sexta-feira, 13 de abril de 2012

XXVII Concurso de Poesia 'Brasil dos Reis' (Resultado Final)


Tema: Caminho – Soneto Nacional

1º - Thereza Costa Val
Cuidados no caminho
Belo Horizonte / MG

2º - Antônio Roberto de Carvalho
Caminhante
São Paulo / SP

3º - Edmar Japiassú Maia
Ladeira
Rio de Janeiro / RJ

4º - Luna Fernandes
Caminho do bem
Rio de Janeiro / RJ

5º - Antônio Carlos T. Pinto
Revolta
Brasília / DF

6º - Wanda de Paula Mourthé
Convite de estrelas
Belo Horizonte / MG

7º - Maria Madalena Ferreira
Meus caminhos
Magé / RJ

8º - José Messias Braz
Versos negros
Juiz de Fora / MG

9º - Roberto Resende Vilela
Caminhada
Pouso Alegre / MG

10º - Gilson Faustino Maia
Meu conselho
Petrópolis / RJ

Tema: Natureza – Verso Livre Nacional

1º - Thiago Oliveira de Carvalho
Natureza morta
Rio de Janeiro / RJ

2º - Marcelo Zanconato Pinto
No palco da natureza
Juiz de Fora / MG

3º - André Telucazu Kondo
A cada folha
São Paulo / SP

4º - Edna Valente Ferracini
Natureza
São Paulo / SP

5º - Lohan Lage Pignone
Natureza desumana
Trajano de Moraes / RJ

6º - Maria Romana Costa L. Rosa
Amar a natureza
Faro – Portugal

7º - Heloísa Zanconato
Natureza
Juiz de Fora / MG

8º - Nathalia da Cruz Wigg
Múltiplas naturezas
Rio de Janeiro / RJ

9º - Renato Vieira Ostrowski
Natureza
Campo Magro / PR

10º - Simone Alves Pedersen
Corram...
Vinhedo / SP

Tema: Infância – Soneto Regional

1º - Neusa Aparecida M. Maia
Lembranças
Angra dos Reis / RJ

2º - Rose Lopes
A infância
Angra dos Reis / RJ

3º - Rita de Cássia L. Dardengo
Resto de infância
Angra dos Reis / RJ

4º - Ronaldo Oliveira Santos
Infância , a melhor vinha...
Paraty / RJ

Tema: Velhos Casarões – Verso Livre Regional

1º - Leilda Pereira Leone
Velhos casarões
Rio Claro / RJ

2º - Lisabete Lopes Loureiro
Velhos casarões
Rio Claro / RJ

3º - Silvia Alice de C. Soares
Relicários
Angra dos Reis / RJ

4º - Sebastião Isidro de Araújo
Velhos casarões
Angra dos Reis / RJ

5º - Lenine Sérgio de Moura
A corte e os velhos casarões
Angra dos Reis / RJ

6º - Maria Helena U. C. Fonseca
A vida da gente
Angra dos Reis / RJ

7º - Maria José Moreira Dias
Velhos casarões
Angra dos Reis / RJ

8º - José Carlos de Almeida
Uma viagem no tempo
Angra dos Reis / RJ

9º - Tânia Lima
Temores
Angra dos Reis / RJ

10º - Denise Constantino da Fonseca
O beijo selador
Angra dos Reis / RJ
-
Fonte:
Http://concursos-literarios.blogspot.com

Concurso Cultural 'Porto Alegre, meu lugar' (Cronicas Vencedoras)

As três melhores crônicas:

"Sobre Porto Alegre", de Gabriel Braga Zarth, 17 anos;

"Porto Alegre, Paris de Minha Infância", de Maria Lenira Souza Pereira, 57;

"Porto Alegre, Meu Lugar", de Ricardo José de Souza Almeida, 50.

Fontes:
http://www.correiodopovo.com.br/
http://concursos-literarios.blogspot.com

Concurso Cultural 'Fábrica de Poesia' (Resultado Final)

LIMERIQUE

1º LUGAR - Elton C. A. Júnior (Bauru - SP)
2º LUGAR - Tatiane Panzarini Labliuk (Pirapora do Bom Jesus - SP)
3º LUGAR - Vera Lúcia Scherer (Rio Grande - RS)

HAICAI

1º LUGAR - Altair Cachone (Londrina - PR)
2º LUGAR - Sérgio Bernardo (Nova Friburgo - RJ)
3º LUGAR - Samantha Costa de Sousa (Paragominas - PA)

CORDEL

1º LUGAR - Arlene Moreira Rodrigues (Belo Horizonte - MG)
2º LUGAR - Elenir Ferreira Nunes Gonçalves (Buritizeiro - MG)
3º LUGAR - Roque Aloisio Weschenfelder (Santa Rosa - RS)

SONETOS

1º LUGAR - Rosane Granja Fernandes (Petrópolis - RJ)
2º LUGAR - Francisca Alana Araújo Aragão (Sobral - CE)
3º LUGAR - Leandro Raimundini (Batatais - SP)

Fontes:
http://educarparacrescer.abril.com.br/concurso-cultural/fabrica-de-poesia/resultado.shtml
Http://concursos-literarios.blogspot.com

Seleção para a Antologia “Amores Imortais” (Prazo: 20 de Maio)

Organização:
Bianca A. e Silva e Editora Canápe
amores-imortais@hotmail.com


Regulamento:

Quanto às inscrições:


Não há restrições quanto a naturalidade do autor desde que seu texto seja enviado em língua portuguesa.

Menores de idade também podem enviar seus textos, porém se selecionados, deverão encaminhar futuros documentos assinados pelos responsáveis.

O autor pode enviar quantos textos desejar, contudo devem ser enviados separadamente e apenas um será selecionado.

O envio dos textos deverá ser feito somente pelo e-mail amores-imortais@hotmail.com, com o nome e o telefone do participante.

As inscrições são inteiramente gratuitas, assim como a participação em caso de aprovação. Não serão obrigatórias quaisquer aquisição de exemplares.

As inscrições serão iniciadas no dia 08/04/12 e serão encerradas no dia 20/05/12.

Quanto aos textos:

Os textos deverão ser sobre: histórias de amor envolvendo vampiros.

A narração deverá ser em 3ª pessoa.

Deverão ter um limite entre 41.000 e 55.000 caracteres com espaços. Os textos acima ou abaixo desse limite serão descartados sem aviso por parte do organizador.

Não serão aceitos textos com cenas de sexo explicito, qualquer tipo de preconceito e cenas de extrema violência.

Textos em coautoria serão aceitos, todavia contarão apenas com uma cota de participação.

Não serão aceito textos já publicados em papel ou ebook. Poderão ser enviados textos que foram publicados na internet, todavia o autor deverá tirá-lo do ar durante o processo de seleção e se selecionado, durante um ano após a publicação do mesmo.

Quanto à seleção:

Os textos serão selecionados pelo organizador da antologia, podendo ser feita avaliações por parte de leitores que não serão identificados.

Como critério será levado em conta as características de um conto e o cumprimento das regras descritas no regulamento.

Não será dado nenhum parecer quanto aos textos que não forem selecionados.

Quanto ao resultado:

O resultado será divulgado até o dia 18/06/12, através do blog da antologia e facebook. Os autores selecionados também receberão e-mails comunicando sobre sua aceitação na antologia, somente após a divulgação na internet.

Os autores não selecionados não receberão comunicados sobre o resultado.

Poderá haver substituição de nomes na lista de selecionados, mesmo depois da divulgação do resultado, caso haja inconsistência ou insuficiência dos dados de um autor, para a confecção do contrato de publicação, comprovação de não ineditismo da obra enviada ou desistência de participação.

Quanto à publicação:

O autor não pagará nenhuma taxa para participar da antologia, mesmo depois de selecionado. Também não será exigido ao autor que adquira nenhum exemplar da antologia. A compra de exemplares por parte do autor é opcional, e nesse caso será concedido descontos a serem divulgados no momento da comercialização.

Os autores que desejarem comprar um maior número de exemplares para revender ou presentear, deverão negociar diretamente com a editora entrando em contato com antecedência.

Cada autor selecionado receberá como forma de direito autoral 1 exemplar do livro.
Qualquer dúvida quanto à antologia, entrar em contato pelo e-mail: amores-imortais@hotmail.com

Fontes:
http://amoresimortais.wordpress.com/regulamento/
Http://concursos-literarios.blogspot.com

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Wagner Marques Lopes/MG (O LAR em trovas) – parte 7


Lar, o pouso da paz

Ontem: dor, decepções...
Lar – o pouso que refaz.
Ainda agora: corações
Refeitos, calmos, em paz.

Lares – bons vizinhos

Os lares enfileirados
quais ovelhas nos caminhos,
vivendo em paz, lado a lado,
sabendo ser bons vizinhos.

Lar e convivência

O lar que escreve nas linhas
da convivência sincera,
descobre nas entrelinhas
a paz que ele tanto espera.

Alegria no lar

Aurora. O Sol se irradia,
superando névoa densa.
No lar, o sol da alegria
bela manhã nos dispensa.

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 538)

Um Pouco da Orla de Maceió/AL

Uma Trova de Ademar

Nas prateleiras da mente
eu guardo a todos instantes
os meus versos do presente
e os versos que eu já fiz antes.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Trago no peito guardada,
entre as lembranças da vida
a Silhueta gravada
da tua imagem querida!
–ZENAIDE MARÇAL/CE–

Uma Trova Potiguar


Tristeza no peito sinto,
em ver que a mãe terra come,
o próprio filho faminto,
que a mesma matou de fome.
–LUIZ DUTRA/RN–

Uma Trova Premiada


2005 - Belém/PA
Tema - DELÍRIO - M/E


Vivo em constante conflito
entre o delírio e a razão:
- Meu sonho alcança o infinito,
meus pés tropeçam no chão!
–ELISABETH SOUZA CRUZ/RJ–

...E Suas Trovas Ficaram


Nenhum barco... o mar parado.
Noite... silêncio... abandono.
E o velho farol, cansado,
parece piscar de sono...
–DURVAL MENDONÇA/RJ–

U m a P o e s i a


Se este mundo se fechar
como as portas de uma cela,
há de restar, pelo menos,
o claro de uma janela
para a entrada da poesia,
sem a qual nos faltaria,
na vida, a coisa mais bela.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Soneto do Dia

Juramento
–DARLY O. BARROS/SP–


Antes que o sol desponte e, em ouro puro,
se faça sobre a areia e sobre o mar,
a perscrutar o manto claro-escuro
da via-láctea, quase a despertar,

ao ano que começa agora, eu juro,
em vala funda as mágoas soterrar;
quero de todo, novo o meu futuro
e nele as mágoas não terão lugar!

Cumprindo a jura feita, renovado,
começo dando as costas ao passado
e dele, enfim liberto, abrindo os braços,

sorvendo do ouro desse sol nascente,
com alma nova, vou seguindo em frente,
como se desse os meus primeiros passos...

