domingo, 1 de setembro de 2024

Trovadora Homenageada do Dia: Vanda Fagundes Queiroz (Trovas em preto e branco)


1
A minha alma adolescente,
de braços dados com a vida,
parece nem ser parente
desta face envelhecida.
2
A primavera, suponho,
que tendo sonhos de amor,
faz, sim, com que cada sonho
nasça em forma de uma flor.
3
Chuva a molhar nosso riso,
riso feliz e molhado…
qualquer tempo é paraíso,
quando o amor é partilhado.
4
– Corte o texto!… Longo assim,
A ideia até se desdoura.
– Pois não, mestre, corto sim,
vou procurar a tesoura…
5
Entro em casa e, no consolo
de ter, no lar, proteção,
piso o primeiro tijolo…
e sinto o céu, no meu chão!
6
Fez plástica no nariz
e comprou peruca loura…
Pirracenta, a outra diz:
- Falta montar na vassoura…
7
Maior prêmio, no decurso
da vida de um trovador,
bem mais que ganhar concurso,
é erguer o troféu do amor!
8
Não basta apenas sonhar,
a vida requer firmeza
de agir, para transformar
uma esperança em certeza.
9
Neste mundo tão mesquinho,
é um prazer ouvir a voz
de quem faz o bem sozinho,
mas usa o pronome “Nós”.
10
Para um garoto, os quintais
eram reinos de magia,
guardando tesouros reais
nos mapas de fantasia…
11
Por mais que o progresso iluda,
deturpe e inverta valor,
o que Deus fez ninguém muda:
o amor será sempre amor!
12
Que imenso mundo se esconde
na pena de intenso brilho
que torna em sábio Visconde
um sabuguinho de milho…
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AS TROVAS DE VANDA EM PRETO E BRANCO
por José Feldman

AS TROVAS UMA A UMA

1. A minha alma adolescente
A poetisa reflete sobre a dualidade entre a juventude e o envelhecimento. A "alma adolescente" representa a vitalidade e a esperança, enquanto a "face envelhecida" sugere a experiência e os desafios da vida. Essa tensão entre o ser interior e a aparência externa provoca uma reflexão sobre a identidade e a passagem do tempo.

2. A primavera, suponho
Aqui, a primavera simboliza renovação e novos começos. Os "sonhos de amor" florescem, representando a capacidade de transformar aspirações em realidade. A imagem da flor é poderosa, sugerindo beleza, fragilidade e a natureza efêmera dos sentimentos.

3. Chuva a molhar nosso riso
A chuva é uma metáfora para a alegria compartilhada. Mesmo em tempos difíceis, o amor pode criar um "paraíso". Essa trova destaca a importância da conexão emocional e da partilha nas relações, sugerindo que a felicidade é, em grande parte, uma construção conjunta.

4. – Corte o texto!… Longo assim
Esta trova revela uma crítica à superficialidade na arte. De uma forma humorística, o "mestre" representa a voz da razão que busca simplificação, enquanto a resposta do eu lírico demonstra a disposição em questionar essa autoridade. A tesoura torna-se um símbolo da necessidade de edição e clareza na expressão artística.

5. Entro em casa e, no consolo
A casa é retratada como um santuário, um lugar de proteção e conforto. O "primeiro tijolo" simboliza a construção de um lar e de raízes. A expressão "sinto o céu, no meu chão" sugere uma conexão profunda entre o mundano e o espiritual, enfatizando a paz que se encontra em um ambiente seguro.

6. Fez plástica no nariz
Essa trova aborda a obsessão pela aparência e as pressões sociais que levam à transformação física. A crítica à superficialidade é evidente, com uma personagem que se transforma, mas ainda é alvo de zombarias. Isso provoca uma reflexão sobre a autenticidade e o valor interior versus exterior.

7. Maior prêmio, no decurso
O amor é exaltado como a verdadeira recompensa na vida de um trovador. Essa trova sugere que, embora o reconhecimento externo seja valioso, o amor é a realização mais significativa, ressaltando a importância das conexões afetivas.

8. Não basta apenas sonhar
Aqui, a poetisa destaca a necessidade de ação. Sonhar sem agir é insuficiente; a transformação de esperanças em certezas requer determinação. Essa mensagem é um chamado à proatividade e à responsabilidade na busca por objetivos.

9. Neste mundo tão mesquinho
A voz que faz o bem "sozinho" e usa "nós" sugere uma crítica ao individualismo. A coletividade e a solidariedade são valorizadas, destacando que ações altruístas são mais impactantes quando vistas como esforços conjuntos, reforçando a ideia de comunidade.

10. Para um garoto, os quintais
A evocação da infância e dos quintais como "reinos de magia" simboliza a imaginação e a descoberta. Os "mapas de fantasia" refletem a inocência e a capacidade de ver o mundo como um lugar cheio de possibilidades, evocando saudade e nostalgia.

11. Por mais que o progresso iluda
A poetisa critica a forma como o progresso pode distorcer valores. O amor, como uma essência divina, permanece imutável, destacando a importância de preservar o que é verdadeiro e significativo em meio às mudanças da sociedade.

12. Que imenso mundo se esconde
A metáfora do "sabuguinho de milho" transformado em "sábio Visconde" sugere que há um potencial oculto em tudo e todos. Essa ideia de transformação e descoberta da sabedoria interna reflete um otimismo sobre o crescimento humano e as possibilidades de mudança.

