá e peça-lhe por favor que venha até aqui por alguns minutos.

Reineman veio imediatamente. Chalmers apresentou-se.

— Mr. Reineman — disse —, há um pequeno quadro a pastel naquela mesa lá. Ficar-lhe-ia muito grato se pudesse dar-me a sua opinião quanto aos seus méritos artísticos como retrato.

O jovem artista adiantou-se até a mesa e apanhou a pintura. Chalmers voltou-lhe as costas, apoiando-se ao encosto de uma cadeira.

— Que... que acha dele? — perguntou, lentamente.

— Como desenho — respondeu o artista —, não tenho palavras para louvá-lo. É trabalho de um mestre, um mestre audacioso, fino e veraz. Intriga-me um pouco; faz anos que não vejo um pastel tão bom assim.

— O rosto, homem... o tema... o original... que diria dele?

— O rosto — disse Reineman — é a face de um dos mesmos anjos do Senhor. Posso perguntar-lhe quem...

- Minha mulher! — berrou Chalmers, voltando-se, correndo para o atônito artista, agarrando-lhe a mão e batendo-lhe nas costas. — Está viajando pela Europa. Leve esse esboço, rapaz, pinte o melhor quadro de sua vida, e deixe o preço comigo.

Fonte> O. Henry. Caminhos do Destino. Contos. Publicado originalmente em 1909. Disponível em Domínio Público.

Vereda da Poesia = 66 =


Trova Humorística de Queluz/Portugal

AMÉRICO FERRER LOPES

Eva.. esse anjo encantador
que em pecados se desdobra,
fez do Adão um pecador
e diz... "A culpa é da cobra"!
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Poema de Porto União/SC

BENJÚNIOR 
(Benevides Garcia Barbosa Júnior)

Grito de estrelas

"Um grito de estrelas vem do infinito
E um bando de luz repete o grito.
Todas as cores e outras mais
Procriam flores astrais.
O verme passeia na lua cheia"...

Hoje estou com vontade diferente
de ser outra gente
de outro bando e lugar.
Estou com vontade de andar
caminhar [vagar, voar,]
ser infinito
enquanto posso...
Quero libertar de
minhas janelas,
e conhecer a imensidão
dos amanhãs, que
são forjados
nas oficinas do tempo,
que ficam escondidas
em lugar nenhum.
Quero escapar,
dos caminhos que existem
dentro das coisas transparentes,
que refletem os cansaços
e as indecisões.
Quero viver a vida
em "slow motion"
no abrigo
dos corações invertidos,
pintados como trens
que de repente param
em nenhuma estação...
E assim,
como do fundo da música
brotam as notas
que, ora são lembranças,
ora esperanças,
emudeço o grito,
na pauta do silêncio
e da amargura...
E quando a noite vier,
cantarei alguma coisa
pra dormir,
no silêncio das paredes,
que refletem fantasmas
de minha alma...
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Aldravia do Rio de Janeiro/RJ 

MARILZA DE CASTRO

sonhar
no
mar
salga
ideia
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Soneto de Ilhavo/Portugal

DOMINGOS FREIRE CARDOSO

No dia da tua morte choveu

“No dia da tua morte choveu”
Como se este céu fosse o confidente
Das coisas que não contavas à gente
E soubesse o que o teu peito sofreu.

Com o desgosto o céu se escureceu
E a chorar fez questão de estar presente
Nessa hora em que te fizeste ausente
E essa pura amizade se fendeu.

A chuva molhou todo esse caminho
Por onde te levaram, com carinho
À última morada que terás.

Limpam-se as longas lágrimas terrenas
Que ao fim de tantas lutas, tantas penas
Tu, finalmente, vais viver em paz.
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Trova Premiada em Maringá/PR

JORGE FREGADOLLI
(Maringá/PR)

Feliz quem desde menino,
pela boa educação,
do trabalho faz um hino
e da vida uma canção!
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Poema de Santana do Livramento/RS

ADAIR DE FREITAS

“Meu canto tem cheiro de terra e pampa”

Meu canto não conhece desencanto
Vem peleando a tanto tempo
Mas não cansa de pelear
Hoje já se ouve a ressonância
Dessa voz de peão de estância
Conquistando seu lugar
Meu canto, se quiser eu te ofereço
Pois ninguém me bota preço
Quando não quero cantar
Meu canto, companheiro, não se iluda
É como um cavalo de muda
Que cansou de cabrestear

(Meu canto tem cheiro de terra e pampa
É um andejo que se acampa
Tendo o mundo por galpão
Grita pra que o mundo inteiro ouça
É raiz de muita força
Rebrotando deste chão)