J. G. de Araújo Jorge (A Cantiga Do Só) 9. A Palavra


Sou apenas o reflexo
o retorno,
um instrumento...

A poesia está na rua
na vida,
no homem,
- todo momento.

Sou apenas, talvez,
o porta voz,
recebo ordens,
e mesmo quando a vida
é minha vida,
cumpro uma missão.

Que este é o destino
do Poeta,
ser a palavra
(letra e música)
- que revela o mundo
e o coração!...

Fonte:
JORGE, J.G. de Araújo. Cantiga do Só. 2. ed. 1968.

Mia Couto (O Último Voo do Tucano)


Ela estava grávida, em meio de gestação. Faltavam dois meses para ela se proceder a fonte. O que fazia, nessa demora? Deitava-se de ventre para baixo e ficava ali, imóvel, quase se arriscando a coisa. Que fazia ela assim, barriga na barriga do mundo?

- Ensino o futuro menino a ser da terra, estou-lhe a dar pés de longe- .

Ela queria a viagem para seu filho. O pai sorria, por desculpa aos deuses. E ficava a coar o tempo, fazendo promessas logo-logo arrependidas: "Amanhã ou quem sabe depois?" Desentretanto, nada acontecia.

Aconteceu sim, foi numa noite farinhada de estrelas. O pai estava sentado sob a palmeira, a ver o mundo perder peso. Saboreava a carícia da preguiça dominical. Domingo não é um dia. É uma ausência de dia.

A mulher se chegou, em gesto fingido de segurar barriga. Sempre ela tivera os rins ruins. Assim, de encontro ao poente, a mulher parecia dobra de cobra, flor à espera de vaso.

- Mando, você conhece a maneira dos tucanos ninharem?

- Conheço, com certeza.

- Porque não fazemos igual como eles?-

O homem quase caiu das costas. Mas não reagiu, concordado com o silêncio. Não é só a barriga: cabeça dela também inchou, pensou. Mas segurou a palavra e com ela se acordou.

- Começamos quando?-

Nessa noite, ele contou as estrelas. A angústia lhe enxotava o sono. Fazer como os tucanos? Somos aves, agora? Como recusar, porém, sem chamar desgraças? Assim, no dia seguinte, ele deu início à loucura. Começou a fechar a casa com paus, matopes, água e areias. A casa foi ficando com mais paredes que lados. Tapadas foram as portas, fechadas as janelas. Deixou só uma pequena abertura e voltou a juntar-se à esposa.

A mulher se sentou no banquinho de mafurreira e deixou que o homem lhe cortasse os cabelos e rapasse todos pêlos do corpo. Imitavam a tucana que se depena para construir o ninho.

Depois ela se despiu, libertou-se das vestes e atirou as roupas no obscuro da casa. E se despediram, fosse tudo aquilo nem vivido, simples fantasia. A mulher entrou na escura casa e ficou de costas. O marido maticou a abertura, enconchando a casa. Mas não tapou tudo: ficou um buraco onde mal metia o braço.

Fechada a obra, ele recuou uns breves passos para contemplar a casa. Aquilo, agora, mais se parecia um imbondeiro. A grávida estava aprisionada, na inteira dependência dele. Morresse o homem e ela definharia, desnutrida, desbebida. Os seus destinos se igualavam ao dos tucanos em momento de ninhação.

Nos tempos que seguiram, o homem cumpriu seu mandato: matutinava para trazer comeres e beberes. Duas vezes ao dia ele chegava e assobiava em jeito de pássaro. Ela acenava, apenas a mão dela se arriscava à luz.

- Não tem medo que eu fique por lás, nunca mais voltado?

- Você, marido, sempre há-de voltar. Você tem doença da água: mesmo da nuvem sempre regressa- .

E assim se sucederam meses. Até que, uma vez, ela lhe disse: - não venha mais!- Ele sabia que ela estava anunciar o parto.

- Você quer que eu fique perto?

- Não, espere longe- .

Ele longe não foi. Ficou atento, próximo, caso a necessidade. Esperou um dia, dois, muitos. Nada, nem um choro a confirmar o nascimento. Até que se determinou fazer valer sua dúvida. Chamou por ela, quase a medo. Tivessem morrido mãe e filho, ao desumbigarem-se. Já ele se decidia a arrombar o esconderijo quando de dentro do escuro se vislumbrou o aceno de um pano. A mulher estava viva. Logo, acorreu ele ansioso:

- A criança?

- A criança, o quê?-

Ele não soube juntar mais pergunta. Quem mais se engasga é quem não come. A mulher, simples, disse que o menino estava que até Deus se haveria de espantar. Que ela precisava ficar ainda uns tempos assim, no choco, na quenteação do ninho para dar despacho ao crescer da vida.

Nessa primeira semana, ele ficou no quintal, em estado de nervos. É que não escutava nem chorinho, assobio de fome do menino. E se passavam semanas, lentas e oleosas.

- lhe peço, mulher. Me deixe ao menos ver o menino nosso- .

Ela então fez sair as mãos em concha pelo pequeno buraco. Só se via o enxovalhado enxoval.

- Segure aqui, mando. Cuidado- .

Ele, embevecido, aceitou o embrulho das roupas.

- Posso espreitar, ao menos?

- Não, ainda não se pode ver- .

E recolheu a dádiva, se deleitando com esse consolo. Ficou experimentando a ausência de peso daquele volume. Tão leve era o objecto que não havia força que o suportasse. O embrulho lhe tombou das mãos e se espalmilhou na areia. Foi quando, de dentro dos panos, se soltou um pássaro, muito verdadeiro. Levantou voo, desajeitoso, aos encontrões com nada.

O homem ficou a ver as asas se longeando, voadeiras. Depois, ergueu-se e se arremessou contra a parede da casa. Tombaram paus, desabaram matopes, despertaram poeiras. Agachada num canto estava a mulher, de ventre liso. Junto dela a capulana ainda guardava sangues. Areias revolvidas mostravam que ela já escavara o chão, encerrando a cerimónia. Ele se ajoelhou e acariciou a terra.

Fonte:
Mia Couto. Contos do Nascer da Terra. Vol.1. Porto: CPAC, 1998.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 537)


Uma Trova de Ademar

Me alimento de poesia
e, feito com massas novas,
eu como um pão todo dia
amanteigado de Trovas.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Por mim estou pronta a entrar
no Céu, contente e feliz,
e ouvir os Anjos cantar
os lindos versos que fiz!
–CLARISSE BARATA SANCHES/PRT–

Uma Trova Potiguar


Quando o vento abre a cortina,
olho e sinto nostalgia;
pois não suporto a rotina
da nossa cama vazia.
–HÉLIO PEDRO/RN–

Uma Trova Premiada


1992 - Amparo/SP
Tema - TREVAS - M/H


A nossa fé é a virtude
que nos dá tanto otimismo,
que deixa ver, da altitude,
a flor nas trevas do abismo!
–DOMITILLA BORGES BELTRAME/SP–

...E Suas Trovas Ficaram


Vida, a longa caminhada:
- Nascer, viver e morrer.
E ao final sua morada,
você não pode escolher.
–FRANCISCO MACEDO/RN–

U m a P o e s i a


Quem não tem amor a Deus,
quem não tem amor aos pais,
quem não tem amor aos seus,
irá sofrer muitos ais.
Pois o amor é que alimenta,
que dá gosto, dessedenta,
é o amor, a própria vida.
quem não tem amor vegeta,
não tem rumo, não tem meta,
no céu não vai ter guarida.
–RAYMUNDO SALLES/BA–

Soneto do Dia

Por Que?
–DIVENEI BOSELI/SP–


Homem, que te deitaste, ousado, em minha cama
e comigo fizeste os filhos que tivemos,
como é comum ao ser que vive, luta e ama
e mostra a todo mundo a farsa que vivemos;

homem, que me envolveste em ardilosa trama,
comigo tripudiaste e, em brigas, nos batemos,
como é comum a quem faz da comédia o drama
e vai expor na feira os sonhos que vendemos;

a quem eu escrevi meu verso mais amargo,
por quem cedo verti a lágrima mais linda
e tarde desprezei, audaz, com gesto largo;

se até já te esqueci, se a nossa trilha é finda,
por que te escrevo agora estes versos de embargo?
Se não te quero mais, por que te escrevo ainda?...

Alcantara Machado (As Cinco Panelas de Ouro) Parte 4, final


A sala das sessões já estava apinhada. Padre Zoroastro na presidência explicou os fins da reunião e deu a palavra para Antônio Vicente. Este falou:

- Os que como nós costumam buscar no passado os ensinamentos para o presente sabem que na Idade Média várias expedições armadas chamadas Cruzadas deixaram a Europa para arrancar Jerusalém das garras sacrílegas dos muçulmanos!

- Que é que nós temos com isso? - perguntou o genro de Zéquinha Silva.

- Muita coisa! Vossa Excelência não me deixou terminar o paralelo que pretendo esboçar! Com efeito, meus senhores, ao grito de Deus o quer! os cristãos do Ocidente mais de uma vez se levantaram de armas nas mãos para expulsar da Cidade Santa os infiéis do Oriente! Pois bem! Nós, os fundadores da República Nova, também nos levantamos ao grito de Revolução o quer! para exigir que os membros da atual comissão das obras da matriz, infiéis de 24 de Outubro, sejam destituídos e imediatamente substituídos pelos fiéis de Copacabana, pelos heróis...

Padre Zoroastro interrompeu:

- Eu acho que a discussão deve ser curta não é? - e se cingir aos fatos. É. Devemos economizar nosso tempo.

- Também acho, excelentíssimo senhor presidente desta augusta assembléia! E é por isso...

- O que o Senhor Antônio Vicente pede é a substituição da comissão atual. Não é? E funda seu pedido no fato do Senhor José Silva e demais membros da referida comissão não serem revolucionários. Pois então. Já estamos cientes. E eu vou dar a palavra ao Senhor José Silva para dizer o que julgar conveniente a respeito. Fica bem assim. Não é? Tem a palavra o Senhor José Silva.

Zéquinha Silva principiou dizendo que desconhecia revolucionários em Jataí-Vila a não ser alguns de última hora. Colocava pois a questão em outro terreno. Achava que se devia somente indagar se a atual comissão era ou não composta de gente trabalhadeira e honesta. Porque ser revolucionário só não adianta.

- Eu sou produto do meu trabalho honrado - gritou o major.

- Como é mesmo? - perguntaram.

- Ficam proibidos os apartes -~ falou Padre Zoroastro. - Não é melhor? Continue, Seu Zéquinha.

Zéquinha provou documentadamente que a comissão presidida por ele sempre se houve com diligência e probidade. Em todo o caso desistia, por si e pelo genro, de continuar nela se a maioria dos presentes quisesse. Mesmo porque confiança não se impõe.

