quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Lendas e Contos Populares do Paraná (Cidades de Marilândia do Sul/ Paranaguá/ Pontal do Paraná/ Santo Antônio da Platina/ Tibagi)

MARILÂNDIA DO SUL
O fundador Santiago Lopes José


Santiago Lopes José pode ser considerado uma lenda, por ter tido grande influência no modo de vida das pessoas do município. Como um dos fundadores conquistou um grande respeito por parte de todos que aqui viviam, influenciando na vida política, religiosa e social.

Na época era considerado por muitos como um “santo” e “curador”, pois benzia e distribuía água às pessoas, além de orientá-las sobre seus procedimentos morais. Ele não obrigava ninguém a seguir seus costumes, mas aqueles que não seguiam não recebiam a água benta.

Suas regras diziam respeito ao modo de se vestir, com roupas longas; não comer carne nos dias de quarta-feira e sexta-feira; freqüentar a igreja todos os domingos; não trabalhar nos dias de sábado e domingo. Ainda hoje, muitos destes costumes são seguidos por várias pessoas do município.
PARANAGUÁ
A lenda da cabeça do enforcado


Um escravo africano matara o seu amo, lá pelos lados do Im-bocuí, devido aos maus tratos que há muito vinha sofrendo. Levado ao júri, foi o infeliz condenado à morte, sumaria-mente, sendo daí a dias enforcado.

Era uso na época, quanto aos escravos, depois de enforcados, cortar-se a cabeça da vítima e colocá-la num poste, em um lugar bem visível e que fosse freqüentado pelos negros, para servir de exemplo a esses infelizes cativos. O poste com a cabeça do enforcado foi colocado na Fonte da Cambôa, por ser o local de vaivém diário dos negros. Os escravos, que iam à fonte buscar água para os seus amos, quando chegavam na ladeira, baixavam a cabeça, para não olhar aquele crânio pendurado. O pavor lhes invadia a alma cheia de crendices e medos. Eles tinham verdadeiro horror de descer a ladeira ao anoitecer, pois se dizia que a visão do corpo sem cabeça vagava, desde o escurecer até alta madrugada, enlouquecendo as pessoas que por ali passassem.

Para os senhores de escravos, essa lenda era um meio seguro de obrigar os cativos ao trabalho, ameaçando-os, caso vadiassem, mandá-los à fonte durante a noite. Esse costume continuou vivo, desde o século XVII, nos tempos coloniais, até 1888, quando foi proclamada a abolição da escravatura. Com a Independência do nosso país, muitas leis foram revogadas. Assim, o crânio dali desapareceu.

Hoje, depois de 300 anos, nem mais se fala nisso, e poucos, se ainda existem, poderão lembrar. Atualmente, a Fonte da Cambôa é um lugar aprazível, sendo muito visitado pelos turistas.
PARANAGUÁ
A lenda da caveirinha


Um escravo muito tagarela vinha da Fonte Velha, trazendo um pote d’água à cabeça. Ao atravessar o “Campo Grande”, viu, encostado a uma velha figueira, um esqueleto humano.

Meio assustado, porém, por brincadeira e com vontade de falar, arriscou-se a dizer ao esqueleto:

– Caveirinha, quem te matô?
– Foi a “língua”; ouviu o esqueleto responder.

Achando graça, tornou a perguntar:
– Caveirinha, quem te matô?

E a resposta não se fez esperar:
– Foi a “língua”...

Fez o negro a pergunta pela terceira vez; a mesma resposta ouviu:
-Caveirinha, quem te matô?
– Foi a “língua”.

O escravo, então, apressou o passo, não por medo, mas para chegar mais cedo à casa do amo; pois estava doidinho para soltar a língua, como sempre fazia, mentindo descaradamente. Tão logo deixou o pote com água na cozinha, foi, lépido, até a senzala nos fundos do quintal, para contar o caso aos companheiros de cativeiro, que havia falado com uma caveira.

Alguns começaram a rir, gozando o escravo linguarudo. Outros, nem deram atenção; pois já conheciam as manhas e mentiras dele. Mas um deles, muito crédulo, aventurou-se a contar ao amo a façanha do negro marombado, como diziam todos. O patrão, cansado de saber das invencionices do escravo, mandou-o chamar. Ele veio todo lampeiro. O patrão então perguntou.

– Que história é essa do esqueleto falar, seu negro sem vergonha?
– Meu amo, eu juro que oví a caveira falá.
– Você não perde o costume de soltar a língua. Não se emenda mesmo.
– Mas eu vi a caveira e oví ela falá. Eu juro que não tô mentindo. Ela tá lá.
– Você é um descarado. Não sabe que um esqueleto não tem vida? Como então poderia ele falar?
– Falô, sim sinhô, meu amo. Eu tô dizendo a verdade. Mecê pode aquerditá. Desta veis eu não tô mentindo.
– Jura em nome de Deus?
– Juro, por nosso sinhô!
– Pois bem. Nós iremos ao Campo Grande. Queremos ver esse esqueleto, se ainda lá está, e também ouvi-lo falar com você. Mas fique certo do seguinte; se o esqueleto ainda lá estiver e não responder à sua pergunta, eu mandarei amarrá-lo ao tronco da figueira, junto ao esqueleto, para receber 100 chicotadas, a fim de nunca mais mentir. E lá se foram todos, patrão, empregados e escravos; onde, de fato, encontraram um esqueleto encostado a uma figueira, no tal Campo Grande.

– Agora, disse o patrão: fale, negro sem vergonha; fale com ela.

E o negro, já meio amedrontado: – caveirinha, quem te matô?

Nada; o esqueleto não respondia. Tornou a perguntar: caveirinha, meu bem, quem te matô? Nem uma palavra. O negro, temendo já o castigo que ia receber e que por certo não agüentaria, começou a implorar: – Caveirinha, minha boa amiguinha, diga, por favô, quem te matô. Diga, senão eu vô apanhá muito.

O silêncio continuava.
– Pessoal, falou o patrão, amarrem esse marombado ao tronco da figueira e executem as minhas ordens. E foi-se com os demais escravos. O pobre escravo não agüentou o suplício e morreu. Já era noite quando isso aconteceu.

Depois que os empregados foram embora, deixando o negro amarrado ao tronco da árvore. Ouviu-se uma voz, a voz do esqueleto: “Eu não te disse que quem me matou foi a língua? Isso aconteceu no tempo da escravidão. Contavam os negros em suas senzalas, à noite.
PONTAL DO PARANÁ
Figueira do corpo seco

Caro leitor preste atenção
Na história que vou contar
Este fato ocorreu no litoral
Do Estado do Paraná

Há muitos anos passados
Na época da escravidão
Os negros trabalhavam duro
Em troca de um pedaço de pão

Na localidade ribeirinha
Chamada de Guaraguaçu
Havia um patrão temido
Por todos os negros do sul

Os negros não tinham direitos
O patrão era um carrasco cruel
Mandava escravo para o tronco
Depois deixava ao léu

Um dia um escravo fujão
Ao ser capturado pelo capataz
Foi colocado no tronco
Sendo espancado até demais

O local da execução
Foi num mato fechado
Ficando o corpo do escravo
Naquela árvore amarrado

O negro não resistiu
A tamanha agressão
Vindo o pobre a falecer
Sem receber extrema unção

A figueira com os anos
Foi sua casca fechando
Ficando o corpo do negro
Ao tronco preso secando

Hoje quem visitar o Guaraguaçu
Deve aproveitar para conhecer
A figueira do corpo seco
Que lá está para quem quiser ver.

SANTO ANTÔNIO DA PLATINA
O homem das sete orelhas


Por volta de 1880, chegava a Santo Antônio da Platina uma família vinda de Fartura, Estado de São Paulo, para a conquista das terras adquiridas do Governo Imperial. Estabeleceram-se na atual Fazenda Santa Joana. Derrubaram a mata, plantaram e construíram suas casas.

No começo, os índios não incomodavam, mas depois começou a surgirem conflitos. João Francisco, um ex-escravo que morava com a família, era um homem bravo, temido por todos. Quando havia caçada aos índios, a prova da morte era trazer a orelha direita do índio morto. As orelhas eram cortadas e colocadas num canudo de taquara.

