segunda-feira, 22 de abril de 2013

Machado de Assis (Dom Casmurro) Parte 9

CAPÍTULO LVII / DE PREPARAÇÃO

Ah! Mas não eram só os seminaristas que me iam saindo daquelas folhas velhas do Panegírico. Elas me trouxeram também sensações passadas, tais e tantas que eu não poderia dizê-las todas, sem tirar espaço ao resto. Uma dessas, e das primeiras quisera contá-la aqui em latim. Não é que a matéria não ache termos honestos em nossa língua, que é casta para os castos, como pode ser torpe para os torpes. Sim, leitora castíssima, como diria o meu finado José Dias podeis ler o Capítulo até ao fim, sem susto nem vexame.

Já agora meto a história em outro Capítulo. Por mais composto que este me saia, há sempre no assunto alguma cousa menos austera, que pede umas linhas de repouso e preparação. Sirva este de preparação. E isto é muito, leitor meu amigo; o coração, quando examina a possibilidade do que há de vir, as proporções dos acontecimentos e a cópia deles, fica robusto e disposto, e o mal é menor mal. Também, se não fica então, não fica nunca. E aqui verás tal ou qual esperteza minha; porquanto, ao ler o que vais ler, é provável que o aches menos cru do que esperavas.

CAPÍTULO LVIII / O TRATADO

Foi o caso que, uma segunda-feira, voltando eu para o seminário, vi cair na rua uma senhora. O meu primeiro gesto, em tal caso, devia ser de pena ou de riso; não foi uma nem outra cousa, porquanto (e é isto que eu quisera dizer em latim), porquanto a senhora tinha as meias mui lavadas, e não as sujou, levava ligas de seda, e não as perdeu. Várias pessoas acudiram, mas não tiveram tempo de a levantar; ela ergueu-se muito vexada, sacudiu-se, agradeceu, e enfiou pela rua próxima.

--Este gosto de imitar as francesas da Rua do Ouvidor, dizia-me José Dias andando e comentando a queda, é evidentemente um erro. As nossas moças devem andar como sempre andaram, com seu vagar e paciência, e não este tique-tique afrancesado...

Eu mal podia ouvi-lo. As meias e as ligas da senhora branqueavam e enroscavam-se diante de mim, e andavam, caíam, erguiam-se e iam-se embora. Quando chegamos à esquina, olhei para a outra rua, e vi, a distancia, a nossa desastrada, que ia no mesmo passo, tique-tique, tique-tique...

--Parece que não se machucou, disse eu.

--Tanto melhor para ela, mas é impossível que não tenha arranhado os joelhos; aquela presteza é manha...

Creio que foi "manha" que ele disse; eu fiquei "nos joelhos arranhados". Dali em diante, até o seminário, não vi mulher na rua, a quem não desejasse uma queda, a algumas adivinhei que traziam as meias esticadas e as ligas justas... Tal haveria que nem levasse meias... Mas eu as via com elas... Ou então... Também é possível...

Vou esgarçando isto com reticências para dar uma idéia das minhas idéias, que eram assim difusas e confusas; com certeza não dou nada. A cabeça ia-me quente, e o andar não era seguro. No seminário, a primeira hora foi insuportável. As batinas traziam ar de saias, e lembravam-me a queda da senhora. Já não era uma só que eu via cair; todas as que eu encontrara na rua, mostravam-me agora de relance as ligas azuis; eram azuis. De noite, sonhei com elas. Uma multidão de abomináveis criaturas veio andar à roda de mim, tique-tique... Eram belas, umas finas, outras grossas, todas ágeis como o diabo. Acordei, busquei afugentá-las com esconderijos e outros métodos, mas tão depressa dormi como tornaram, e, com as mãos presas em volta de mim, faziam um vasto círculo de saias ou, trepadas no ar, choviam pés e pernas sobre a minha cabeça. Assim fui até madrugada. Não dormi mais; rezei padre-nossos, ave-marias, e credos, e sendo este livro a verdade pura, é força confessar que tive de interromper mais de uma vez as minhas orações para acompanhar no escuro uma figura ao longe, tique-tique, tique-tique... Pegava depressa na oração, sempre no meio para concertá-la bem, como se não tivesse havido interrupção, mas certamente não unia a frase nova à antiga.