Padre Zoroastro disse que era melhor recolher logo o voto dos presentes. Os presentes (com exceção do major, Antônio Vicente e Nicolau que queria a palavra para uma explicação pessoal) concordaram. E Padre Zoroastro falou que antes de proceder à votação desejava ler para governo de todos uma carta do bispo de Samburá. Na carta do bispo dizia que, caso fosse destituída a comissão atual que lhe merecia a mais absoluta confiança, não autorizaria outra que se formasse a dirigir as obras da matriz e suspenderia estas até melhores tempos.

- Ah! É assim? - berrou Nicolau. - O senhor, Padre Zoroastro, quer fazer pressão? O senhor se engana! Não estamos mais sob o domínio do perrepismo!

E a confusão se fez com injúrias pesadas. Mas Padre Zoroastro ameaçou se retirar e conseguiu assim restabelecer a calma. Então disse:

- Senhor Nicolau Foz, saiba que eu não fiz mais do que cumprir o meu dever de pároco lendo a carta do excelentíssimo senhor bispo desta diocese. Não é?

- Perfeitamente! - apoiaram.

- Mas se o senhor tem algum esclarecimento importante a dar e promete não se exaltar eu lhe concedo a palavra por cinco minutos.

Nicolau de olhos fechados fungava forte entre o major e Antônio Vicente.

- Não tem nada a dizer? - perguntou Padre Zoroastro.

Nicolau abriu os olhos, viu o sorriso vitorioso de Zéquinha Silva, pulou da cadeira, afirmou:

- Tenho! Tenho uma coisa a dizer!

- Não diga! - disse Antônio Vicente baixinho.

Nicolau se virou para o companheiro e falou:

- Digo!

- Diga de uma vez! - gritaram.

- Pois digo! Se a comissão atual não for destituída.

- Ela tem a seu favor a honestidade com que tem agido! aparteou o prefeito.

- Em face da revolução não há direitos adquiridos! - berrou Antônio Vicente.

- Que asneira é essa? - falou o Doutor Salomão.

- Que que o senhor está dizendo? Asneira? São palavras textuais do Ministro da Justiça!

- Está com a palavra o Senhor Nicolau Foz! - advertiu Padre Zoroastro.

- Se não destituírem a comissão do P.R.P. eu não revelarei um segredo...

- Não revelaremos! - secundou o major excitadíssimo.

- ... o qual segredo foi contado pelo falecido Padre Dito à minha senhora!

E a confusão se fez de novo. E Padre Zoroastro de novo conseguiu restabelecer a ordem.

- Temos o direito de saber, não é?

Então aos berros Nicolau soltou tudo menos o lugar onde se achava escondido o tesouro. E Padre Zoroastro desistiu de restabelecer mais uma vez a calma. Impossível. O genro de Zéquinha Silva subiu na cadeira e começou a arengar sem ser ouvido. Antônio Vicente só sabia dizer: Conheceram, papudos? Entre os que achavam que aquilo era uma mistificação ignóbil e os que pensavam que por via das dúvidas convinha verificar a coisa direito houve ameaças de tiros. O turumbamba estava armado. Puxaram o genro de Zéquinha Silva por uma perna, deram uns tabefes nele, ele rolou no chão gritando: Basta assassinos! Padre Zoroastro com muito custo salvou o coitado e se retirou com ele e Zéquinha abanando a cabeça.

- Sempre a maldita história do espiritismo estragando tudo! Não é? A mãe, a sogra, a mãe de Esmeralda, a sogra do Nicolau, já eram assim!

Aos poucos os mais chegados a Zéquinha Silva foram também saindo.

Disposto a aclarar o negócio do tesouro o Doutor Salomão em pé na cadeira da presidência perguntou se estavam numa terra de bugres. O silêncio respondeu que não. E o Doutor Salomão se declarou pronto a servir de intermediário entre os grupos adversos e fazer um acordo honroso.

- Não há acordo! - disse Nicolau.

Para o Doutor Salomão era chegada a hora de todos usarem da máxima franqueza. O Senhor Nicolau Foz não queria fazer acordo. Prescindia assim da colaboração alheia. Mas que essa colaboração era indispensável para ele estava patente no fato do Senhor Nicolau Foz, embora conhecendo o lugar onde se encontrava o tesouro, não haver até então se apossado dele.

- Porque fui educado na escola da honestidade! Sou brasileiro legítimo! De raça!

O Doutor Salomão insistiu em que a hora só admitia cartas na mesa. A honestidade do Senhor Nicolau Foz estava acima de toda e qualquer suspeita. Mas ele era de carne e osso como os outros. Se tivesse jeito de se apossar sozinho do tesouro já teria feito. Achava pois conveniente que antes de mais nada fosse revelado o lugar onde as cinco panelas de ouro estavam escondidas. O que foi aprovado com calor. As considerações do Doutor Salomão tinham abalado a assembléia. Nicolau sentia sobre ele e através dele sobre o tesouro o olhar ávido dos dois irmãos Tarantelli, do Tenente Messias Jesus Conrado, do Alcibíades Valentim vulgo Ali-Babá, do Bibi, do Dadau, do Zizi, do Doutor Teotônio de todos os presentes, de todos os ausentes. Canalhada. Felizmente estava armado. Matava. Morria. Mas não dizia.

O Doutor Salomão sentara-se fixando Nicolau. A assembléia sentou-se fixando Nicolau. O major se levantou:

- Somos todos pessoas de respeito e que se prezam, não é verdade? Pois muitíssimo bem. O que há a fazer é entrar num entendimento cordial com o nosso simpático amigo Nicolau a fim de que ele, certo de que não será prejudicado, possa revelar o lugar em questão. Pois não lhes parece assim?

- Compreendo - disse o Doutor Salomão. - O Senhor Nicolau impõe condições.

- Condições não! - falou o major. - Ou melhor: existem condições mas quem as impõe é o próprio Padre Dito que Deus tenha.

- Que condições? - perguntou o Doutor Salomão.

- Razoáveis, muito razoáveis - disse o major.

- Justíssimas até. E é preciso que sejam respeitadas. Está claro.

- Mas quais são elas? - insistiu o Doutor Salomão.

- O saudoso Padre Dito faz absoluta questão que noventa por cento do dinheiro fique pertencendo ao nosso prestante amigo Nicolau empregando-se os dez por cento restantes nas obras da matriz... Então? São ou não...

- O quê?

- Está brincando!

- Bandalheira!

- Quanto leva no negócio?

- Que piratas!

- A assembléia gritava de pé. O Doutor Salomão tornou a subir na cadeira, ameaçou dissolver a reunião com o destacamento, pediu calma, obteve relativa. E falou:

- O Senhor Nicolau sustenta o que disse o Maior Mourão?

Nicolau disse:

- Sustento até morrer!

O major suspirou aliviado. O Doutor Teotônio disse:

- Eu proponho para harmonizar as coisas que o dinheiro seja todo entregue ao benemérito governo provisório para ajudar o resgate da dívida nacional!

Houve uma salva de palmas. Mas não unânime.

- Nunca! berrou Nicolau. - Ao menos cinqüenta por cento eu exijo pra mim porque foi pra minha mulher que Padre Dito apareceu em sonho!

O major falou sincopado:

- Como? Cinqüenta por cento? Mas.. Ora essa! Cinqüenta por cento? Não pode ser! Há aí engano! Não... não é... não está certo!

Antônio Vicente se ergueu com altivez, foi até a porta, virou-se antes de sair e disse:

- Com traidor eu não discuto!

O Prefeito Idílio disse:

- Eu proponho que cinqüenta por cento sejam para as obras da matriz mesmo e cinqüenta por cento entregues à prefeitura para serviços de utilidade pública!

- Nunca! - berrou Nicolau. - Cinqüenta por cento pra mim! O resto pode ficar pro que quiserem!

Zizi disse:

- Eu proponho que o dinheiro inteirinho...

- Nunca! - berrou Nicolau. - A metade tem que ser pra mim!

O Tenente Messias disse engrossando a voz:

- Eu proponho que se obrigue o Nicolau a dizer já, mas já, imediatamente, nem que seja à força, onde é que está o cobre!

Nicolau quis falar mas não pôde. E os dois irmãos Tarantelli, o Tenente Messias Jesus Conrado, o Alcibíades Valentim vulgo Ali-Babá, o Bibi, o Dadau, o Zizi, o Doutor Teotónio, os outros, todos, até o Doutor Salomão, até o Prefeito Idílio, até o Major Mourão que já não sabia direito o que fazia, com os punhos erguidos cercaram Nicolau. Aí Nicolau puxou o revólver.

- Cachorros! Ca... chorros!

Foi andando de costas até a porta, saiu correndo. Na rua o Afonso Henriques esperava o pai de baratinha. Nicolau brandindo o revólver entrou no auto. Mandou:

- Toca pro cemitério!

Afonso Henriques começou a chorar.

- Toca senão te mato!

O Ford pulava na Rua da Expiação. Afonso Henriques suplicava:

- Vamos... vamos voltar, Seu Nicolau! Por favor! O senhor está... está tão nervoso!

Nicolau dizia:

- Toca, seu covarde!

Não esperou o Ford parar. Saltou, tropeçou, quase caiu, entrou no cemitério de revólver na mão. Deu poucos passos, parou. Estava tonto. Olhava de um lado para outro. Pensava: Que é que eu vim fazer, meu Deus?

Com um enxadão Crispim surgiu por detrás da capela. Longe ainda. Nicolau deu com ele, correu para o túmulo do Padre Dito, sem largar o revólver começou a desmanchar um canteirinho. Crispim correu também gritando:

- Que é isso, Seu Nicolau? Não faça isso!

Nicolau viu Crispim já perto, pulou na frente do túmulo, apontou para o gavetão, atirou.

- Larga esse revólver, Seu Nicolau!

Nicolau enfrentou Crispim, disse com voz sumida:

- Me dá essa enxada!

- Eu dou se o senhor largar o revólver!

- Me dá essa enxada! Me dá essa enxada!

- Não se chegue, Seu Nicolau!

- Me dá essa enxada! Me dá essa enxada!

Nicolau ia avançando, Crispim recuando.

- Por que que o senhor quer?

- Me dá essa enxada!

A voz sumia cada vez mais, o revólver tremia, os olhos se enchiam de lágrimas.

- Eu mato! Me dá essa enxada!

Mal podia suster o revólver, segurou com as duas mãos. Crispim recuou até o túmulo do padre. Com o enxadão erguido.

- No túmulo do Padre Dito o senhor não toca, Seu Nicolau!

- Eu te mostro!

Mas antes de apertar o gatilho, levou com o enxadão no alto da cabeça, caiu com os miolos de fora.

- Acuda! Acuda! - deu de gritar Crispim.