Conta-se que a matriarca da família certa vez estava fiando, em seu sítio, quando chegou João Francisco e despejou em seu colo os troféus nefastos. Estava grávida e com o susto que levou, abortou. O “sete orelhas” era pessoa temida pelas crianças e adultos mais inocentes, na época antiga.
TIBAGI
Um lindo diamante


Uma história tão linda, eis que agora vou contar:
um homem alegre e forte num rio foi garimpar.
Passou horas de desafio, cansado, com sono e dor,
enfrentou o calor e o frio, disse enfrentar o que for.

Com o tempo ganhou esperança de, no rio Tibagi,
um bom diamante encontrar.
Daria presentes às crianças e comida ao pobre que precisar,
com isso em mente foi trabalhar.

Cavando em busca do mineral, este homem valente ficou contente,
alegrando muita gente com um lindo diamante,
que um dia conseguiu encontrar.

Com a ajuda de Deus e apoio dos amigos seus,
no rio Tibagi foi cavando sem parar.
Quando peneirava para lá e para cá,
viu um brilho na água clara.

Quase perdeu de vista, mas conseguiu segurá-lo.
Tão raro.

Termino de contar uma história,
que aprecio e guardo na memória!
Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr. (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 21. ed. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005. (Cadernos Paraná da Gente 3)

J. G. De Araújo Jorge (Quatro Damas) 1a. Parte

" A CARTA QUE AINDA FAREI "

A carta que um dia hei de escrever
quando tu fores minha noiva,
será curta, pequena...

Na verdade, eu já a fiz:

“Meu amor,
que eu não possa nunca te dizer
nem encontre palavras para descrever
o quanto sou feliz !”

" A COMPANHIA "

Do amor não quero mais a aventura,
quero a companhia.

Já não procuro ilusões e surpresas
se todos os caminhos foram percorridos,
se oblíquo sol da tarde alonga a minha sombras
presa ainda a meus pés, a fugir, para onde?

Quero a compreensão, a tranqüila ternura,
a presença melhor depois que amada,
a que sabe ser luz clareando a estrada,
ser aragem na fronte ardente a inquieta;

- alta maré para encobrir escolhos,
ser água para a sede que atormenta,
sombra, quando a luz doer nos olhos.

- A que inteira se dá sem pedir nada
só pela humilde alegria de se dar!

A que é pousada para o amor que vinha
já cansado de tudo e que não tinha
onde ficar.

A que tem mãos felinas, mãos que arranham
infladas de amor,
sem a gente sentir,
mãos que enlaçam, depois, cantam ternuras,
e que emberçam as nossas amarguras
e nos fazem dormir...

A que é mulher, - mar alto, porto e abrigo –
a que fica a nossa espera,
à que se pode voltar a qualquer hora...
A que sabe perdoar nossos pecados
nossos marinheiros desejos desgarrados
e não nos mandam embora...

Do amor não quero mais a aventura
quero a companhia:
a que depois do beijo
me dará a mão,
a que será minha - à noite se entregara
sem pejo -
e impoluída e pura,
continuara comigo, com a mesma ternura
no coração...

Quero a doce, a permanente companhia .

A que depois da noite
é o meu dia,
e, com o braço em meu braço
há de acertar seu passo
na mesma direção...

" A CULPADA... "

Não tens culpa se me encontras céptico, e se custo
a acreditar em ti.

Talvez eu já esteja batido demais, ou talvez
me pareças muito criança.

Tanto a Vida me mentiu, que me acovardo à simples idéia
de uma nova esperança.

" A VIAGEM "

Não vamos fazer planos, vamos apenas viajar
neste barco que nos recolheu
e cujo rumo não sabemos...

Não vamos fazer planos, vamos olhar as gaivotas,
os crepúsculos sobre o mar,
as ondas, as nuvens, os portos que amanhecerão,
agradecer ao destino que nos fez passageiros
do mesmo sonho.

Não vamos fazer planos, não vamos matar as nossas alegrias
modificando roteiros, se não sou o comandante do navio,
se ninguém é,
não vamos matar as nossas alegrias
com itinerários antecipados
como se fossemos turistas ricos
apenas gastando o seu tédio...

Não vamos fazer planos, vamos nos deixar levar
ao sabor das correntes,
vamos agradecer essa viagem como se fosse a primeira
como se fosse a última,
como se fosse aquela viagem há tanto tempo esperada,
que inacreditavelmente se tornasse
realidade...
E o porto onde chegarmos, - qualquer que seja o porto
ou o horizonte de mar que sempre se afastará,
serão o porto e o horizonte
da felicidade...

" A VIDA, DE REPENTE... "

De repente
percebemos como era boa aquela vida que levamos
aqueles calmos momentos de impercebida felicidade,
aquelas horas aparentemente vazias e sem prazer
entretanto, cheias de nós, de nossa simples presença,
de uma ternura que enlevava nossos corações
como as velas cheias dos bancos sonolentos
sobre o mar sem ondas...

De repente
gostaríamos que tudo voltasse para que nos apropriássemos
do que foi nosso, e se perdeu,
para que pudéssemos dar valor
a tanto que tivemos, sem saber que era amor...

Agora
que a vida nos atira (sobre que expectativas
sombrias e inevitáveis?)
nos lembramos que já fomos nós, pelo menos no início,
e subitamente nos sentimos numa curva impossível,
à borda de um precipício...

" ABISMO ? "

Sei que ao voltar a mim, como quem chega
do fundo de um abismo,
trazia duas estrelas em meus olhos
e o ouro dos teus cabelos em minhas mãos...

Afinal
que estranho abismo era esse
em que os anjos nos embalavam
e nos sentíamos na mão de Deus ?!

" AFINAL... "

Restou o travo de uma decepção
que foi perdendo lentamente
o amargor...

Fui eu
( que num momento de paixão doentia )
enriqueci com a minha fantasia
um pobre amor...

" AGRADECENDO A VOCÊ "

Você achará tolos talvez
estes versos que te escrevo,
mas eu explico porque:

- seja lá como for
meu amor,
eu quero agradecer Você
... a Você.

"ALGO MAIS..."

Eu queria te dar algo mais que poesia:
este ardor que me abrasa, e me punge, e espezinha,
e se consome em vão numa íntima agonia
porque não te possuí... porque não foste minha!

Não queria deixar que partisses sozinha
sem algo de vivido entre nós dois - queria
que a amarga solidão que em minha alma se aninha
fosse um canto de sol, de desejo e alegria !

Eu queria te dar algo mais que um lamento,
queria tatuar com meu beijo a lembrança
nem que fosse a lembrança feliz de um momento...

Com tão pouco de mim, num derradeiro empenho,
eu queria te dar algo mais... a esperança,
a fé que já perdi... o amor que já não tenho!
-
Fonte:
JG de Araujo Jorge. Quatro Damas . 1. ed., 1964.

Nilto Maciel (O Bom Selvagem) 2a. Parte

COLÉGIO

Carrego sempre comigo meu álbum de fotografias. No entanto, não gosto de mim no passado nem de meu passado. Como fui tolo e enganado! Fizeram-me crer em tantas ilusões!

Talvez me fascine o mistério do retrato. A gente poder perenizar-se, rever-se. Também o espelho me encanta. A gente duplicar-se, multiplicar-se. Copiar-se. A máquina fotográfica, seu mecanismo, sempre me inquietou. Antes eu fazia muitas perguntas a estranhos sobre ela. Hoje não tenho mais a inocência de perguntar. Ora, vão dizer, um homem tão estudado não devia fazer tantas perguntas.

Uma das fotografias que mais me fazem pensar é aquela onde apareço vestido de colegial . A primeira tirada com pose e logo após chegar ao colégio de Cuiabá. Eu tinha 12 anos de idade.

De início, estranhei a nova vida, o clima da cidade, os colegas, o colégio, apesar de ter sido apresentado como aluno exemplar. Pouco a pouco fui me adaptando ao novo ambiente, mesmo sem dispor de muito tempo para conversar e brincar. Os mestres exigiam demais de mim e eu conseguia estar sempre adiante de suas exigências. O latim aprendi com grande facilidade, a ponto de dentro de um ano já ler trechos clássicos, sem nenhuma dificuldade. Gutta cavat lapidem.

Quantas e quantas expressões decoradas e aprendidas! Melior canis virus leoni mortuo.

Não deixei o francês para trás. E como era gostoso ler e falar francês!