Meu canto, não é mágoa, não é pranto
Nem passado, nem futuro,
Que o presente é mais verdade
Hoje o amanhã não me fascina
Tenho o ontem que me ensina
Mas não vivo de saudade
Canto nesta terra onde me planto
Mas não pise no meu poncho
Que eu empaco e me boleio
Canto pra pedir mais igualdade
Quem não gosta da verdade
Que se aparte do rodeio

(Meu canto tem cheiro de terra e pampa
É um andejo que se acampa
Tendo o mundo por galpão
Grita pra que o mundo inteiro ouça
É raiz de muita força
Rebrotando deste chão)

Canto, e minha voz quando levanto
Não traz ódio nem maldade
Coisas que não sei sentir
Não que seja mais que qualquer outro
Nem mais touro, nem mais potro,
Se disser eu vou mentir
Peço pra quem julga e dá conceito
Que esqueça o preconceito
E me aceite como sou
Manso como água de cacimba,
Mas palanque que não timbra
Porque o tempo enraizou

(Meu canto tem cheiro de terra e pampa
É um andejo que se acampa
Tendo o mundo por galpão
Grita pra que o mundo inteiro ouça
É raiz de muita força
Rebrotando neste chão)
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Trova Popular

Os olhos de meu benzinho
são joias que não se vendem,
são balas que me feriram,
são correntes que me prendem.
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Soneto de Caicó/RN

PROFESSOR GARCIA

Entardecer

Morre a tarde!... E, na dor do Sol poente,
há uma nesga de luz e nostalgia,
separando, de forma displicente,
os encantos e a dor do fim do dia!

Ante o drama sem volta e tão dolente,
ouço, ao longe, uma voz que me assedia;
é a de um sino que tange, lentamente,
os suspiros finais da Ave Maria!

Nesse instante, eu me sinto até covarde;
me envergonho, ante a dor do fim da tarde,
mas encaro de frente e olhos abertos…

E à distância, no olhar da eterna luz,
eu percebo dois braços numa cruz,
rodeados de luz entre os libertos!
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Trova de Belo Horizonte/MG

OLYMPIO DA CRUZ S. COUTINHO

O livro é qual luz do sol,
luz que a todos ilumina;
Na escuridão, um farol
que o claro caminho ensina.
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Poema de Maringá/PR

FLORISBELA MARGONAR DURANTE

Presente

Eu aceito você
como a ordem natural da vida;
como um rio imutável
cumpre o seu destino;
como a árvore fixa há séculos
vive o drama das pessoas,
mas continua impassível;
como a certeza de um dia
ensolarado ou chuvoso
pouco importa, pois
o dia é sempre presente,
e presente de Deus.
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Trova Humorística de Belo Horizonte/MG 

JOSÉ MACHADO BORGES

Do peixe, como eu dizia,
sem pretensão de iludi-los,
somente a fotografia
pesava mais de oito quilos!
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

J.G. DE ARAÚJO JORGE
(Jorge Guilherme de Araújo Jorge)
Tarauacá/AC 1914 – 1987 Rio de Janeiro/RJ

Exaltação Ao Amor 

 Sofro, bem sei...Mas se preciso for
sofrer mais, mal maior, extraordinário,
sofrerei tudo o quanto necessário
para a estrela alcançar...colher a flor...

Que seja imenso o sofrimento, e vário!
Que eu tenha que lutar com força e ardor!
Como um louco, talvez, ou um visionário
hei de alcançar o amor...com o meu Amor!

Nada me impedirá que seja meu,
se é fogo que em meu peito se acendeu,
e lavra, e cresce, e me consome o Ser...

Deus o pôs...Ninguém mais há de dispor...
Se esse amor não puder ser meu viver,
há de ser meu para eu morrer de Amor!
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

ADELMAR TAVARES
Recife/PE, 1888 – 1963, Rio de Janeiro/RJ

Saudade - doce transporte
da alma adejante e ferida...
- É viver dentro da morte!
- É morrer dentro da vida!
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Glosa de Porto Alegre/RS

GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

Sonhador e peregrino

MOTE:
Bem feliz vive o poeta,
peregrino e sonhador,
luzeiro que se completa
no sonho do trovador.
Vidal Idony Stocker 
Castro/PR, 1924 – 2014, Curitiba/PR

GLOSA:
Bem feliz vive o poeta,
pleno de amor e emoção,
pois sua musa secreta
mora no seu coração!

Segue em frente, noite e dia,
peregrino e sonhador,
na bagagem, a poesia
lhe dissipa qualquer dor!