Vindo o mal pela manhã adiante, tentei vencê-lo, mas por um modo que o não perdesse de todo. Sábios da Escritura, adivinhai o que podia ser. Foi isto. Não podendo rejeitar de mim aqueles quadros, recorri a um tratado entre a minha consciência e a minha imaginação. As visões feminis seriam de ora avante consideradas como simples encarnações dos vícios, e por isso mesmo contempláveis, como o melhor modo de temperar o caráter e aguerri-lo para os combates ásperos da vida. Não formulei isto por palavras, nem foi preciso; o contrato fez-se tacitamente, com alguma repugnância, mas fez-se. E por alguns dias, era eu mesmo que evocava as visões para fortalecer-me, e não as rejeitava, senão quando elas mesmo de cansadas, se iam embora.

CAPÍTULO LIX / CONVIVAS DE BOA MEMÓRIA

Há dessas reminiscências que não descansam antes que a pena ou a língua as publique. Um antigo dizia arrenegar de conviva que tem boa memória. A vida é cheia de tais convivas, e eu sou acaso um deles, conquanto a prova de ter a memória fraca seja exatamente não me acudir agora o nome de tal antigo; mas era um antigo, e basta.

Não, não, a minha memória não é boa. Ao contrário, é comparável a alguém que tivesse vivido por hospedarias, sem guardar delas nem caras nem nomes, e somente raras circunstancias. A quem passe a vida na mesma casa de família, com os seus eternos móveis e costumes, pessoas e afeições, é que se lhe grava tudo pela continuidade e repetição. Como eu invejo os que não esqueceram a cor das primeiras calças que vestiram! Eu não atino com a das que enfiei ontem Juro só que não eram amarelas porque execro essa cor; mas isso mesmo pode ser olvido e confusão.

E antes seja olvido que confusão; explico-me. Nada se emenda bem nos livros confusos, mas tudo se pode meter nos livros omissos. Eu, quando leio algum desta outra casta, não me aflijo nunca. O que faço, em chegando ao fim, é cerrar os olhos e evocar todas as cousas que não achei nele. Quantas idéias finas me acodem então! Que de reflexões profundas! Os rios, as montanhas, as igrejas que não vi nas folhas lidas, todos me aparecem agora com as suas águas, as suas árvores, os seus altares, e os generais sacam das espadas que tinham ficado na bainha, e os clarins soltam as notas que dormiam no metal, e tudo marcha com uma alma imprevista que tudo se acha fora de um livro falho, leitor amigo. Assim preencho as lacunas alheias; assim podes também preencher as minhas.

CAPÍTULO LX / QUERIDO OPÚSCULO

Assim fiz eu ao Panegírico de Santa Mônica, e fiz mais: pus-lhe não só o que faltava da santa, mas ainda cousas que não eram dela. Viste o soneto, as meias, as ligas, o seminarista Escobar e vários outros. Vais agora ver o mais que naquele dia me foi saindo das páginas amarelas do opúsculo.

Querido opúsculo, tu não prestavas para nada, mas que mais presta um velho par de chinelas? Entretanto, há muita vez no casal de chinelas um como aroma e calor de dous pés. Gastas e rotas, não deixam de lembrar que uma pessoa as calçava de manhã, ao erguer da cama, ou as descalçava à noite, ao entrar ela. E se a comparação não vale, porque as chinelas são ainda uma parte da pessoa e tiveram o contacto dos pés, aqui estão outras lembranças, como a pedra da rua, a porta da casa, um assobio particular, um pregão de quitanda, como aquele das cocadas que contei no cap. XVIII. Justamente, quando contei o pregão das cocadas, fiquei tão curtido de saudades que me lembrou fazê-lo escrever por um amigo, mestre de música, e grudá-lo às pernas do Capítulo. Se depois jarretei o Capítulo, foi porque outro músico, a quem o mostrei, me confessou ingenuamente não achar no trecho escrito nada que lhe acordasse saudades. Para que não aconteça o mesmo aos outros profissionais que porventura me lerem, melhor é poupar ao editor do livro o trabalho e a despesa da gravura. Vês que não pus nada, nem ponho. Já agora creio que não basta que os pregões de rua, como os opúsculos de seminário, encerrem casos, pessoas e sensações; é preciso que a gente os tenha conhecido e padecido no tempo, sem o que tudo é calado e incolor.