“Un loup n'avait que les os et peau,

Tant les chiens faisaient bonee garde.”

As fábulas de La Fontaine. Até inglês já nos ensinavam. E eu aprendia a gostar de sandwich, jazz, girls e dos United States e da England.

Ensinaram-se também números arábicos e romanos, operações, frações, álgebras. E tudo eu aprendia com distinção e louvor. Até as histórias de Sodoma e Gomorra, as vidas de Rebeca, Raquel e Lia, José e seus irmãos.

– Então fez o Senhor chover enxofre e fogo.

– A moça era mui formosa de aparência, virgem, a quem nenhum homem havia possuído. À tarde, vindo Jacó do campo, saiu-lhe ao encontro Lia, e lhe disse: Esta noite me possuirás.

– Teve José um sonho, e o relatou a seus irmãos; por isso o odiaram ainda mais.

Minha cabeça se enchia de palavras. Um, duo, trois, four. Eu todo me compunha de lições. Acordava ainda com os sonhos numerais, históricos, linguísticos, para rezar a Deus e aos santos, e depois ler, copiar e estudar lições que nunca meus pais viveram.

– Senhor, posto que o Capitão-mor desta vossa frota...

Hoje me abraço de novo àquelas palavras, a parte daquelas lições, por ofício, razão daquele mesmo aprendizado ou talvez por ironia do destino. Não mais decoro o texto que me deram. Vou mais adiante: traduzo para minha antiga língua a história do aniquilamento de meus próprios antepassados. História de heróis estrangeiros. Vasco da Gama, D. Manuel, o Venturoso, Pedro Álvares Cabral (e eu não descendo dele, meus filhos!), Gaspar de Lemos, Martim Afonso de Souza, Diogo Álvares Correia, o Caramuru (nem deste herdei nada). Uma fileira de nomes, antes tão estrangeiros. Eu, Bokodori, tradutor, professor.

VIAGEM À EUROPA

Nunca me preocupei com fazer um paralelo entre a História do Brasil e a minha. Não quero me perder em análises, sobretudo porque prefiro contar simplesmente minha vida. Além do mais, não vivi os grandes acontecimentos históricos. Eles não me despertaram sequer a atenção. Nem hoje consigo interessar-me por eles. O passado do Brasil e da Humanidade são para mim apenas textos ou lições escolares. Se aceitei traduzi-los para minha primeira língua, o fiz por qualquer motivo, menos pelo de ser um cidadão ocupado com a História.

Tenho notado o quanto escrever é traiçoeiro. Ora, eu não queria me perder em análise e cá estou perdido.

Escrever é desmentir, é negar hoje a afirmação de ontem. É contradizer-se, brigar consigo mesmo.

Meu primeiro intento hoje é, no entanto, situar a quarta fase mais importante de minha vida no contexto da História do Brasil. Aos 15 anos de idade viajei à Europa. Governava o Brasil o Marechal Hermes. No Ceará um padre comandava uma revolta. Fala-se agora da importância daqueles fatos. Eu, porém, ainda me sabia menino, apesar de toda a sabedoria e da ambição que me empurrava. Ler e falar francês não me custavam nada. E atravessei os mares e fui passear na capital do mundo moderno. Eu me sentia grande, notável, excelente. Um ex-selvagem brasileiro transitando pelas ruas e praças mais cultas da Terra, como um intelectual europeu. Depois eu soube: há mais de quatrocentos anos alguns índios brasileiros desfilaram nus pelas ruas de Ruão, para gáudio do rei Henrique II e sua pomposa corte. Não me senti um animal exótico, digno dos olhares concupiscentes de nobres ou burgueses. Antes, um homem até mais inteligente do que eles, pois não falavam bororo e nunca ouviram falar de Ké-Marugodu, enquanto eu também falava francês e sabia da história de Adão e Eva. Além do mais, eles sempre me pareceram uns macacos, todos fracos, baixos, magros, horríveis.

Conheci também Roma, vi o papa e todas as fantasias da Igreja Católica.

Paris e Roma me encantaram. A história e a arquitetura. Notre-Dame, Versalhes, Via Appia, Arco de Tito, Catedral de Reims, Place Royale, Coliseu, Basílica de São Pedro.

Foram dois anos de intensa vida social. Conheci Louises e Luigis, Françoises e Francescas, frequentei as mais luxuosas e burguesas casas, sempre bem tratado e acompanhado. Recitavam-me versos dos mais distintos poetas franceses, antigos e modernos, numa incessante chuva de belas palavras. Presentearam-me livros e mais livros e alguns poemas até consegui decorar. Hoje restam-me apenas fragmentos deles, perdidos nos cantinhos da memória:

Dictes-moy où, n'en quel pays,
est Flora, la belle Romaine?”


Nunca pude esquecer um soneto que todas as noites uma bela parisiense me dizia:

“Quand vous serez bien vieille, au soir à la chandelle,
Assisse aupres du feu, deuidant & filant,
Direz chantant mes verses...”


Em Paris aprendi a ser romântico e, quando me via só, rabiscava versos para a moça com quem me casaria. Chamava-se Aroia. Depois, os padres arranjaram-lhe um nome português: Lucina. Disto, porém, falarei adiante. Quero, agora, recordar versos que escrevi para ela. Alguns deles consegui reter na memória, como estes:

Ah! quantas vezes, quantas! junto dela
Não senti tremer sua mão na minha.
Até um soneto cheguei a compor:
Em seu leito de flores bem deitada,
Palidamente bela e escurecida,
Ela dormia, a minha doce amada,
E sonhava, de tudo esquecida.

Pela maré das águas embalada,
Era a virgem do mar adormecida.
Em maravilhosos sonhos banhada,
Mais parecia um anjo de outra vida.

Como eram aqueles seios belos!
Ah! seus negros olhos me fascinavam.
Ah! suas formas nuas me enlouqueciam.

Não te rias de mim, de meus anelos.
Por ti – vivi noites que me matavam,
E morrerei como os loucos morriam.


Já se foram vinte anos. Meus livros de poetas franceses perderam-se, rasgaram-se, queimaram-se, levaram-nos os ventos fortes de todas as desilusões. Para que conhecer Gérard de Nerval ou Leconte de Lisle, Victor Hugo ou Ronsard, se até os padres que me ensinaram francês me enxotavam? Para que guardar versos, ainda mais cheios de nymphes, amours, spectres, se só me restavam homens duros, ódios e a vida nua e crua? Meu desejo é esquecer o que aprendi e pôr para fora minhas verdadeiras emoções, ser eu mesmo, Bokodori e não Daniel Álvares.

Não me fazem falta François Villon ou Baudelaire, Mallarmé ou Apollinaire. Não sinto saudades da mademoiselle do soneto de todas as noites. Nem sequer lhe recordo o nome. Talvez seja Caroline, Marguerite ou mesmo Jeane D'arc. Se estiver viva, será uma quarentona gorda, cheia de filhos e varizes, e certamente nem se lembrará mais de um selvagem chamado Daniel Álvares, que em 1913 conheceu Paris. Provavelmente também esqueceu os versos do poeta e, à luz da vela, sentada ao pé do fogo, aflita e decadente, contará apenas sua solidão.

Onde andará certo Henri Barrès que também escrevia poesia e me chamava de “bon sauvage”? Apaixonado de Jean-Jacques Rousseau, tudo lhe servia de pretexto para citar seu mestre. Sonhava com viajar ao Brasil e conviver com os índios. Terá se casado com mademoiselle Caroline? Ou vive no Amazonas, com uma silvícola? Talvez seja deputado pelo Parti Socialiste, não faça mais versos e nem se lembre mais do “bon sauvage Bokodori”.

E por que estou eu, neste relato breve e simples, a recordar-me dele, de seu entusiasmo estudantil, e da bela senhorita que declamava sonetos? Por que relembro Paris, poetas franceses, meus 15 anos, ora bolas? Hoje sou de novo apenas um selvagem brasileiro, já quase velho, cão sem dono, professor de inutilidades para meus pobres descendentes, historiador de segunda mão, que um dia acreditou em tudo, inclusive na Beleza da palavra. Je suis. Coitado de mim! Sou apenas um fantasma que se refugia na solidão da natureza. Contra a solidão, porém, nada se pode fazer.