Foi quando no portão do cemitério pararam vários automóveis e seguida dos dois irmãos Tarantelli, do Tenente Messias Jesus Conrado, do Alcibíades Valentim vulgo Ali-Babá, do Bibi, do Dadau, do Zizi, do Doutor Teotônio, todos, até o Prefeito Idílio até o Doutor Salomão, até o Major Mourão com o chapéu de Nicolau na mão (O doido esqueceu a cabeça!), Dona Esmeralda entrou de carreira. Deu um grito, se jogou sobre o cadáver. Mas não chamava pelo marido não. Dizia só:

- Ah minha mãe, minha mãe!

Fonte:
http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/alcantara-machado-obras/contos-avulsos.php

terça-feira, 10 de abril de 2012

Trova Ecológica 83 - Nemésio Prata Crisóstomo (CE)

Mia Couto (Lágrimas para Irmãos Siameses)


Era uma dois irmãos siameses, nascidos um com o braço no braço do outro fundido. Se pareciam como uma folha e a seguinte. De nomes como assim: Osório e Irrisório. Cresceram os dois, um em consequência do outro. Recíprocos, simultâneos e simétricos. Ainda menininhos, o doutor avisou a mãe:

- Podemos separá-los agora, este é o momento conveniente- .

Separá-los. Porquê? Se Deus os queria carne com osso? Se davam bem, amiguíssimos, vizinhos, repartindo o tudo e o nada. Os pais, remediados, compraram um único relógio que ambos partilhavam no comum antebraço. Ao apertar a corrente do relógio, a mãe sentenciou:

- Assim, o tempo nunca lhes vai dividir- .

– O tempo, esse mesmo, foi descaiando espelhos e os siameses começaram a engrossar a vista em saia e peito. Osório, sobretudo, era mais espevitado. Irrisório era mais metido em si, olhos caseiros. Osório, às duas por muitas, se apaixonou por Marineusa. Se adonzelou com ela, esfregando-se nela até gastar o umbigo. Havia, óbvio, o problema do mano que estava ali, mesmo ao braço de semear. Osório lhe pedia que fechasse olho, tapasse ouvido, alheasse sentido. Irrisório tranquilizava:

- Sou homem correto, descanse mano.

Irrisório, por voz de promessa, sossegava o irmão. O pai, sabedor da vida, sugeriu um encontro familiar. E disse assim:

- Vão chegar mulheres e amores. Melhor é vocês separarem-se!

Mas eles negaram. Eram fiéis, como a canção: juntos para sempre. O pai manteve o mandamento. Porém, foi enfraquecendo perante a insistência dos gêmeos:

- Mas, pai, nós, assim alicateados, saímos baratos a Deus: precisamos só de um anjo da guarda.

E o outro ainda reforçava:

- Como podemos separar? Se cada um da gente só tem uma mão?

- É. Só os dois é que somos um.

Todos riram, arrumado o assunto. Antes de se retirar, o pai ainda sacudiu uma resignação:

- Vão ver, o amor junta, o amor separa.

E mais nada. Até que numa noite tempestosa Marineusa dormiu no mesmo leito dos irmãos. Irrisório se insentou, virado para a oposta parede. Fora, trovejava, chovia a rios. A arribombação escondia os gemidos dos amantes. Osório se estava combustando na escalada dos prazeres quando, repente, acreditou ver um braço alheio apalpando a traseira, da moça. Foi como relâmpago, dentro e fora dele. Visão incerteira mas que lhe rasgou o pensamento. Irrisório se aproveitava? A miúda, magoada, pranteou. Osório queria tudo a pratos limpos:

- Explique-me, Marineusa!-

Ela levantou o braço pedindo pausa. E recolheu uma lágrima na ponta do dedo. Fez sinal para que ele espreitasse a gotinha de tristeza. E Osório, maravilhado, viu surgir seu rosto na lágrima de sua amada.

- Sou eu?

- Veja, essa é prova, a verdade saída do meu coração.

Na seguinte madrugada, a moça já tinha saído, Osório ainda foi assaltado por uma tardia suspeita. Aquele braço, em meio de relâmpago? E falou para o irmão:

- Cuidado, mano! Você desce da cama e entra na cova!

- Está com ciúme, Osório?

- Ciúme, eu?

- Ou está com dores no cotovelo?

- Eu só digo: veja essa sua mão, seu mãojerico.

Acabaram brincando, amolecidos. E ficou-se sem dito nem feito. O ciúme, porem, cismava em garimpeirar o peito do irmão apaixonado.

Um dia, aproveitando o sono de Irrisório, Osório perguntou a Marineusa:

- Você, afinal: de quem gosta mais d?

Inesperadamente, a miúda desabou em choro. Falava em lágrimas. Osório se debruçava sobre o rosto dela a ver se entendia palavra. Mas nada. A namorada se inexplicava.

- Quê? Você se entrega com ele?

Ela adensou o choro. Irrisório pareceu querer despertar.

- Dorme, pá!-

Osório punha e contrapunha. Como Marineusa não desse acordo com as falas ele exigiu:

- Mostre-me uma lágrima!

Ela hesitou. O homem gritou e Marineusa ainda recusou. Mas ele ameaçou e ela acedeu, gota tremeluzindo no estremecente dedo. Osório espreitou mas virou o rosto, fulminado pela visão do irmão bailando na película da lágrima. Com voz rouca, fechou o momento:

- Você, nunca mais me compareça!

Mas ela, passadas três semanas, voltou a aparecer. Abriu a porta e ficou ali parada, olhos térreos. O coração de Osório trepidou, ansioso. A moça correu em direção a ele. Osório levantou seu único braço independente, pronto a sanar e perdoar. O amoroso volta sempre ao local do amor? Mas eis que Marineusa se enviesa e se atira no braço de Irrisório. E os dois se beijaram, as bocas emigraram deles e molharam o mundo em volta. E se trocaram em ternuras e suspiros. Osório descabia em si. Virou o rosto e ferveu sem água, vinagrada a vista, salgado o sangue.

Nessa mesma noite, os dois irmãos, sozinhos, descascavam o silêncio. Osório quebrou o frio:

- Amanhã, vou-me separar de você.

- Vai cortar o braço?

- Sim, vamos direitinhos no Hospital.

- Esse braço é mais meu, não se corta.

E discutiram. Que parte, que músculo, que osso era de cada um? Os ânimos esquentaram a pontos de pancadarias. Passados minutos, os dois acabaram cheios de hematomas, todos traupartidos. Amarrados um no outro, os irmãos não se podiam desviar, nem furtar aos socos e pontapés. E adormeceram, de cansaço, uma mão segurando a outra, por precaução.

Manhã cedo, recomeçaram a briga. Um puxava o outro para o hospital. O outro gritava que não, que nunca, que nem que ele passasse por cima do cadáver dos dois. E mais socos, pontapés. A mãe gritava pelos vizinhos, ai que meus filhos se matam, um mais o outro! pai avançou, peito arrojado:

- Deixem que eu separo-os!

Rápido, corrigiu o verbo. – _Quer dizer, separo-os parcialmente, isto é, separo aquela parte de lá. Enquanto acertava a frase, o pai se deixou ficar em debate com os múltiplos vizinhos.

No meio da balbúrdia, eis que aparece Marineusa. Fez-se um silêncio, abriu-se passagem entre a multidão. Avançou até aos gêmeos e levantou a mão solicitando um tempo. Sem que se percebesse razão, ela desatou a chorar. Recolheu as lágrimas na concha da mão e chamou os irmãos para que espreitassem. Então, eles viram um cordão de gotas líquidas, entreligadas como um colar. Eram lágrimas siamesas. E em cada gota, alternadamente, surgia o rosto de Osório e de Irrisório. Ela tomou aquele longo rosário de gotas e o enlaçou em redor dos dois manos. Beijou-os na face, levantou-se e saiu entre filas de muito espanto.

Fonte:
Mia Couto. Contos do Nascer da Terra. Vol.1. Porto: CPAC, 1998.

Wagner Marques Lopes (O LAR em trovas) Parte 6


Lar feliz, Jesus primeiro

Tem mais peso a opinião:
Lar feliz, Jesus Primeiro.
Enganou-se a multidão:
Jesus era o Verdadeiro!

A vitória de um lar

Casa de taipa ou tijolo...
Madeira... Ou senão de quê?...
Vence o lar sem culpa ou dolo,
pois o amor ali se vê!

A guerra do desamor

Antipatias... Conflitos...
As rixas que um lar encerra!
Ódio – tirano maldito
a sustentar velha guerra!

Montando a casa... E o lar

Verdade de fortes asas,
pousando em qualquer lugar:
dá gosto montar a casa,
e melhor... Formar o lar.

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 536)


Uma Trova de Ademar

Ponho minha mente à prova
quando a inspiração me furta;
e encontro alento na trova,
que é a poesia mais curta.
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Nos percalços dessa vida
já deixei muita pegada
como marca dolorida
dos revezes da jornada.
–ELIANA JIMENEZ/SC–

Uma Trova Potiguar


Desponta sereno o dia,
e o meu sonho, sem demora,
enche o mundo de poesia
ao romper da linda aurora!
–EVA YANNI GARCIA/RN–

Uma Trova Premiada


2006 - Nova Friburgo/RJ
Tema: FRONTEIRA – M/E


Eu amo... e, de tal maneira
o amor em mim se enclausura,
que sempre estou na fronteira
entre a razão e a loucura!...
–NEWTON VIEIRA/MG–

...E Suas Trovas Ficaram


Angústia é isto: este anseio,
pássaro aflito, doente.
Nem se sabe de onde veio
pra sofrer dentro da gente!
–VERA VARGAS/PR–

U m a P o e s i a


Age sempre por paixão,
muitas vezes passageira,
e fará grande besteira
quem divide o coração,
geralmente é ilusão,
pseudo amor de momento;
mas ninguém está isento
deste impulso sensual,
que trazendo bem ou mal,
multiplica o sofrimento.
–MAJÓ/RN–

Soneto do Dia

Experiência
–AMILTON MONTEIRO/SP–


Já quase cinqüentão tomei da pena
querendo transmitir as impressões
que a vida, ora afobada, ora serena,
sempre me destinou em turbilhões...

Da ingênua infância, alegre, doce e amena,
comigo trouxe mil recordações...
e muito mais da fase não pequena
que perdurou a idade das paixões...

Talvez se eu disser o que senti,
o que enxerguei e ouvi, o que vivi,
e tudo o que aprendi no mundo, à beça,

alguém consiga errar menos que eu,
e creia na lição de quem sofreu
mas entendeu: amar é o que interessa!

J. G. de Araújo Jorge (A Cantiga Do Só) 8. A Morte


A morte
é como o amor:
a coisa mais comum, mais repetida.

A morte
é como a dor,
é como a Vida

Sempre que chega é "nova",
imprevista, estranha,
desconhecida,
e entretanto está sempre conosco
e sempre nos acompanha,
desde o primeiro hausto
de vida.