Tem em sua alma de esteta 
um não sei que tão bonito,
luzeiro que se completa
como uma luz do infinito!

Segue assim, o seu caminho,
atapetado de amor,
colocando o seu carinho,
no sonho do trovador.
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

BASTOS TIGRE
Recife/PE, 1882 – 1957,  Rio de Janeiro/RJ

Dos versos os mais diversos       
já fiz: muita gente os lê…        
Mas “poesia” há nos versos    
que eu fiz pensando em você.    
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Soneto de Curitiba/PR

VANDA FAGUNDES QUEIROZ

A cor da minha trísteza

A tristeza em meus suspiros tão frequente,
não lhe vês o ar de órfã desolada,
não entendes sua voz — brado silente,
não lhe dás nunca razão, nem cor, nem nada..,

E ela tem, nítida, a cor do riso ausente...
É triste andante de faces desbotadas,
tem a cor dos pés descalços, do inclemente
abrigo sujo ostentado nas calçadas.

Tem a cor do pranto, alheio, sofre o espinho
que a tantas flores impede de brotar.
Tem a cor da nulidade de um caminho

que — acaso existe? — ninguém logra alcançar:
a cor de um mundo de risos tão mesquinho,
tão farto em dor, que dá cor ao meu penar...
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Trova Premiada em Nova Friburgo/RJ, 2007

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA 
(São Paulo/SP)

À mensagem não me rendo… 
Não abro… não quero ler… 
Para não ficar sabendo 
o que eu finjo não saber. 
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Poema de Maringá/PR

IVY MENON

O Poema

O Poema jorra pétalas brancas
Rosas brancas, pálidas de espanto
ao vento, asas arremessadas, livres
pelo ar.

O Poema surpreendente doçura
mistura mel e terra, fruta-do-conde
Laranja craveira, sorva gomo a gomo

O Poema brota morno, doido
aos borbotões as lágrimas de gozo
inundam as mãos, ávidas mãos.
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Triverso de Londrina/PR

DOMINGOS PELLEGRINI

Tantas vezes fiz
este mesmo trajeto,
nunca foi o mesmo.
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Setilha de São Simão/SP

THALMA TAVARES

No sertão, terra molhada
tem um cheiro promissor.
É esperança de fartura,
ao caboclo plantador...
Dá bom milho e bom café
que a gente colhe de pé
rendendo graça ao Senhor.
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Ramalhete de Trovas de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

"Café" da madrugada!

É noite, e a brisa do sono
sopra, mansa e sorrateira;
em seus braços me abandono,
enroscado, a noite inteira!

Antes do quebrar da barra,
ao canto do caboré,
sussurrando, ela me agarra,
dizendo: hora do café!

Despertando, reparei 
a "louça" já preparada
em nossa cama, e tomei
o "Café" da madrugada!
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Hino de Ouro Preto/MG

Em cada aresta de pedra
Uma epopeia ressoa
Na terra formosa e boa
Onde a grilheta não medra

A terra, que um cento de anos
Três vezes viu passar
Possui dos ouropretanos
Em cada peito um altar

A névoa que cobre a rocha
Do mais brando e puro véu
Quando a manhã desabrocha
É um beijo que vem do céu

Os fatos de Vila Rica
Lembram raças titãs
Cuja memória nos fica
Para os mais nobres afãs

Guarda o seio das montanhas
Os áureos filões mais ricos
Contempla os altos picos
Das laceradas entranhas

Protege, Deus, estes lares
Dos filhos dos bandeirantes
Por estas serras gigantes
São outros tantos altares
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

Ouro Preto: Uma Epopeia de Pedra e História
O 'Hino do Município de Ouro Preto' é uma celebração poética e histórica da cidade mineira, conhecida por sua rica herança cultural e importância no período colonial brasileiro. A letra da música exalta a beleza natural e a grandiosidade histórica de Ouro Preto, destacando a resistência e a bravura de seus habitantes ao longo dos séculos. Cada 'aresta de pedra' mencionada na canção simboliza as inúmeras histórias e lutas que ressoam na cidade, um lugar onde a 'grilheta não medra', ou seja, onde a opressão não prospera.

A canção também faz referência ao espírito dos ouropretanos, que carregam em seus corações um altar de devoção à sua terra natal. A névoa que cobre as rochas ao amanhecer é descrita como um 'beijo que vem do céu', uma metáfora que sugere a bênção divina sobre a cidade. A letra remete aos tempos de Vila Rica, antigo nome de Ouro Preto, e às 'raças titãs' que construíram sua história, preservando suas memórias para inspirar futuras gerações.