Fonte:
Nilto Maciel. Vasto Abismo. Brasília: Ed. Códice, 1998.

Lygia Fagundes Telles (A Noite Escura e Mais Eu)

“Ela ficou mas a gota de sangue que pingou na minha luva, a gota de sangue veio comigo” - assim começa a coletânea de nove contos, A Noite Escura e Mais Eu, de Lygia Fagundes Telles, na primeira frase de "Dolly". E termina, na última frase de "Anão de Jardim", história que encerra o livro: “Seja feita a Vossa vontade e (...) então aceito também ser a estrela menor da grande cauda levantada no infinito no infinito deste céu de outubro”. Como dentro de um parêntese, todo o universo de Lygia concentra-se entre essas duas frases, o sangue inevitável das dores da condição humana e a talvez redentora aceitação não só do Divino, mas também da insignificância e humildade que essa condição impõe. A repetição da palavra “infinito” acentua a idéia de eterno retorno, e a referência ao “céu de outubro” remete à primavera e ao renascimento de tudo. Ou seja: o sangue pode ser transmutado, alquimicamente, em luz. Ou pelo menos em ótima literatura.

A Noite Escura e Mais Eu, entre todos os livros de contos de Lygia, talvez seja a sua obra-prima. Pela unidade, pela densidade, pela extraordinária dignidade que confere à língua portuguesa, mesmo quando trata de temas ou situações sórdidas, perversas, violentas.

Lygia volta a temas recorrentes de sua obra, como a morte, a solidão, o amor, a velhice, envolvendo-nos em um mundo riquíssimo em experiências humanas, povoado por anjos e demônios, angústias e alegrias, medos, ilusões e desilusões. A autora está de volta ao seu leque de perplexidades, e suas personagens, aqui, são garotinhas, cachorros, anões, que espiam os homens e suas extravagâncias.

Esse universo misterioso das histórias de Lygia pode ser observado e sentido logo no primeiro conto, "Dolly", ambientado nos anos 20. A personagem é uma moça na faixa dos vinte anos que queria ser artista de cinema mudo. O conto é narrado por Adelaide, da mesma idade, mas de personalidade ingênua e conservadora, com quem Dolly quer dividir a moradia enquanto não alcançava as luzes da ribalta. Adelaide encontra o cadáver de Dolly violentada depois de uma noite de farra e suja suas luvas de sangue ficando, aparentemente, apavorada.

Personagens em crise diante da velhice são apresentados no conto "Boa noite, Maria", que enfoca o amor de uma mulher de sessenta e cinco anos por um homem de cinqüenta. É um conto sobre um possível direito à eutanásia, sobre o horror da decomposição e a fuga da morte como aviltamento. A solidão é o pano de fundo dessa história, a mesma solidão que permeia quase todas as personagens deste livro que, a exemplo dos anteriores da autora, traz enredos ambíguos que às vezes se aproximam do realismo fantástico.

Em "Anões de jardim", um dos melhores da coletânea, o narrador é um ser de pedra que tem alma e quer sobreviver à demolição da casa cujo jardim habita. Fala de uma perseguição à imortalidade, de uma continuação da vida em qualquer forma, mesmo a mais vil. Neste conto, Lygia Fagundes Telles rompe com a linearidade do tempo, calça a sua escritura com “botas de nuvens” e revela a vida como um pesadelo envolvido pela crueldade do homem de todos os tempos a contrastar (fantástico paradoxo!) com a ‘humanidade’ de uma estátua de pedra que pensa e sofre, como testemunha muda e memória dos dramas vividos em uma casa.

Nos outros contos, a autora desliza em verdadeiros instantâneos das relações humanas, como o da mãe à beira do túmulo da filha tentando compreender como ela foi capaz de ter como amante uma outra mulher. Ou a história de Kori, mulher rica e infeliz no casamento, que vai para a cama com o homem que ela sabe que é apaixonado pelo seu marido.

Lygia aposta no absurdo, mantém seu estilo intimista em suas reflexões sobre as fraquezas humanas nesses nove contos de mistério e paixão de A noite escura e mais eu, cujo título nasceu de um poema de Cecília Meirelles: "Ninguém abra a sua porta / pra ver o que aconteceu: / saímos de braço dado / a noite escura e mais eu."

As histórias não se esgotam no enredo. Terminadas de ler pela primeira vez, deixam a vontade de reler uma segunda ou terceira, por suas inúmeras camadas de significados e pela carga de mistério sempre deixada no ar. Às vezes, todo um conflito revela-se numa frase aparentemente perdida no meio do texto, num detalhe. Assim é, por exemplo, em "Dolly"; na perfeição de "Você não Acha que Esfriou?" ou na ousadia do tema lésbico de "Uma Branca Sombra Pálida".

Títulos como "Você não Acha que Esfriou?" e "Papoulas em Feltro Negro" têm um adensamento do ceticismo das mulheres maduras e de sua capacidade de reação. Em "Papoulas em Feltro Negro", por exemplo, uma professora de piano coloca em dúvida o passado de criança perseguida que construíra para si ao reencontrar uma mestra megera, ainda destrutiva, que acusa a ex-aluna de mentirosa e gaga, as falhas da comunicação tornando ambígua a própria memória, roubando-lhe as certezas, ocultando-as sob trevas espessas. Na cama fria do amante improvisado, uma mãe de 45 anos ergue-se para a vingança verbal que derrubará a pose do amigo do marido. Neste conto admiração e respeito à sensibilidade do outro são confundidos com ódio e desprezo. No final, a velha professora Elzira evita de todas as maneiras o olhar da ex-aluna.

Fonte:
Passeiweb

Lima Barreto (A Mulher de Anacleto)

Este caso se passou com um antigo colega meu de repartição.

Ele, em começo, era um excelente amanuense, pontual, com magnífica letra e todos os seus atributos do ofício faziam-no muito estimado dos chefes.

Casou-se bastante moço e tudo fazia crer que o seu casamento fosse dos mais felizes. Entretanto, assim não foi.

No fim de dois ou três anos de matrimônio, Anacleto começou a desandar furiosamente. Além de se entregar à bebida. deu-se também ao jogo.

A mulher muito naturalmente começou a censurá-lo.

A princípio, ele ouvia as observações da cara metade com resignação; mas, em breve, enfureceu-se com elas e deu em maltratar fisicamente a pobre rapariga.

Ela estava no seu papel, ele, porém, é que não estava no dele.

Motivos secretos e muito íntimos, talvez explicassem a sua transformação; a mulher, porém, é que não queria entrar em indagações psicológicas e reclamava. As respostas a estas acabaram por pancadaria grossa. Suportou-a durante algum tempo. Um dia, porém, não esteve mais pelos autos e abandonou o lar precário. Foi para a casa de um parente e de uma amiga, mas, não suportando a posição inferior de agregada, deixou-se cair na mais relaxada vagabundagem de mulher que se pode imaginar.

Era uma verdadeira "catraia" que perambulava suja e rota pelas praças mais reles deste Rio de Janeiro.

Quando se falava a Anacleto sobre a sorte da mulher, ele se enfurecia doidamente : — Deixe essa vagabunda morrer por aí! Qual minha mulher, qual nada ! E dizia coisas piores e injuriosas que não se podem pôr aqui.

Veio a mulher a morrer, na praça pública; e eu que suspeitei, pelas notícias dos jornais, fosse ela, apressei-me em recomendar a Anacleto que fosse reconhecer o cadáver. Ele gritou comigo: — Seja ou não seja! Que morra ou viva, para mim vale pouco ! Não insisti, mas tudo me dizia que era a mulher do Anacleto que estava como um cadáver desconhecido no necrotério.

Passam-se anos, o meu amigo Anacleto perde o emprego, devido à desordem de sua vida. Ao fim de algum tempo, graças à interferência de velhas amizades, arranja um outro, num Estado do Norte.

Ao fim de um ano ou dois, recebo uma carta dele, pedindo-me arranjar na polícia certidão de que sua mulher havia morrido na via pública e fora enterrada pelas autoridades públicas, visto ter ele casamento contratado com uma viúva que tinha " alguma coisa", e precisar também provar o seu estado de viuvez.

Dei todos os passos para tal, mas era completamente impossível. Ele não quisera reconhecer o cadáver de sua desgraçada mulher e para todos os efeitos continuava a ser casado.