Apesar
de ser a coisa mais comum,
(prosaica, heróica, trágica, banal
ou bela)
nunca nos acostumamos a ela!
---
Fonte:
JORGE, J.G. de Araújo. Cantiga do Só. 2. ed. 1968.

Alcantara Machado (As Cinco Panelas de Ouro) Parte 3


De barriga para o ar imaginava tão depressa, tão grandiosamente, que lutava contra a imaginação. Deus existe. Se existe. A justiça divina não falha. E vem mais depressa do que se pensa. Dormiu triste e humilhado e acordou rico. Primeiro pagava os impostos. Não precisava mais de esmolas. Depois São Paulo. Aplicava o cobre bem aplicado. Depois Rio. Depois Europa. Não. Estados Unidos. Conhecer aquele colosso. Pára, imaginação. O dinheiro é para as obras da matriz. Olhe o castigo do céu. Mas não é justo isso. Quem tem o segredo do tesouro é dono do tesouro. Depois não havia perigo. Ia de noite no cemitério e desenterrava a dinheirama. Pára, imaginação. O Crispim zelador já queimou uma madrugada os dois polacos da Colônia Sobieski que queriam avançar nos florões de bronze dos túmulos. Do Padre Dito mesmo. Subornar também não adianta. Quer dizer: é impossível. Melhor é revelar o segredo. Falar com Padre Zoroastro e revelar não: vender o segredo. Pára, imaginação. Padre Zoroastro não acredita nessas coisas. Homem, arranjava um capanga, matava o Crispim e pronto. Pára, excomungada. Bobagem. Aquele retrato ali no Diário é da Greta Garbo. Ô boa. Onde será que ela mora? Pára, sem-vergonha, cachorra, desgraçada. E o Zéquinha Silva presidente da comissão? Desaforo. É preciso arranjar outro presidente, outro tesoureiro: ele. Ai está. Regime novo: gente nova.

E o cobre com o tesoureiro.

- Você já está acordada Esmeralda?

- Eu não dormi.

- Que maçada! Vamos enterrar a excelentíssima?

- Enterre você sozinho. Você sabe que eu não gosto de ver enterro.

Dorotéia Cabral foi sepultada dentro de uma lata de gasolina e perto de um mamoeiro. Nicolau tomou mais duas xícaras de café, se arranjou e saiu. Foi para o escritório da Luz e Força. Não parava sentado. Também não parava em pé. O gerente estranhou tanto nervosismo. Perguntou:

- Que é que há?

- Osvaldo Aranha. Isto é. desculpe, nada. Dormi mal esta noite. A Dorotéia Cabral morreu.

- Não diga! Dona Esmeralda deve ter ficado bem triste?

- Ficou. Está doente até. Se me der licença eu vou ver como é que ela vai indo.

Padre Zoroastro não estava em casa. Nicolau ficou indeciso sem saber se devia ou não procurá-lo na matriz. Talvez fosse melhor conversar num lugar mais discreto. Porém a coisa era urgente. Era. Ia. Não ia. Começou a andar. Foi andando. Foi. De repente apressou o passo e tomou o caminho do cemitério.

Encontrou Crispim chupando num pito de barro perto do portão, ouvindo as queixas de um coveiro despedido por não ter mentalidade revolucionária.

- Que é que vem fazer aqui, Seu Nicolau? Morte em casa, ainda que mal pergunte?

- É. Morreu a Dorotéia Cabral. Mas não isso não.

- Morreu? De quê?

- Não sei. Doença de cachorro.

O túmulo do Padre Dito era logo na entrada. Olhou enviesado para ele.

- Estou pensando em mandar fazer um túmulo pra minha sogra.

Foi ver a sepultura da sogra. Era lá no fundo. Estavam abrindo uma cova perto.

- Quem é que vai ser enterrado?

- O Bastião.

- O Bastião da Filarmônica?

- Não. O pegador de cachorro.

- É o mesmo.

- Terceiro cachaceiro que a gente enterra este mês.

Deu uns passos em torno da sepultura da sogra para fingir que tomava a medida. E veio voltando. Bem devagarzinho. Olhando os túmulos. Aqui jaz o Doutor Manuel Bacalhau. Esse também morreu de cachaça. A memória de Dona Iracema Vaz de Castro Soares. Pra quê dona agora? Passou a vida toda na cozinha. Viandante, pára! Aqui repousam os restos mortais de Monsenhor Benedito Moura.

- Então, Crispim, não vieram mais roubar os bronzes do túmulo, não?

- Que esperança! Eu tenho sono leve e pontaria certeira!

- Sei...

De cada lado do túmulo tinha um canteirinho de cravos. O anjo de mármore jogava flores sobre a lousa. Já tinha jogado cinco. Faltava ainda jogar três.

- O caixão está debaixo da terra?

- O senhor não esteve no enterro, Seu Nicolau? Está no gavetão. Debaixo da terra está Nhá Belarmina. Faz uns vinte anos. O túmulo foi feito por Padre Dito quando muito uns dois meses antes de morrer.

- Tem razão. Não me lembrava.

Túmulo sólido, pesado. Gavetão duro de abrir. Tampa bem encaixada. Nem se perceberia que era tampa se não fosse o argolão de bronze.

- Monsenhor Benedito de Moura. Homem bom. Um santo.

- Que dúvida! Cada vez que vinha aqui arranjar o jardinzinho...

- Que jardinzinho?

- Ué! O jardinzinho que tinha! Antes do túmulo só tinha um jardinzinho e uma cruz no meio. Desse jardinzinho é que Padre Dito cuidava todas as semanas que Deus dava. Quando podia ajudava ele. E ele já sabe: me...

Nicolau disse de repente:

- Até outro dia, Crispim!

Não podia mais. Se ficava mais um minuto se traía contava tudo. Mas meu Deus do céu, como é difícil a gente guardar um segredo assim dentro da gente. Hoje mesmo precisava resolver tudo. Senão não agüentava: morria de aflição. Agora é ir almoçar que já são horas. Nem se discute: Padre Dito com a desculpa de arranjar a sepultura da velha o que fazia era enterrar ouro e mais ouro, o filho da m...

- Está falando sozinho, rapaz?

- Hein? Ah sim! Estava fazendo uns cálculos. Estou com muita pressa. Lembranças em casa. Passar bem, Abílio. Apareça.

Depois do almoço mandou Dona Esmeralda dizer para o major e o Antônio Vicente que estava doente sem poder sair de casa mas que queria muito conversar com eles. Eles que viessem logo. E na reunião convenceu os companheiros políticos de que era uma infâmia a permanência de perrepistas na comissão das obras da matriz. Era preciso organizar outra com o major na presidência e ele Nicolau feito tesoureiro.

Assentado isso Dona Esmeralda foi buscar Padre Zoroastro. Padre Zoroastro foi dizendo que sim com a cabeça mas na hora de resolver a coisa falou:

- Está tudo muito certo. Porém não pode ser.

- Por que que não pode ser?

- Não pode ser porque Zéquinha Silva é pessoa - não é - de muita confiança do bispo. É.

E não permitiu mais que Nicolau abrisse a boca. Não é? é, os amigos bem compreendiam a situação. não é? é, apertou a mão dos três, foi-se. Botando Nicolau no auge da indignação. Começou a injuriar Padre Zoroastro, a falar o diabo do bispo, a dizer coisas de Zéquinha Silva, da filha de Zéquinha Silva. Insinuou mesmo que entre Dona Isolina e Padre Zoroastro havia grossa patifaria. Então o major saiu de seu silêncio espantado:

- Mas afinal de contas, Nicolauzito dos meus pecados, o caso não tem assim tanta importância. Não se trata de cargos políticos. São cargos - como direi - são cargos... técnicos!

- Olha a grande besteira!

De seu lado Antônio Vicente não percebia também a causa de tanto ódio. Está claro que seria melhor arranjar outra comissão mas o bispo não querendo não valia a pena brigar com o bispo por tão pouco.

- Eu acho assim. Com saias a gente não briga que saí perdendo na certa.

Nicolau ia e vinha na sala bufando. Tapava os ouvidos quando os outros falavam, dava murros na parede, dizia palavrões. E por fim estourou:

- Vocês querem saber o que há, não é verdade? Vocês estão cheirando qualquer segredo, não é isso? Pois têm toda a razão: há um segredo! Eu conto. Não tenham medo não!

Contou à moda dele. E porque os outros assumiram uns ares incrédulos, até caçoistas, contou, gritou duas, três, quatro vezes o sonho da mulher.

- Caramba, carambolas! - disse o major. - É muito capaz de ser verdade mesmo! E olhem que as ervas são muitas!

- Mas quatro quintas partes são pro Nicolau - disse Antônio Vicente com um jeitinho malandro. - Quase tudo é pro Nicolau! E o resto pra matriz!

- Naturalmente! - disse Nicolau.

O major coçou a nuca, fechou os olhos, pensou, depois falou:

- Mas o nosso Nicolau tem que ser cordato, tem que ser camarada. Que diabo! A gente pode entrar aí num entendimentozinho... Hein? Que e que diz a isso o nosso amigo?

Nicolau não disse nada. E começou a andar de novo pisando duro. Houve um silêncio cacete. Antônio Vicente acabou com ele:

- Talvez... Eu também penso assim... A bolada é grande, dá para satisfazer todos... Você não acha, Nicolau?

- Digam com franqueza! Vamos! Desembuchem! O que vocês querem é ganhar no negócio, levar sua vantagenzinha, não é?

Os dois tentaram protestar mas Nicolau cortou a palavra deles:

- Pois muito bem! Eu já esperava isso! Quanto é que vocês querem? Mas fiquem desde já sabendo que da minha parte eu não cedo um tusta, ouviram bem? Agora na que é pras obras da matriz podem avançar à vontade!

O acordo custou. Mais de uma vez Antônio Vicente pegou no chapéu e ofendido ameaçou se retirar. O major porém não deixava.

- Senta-te aí, homem! Não saias que te arrependes logo!

E foi ele que disposto a não perder o negócio forçou Nicolau a se contentar com sessenta por cento. Ele e Antônio Vicente se comprometiam a auxiliar o amigo em qualquer terreno recebendo cada um quinze. Os dez restantes seriam para as obras da matriz.

- Está bem. Mas não está de acordo com a vontade de Padre Dito.

- Deixa-te de bobagens, homem! Tu modificas o sonho e acabou-se! Quem é que vai provar que o padre disse coisa diversa à tua patroa? Olhe que até me acode um trocadilho bem feliz: fica o dito do Padre Dito por não dito e pronto! Otimíssimo, hem? Não há nada como um bom negócio para pôr a gente alegre! Eu até sou capaz de pagar uma cervejinha!