Mas, vamos ao mais que me foi saindo das páginas amarelas.

CAPÍTULO LXI / A VACA DE HOMERO

O mais foi muito. Vi saírem os primeiros dias da separação, duros e opacos, sem embargo das palavras de conforto que me deram os padres e os seminaristas, e as de minha mãe e tio Cosme, trazidas por José Dias ao seminário.

--Todos estão saudosos, disse-me este, mas a maior saudade está naturalmente no maior dos corações; e qual é ele? perguntou escrevendo a resposta nos olhos.

--Mamãe, acudi eu.

José Dias apertou-me as mãos com alvoroço, e logo pintou a tristeza de minha mãe, que falava de mim todos os dias, quase a todas as horas. Como a aprovasse sempre, e acrescentasse alguma palavra relativamente aos dotes que Deus lhe dera, o desvanecimento de minha mãe nessas ocasiões era indescritível; e contava-me tudo isso cheio de uma admiração lacrimosa. Tio Cosme também se enternecia muito.

--Ontem até se deu um caso interessante. Tendo eu dito à Excelentíssima que Deus lhe dera, não um filho, mas um anjo do céu e doutor ficou tão comovido que não achou outro modo de vencer o choro senão fazendo-me um daqueles elogios de galhofa que só ele sabe. Não é preciso dizer que D. Glória enxugou furtivamente uma lágrima. Ou ela não fosse mãe! Que coração amantíssimo!

-- Mas, Sr. José Dias, e a minha saída daqui?

-- Isso é negócio meu. A viagem à Europa é o que é preciso, mas pode fazer-se daqui a um ou dous anos, em 1859 ou 1860.

--Tão tarde!

--Era melhor que fosse este mesmo ano, mas demos tempo em tempo. Tenha paciência, vá estudando, não se perde nada em ir sabendo já daqui alguma cousa; e, demais, ainda não acabando padre a vida do seminário é útil, e vale sempre entrar no mundo ungido com os santos óleos da teologia...

Neste ponto,--lembra-me como se fosse hoje,--os olhos de José Dias fulguraram tão intensamente que me encheram de espanto As pálpebras caíram depois, e assim ficaram por alguns instantes, até que novamente se ergueram, e os olhos fixaram-se na parede do pátio, como que embebidos em alguma cousa, se não era em si mesmos, depois despegaram-se da parede e entraram a vagar pelo pátio todo. Podia compará-lo aqui à vaca de Homero; andava e gemia em volta da cria que acabava de parir. Não lhe perguntei o que é que tinha, já por acanhamento, já porque dous lentes, um deles de teologia, vinham caminhando na nossa direção. Ao passarem por nós, o agregado, que os conhecia, cortejou-os com as deferências devidas, e pediu-lhes notícias minhas.

--Por ora nada se pode afiançar, disse um deles, mas parece que dará conta da mão.

--O que eu lhe dizia agora mesmo, acudiu José Dias. Conto ouvir-lhe a missa nova; mas ainda que não chegue a ordenar-se, no pode ter melhores estudos que os que fizer aqui. Para a viagem da existência, concluiu demorando mais as palavras, irá ungido com os santos óleos da teologia...

Desta vez a fulguração dos olhos foi menor, as pálpebras não lhe caíram nem as pupilas fizeram os movimentos anteriores. Ao contrário, todo ele era atenção e interrogação; quando muito, um sorriso claro e amigo lhe errava nos lábios. O lente de teologia gostou da metáfora, e disse-lho; ele agradeceu, explicando que eram idéias que lhe escapavam no correr da conversação; não escrevia nem orava. Eu é que não gostei nada; e logo que os lentes se foram, sacudi a cabeça:

--Não quero saber dos santos óleos da teologia; desejo sair daqui o mais cedo que puder, ou já...

--Já, meu anjo, não pode ser; mas pode suceder que muito antes do que imaginamos. Quem sabe se este mesmo ano de 58? Tenho um plano feito, e penso já nas palavras com que hei de expô-lo a D. Glória; estou certo que ela cederá e irá conosco.

--Duvido que mamãe embarque.