E foi assim que a esposa do Anacleto vingou-se postumamente. Não se casou rico, como não se casará nunca mais.

Fonte:
Lima Barreto. Contos Completos. Companhia das Letras.

Carlos Leite Ribeiro (Vinte Anos Depois ...)

Vinte anos na vida de uma pessoa é muito tempo. 

Recordou-se dos momentos difíceis que passou quando a morte de seus pais. Primeiro morreu-lhe a mãe e, um mês depois, foi a vez do pai deixar este mundo. A situação financeira tornou-se então insustentável. A vida assim era impossível.
Foi então que resolveu escrever a um velho tio, que há muitos anos vivia na Venezuela.

Contou-lhe tudo e, na resposta, o bondoso homem mandou-a ir ter com ele. O tio era dono de um moderno e bem frequentado restaurante dos arredores de Caracas.
A Rosa, a Rosita, como carinhosamente era tratada por todos, conseguiu que o casal Gomes, que tinha uma pequena mercearia, lhe emprestasse o dinheiro necessário para a viagem e, assim, num belo dia meteu-se a caminho e só parou em Caracas.
Conforme lhe ia sendo possível, ia mandando dinheiro para pagar a sua dívida, que em menos de dois anos, estava completamente saldada.

Já há muito tempo que não devia nada a ninguém, além da gratidão àqueles que a tinham ajudado, numa hora tão crítica.

Vinte anos, tanto tempo!

No avião, em viagem Caracas / Lisboa, não parava de pensar nesta frase.

Horas depois o avião aterrou em Lisboa. Depois das formalidades alfandegárias, apanhou um táxi para a Estação Ferroviária do Rossio, e apanhou um comboio para sua terra natal, onde contava passar o Fim-de - Ano e só regressar a Caracas depois do Carnaval.

O comboio já entrara na curva que antecede a gare de desembarque, e o ruído dos freios cada vez eram mais intensos. Por fim a carruagem imobilizou-se. Lentamente levantou-se, agarrou a sua bagagem, e já com alguma ansiedade, saiu daquele comboio que a tinha trazido da capital.

- Precisa de um táxi?... Virou-se lentamente e encarou o homem que a interpelava, e, que novamente repetiu:

- Precisa de um táxi?

Rosa, como saísse de um sonho, respondeu-lhe:

- Sim, preciso de um táxi.

O motorista pegou então na bagagem e enquanto a arrumava, Rosa foi sentar-se dentro do táxi. Parecia um sonho estra na sua terra. Vinte anos depois, regressava.

- É para São Pedro que a senhora deseja ir? - Perguntou-lhe o taxista.

- Não, leve-me ao centro da cidade a uma pastelaria, pois ainda não tomei o pequeno-almoço.

Como a cidade tinha mudado, como estava diferente, como estava bonita!
Ainda absorta nos seus pensamentos, chegou quase sem dar por isso ao centro da urbe.

- Há pouco, disse-me que queria tomar o pequeno-almoço? - Lembrou-lhe o motorista.

- Pois disse. É aqui a pastelaria?

- É sim.

- Pode-me levar a bagagem para o hotel, que fica ali naquelas esquina? Já tenho aposento reservado.

- É um prazer, minha senhora. Desculpe a minha curiosidade, mas a senhora é natural daqui desta terra? Desculpe-me...

- Sou. Nasci nesta terra há 36 anos mas, já há vinte anos que não vivo cá.

- Desculpe-me. Vou já pôr a sua bagagem no hotel.

Rosa, antes de entrar na pastelaria, hesitou, mas por fim resolveu entrar.
Era um estabelecimento moderno, agradável, onde outrora existia um belo quintal de uma casa que, entretanto, fora demolida.

Pediu o pequeno-almoço enquanto acendia um cigarro.

Vinte anos... Quantas recordações lhe vinham à mente. Parecia um filme que lentamente se desenrolava na sua cabeça, em que ela, a Rosa, era ao mesmo tempo a argumentista, a realizadora e a intérprete.

Lembrou-se do simpático casal Gomes, que confiara nela e lhe proporcionaram a sua ida para a Venezuela.

O que teria sido feito deles?

Com a pressa de vir passar férias a Portugal. Até se tinha esquecido de lhes trazer uma prenda.

Mas que esquecimento o seu!

Entretanto, começou a ouvir a sirene dos Bombeiros, e, tal como outrora, os nervos começaram a encrespar-se.

Não tardou a começar a ouvir o barulho dos Soldados da Paz que fazem a apagar um fogo. E também ouviu um popular exclamar:

- A mercearia dos Gomes está a arder!

Ficou atônita com o que ouvira.

Levantou-se e correu até chegar à loja daqueles amigos que um dia a tinham ajudado. A loja, nessa altura já era um mar de chamas. Nada se podia aproveitar de seu recheio.

No passeio em frente, rodeados por muitos populares, estavam os velhotes que, com ar apavorado olhavam para o que tinha sido a sua loja, o seu ganha-pão.
Para eles, mais parecia um pesadelo do que a realidade.

- Com o negócio tão mau como tem estado, e ainda por cima nos acontece uma desgraça destas... Sem termos seguro, estamos desgraçados! - lamentavam-se os velhotes.

Foi então que a Rosa se abeirou deles, que não a conheceram, e a moça aproveitou para lhes dizer:

- Senhor Gomes, acabo de chegar da Venezuela e, uma amiga minha incumbiu-me de vos entregar este cheque, já visado para a Caixa Geral de Depósitos.

O velhote, maquinalmente agarrou o cheque e apenas balbuciou:

- Da Venezuela? Será da Rosa, da Rosita? Há, mas eu não posso aceitar este dinheiro todo…

- Aceite - retorquiu-lhe a jovem - pois, senão a Rosita ficava muito zangada comigo, e isso eu não quero. E agora, desculpem-me, mas tenho que me ir embora. Apesar do que vos aconteceu, eu desejo-vos muita saúde e muitas felicidades. Até à próxima amigos!

E a Rosa afastou-se rapidamente, sem esperar que os velhotes lhes respondessem.

Naquele cheque tinha entregado ao casal Gomes o dinheiro que tinha posto de parte para passar férias em Portugal. E o mais engraçado é que, por essa entrega, tinha terminado as suas férias mesmo antes de as ter começado.

Já no avião a caminho novamente da Venezuela, sorriu e pensou alto:

- Meu Deus, como a vida é tão dura...

Fonte:
Carlos Leite Ribeiro - Marinha Grande - Portugal

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 442)



Uma Trova Nacional

É com olhos inocentes
que nos vê toda criança;
do futuro são sementes,
recheadas de esperança.
–MIFORI/SP–

Uma Trova Potiguar


Sem passado e sem futuro,
a criança abandonada
vive num mundo obscuro,
sem esperança de nada...
–JOAMIR MEDEIROS/RN–

Uma Trova Premiada
2006 - São Paulo/SP
Tema: RESPEITO - Venc.


Desavenças de rotina;
palavras duras ao leito
o casamento termina
quando termina o respeito!
–SELMA PATTY SPINELLI/SP–

Uma Trova de Ademar

Confesso: tenho esperanças,
antes de ficar senil,
de ver, nas mãos das crianças,
o Progresso do Brasil!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Rezar é belo, criança,
não há mistério na prece...
Deus dá o pão da esperança
Enquanto o trigo não cresce!...
–ADELIR MACHADO/RJ–

Simplesmente Poesia

M O T E :
ADELMAR TAVARES/PE


É nossa alma uma criança,
que nunca sabe o que faz,
quer tudo que não alcança,
quando alcança, não quer mais.

G L O S A:
GILSON MAIA/RJ

É nossa alma uma criança,
vive no mundo dos sonhos.
Busca o amor, busca a esperança,
mesmo em caminhos tristonhos.

Meu coração, coitadinho,
que nunca sabe o que faz,
quer teu amor, teu carinho,
desde os tempos de rapaz.

Meu pensamento balança,
das paixões, aos vendavais.
quer tudo que não alcança,
por isso eu sofro demais.

Sobe o alpinista, procura
sucessos eventuais.
Busca o pico com bravura,
quando alcança, não quer mais.