Nicolau recusou. E despediu os amigos. Precisava de sossego para estabelecer um plano seguro a ser executado sem perda de tempo. Pensou o resto do dia, pensou parte da noite e na manhã seguinte combinou a coisa com os sócios.

Os 18 de Copacabana foram convocados para as 19 horas em casa do major. Compareceram dez. Nicolau arranjou mais uns malandros e marcharam todos incorporados para casa de Zéquinha Silva. A fim de exigir a renúncia coletiva da comissão. Ou ao menos a do presidente e tesoureiro que era o genro do presidente. Mas Zéquinha Silva mandou dizer que não recebia ninguém. E quando a coisa já estava quente chegaram Padre Zoroastro, o Doutor Salomão e o Prefeito Idílio. Discutiram na rua mais de meia hora. Afinal os 18 de Copacabana concordaram em que no dia seguinte haveria uma reunião na Câmara Municipal a fim de se resolver com calma e definitivamente o assunto, presentes as autoridades, interessados e pessoas conspícuas de Jataí-Vila. Concordaram a muque (Paulista não tem ânimo bélico! costumava afirmar o Prefeito Idílio) porque o Doutor Salomão mandou chamar o destacamento.

Nicolau pensou a noite toda, gastou a manhã limpando o revólver, encheu o tambor, pôs outras balas no bolso, beijou a mulher aflita, respondeu carrancudo ao sorriso da vizinha sua comadre, tomou a Rua Siqueira Campos (antiga Júlio Prestes), atravessou o Largo Juarez Távora (antigo de São Paulo), deu um esbarrão distraído no Solicitador Raimundo de Matos, não pediu desculpa, também não ouviu o palavrão do solicitador, passou pelo Correio sem perguntar se havia carta, entrou na Câmara Municipal com a braguilha da calça aberta.

- Abotoa aí! - disse o major.
-------------
continua...

Fonte:
http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/alcantara-machado-obras/contos-avulsos.php

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Wagner Marques Lopes (O LAR em trovas) – parte 5


O valor da pequena fonte

Pequena fonte, mas rica,
a vencer o solo agreste:
no lar, quem exemplifica,
superando qualquer teste.

(Des)caminhos

Devemos achar caminhos
para os meninos sem lar;
ou senão, eles, sozinhos,
descaminhos hão de achar...

Amor, orvalho no lar

Sereno – paz a banhar
cidades, vilas, grotões...
Amor – orvalho no lar,
serenando corações!...

O lar em serviço

O lar de gente briosa
que se dispõe a servir,
faz-se estrela radiosa
a clarear o porvir.

Fonte:
Trovas enviadas pelo autor

Trova Ecológica 82 - Francisco Neves Macedo (RN)

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 535)


Uma Trova de Ademar

“Chico Macedo,” meu mano,
me ensinou desde menino
que, errar é do ser humano,
Mas, perdoar é divino!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


A cobiça sendo um vício
e a renúncia salutar,
nosso menor sacrifício
é saber renunciar.
–FRANCISCO JOSÉ PESSOA/CE–

Uma Trova Potiguar


Sou como as uvas pisadas
pra fazer vinho e licor
que mesmo sendo esmagadas
dão de presente o sabor.
–MANOEL CAVALCANTE/RN–

Uma Trova Premiada


2011 - CTS-Caicó/RN
Tema - PEGADA - 5º Lugar


Passa o cortejo, em compassos
que a magia perpetua:
- a lua... A seguir teus passos,
e eu... As pegadas da lua!
–JOSÉ OUVERNEY/SP–

...E Suas Trovas Ficaram


Ninguém traduz os segredos
que um beijo pode conter...
antes morrer-se de um beijo,
do que sem beijo viver.
–SEGUNDO WANDERLEY/RN–

Uma Poesia


Amigo Ademar Macedo
repouse tranquilamente,
descanse também a mente,
durma bem, acorde cedo.
Vá perto de um arvoredo
escutar o som da mata
e escute uma serenata,
que isso é o melhor remédio
para curar o seu tédio
e as dores da catarata...
JOSÉ ACACI/RN

Soneto do Dia

Soneto
–SÍLVIO VALENTE/BA–


Um mês… Faz hoje um mês que não te vejo!…
Trinta dias sem sol, trinta agonias
sofridas lentamente… e este desejo
impossível de ver-te, há trinta dias!

Setecentas e vinte horas vazias…
Setecentas e vinte horas que almejo
a visão do sorriso que sorrias,
dos teus olhos de altíssimo lampejo.

Vulto claro nas trevas da memória,
tu me surges, vibrante e luminosa,
estendendo-me os braços para a glória!…

Corro feliz… mas desanimo, exangue…
É tudo sonho… e no Deserto, a Rosa
do meu amor fica vertendo sangue…

Recomendo:
http://www.estelabarbosaslides.blogspot.com.br/
http://apoesc.blogspot.com

Caldeirão Poético da Bahia I


A. J. CARDIAIS
(Salvador / BA)
Cadeia alimentar


O mundo animal
apesar de parecer violento
é mais natural
do que o do ser humano...

Nenhum animal
mata por prazer
ou por engano...
Mata para se defender
ou para se alimentar.

A cadeia alimentar
não é para aprisionar...
É para manter o equilíbrio.

Desequilibrados, os humanos
quebram esta cadeia
aprisionando-nos neste inferno
que se tornou o Mundo.
...
Mundo mundo vasto mundo... (Carlos Drummond)

ALBÉRICO SILVA DE CARVALHO
( Salvador / BA)
Ser(tão)


Barro duro, rachado, roto, solo ingrato
No chão e nas paredes das casas.
Barro estéril, torrado e mato seco,
Pedem água!
Na terra, gretas secas, fendas apartadas,
Parecem bocas secas esmolando água!
As casas toscas, secas, enfeitam o cenário
E também sentem sede!

Homens, braços esquálidos
Vestes rotas, pela seca, pés rachados
Também pedem água!
Mais parecem gravetos estéreis,
Que também sentem sede!
Árvores secas com pouco verde
Retorcidas e, com braços esquálidos
Também pedem água!

E o gado, protegendo o osso
Mal se apruma de teimoso igual seu dono
Também sente sede!
Mulheres secas com barrigas grávidas
Também pedem água!
E os braços também esquálidos,
Equilibram outros galhos secos
Cujo choro também pede água.
E o cachorro cria da casa,
Também sente sede!

EDILSON NASCIMENTO LEÃO
(Urandi / BA)
O sol na mente


Cachoeira, água leite
Do leito do rio caudaloso
Escaldante, escaldado...
Corredeiras espumosas
Cor de algodão
Escorrendo pelo chão.
Sobe e desce, bailando numa canção.
Águas gélidas, falantes, calientes
Com o sol nascente.
Cenário abrangente
Água e sol na mente.

JERRE ADRIANO FERREIRA SANTOS
(Cândido Sales / BA)
Sobrevivente da desigualdade


Não posso viver assim!
Ver a vida lutar com a morte
E contar com a sorte pra sobreviver.
Viver e ver, a dor e a fome
Consumir crianças, mulheres e homens.
É triste!
Mas é a pura verdade;
Quem vive aqui padece calado.
A incerteza e a miséria
Predominam essas cidades.
Não sei se vale a pena deixar o nada
E viver outra realidade,
Deixar o sofrimento e viver a saudade,
Ir para bem longe;
E viver nas periferias das grandes cidades.
Viver de ilusão e de incerteza;
Mas sempre com a esperança de um dia voltar,
Para acabar com a fome e a miséria;
Que destrói a vida do povo
Que sobrevive nesse lugar.

JOSE IGNACIO SOLIS
(Salvador / BA)
Por que parei aqui


Por que parei aqui
não sei. Por que não
continuei pra outro lado
de arado em punho é um mistério
suponho. Um ponto avulso no sonho
dos oceanos pernambucanos.
Um caboclo romano à deriva
pelos sertões americanos
com a língua ferida de sal.
Ando descalço à míngua destes anos
sem saber o que semeio
por estas terras do Senhor.
Em meu peito desperto
o seu amor,
em seu seio meu deserto
mastigando o cal
da sua voz acima.
Um carcará Rocinante
por amplia cajuína.
Uma arara azul que berra
ao acaso da sina, do fim
de sua vida errante no Raso
da Catarina.

MARINA MORENO LEITE GENTILE
(Salvador / BA)
Declaração de amor


Recordações das brincadeiras,
Da juventude,
Tempos de sonhos,
Fracassos, sucessos,
Tudo ficou para trás,
Menos nosso amor e união.

Tento harmonizar uma poesia pra ele,
Busco as palavras, digito, digito,
Insisto um pouco mais, e mais,
As palavras ideais não vêm, desisto!
Uma canção do Roberto Carlos resume tudo
- Como é grande o meu amor por você...

(Ao meu irmão Noel Moreno Leite)

VALMARI SANTOS NOGUEIRA
(Salvador / BA)
"PÃE", com muito orgulho!


Com um sopro divino eles rebentam barulhentos
E passam a compor galhos da grande árvore
(humana)
Que através dos tempos, emana:
Contratempos,
Amor
E alegria!
Logo, crescem...
Dizem uns: - o trabalho será dobrado!
- Não, se houver pais dedicados...!
Dizem outros.
Mas, a sociedade industrial, óbices impõe
E a mãe é tragada pela lida
O pai, então, assume a criação...
Esforça-se...
Bem ou mal dá conta do recado.
Ainda que, no futuro, reconhecimento não ganhe
Nada lhe tira a condição de PÃE
(pai e mãe)
Nas suas horas vagas.
E assim, nessa marcha existencial, percebemos
a dinâmica da genealogia transformando a vida
em sublime poesia!

Fontes:
Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos - Vol. 80
Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos - Vol. 79

Luís Vaz de Camões (Os Lusíadas - Inês de Castro) Análise do Canto


Inês de Castro é um episódio lírico-amoroso que simboliza a força e a veemência do amor em Portugal. O episódio ocupa as estâncias 118 a 135 do Canto III de Os Lusíadas e relata o assassinato de Inês de Castro, em 1355, pelos ministros do rei D. Afonso IV de Borgonha, pai de D. Pedro, seu amante. É narrado, em sua maior parte, por Vasco da Gama, que conta a história de Portugal ao rei de Melinde. Considerado um dos mais belos momentos do poema, é a um só tempo um episódio histórico e lírico: por trás da voz do narrador, e da própria Inês, percebe-se a voz e a expressão pessoal do poeta. Camões, através da fala de Vasco da Gama, destaca do episódio sua carga romântica e dramática, deixando em segundo plano as questões políticas que o marcam.

Fernão Lopes, Garcia de Resende e Antônio Ferreira já haviam explorado, em prosa, em verso e no teatro, respectivamente, a figura histórica de Inês Pires de Castro:

Dom Pedro, Príncipe de Portugal, filho do Rei Afonso IV, era casado com D. Constança, mas se apaixonara por Inês de Castro, dama de companhia de D. Constança e filha ilegítima de um nobre português.