RELAÇÕES DA TEMÁTICA DAS TROVAS DE VANDA COM OUTROS POETAS

As trovas de Vanda F. Queiróz dialogam com diversos poetas, tanto antigos quanto contemporâneos, em vários aspectos. Vejamos:

1. Amor e Natureza
Em tempos de incertezas e crises emocionais, a ênfase de Vanda no amor como uma força transformadora destaca a sua relevância. O amor, em suas diversas formas, é um antídoto contra a alienação e a solidão, promovendo laços que fortalecem a comunidade.

Camões e Bocage frequentemente exploram o amor em conexão com a natureza. Camões, em particular, usa a natureza como um reflexo das emoções humanas. Adélia Prado e Maria Bethânia também utilizam a natureza para evocar sentimentos amorosos, similar ao que se vê nas trovas de Vanda.

2. Juventude e Envelhecimento
A tensão entre juventude e envelhecimento que permeia suas trovas convida à introspecção sobre a identidade pessoal em meio às pressões sociais. Essa reflexão é essencial em uma era em que a imagem e a aparência muitas vezes superam o valor interior.

Fernando Pessoa, especialmente em suas reflexões sobre a passagem do tempo em "Mensagem", aborda a dualidade entre o eu jovem e o eu maduro. Mário Quintana fala sobre o tempo e a nostalgia, ecoando as preocupações de Vanda com a alma jovem em um corpo envelhecido.

3. Solidariedade e Coletividade
A valorização do "nós" em suas obras se alinha com a crescente necessidade de ações coletivas para enfrentar desafios globais, como desigualdade social e crises ambientais. Vanda nos lembra da importância de agir em conjunto, promovendo um senso de comunidade.

Olavo Bilac, em sua obra, valoriza a união e a coletividade, refletindo sobre a importância do "nós". Cecília Meireles também destaca a importância das relações humanas e da coletividade em suas poesias.

4. Autenticidade e Aparência
A crítica à superficialidade e à obsessão por aparências é mais pertinente do que nunca. Em um ambiente saturado de redes sociais e comparações, suas trovas nos incentivam a buscar a autenticidade e a verdadeira essência do ser.

Gregório de Matos critica a hipocrisia social e a superficialidade em suas poesias, semelhante ao olhar crítico de Vanda. Chico Buarque, em suas letras, aborda questões de identidade e aparência, refletindo sobre a autenticidade.

5. Nostalgia e Inocência
A nostalgia e a inocência nas trovas de Vanda F. Queiróz não apenas evocam um sentimento de saudade, mas também funcionam como um chamado à redescoberta das qualidades essenciais da vida. Elas nos lembram da importância de manter viva a capacidade de sonhar, de valorizar as conexões emocionais e de encontrar beleza nas experiências cotidianas. Em um mundo que frequentemente prioriza o material e o efêmero, as trovas de Vanda oferecem um refúgio que valoriza o que é verdadeiramente significativo e duradouro.

Gonçalves Dias, em "Canção do Exílio", evoca a saudade e a nostalgia pela infância e pela terra natal. Marília Mendonça, em suas letras, traz uma forte carga emocional ligada à memória e à inocência perdida.

6. Ação e Transformação
A mensagem de que sonhar sem agir é insuficiente ressoa em um momento em que muitos buscam mudança, tanto em suas vidas pessoais quanto na sociedade. A necessidade de transformar esperanças em realidades é um chamado à ação que pode inspirar gerações atuais e futuras.

Machado de Assis frequentemente enfatiza a necessidade de ação e mudança social em suas obras. Hilda Hilst também fala sobre a importância de agir para transformar a realidade, alinhando-se com a mensagem de Vanda.

7. Mudanças e Permanência
A relação entre mudanças e permanência nas trovas de Vanda F. Queiróz cria um espaço para reflexão sobre a dualidade da experiência humana. Enquanto as mudanças são inevitáveis e muitas vezes desafiadoras, a poetisa nos lembra que certos elementos, como o amor e os valores fundamentais, oferecem estabilidade e significado. Essa interação entre o efêmero e o duradouro é um convite para encontrar beleza e profundidade nas transições da vida, celebrando o que realmente importa em meio às incertezas.

Vinicius de Moraes explora a permanência do amor em meio às mudanças da vida, uma temática que ressoa nas trovas de Vanda. Ruth Rocha também aborda a ideia de que, apesar das mudanças, o amor e as relações humanas permanecem centrais.

Essas relações mostram como Vanda F. Queiróz se insere em um rico diálogo literário, abordando temas universais que atravessam o tempo e ressoam em diferentes vozes poéticas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A temática das trovas de Vanda F. Queiróz, com sua rica exploração de amor, juventude, autenticidade e solidariedade, ressoa profundamente no contexto contemporâneo.

As trovas de Vanda não são apenas um testemunho da beleza poética, mas também um convite à reflexão sobre temas que continuam a ser relevantes em um mundo marcado por rápidas mudanças. Suas trovas servem como um farol, guiando-nos em meio às complexidades da vida moderna, reafirmando a importância do amor, da autenticidade e da solidariedade em um mundo que muitas vezes parece desumanizado. Ao resgatar esses valores, Vanda contribui para a construção de uma sociedade mais empática e conectada, essencial para o futuro que desejamos.
Fonte: José Feldman. Trovas em preto e branco. IA Open. 2024.

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