Estrofe do Dia

Ao despertar deste ano
Uma vontade me veio
Do ar... do céu... do oceano...
De Deus, na verdade, veio,
De falar sempre do amor,
Sem preconceito, qual for,
Falar de um amor sublime,
Visando a paz das pessoas,
Falando de coisas boas,
Do grande amor que redime.
–RAIMUNDO SALLES BRASIL/BA–

Soneto do Dia

A Fome
–NILTON MANOEL/SP–


Pobre carrega em seu triste fadário
angústias amargas, broncas e pesares,
enquanto os barões arrotam pelos ares
que a inflação engorda em face do salário.

e o artesão da pátria, escravo do patrão,
com medo da fome que o leve a miséria,
mantém-se de pé, a morte é bem mais séria,
são juros e juras na hora do caixão

e pelos palanques, um tribuno eterno
na fome do voto em promessa, arrepia,
a vida do pobre em quimeras do inferno;

sem leite, sem pão, pagando a moradia,
devendo no empório os seus dias tristonhos,
o que pode ser quem não pode ter sonhos?

--
Fonte:
Textos e imagem enviados pelo Autor

Guerra Junqueiro (Como um Camponês Aprendeu o Padre-Nosso)

Tinha um coração duro, e não era esmoler. Foi-se confessar uma vez, e o confessor deu-me por penitência rezar sete vezes o Padre-Nosso.

– Não o sei, e nunca o pude aprender, respondeu o aldeão.

– Pois nesse caso, tornou o confessor, imponho-te por penitência dar a crédito um alqueire de trigo a todas as pessoas que te forem pedir da minha parte.

No dia seguinte de manhã apresentou-se o primeiro pobre.

«Como te chamas? perguntou-lhe o camponês.»

«Padre – Nosso – Que – Estais – No – Céu, respondeu o pobre.»

«E o teu apelido?»

«Seja – Santificado – O – Vosso – Nome.»

E o pobre foi-se embora com o seu alqueire de trigo.

Ao outro dia chega segundo pobre.

«Como te chamas?»

«Venha – A – Nós – O – Vosso – Reino.»

«E o teu apelido?»

«Seja – Feita – A – Vossa – Vontade.»

E partiu com o seu alqueire de trigo.

Veio terceiro pobre.

«Como te chamas?»

«Assim – Na – Terra – Como – No – Céu.»

«E o teu apelido?»

«Dai-nos – Hoje – O – Pão – Nosso – De – Cada – Dia.»

E levou o seu alqueire.

Vieram ainda dois pobres sucessivamente, e passou-se tudo da mesma forma até chegar ao Amém.

Pouco tempo depois o confessor encontrou o aldeão.

– Então já sabes o Padre-Nosso?

– Não, senhor cura, sei só os nomes e apelidos dos pobres a quem emprestei o meu trigo.

– Quais são? tornou o padre.

E o aldeão enumerou-mos a seguir, e pela ordem em que cada um se tinha apresentado.

– Já vês, disse o confessor, que não era muito difícil aprender o Padre-Nosso, porque já o sabes perfeitamente.

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Irmão de Pinóquio – IV – A zanga de Emília

Narizinho foi espiar o que Emília estava fazendo. Encontrou-a no cantinho da sala onde era o seu “quarto”, muito atarefada em botar os seus vestidos e brinquedos nas caixas de papelão que lhe serviam de mala. Mas notou que Emília só botava os vestidos e brinquedos que ela, Narizinho, lhe havia dado. Os outros, dados pela negra, jaziam no chão, amarrotados e pisados aos pés. Emília estava seriamente ofendida e sem dúvida nenhuma preparava-se para alguma viagem. Ia arrumando as malas, ao mesmo tempo que dialogava com o cavalinho.

— Não é à-toa que ela é preta como carvão.

— ?

— Mentira de Narizinho! Essa negra não é fada nenhuma, nem nunca foi branca. Nasceu preta e ainda mais preta há de morrer.

— ?

— Boa? Está muito enganado. Mais malvada que ela só o Barba Azul. Você é porque é novo nesta casa e não a conhece. Tia Nastácia não tem dó de nada. Pega aqueles frangos tão lindos e — zás! torce-lhes o pescoço. Mata patos, mata perus, mata camundongos — não há o que não mate. Outro dia, no Natal, a diaba assassinou um irmão de Rabicó, tão bonitinho! Pegou naquela faca de ponta que mora na cozinha e — fugt! enfiou dentro dele, até no fundo. E pensa que foi só isso? Está enganado! Depois pelou o coitadinho numa água fervendo e assou o coitadinho num forno tão quente que nem se podia chegar perto.

— ?

— Como não? Você não é melhor do que os frangos, perus e leitões. Essa é uma das razões porque quero ir-me embora: para tira-lo daqui antes que a malvada o mate e asse no forno. Que pena não ser você grande como o cavalo de Tróia!...

— ?

— Para quê? É boa. Para dar um coice de Tróia no nariz dela.

Nesse ponto Narizinho, que estava escondida a escutar o diálogo, apareceu.

— Que é isso, Emília? Parece louca!...

— É que estou arrumando minhas malas para me mudar desta casa. Não gosto de velhas, nem brancas nem pretas.

— Ir para onde, boba? Pensa que é só ir saindo?

— Vou para a casa do Pequeno Polegar. Quando lhe dei de presente o pito de barro, ele me disse: “Muito obrigado. Dona Emília. Tenho lá uma casa às suas ordens. Apareça.” Chegou o dia. Vou aparecer e ficar morando lá.

— E você pensa que cabe na casinha do Pequeno Polegar? Já se esqueceu, boba, de que ele é deste tamanhinho?

Emília pôs o dedo na testa, refletindo. Afinal caiu em si e viu que realmente seria uma grande asneira. se mudasse para a casa do Pequeno Polegar, teria, sem dúvida, de ficar no terreiro e dormir ao relento, com perigo de ser atacada por quanta coruja e morcego existirem no mundo. E como tinha medo horrível de morcegos e corujas, resolveu ficar.

— Nesse caso fico, mas você há de me dar um vestido novo, de seda, com um laço de fita aqui e um babado. Dá?

— Dou, diabinha, dou. Mas com uma condição!...

— Qual é?

— Fazer as pazes com tia Nastácia. A coitada está lá na cozinha chorando de arrependimento de haver ameaçado você com palmadas.

A cólera de Emília já havia passado, cedendo lugar a sentimento muito mais rendoso. Por isso tratou imediatamente de tirar vantagem da situação, pedindo uma coisa que era o seu encanto.

— Só se ela me der aquele alfinete de pombinha que você sabe.

— Dá, sim. Eu digo a ela que dê e ela dá.

— Neste caso, fico de bem com ela outra vez. Aquele alfinete andava deixando Emilia doente. Era um alfinete do tempo de dantes, que já não se encontra em loja nenhuma de hoje. De aço azul, tendo em vez de cabeça uma pombinha de vidro colorido. Tia Nastácia possuía três, um de pombinha azul, outro de pombinha verde, outro de pombinha carijó. Era este o que Emília queria — mas queria desesperadamente, como nunca neste mundo uma boneca quis qualquer coisa.
––––––––––––––

Continua… V – João Faz-de-Conta

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Casa do Editor (Publique sua Obra)

Prezado Autor,

Quer aumentar suas chances de ver sua Obra publicada? Então mude sua estratégia. A evolução e a inovação digital lhe permitem divulgar sua obra a centenas de editoras ao mesmo tempo sem sair de casa e sem ter de ficar telefonando para as editoras perguntando se elas publicam obras do mesmo Gênero Literário que o seu.

Conheça o site Casa do Editor. Um site cuja proposta é revolucionar, com uma metodologia inédita, a comunicação do autor com o editor, e vice-versa. No portal Casa do Editor o autor poderá, por um pequeno valor anual ou semestral, divulgar suas obras não publicadas à centenas de editoras; em breve serão milhares.

Nossas pesquisas confirmam que o autor, ao anexar sua obra para divulgá-la no website Casa do Editor, as chances de encontrar uma editora para publicar sua obra aumentam em 11 (onze vezes), se comparado a outros sites e ao método tradicional de envio de obras. Além disso, o valor da Assinatura Anual no portal Casa do Editor equivale a apenas 8% do valor gasto, anualmente pelo autor, com o envio de cópias da obra às editoras pelo método tradicional.