Com a morte de D. Constança, Inês foi morar em Coimbra às margens do Rio Mondego e D. Pedro, futuro Rei de Portugal, viúvo, queria selar seu amor com Inês fazendo dela sua rainha.

O Rei Afonso IV temendo pela sucessão do trono que seria seu neto, filho de Constança e pela influência dos nobres que temiam uma influência castelhana, tenta resgatar o filho e conduzi-lo a um casamento que obedecesse não aos caprichos de cupido, mas às conveniências políticas de Portugal. Para isso, vendo como única saída, o Rei manda vir Inês para que seja executada.

Os terríveis verdugos trouxeram Inês e seus filhos perante o Rei. Depois de ouvir a sentença, Inês ergueu os olhos aos céus e disse:

"Até mesmo as feras, cruéis de nascença, e as aves de rapina já demonstraram piedade com as crianças pequenas. O senhor, que tem o rosto e o coração humanos, deveria ao menos compadecer-se destas criancinhas, seus netos, já que não se comove com a morte de uma mulher fraca e sem força, condenada somente por ter entregue o coração a quem soube conquistá-lo. E se o senhor sabe espalhar a morte com fogo e ferro, vencendo a resistência dos mouros, deve saber também dar a vida, com clemência, a quem nenhum crime cometeu para perdê-la. Mas se devo ser punida, mesmo inocente, mande-me para o exílio perpétuo e mísero na gelada Cítia ou na ardente Líbia onde eu viva eternamente em lágrimas. Ponha--me entre os leões e tigres, onde só exista crueldade. E verei se neles posso achar a piedade que não achei entre corações humanos. E lá, com o amor e o pensamento naquele por quem fui condenada a morrer, criarei os seus filhos, que o senhor acaba de ver, e que serão o consolo de sua triste mãe."

Comovido com essas palavras, o Rei já pensava em absolver Inês, quando os verdugos, que defendiam a execução, sacaram de suas espadas e degolaram Inês.

Isso aconteceu em 1355 e diz a lenda que D. Pedro, inconformado, mandou vestir a noiva com roupas nupciais, sentou o cadáver no trono e fez os nobres lhe beijarem a mão, daí falar-se que "a infeliz foi rainha depois de morta".

Na verdade, D. Pedro manda transladar o corpo de Inês do mosteiro com pompas de rainha para o mosteiro de Alcobaça em 1361, quando já era rei. Portanto, seis anos após o assassinato.

Ao subir ao trono D. Pedro conseguiu que outro Pedro, o Cruel, rei de Castela, lhe entregasse os homicidas, que para lá fugiram, pois os dois monarcas tinham um pacto de devolver um ao outro os respectivos inimigos.

Para imortalizar seu amor por Inês, D. Pedro jurou em presença de sua corte que se havia casado clandestinamente com ela, transformando-a, dessa maneira, em rainha após a morte.

Camões em Os Lusíadas, relata assim:

Episódio de Dona Inês de Castro
(Os Lusíadas, Canto III, 118 a 135)


Passada esta tão próspera vitória,
Tornado Afonso à Lusitana Terra,
A se lograr da paz com tanta glória
Quanta soube ganhar na dura guerra,
O caso triste e dino da memória,
Que do sepulcro os homens desenterra,
Aconteceu da mísera e mesquinha
Que depois de ser morta foi Rainha.

Tu, só tu, puro amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga,
Deste causa à molesta morte sua,
Como se fora pérfida inimiga.
Se dizem, fero Amor, que a sede tua
Nem com lágrimas tristes se mitiga,
É porque queres, áspero e tirano,
Tuas aras banhar em sangue humano.

Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruito,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuito,
Aos montes insinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas.

Do teu Príncipe ali te respondiam
As lembranças que na alma lhe moravam,
Que sempre ante seus olhos te traziam,
Quando dos teus fernosos se apartavam;
De noite, em doces sonhos que mentiam,
De dia, em pensamentos que voavam;
E quanto, enfim, cuidava e quanto via
Eram tudo memórias de alegria.

De outras belas senhoras e Princesas
Os desejados tálamos enjeita,
Que tudo, enfim, tu, puro amor, desprezas,
Quando um gesto suave te sujeita.
Vendo estas namoradas estranhezas,
O velho pai sesudo, que respeita
O murmurar do povo e a fantasia
Do filho, que casar-se não queria,

Tirar Inês ao mundo determina,
Por lhe tirar o filho que tem preso,
Crendo co sangue só da morte ladina
Matar do firme amor o fogo aceso.
Que furor consentiu que a espada fina,
Que pôde sustentar o grande peso
Do furor Mauro, fosse alevantada
Contra hûa fraca dama delicada?

Traziam-na os horríficos algozes
Ante o Rei, já movido a piedade;
Mas o povo, com falsas e ferozes
Razões, à morte crua o persuade.
Ela, com tristes e piedosas vozes,
Saídas só da mágoa e saudade
Do seu Príncipe e filhos, que deixava,
Que mais que a própria morte a magoava,

Pera o céu cristalino alevantando,
Com lágrimas, os olhos piedosos
(Os olhos, porque as mãos lhe estava atando
Um dos duros ministros rigorosos);
E despois, nos mininos atentando,
Que tão queridos tinha e tão mimosos,
Cuja orfindade como mãe temia,
Pera o avô cruel assi dizia:

(Se já nas brutas feras, cuja mente
Natura fez cruel de nascimento,
E nas aves agrestes, que somente
Nas rapinas aéreas tem o intento,
Com pequenas crianças viu a gente
Terem tão piedoso sentimento
Como co a mãe de Nino já mostraram,
E cos irmãos que Roma edificaram:

ó tu, que tens de humano o gesto e o peito
(Se de humano é matar hûa donzela,
Fraca e sem força, só por ter sujeito
O coração a quem soube vencê-la),
A estas criancinhas tem respeito,
Pois o não tens à morte escura dela;
Mova-te a piedade sua e minha,
Pois te não move a culpa que não tinha.

E se, vencendo a Maura resistência,
A morte sabes dar com fogo e ferro,
Sabe também dar vida, com clemência,
A quem peja perdê-la não fez erro.
Mas, se to assi merece esta inocência,
Põe-me em perpétuo e mísero desterro,
Na Cítia fria ou lá na Líbia ardente,
Onde em lágrimas viva eternamente.

Põe-me onde se use toda a feridade,
Entre leões e tigres, e verei
Se neles achar posso a piedade
Que entre peitos humanos não achei.
Ali, co amor intrínseco e vontade
Naquele por quem mouro, criarei
Estas relíquias suas que aqui viste,
Que refrigério sejam da mãe triste.)

Queria perdoar-lhe o Rei benino,
Movido das palavras que o magoam;
Mas o pertinaz povo e seu destino
(Que desta sorte o quis) lhe não perdoam.
Arrancam das espadas de aço fino
Os que por bom tal feito ali apregoam.
Contra hûa dama, ó peitos carniceiros,
Feros vos amostrais e cavaleiros?

Qual contra a linda moça Polycena,
Consolação extrema da mãe velha,
Porque a sombra de Aquiles a condena,
Co ferro o duro Pirro se aparelha;
Mas ela, os olhos, com que o ar serena
(Bem como paciente e mansa ovelha),
Na mísera mãe postos, que endoudece,
Ao duro sacrifício se oferece:

Tais contra Inês os brutos matadores,
No colo de alabastro, que sustinha
As obras com que Amor matou de amores
Aquele que despois a fez Rainha,
As espadas banhando e as brancas flores,
Que ela dos olhos seus regadas tinha,
Se encarniçavam, fervidos e irosos,
No futuro castigo não cuidosos.

Bem puderas, ó Sol, da vista destes,
Teus raios apartar aquele dia,
Como da seva mesa de Tiestes,
Quando os filhos por mão de Atreu comia !
Vós, ó côncavos vales, que pudestes
A voz extrema ouvir da boca fria,
O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes,
Por muito grande espaço repetistes.

Assi como a bonina, que cortada
Antes do tempo foi, cândida e bela,
Sendo das mãos lacivas maltratada
Da minina que a trouxe na capela,
O cheiro traz perdido e a cor murchada:
Tal está, morta, a pálida donzela,
Secas do rosto as rosas e perdida
A branca e viva cor, co a doce vida.

As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram,
E, por memória eterna, em fonte pura
As lágrimas choradas transformaram.
O nome lhe puseram, que inda dura,
Dos amores de Inês, que ali passaram.
Vede que fresca fonte rega as flores,
Que lágrimas são a água e o nome Amores.

Fonte:
Passeiweb

Arlindo Alberto Pereira Tavares (O Fim do Mundo)


O autor é do Rio de Janeiro / RJ

Faz muito tempo que o azul do céu, conforme descrito em livros antigos nos abandonou, dando lugar a um céu cor de ferrugem, meio ocre, meio cor de sangue. Aquela cor que não nos deixa esquecer como a estupidez, a soberba, a vaidade, o egoísmo e a arrogância humana acabou causando a destruição de nosso planeta, de nossas sociedades, a eliminação de praticamente todos os seres vivos. A mesma cor do sangue derramado por familiares, irmãos em espécie, amigos, ou mesmo inimigos. Nisto pelo menos a democracia da destruição foi plana e linear, envolvendo pobres e ricos, indigentes e poderosos, doutos e leigos...

Esta é tão somente uma pequena parte de uma mensagem captada, cuja sequência termina abruptamente, como que um último suspiro de revolta e lamentação de uma civilização que talvez não mais exista, posto que nunca mais foi captado nenhum sinal eletromagnético que possa nos fazer crer que a vida, pelo menos inteligente e tecnologicamente capaz, ainda exista naquele lugar. Esta mensagem foi interceptada por uma civilização, distante milhões de anos luz da antiga área que foi outrora local ocupado por uma pequena estrela e seu sistema solar. Compondo este sistema solar, rodopiava cheia de vida, um minúsculo, rochoso e espacialmente bem colocado “planetinha” que antigamente, milhões de anos passados, ainda era o lar de uma quase infinita variedade de seres vivos, e entre estes uma variação que ousou, pelo menos até a última palavra transmitida, sobreviver ao holocausto de uma guerra nuclear ocorrida no ano terráqueo de 2019.

Algumas semanas antes...

- Estamos nos destruindo, a segregação social, política, econômica e científico-religiosa está nos levando a um estado de calamidade quase que absoluta. “Temos” que nos desarmar militarmente e também em nossos espíritos, precisamos diminuir as diferenças entre os países! Precisamos de um tipo de cooperação política e humanitária que nos ajude a equalizar todos os povos! Necessitamos mais... Necessitamos acabar com as fronteiras geográficas e sociais e criar uma civilização sem demarcações políticas, sem opressões e sem segregações! Precisamos dar um basta a todo tipo de preconceitos e segregações! Havemos também de encontrar meios de não limitar a ciência em si, mas de dar a ela alguma baliza de dignidade social e humana!”- Gritava em uma espécie de comício filosófico-científico o humanista e cientista social, internacionalmente conceituado, Elvis de Azeredo.