Além disso, o hino destaca a riqueza natural da região, com seus 'áureos filões mais ricos' escondidos nas montanhas. A letra pede a proteção divina para os lares dos descendentes dos bandeirantes, os desbravadores que exploraram o interior do Brasil. As 'serras gigantes' são vistas como altares, reforçando a ideia de que a natureza e a história de Ouro Preto são sagradas e dignas de reverência. O hino, portanto, é uma ode à resistência, à beleza natural e à herança cultural de Ouro Preto, celebrando sua importância no cenário histórico e cultural do Brasil. https://www.letras.mus.br/hinos-de-cidades/1789134/ 
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Poetrix de Recife/PE

ANTONIO CARLOS MENEZES

Melancolia

à beira do rio
sou pássaro que canta
em lugares sombrios.
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Poema de Maringá/PR

AGENIR LEONARDO VICTOR

Corais de vozes

Vozes, inspiração, talentos.
Gingados, gestos e danças.
Tudo faz parte dos coralistas.
Cada música é uma apresentação
De riquezas e notas musicais.
Sons se misturam e são levados
Ao ar com intensa emoção.
A expressão singela dos ouvintes
Diz tudo e tudo mesmo…
Como é bom ouvir aos ventos
Canções que expressam sentimentos
Elevam nossa alma
Educam nosso jeito de ser.
É uma fonte musical que ajuda
E soma à nossa cultura.
Entre acenos e aplausos, mas…
Sufocados pelas mãos mágicas do maestro
Corais entoam
E encantam com suas belas canções.
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Trova de de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Feliz o povo que pensa
e que se expressa à vontade.
Onde amordaçam a imprensa
morre à míngua a liberdade.
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Conto em Versos do Rio de Janeiro/RJ

ARTHUR DE AZEVEDO
São Luís/MA, 1855 – 1908, Rio de Janeiro/RJ

Escola dos velhos

O Próspero Pimenta
Passava dos cinquenta,
Quando encontrou na vida
A mulher longamente apetecida
Entre sonhos, visagens e quimeras.
Ela contava apenas
Dezoito primaveras,
E era a mais deliciosa das morenas.

Ele encontrou-a, por acaso, um dia
Em que um novo dilúvio parecia
Desabar sobre a terra, e atencioso,
Ofereceu-lhe o braço e o guarda-chuva,
Que é, quando chove, rufião precioso.
Levou-a para casa. A sua vida
Ela contou-lhe muito comovida:
Tinha sido casada, era viúva.
Já viúva? É verdade!
Andava o dia inteiro na cidade,
Procurando um emprego...
Um destino... um aconchego...
O Próspero Pimenta era solteiro;

Tinha muito dinheiro
E um palacete mobilado tinha;
Por isso, a viuvinha
Ali ficou de casa e pucarinha.

Ele amou-a deveras;
Não era um homem gasto,
Um coração cansado que repasto
Outrora fosse de paixões violentas;
Ele podia ainda
Perpetuar a raça dos Pimentas,
Levar longe o seu nome;
Mas aquela menina ingênua e linda,
Se a imperiosa fome
De um exigente amor satisfazia;
Estranha sensação lhe produzia;
Ele ficava contrafeito quando,
Os seus lábios de púrpura beijando,
O doce mel do amor neles sorvia;
E pensava: — Estou velho, e certamente
Só me tolera porque sou, não rico,
Mas solícito, bom, condescendente;
Sinto que a sacrifico,
A consciência diz-me que a deturpo,
E o lugar de outro, menos velho, usurpo. 

Ora, um dia, o Pimenta
Foi avisado de que a sua amante,
De amor faminta e de prazer sedenta,
Tinha um amante que não era ele,
E pilhou-a em flagrante,
Furioso — meu Deus! Que dia aquele! —
Ia fazer escândalo e alvoroço,
Quando caiu em si, vendo que o moço
Com quem ela o enganava,
Nem trinta anos contava
E era um rapaz bonito;
Não lhe faltava nem um requisito
Para ser dela amado
— Afinal, tens razão, disse o coitado,
Quem não a tem é o meu amor absurdo,
Que me fez cego e surdo.
Amai-vos, pois, meus filhos,
Amai-vos à vontade!
Eu não ponho empecilhos
À vossa felicidade! —

E fez mais o Pimenta:
Dotou a viuvinha com quarenta
Contos de réis, e o belo moço amado
(Grande pulha!) com ela está casado.

Nasceu-lhes um filhinho,
E o Pimenta foi logo convidado
Para ser o padrinho.

(convertido para o Português atual por José Feldman)