A maneira tradicional de o autor se comunicar com o editor, e vice-versa, é extremamente falha, pois eles se comunicam somente no nível de Categoria de Gênero; por esse motivo, apenas 2% de obras são publicadas. O website Casa do Editor entra a fundo nessa comunicação.

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O Editor, ao cadastrar-se, gratuitamente, na Casa do Editor, terá em mãos uma poderosa ferramenta de Busca avançada que o ajudará em sua difícil tarefa de encontrar Obras que se enquadram em sua Linha Editorial (Gênero de Publicação). Ao pesquisar uma Obra por Gênero, por Categorias de Gênero e suas Subcategorias, em seus quatro níveis de pesquisa, o Portal Casa do Editor mostrará as Obras que realmente se enquadram em sua Linha Editorial, proporcionando economia de tempo e de dinheiro às Editoras.

A Casa do Editor é uma ferramenta extremamente segura, útil e eficaz para Autores de todos os Gêneros literários existentes. É simples, fácil e barato fazer parte deste site, cujo objetivo é tornar-se o maior e melhor Portal do gênero no Brasil e no exterior.

São mais de 50 mil Categorias e Subcategorias de Gêneros literários. Nosso objetivo é ter no Banco de Dados da Casa do Editor mais de 100 mil Categorias e Subcategorias de Gêneros, pois o Autor, ao cadastrar sua Obra, se ela não se enquadrar em uma das Categorias de Gêneros e em suas Subcategorias, ele terá a liberdade de criar uma nova Categoria ou Subcategoria. Portanto, a Casa do Editor será um site inteligente, pois cada nova Categoria de Gênero e/ou Subcategoria inserida pelo Autor, ou pelo Editor, ela passa a fazer parte do Banco de Dados de Categorias de Gêneros da Casa do Editor.

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Livro, Texto Avulso, Intenção, Coletânea

Intenção é se você tem um plano concreto de escrever determinada Obra e está à procura de uma Editora que banque a publicação. Coletânea é um Livro normalmente composto por um conjunto de contos, crônicas, poemas, poesias, etc. Coletânea deverá ser usada também por aqueles escritores que desejam divulgar na Casa do Editor um conjunto de Obras ou uma Coleção.

Para anexar uma Obra, basta entrar com seu login e sua senha e, depois, clicar no botão Obras. Em seguida, você deverá escolher o Tipo de Obra e assinalar o Tema de Gênero, a Categoria de Gênero e suas Subcategorias.

Dividimos os Gêneros em onze Temas para facilitar o enquadramento de sua Obra nos devidos Temas, bem como para facilitar, também, a Busca de Obras feita pelas Editoras. São eles:

Temas de Gêneros:
01 Ficção
02 NF: Ciências Biológicas e Naturais
03 NF: Ciências da Saúde
04 NF: Ciências Exatas e Aplicadas
05 NF: Ciências Humanas e Sociais
06 NF: Diferenciados
07 NF: Gêneros Clássicos
08 NF: Incomuns
09 NF: Pseudociências e Religiões
10 NF: Textos Avulsos
11 NF: Coletânea

A Casa do Editor lhe oferece quatro níveis de Gêneros, por Categorias de Gêneros e suas Subcategorias, a saber:
1º nível: Categorias de Gêneros
2º nível: Subcategorias da Categoria de Gêneros (ou Subcategoria 1)
3º nível: Subcategorias de Subcategorias da Categoria de Gêneros (ou Subcategoria 2)
4º nível: Subcategorias de Subcategorias da Categoria de Gêneros
acrescentada pelo Autor e/ou pelo Editor quando ela não existir (ou Subcategoria 3)

Para que sua Obra fique acessível à Busca Avançada feita pela Editora nos quatro níveis de Categorias de Gêneros, você deverá escolher e assinalar a Categoria de Gênero no 1º nível, e as Subcategorias no 2º nível, no 3º e no 4º nível. Se a Subcategoria 1, ou 2 ou 3 estiver em branco, você pode fazer a inserção digitando a Subcategoria quando for Anexar a Obra.

Se você escolher e assinalar os quatro níveis, sua Obra estará disponível para que as Editoras a busquem no 1º, no 2º, no 3º e no 4º nível. Dessa forma, uma Editora poderá encontrar, em segundos, sua Obra, se ela se enquadrar na Linha Editorial da Editora.

Vamos dar um exemplo de como funciona o Banco de Dados da Casa do Editor:
Gênero: NF
Tema: Ciências da Saúde
  Categoria de Gênero: Medicina: ........................... 1º nível
  Subcategoria 1: ................. Endocrinologia: .……..... 2º nível
  Subcategoria 2: ...................................... Diabetes: ... 3º nível
  Subcategoria 3: ............................................... Outra . 4º nível

Se um Autor escreveu uma Obra sobre cura do Diabetes, então ela deverá ser divulgada na Casa do Editor exatamente como o exemplo acima. Se um Editor está buscando uma Obra sobre cura do Diabetes, a encontrará, em segundos, se ela estiver divulgada no Banco de Dados da Casa do Editor. Então, no exemplo acima, o Gênero é Não Ficção, o Tema é Ciências da Saúde, a Categoria de Gênero é Medicina (nível 1), a Subcategoria 1 é Endocrinologia (nível 2), a Subcategoria 2 é Diabetes (nível 3) e a Subcategoria 3 é Cura (nível 4).

Se uma Editora fizer uma Busca de Obras apenas no 1º nível, ou seja, apenas no nível da Categoria de Gênero Medicina no Tema Ciências da Saúde, todas as Obras que se enquadram neste Tema e na Categoria de Gênero Medicina serão mostradas à Editora. A Editora tem a opção de escolher até que nível ela deseja realizar a Busca de Obras.

Se você tiver dificuldades em encontrar uma Categoria de Gênero ou uma Subcategoria, então deverá utilizar o sistema de Busca de Categoria ou de Subcategoria na Página Principal.

O Autor poderá, ao anexar sua Obra, escolher até três Temas, até três Categorias de Gêneros e suas Subcategorias 1, 2 e 3. Dessa forma, as chances de uma Editora encontrar sua Obra serão onze vezes mais do que no metódo tradicional.

Com certeza, as chances de uma Editora encontrar sua Obra e publicá-la serão muito maiores, pois a Casa do Editor, com seu Sistema, resolveu um enorme problema de comunicação que sempre existiu entre o Autor e o Editor, ou seja, o Editor tem sua Linha Editorial, mas dificilmente encontra o Autor cuja Obra se enquadra exatamente em sua Linha Editorial porque a comunicação entre ambos ficava apenas no 1º nível, ou seja, apenas no âmbito de Categoria de Gênero.

Significado e função dos botões da Página Principal do website Casa do Editor:
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2. QUEM SOMOS: uma breve apresentação do Portal Casa do Editor, bem como informações sobre os criadores do site.

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Fonte:
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terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Paraná em Trovas Collection - 35 - Olga Agulhon (Maringá/PR)


Thaty Marcondes (Crônica do vento)

Hoje o vento não sussurra. Também não afaga as folhas das árvores do jardim, nem refresca a grama seca pela estiagem e pela geada que a castigou neste inverno seco. Hoje o vento não uiva como os lobos. Sinto que o vento, hoje, está triste. Ouço o seu lamento melancólico, um pouco desafinado - perdeu o tom, o coitado.O vento hoje está lacrimoso, como se levasse suas mágoas a varrer o mundo, espalhando seu canto desencontrado. Talvez esteja se despedindo. Talvez o verão esteja expulsando-o daqui, e ele teima em não partir, pois ele sabe que partir é triste! Talvez por isso, esse lamento fantasmagórico e assustador, como as almas perdidas chorando a vida que não puderam levar consigo, assim como seus pertences. Por que ele sabe que partir, às vezes, é o mesmo que morrer! O vento hoje está frio, gélido, morto.

Fonte:
Garganta da Serpente. Contos do Coral.
Imagem = http://gifsanimadoscarlos.blogspot.com

Nilto Maciel (O Bom Selvagem) 1a. Parte

(novela integrante do livro Vasto Abismo)

PRESENTE

As noites aqui no Boqueirão já foram mais alegres. Agora nem saio mais de casa. Se há luar, olho para o céu, feito poeta de antigamente. Porém, não dura um minuto sequer meu namoro com as estrelas. E volto ao caderno, onde escrevo em minha língua a História do Brasil. É uma tradução apenas.