Infelizmente suas palavras não encontraram eco nas mentes e nem nos corações da maioria dos humanos e em especial não encontravam caminhos nas agendas políticas e econômicas dos poderosos.

A situação alcançava um estado crítico tal que a beligerância era total entre os povos. A globalização não passava neste momento de mera lembrança. A paz mundial fazia parte de desejos impossíveis de serem minimamente realizados. Focos de guerra entre os povos ocorriam por todo o mundo. A economia mundial simplesmente morria a passos largos, e apenas os países mais ricos e militarmente mais protegidos ainda comportavam algo que podia ser lembrado como um vestígio de sociedade. Estes países e seus governantes acreditavam que o peso de sua dinastia militar lhes rendia alguma segurança, e internamente conseguiam sufocar as revoltas e a insatisfação social dos abandonados ao azar da miséria.

O mundo assim caminhava, sem que na prática nada fosse feito para estancar ou pelo menos minimizar a loucura total que marcava aquela existência.

O desespero e o despreparo humano atingiram tal nível que o respeito humano fazia parte apenas de um passado distante. Neste estado de coisas, o líder de um país no qual o desespero social era total, em desespero de causa, lança mísseis munidos de bombas nucleares visando destruir aqueles poucos países onde ainda havia alguma ordem, mesmo que mínima. Desde o momento do lançamento destes artefatos, até que uma condição de calamidade nuclear tivesse tomado conta da terra, foi questão de horas. As potências militares, em retaliação, iniciaram um processo de bombardeamento nuclear dos países que entendiam como inimigos. Nesta loucura, um arpejo de ataques acabou com a sustentabilidade da vida na Terra, pelo menos a vida macroscópica estava fadada ao desaparecimento natural pelo estrago radioativo e nuclear alcançado.

Como que em represália a situação de degradação humana que acabava de ser atingida, a natureza revidou com sucessivas erupções vulcânicas que acidularam completamente a atmosfera. Terremotos estrondosos tomaram conta das placas tectônicas, tsunamis monstruosos arrasaram os países costeiros, ventos avassaladores destruíam a cobertura terrestre e alimentavam incêndios gigantescos que consumiam a face da terra. No final as águas já turvas e contaminadas foram se acidulando e tornaram inaceitáveis para a vida animal. O outrora planeta azul era agora um mero resto alaranjado.

Daquele planeta cheio de vida agora só existiam lembranças. Os poucos que conseguiram sobreviver temporariamente estavam tomados de tumores e doenças mil. Pelo menos um conseguiu em último esforço passar aquela mensagem que milhões de anos depois era a única lembrança da existência, no passado, de um planeta cheio de vida em que a ganância, a vaidade, a arrogância, o egoísmo, a soberba, a estupidez e a desumanidade cercada de falsa sabedoria humana simplesmente pôs fim, dando para o nosso planeta o destino final do fim do mundo, de seu mundo, de nosso mundo.

Fonte:
Câmara Brasileira de Jovens Escritores. Contos do Fim do Mundo - Setembro de 2011

Mia Couto (A Filha da Solidão)


Na vida tudo chega de súbito. O resto, o que desperta tranquilo, é aquilo que, sem darmos conta, já tinha acontecido. Uns deixam o acontecimento emergir, sem medo. Esses são os vivos. Os outros se vão adiando. Sorte a destes últimos se vão a tempo de ressuscitar antes de morrerem.

Filha dos cantineiros portugueses, Meninita sempre foi moça comedida. Na penumbra da loja, ela atendia os negros como se fossem sombras de outros, reais viventes. A miúda se ia fazendo ao corpo -- o fruto se adoçava em polpa açucarosa. A sede se inventa é para a miragem de águas. Pois nas redondezas não viviam outros brancos, únicos a quem ela entregaria seus açúcares.

A família Pacheco se pioneirara na aridez de Shiperapera, onde mesmo os negros originários escasseavam. Por que escolhera tão longínguas paragens?

- Aqui, por trás destas altas montanhas, nem Deus me pode estreitar- ...

Fala do português para enganar perguntas. Ninguém entende por que o Pacheco se internara tanto nas dunas desérticas de Sofala, condenando a família a não conviver mais com gente de igual raça. Dona Esmeralda, a esposa, se angustiava vendo o crescer da filha. A que homem se destinaria ela, naquele afastamento da sua semelhante humanidade? Deram-lhe o nome de Meninita para a ancorar no tempo. Mas a filha se inevitalizava. Na sombra imutável do balcão, ela desfolhava uma mil vezes repetida fotonovela. Sonhava aos quadradinhos...

- Não espere consolo, filha: aqui só há pretalhada- .

A menina se consolava fechada no quarto, a revista da fotonovela entre os lençóis. Suas mãos se desprivatizavam em carícias de outro. Mas esse apagar de lume lhe trazia um novo e mais aguçado tormento. Quando, depois de suspirada e transpirada, ela se abandonava no leito, uma funda tristeza lhe pousava. Era como nascesse em si uma alma já morta. Tristeza igual só essas mães que dão à luz um menino inanimado. É justo poder-se assim visitar os paraísos e nos expulsarem? Lhe custaram tanto essas despedidas de si que passou a evitar seu próprio corpo. Vale a pena é trocar carinhos, receber as salivas do ventre de um outro. Mas outros ali não havia para a donzela Meninita.

- Acha que essa nossa filha se vai meter com um preto?-

O pai se ria, cuspindo gargalhada. O riso dele tinha razão: a casa dos Pachecos se abrangera de preconceito. Ali se dizia no singular: - o preto- . Os outros, de outra cor, se reduziam a uma palavra, soprada entre a maxila do medo e a mandíbula do desprezo. Meninita cumpria os ensinamentos da raça. Recebia os clientes, sem sequer erguer a cabeça:

- Qué quer?-

Massoco, único empregado, achava graça aos modos desdenhosos da pequena patroa. Ele era jovem como ela, carregava sacos e caixotes, conduzia a carroça dali para depois do horizonte.

As melancolias da Meninita cresciam. A revista já esfarelava, de tanto desfolhada. No dia em que fez dezoito, Meninita lançou fogo sobre si mesma. Se imolou. Mas não desses fogos comuns de combustão visível. Ardeu em invisíveis chamas, só ela sofria tais ardências. Ficou ardendo em demorada consecução. A febre lhe autorizava o delírio.

Veio a mãe, lhe abanou uma frescura. Veio o pai, lhe aplicou conselho logo seguido de ameaças. Tudo irresultou. Esse fogo se apagava era em corpo de macho, em água de duplos suores e carícias. A mãe lhe corrigia a ilusão da expectativa:

- Minha filha, não deixe o corpo lhe nascer antes do coração- .

Adoentada, a moça deixou de atender ao balcão. Substituiu-a o moço Massoco, cresceram simpatias na loja. Meninita se internou em seu quarto, emigrada da vida, exilada dos outros. Massoco, ao fim do dia, se apresentava, em solene tristeza. Chegou a pedir:

- Peço licença ir lá ver a patroinha- ...

Um dia chegou a Shiperapera uma veterinária do Ministério. Vinha inspeccionar o gado dos indígenas. Quando o casal soube da notícia decidiu ocultar a novidade da filha. Ela já andava tão alterada! O Pacheco foi à estrada, esperar a compatriota. Levou cerimónias e pastéis de peixe-seco. Acompanhou a doutora a uma casa de hóspedes que a administração em tempos construíra. Já deitados, os Pachecos trocaram as esperadas más-línguas:

- Pô, a gaja parece um homem!-

E riram-se. Dona Esmeralda se satisfazia pela visitante ser tão pouco mulher. Não fosse o marido se devanear. Numa dessas noites, Meninita sofreu de um acesso grave. O casal, em desespero, decidiu chamar a médica veterinária. O pai acorreu à casa de hóspedes e urgiu comparência à veterinária. No caminho, lhe explicou a condição da filha.

Chegados à cantina, dirigem-se em silêncio profissional para os aposentos da perturbada jovem. Em delírio, a menina confunde a veterinária com um homem. Atira-se-lhe aos braços, beijando-lhe os lábios com sofreguidão. Os pais se embaraçam e acorram a separar. A veterinária recompõe-se, ajeitando imaginários cabelos sobre a face. Meninita com sorriso sonhador parece agora ter adormecido.

Pacheco volta a acompanhar a visitante. Vão calados, todo o tempo da viagem. Na despedida, a veterinária, rompendo o silêncio, expõe o seu plano:

- Eu vou fazer de homem. Me disfarço- .

Pacheco não sabia o que dizer. A veterinária se explica: o cantineiro lhe emprestaria roupas velhas e ela se apresentaria, disfarçada de namorado caído dos céus. O português acenou maquinalmente e voltou a casa apressado em pôr a esposa a par do estranho plano. Dona Esmeralda riscou no lábio superior a curva da dúvida. Mas que se fizesse, a bem da pequena. E se benzeu.

Nas noites seguintes, a veterinária aparecia com seu disfarce. Subia ao quarto de Meninita e lá se demorava. Dona Esmeralda, na sala, chorava em surdina. Pacheco bebia, devagaroso. Passadas horas a veterinária descia, ajeitando no rosto uma inexistente madeixa.

Fosse pela qual razão, a verdade é que Meninita arrebitava. A veterinária, dias depois, se retirou, nuvem naquela estrada onde mesmo a poeira rareava. Meninita, na manhã seguinte, desceu à loja, a velha revista na mão. Sentou-se no balcão e inquiriu a sombra do outro lado:

- Qué quer?-

Massoco riu-se, abanando a cabeça. E a vida se retomou, em novelo que procura o fio. Até que um dia, Dona Esmeralda despertou o marido, sacudindo-o:

- Nossa filha está grávida, Manuel!-

Choveram insultos, improperiou-se. Os vidros das janelas se estilhaçaram, tais as raivas do Pacheco: - eu mato o cabrão da doutora!- A mulher implorou: agora, sim, era assunto de ir à vila. O marido que quebrasse seu juramento e superasse as montanhas de volta ao mundo. De noite, o casal se fez à viagem, recomendando à filha mil cuidados e outras tantas trancas. E sumiram-se no escuro.

Na janela, Meninita ainda espreitou a poeira da estrada iluminada pela lua. Subiu ao quarto, abriu a revista das velhas fotos. Vencida pelo sono se ajeitou no colchão em rodilha de lençóis. Antes de adormecer, apertou a mão negra que despontava no branco das roupas.

Fonte:
Mia Couto. Contos do Nascer da Terra. Vol.1. Porto: CPAC, 1998.