Quem me encarregou dessa missão foi padre Tonelli. Quer ensinar aos bororo a História do Brasil. Já ensina português, aritmética, geografia, religião. A católica, logicamente.

Padre Tonelli é meio esquisito. Diz que índio deve continuar índio, preservar suas tradições. Sobretudo sua língua. Mas deve renegar alguns costumes. Como o de viver nu.

Não sei mais viver nu. Além do mais, todos por aqui usam roupas. Mesmo os índios mais atrasados. Os padres da Missão não permitem a nudez. Chamam de pecado. E chamam a Missão de Colônia.

Tudo mudou muito em minha vida. Primeiro mudou meu nome. De Bokodori passei a Daniel Álvares. Deixei a aldeia indígena, um amontoado de cabanas de palha, e fui viver no meio dos brancos.

Hoje sou de novo um bororo, um selvagem. Ninguém me aceitaria de paletó e gravata, falando português, andando pelas ruas das grandes cidades, dentro de automóveis.

O padre missionário, no entanto, não se cansa de querer me desfigurar. Devo voltar a ser professor. Esquecer os dissabores. Levar uma vida cristã e moderna. Educar os filhos, viver em paz com Lucina.

Não quero desgostar padre Tonelli. Vou cumprir minha promessa, traduzir para o bororo o livro de História. Ele é um homem de bom coração. E me trata com muito respeito e amizade.

Deixarei de lado este caderno e dedicarei algumas horas à tradução. Aos heróis portugueses e seus descendentes. Os matadores de índios.

ANTEPASSADOS

Minha tarefa estou para concluir. Mais algumas páginas, nomes, datas, fatos, e fim. Aliás, o autor devia ter ficado por aqui. O resto está tão recente que nem devia ter sido escrito. A história de um país é diferente da história de uma pessoa. Na minha vida, por exemplo, 17 anos valem muito. Na de um país são migalha. Eu mesmo não me lembro de nada muito importante ocorrido aqui nos últimos tempos. Comigo, sim, aconteceram coisas para lá de desastrosas. E é disso que vou tratar agora. Deixarei de lado essa História do Brasil e me voltarei para mim mesmo. Ora, sou mais importante para mim do que esses marechais.

Aprendi um pouco de tudo. Aprendi caminhos desconhecidos. Aprendi, sobretudo, que o sonho passa por nós feito nuvem. E emigra para longe, na eterna correria do tempo.

Aproveitando o método do livro que traduzo, relembrarei tudo, desde meu nascimento.

O Brasil – diz o livro – nasceu dos portugueses. Já eu, embora brasileiro, não venho de portugueses. Meus pais eram bororo, que viviam aqui muito antes de o Brasil nascer. Engraçadíssima essa história! Em compensação, só tenho a idade da República. Antes de mim houve o Império. Anteriores a este, porém, são meus avós.

Para falar de mim, devo começar lembrando meu povo. Só assim os leitores – pois pretendo publicar isto um dia – poderão me entender melhor.

Contam os mais velhos terem sido Bacororo e Itubori os primeiros bororo. Foram gerados de um canguçu e uma mulher, viveram inúmeras aventuras na selva, ditaram leis aos homens e animais, tiveram poder sobre todas as coisas, foram príncipes dos bororo, e o serão para sempre.

Meu defunto pai chegou a chefe de tribo, assim como seu pai, etc. E todos muito inteligentes. Conheciam os Tereno, os Botocudo e outros povos. Iam do Paraguai até Goiás, grandes caçadores que eram. E eu herdei tudo isso. Só não sou chefe porque hoje não temos mais tribo. Em compensação, aprendi várias línguas e vivi na Europa. Ouvi falar da teoria quântica e conheci Marconi. Li Rilke e Conrad e vi os quadros de Picasso. Admiro profundamente Einstein e Santos Dumont. Discuti a teoria da deriva continental, em francês, com estudantes parisienses. Hoje me interesso pelos Nêutrons e pelos estudos de John Logie Baird. Seus inventos ainda vão revolucionar o mundo. Quero ler Virgínia Woolf, Pirandello, William Faulkner e ver de perto a arquitetura de Le Corbusier.

Tudo isto, no entanto, de nada me serve. Aliás, se falo de progresso, desenvolvimento, mudança, é por mera vaidade. Ou talvez para não olhar para dentro de mim mesmo e de meu povo. Por isso, me chamam de índio metido a besta. Por outro lado, meus irmãos de sangue me olham com desdém. Tiraram-me de meu mundo e agora vivo isolado, como se fosse estranho a uns e outros. A solidão, essa cadela marcada, me segue os passos. Não sou mais índio, porque me ensinaram a ser europeu, branco, cristão. Não sou europeu, porque nasci índio. Para tentar conciliar as duas situações, ensino aos bororo a língua, a cultura e a História dos brancos. Traduzi do português para o bororo a Bíblia, e agora me dedico a essa estúpida História do Brasil. Desde Pedro Álvares Cabral. De quebra, me deram o nome de Daniel Álvares. A escolha do nome pode ter sido casual. Poderiam me chamar de Pedro Caminha.

Terão tido propósitos de me ridicularizar?

Há quem ainda me chame pelo meu nome indígena – Bokodori. Noto, porém, um certo ar de deboche na pronúncia. Como se quisessem dizer: você é um selvagem, mesmo sabendo falar português e francês.

INFÂNCIA

Passou mais uma noite. Não pude dormir. Revi quase minha vida inteira. Não consigo, no entanto, me lembrar de meus dias mais remotos. Depois de tanto viver, de tanto ouvir e ler, de tanto forçar a memória, é-me impossível reconstruir meu primeiro passado. Confundo-me com personagens de mitos, com outros meninos reais e imaginários, e me represento adulto em tempos de criança.

Há pouco reli trechos da História do Brasil, assim como as páginas que ontem escrevi. Os primeiros me parecem destituídos de vida. As segundas estão incompletas. Não me interessa, porém, dar vida aos capítulos da História, a menos que eu pudesse incluir nela meus antepassados. Mas como, se mal conheci meus pais?

Imaginei minha mãe, viva, tão terra, tão natureza, de repente desesperada. E depois calada, triste e morta. Sigo-lhe o destino, eu que há 36 ou 25 anos sequer supunha um só dia de desespero e solidão. Naquele tempo tudo para mim era festa e eu comemorava até minhas estupefações. Revejo todas as cenas que se seguiram aos primeiros olhares de curiosidades do padre Pittini, às suas primeiras palavras a mim dirigidas. Sua figura alva, bonita, simpática me animou, me fez sonhar mil maravilhas. Meu primeiro desejo foi entender-lhe a fala, o significado dela, traduzir seus gestos, para, em seguida, compreender a razão de tudo – da batina, da cor de sua pele, seus cabelos e olhos, dos seus passos e, sobretudo, do seu interesse por nós e por mim, em particular. Ele me cativou e por mim se enfeitiçou desde o primeiro contato. Conversou comigo, fez-me todas as perguntas do questionário humano e prometia transformar-me num sábio, num salvador ou guia de meu povo. E eu só tinha 11 anos de idade.

Hoje compreendo quase tudo. Eu seria a isca e o modelo, para ser devorado e mostrado. E, mais do que isca e modelo, o boneco bem conservado para as exposições, espécie de atleta ou manequim, objeto de carne e osso, filhote de troglodita transformado em gentleman pelas mãos hábeis e santas do cristianismo. Aprendi a rezar, primeiro como me ensinaram e depois a meu modo. Pura lamentação. Assim: Minha madrinha, Nossa Senhora, tu vês o mundo todo verde, não é? Meus olhos, no entanto, são tão pretos! Ah! Minha Nossa Senhora, pinta meus olhos, que eu quero verdes os dias futuros.

Decorei orações latinas, nomes e vidas de santos, descobri pecados e virtudes e elegi um deus todo-poderoso. Credo in Deum Patrem omnipotentem, creatorem e caeli et terra. Reneguei Ké-Marugodu, o personagem lagarto de uma das principais lendas de nosso povo. Fiz tudo para esquecê-lo. Apagar da memória meu passado de selvagem. E enchi de jactâncias e me cobri de outro nome.
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continua...

Fonte:
Nilto Maciel. Vasto Abismo. Brasília: Ed. Códice, 1998.