--Veremos. Mãe é capaz de tudo; mas, com ela ou sem ela, tenho por certa a nossa ida, e não haverá esforço que eu não empregue, deixe estar. Paciência é que é preciso. E não faça aqui nada que dê lugar a censuras ou queixas; muita docilidade e toda a aparente satisfação. Não ouviu o elogio do lente? É que você tem-se portado bem. Pois continue.

--Mas, 1859 ou 1860 é muito tarde.

--Será este ano, replicou José Dias.

--Daqui a três meses?

--Ou seis.

--Não; três meses.

--Pois sim. Tenho agora um plano, que me parece melhor que outro qualquer. É combinar a ausência de vocação eclesiástica e a necessidade de mudar de ares. Você por que não tosse?

--Por que não tusso?

--Já, já, não, mas eu hei de avisar você para tossir, quando for preciso, aos poucos, uma tossezinha seca, e algum fastio; eu irei preparando a Excelentíssima... Oh! tudo isto é em benefício dela. Uma vez que o filho não pode servir a Igreja, como deve ser servida, o melhor modo de cumprir a vontade de Deus é dedicá-lo a outra cousa. O mundo também é igreja para os bons...

Pareceu-me outra vez a vaca de Homero, como se este "mundo também é igreja para os bons", fosse outro bezerro, irmão dos "santos óleos da teologia." Mas não dei tempo à ternura materna, e repliquei:

--Ah! entendo! mostrar que estou doente para embarcar, não é?

José Dias hesitou um pouco, depois explicou-se:

--Mostrar a verdade, porque, francamente, Bentinho, eu há meses que desconfio do seu peito. Você não anda bom do peito. Em pequeno, teve umas febres e uma ronqueira... Passou tudo, mas há dias em que está mais descorado. Não digo que já seria o mal, mas o mal pode vir depressa. Numa hora cai a casa. Por isso, se aquela santa senhora não quiser ir conosco,--ou para que vá mais depressa, acho que uma boa tosse... Se a tosse há de vir de verdade, melhor é apressá-la... Deixe estar, eu aviso...

--Bem, mas em saindo daqui não há de ser para embarcar logo; saio primeiro, depois cuidaremos do embarque; o embarque é que pode ficar para o ano. Não dizem que o melhor tempo é abril ou Maio? Pois seja maio. Primeiro deixo o seminário daqui a dous meses...

E porque a palavra me estivesse a pigarrear na garganta, dei uma volta rápida, e perguntei-lhe à queima-roupa:

--Capitu como vai?

CAPÍTULO LXII / UMA PONTA DE IAGO

A pergunta era imprudente, na ocasião em que eu cuidava de transferir o embarque. Equivalia a confessar que o motivo principal ou único da minha repulsa ao seminário era Capitu, e fazer crer Improvável a viagem. Compreendi isto depois que falei; quis emendar-me, mas nem soube como, nem ele me deu tempo.

--Tem andado alegre, como sempre; é uma tontinha. Aquilo enquanto não pegar algum peralta da vizinhança, que case com ela...

Estou que empalideci; pelo menos, senti correr um frio pelo corpo todo. A notícia de que ela vivia alegre, quando eu chorava todas as noites, produziu-me aquele efeito, acompanhado de um bater de coração, tão violento, que ainda agora cuido ouvi-lo. Há alguma exageração nisto; mas o discurso humano é assim mesmo, um composto de partes excessivas e partes diminutas, que se compensam, ajustando-se. Por outro lado, se entendermos que a audiência aqui não é das orelhas, senão da memória, chegaremos à exata verdade. A minha memória ouve ainda agora as pancadas do coração naquele instante. Não esqueças que era a emoção do primeiro amor. Estive quase a perguntar a José Dias que me explicasse a alegria de Capitu, o que é que ela fazia, se vivia rindo, cantando ou pulando, mas retive-me a tempo, e depois outra idéia...

Outra idéia, não,--um sentimento cruel e desconhecido, o pulo ciúme, leitor das minhas entranhas. Tal foi o que me mordeu, ao repetir comigo as palavras de José Dias: "Algum peralta da vizinhança." Em verdade, nunca pensara em tal desastre. Vivia tão nela, dela e para ela, que a intervenção de um peralta era como uma noção sem realidade; nunca me acudiu que havia peraltas na vizinhança, vária idade e feitio, grandes passeadores das tardes. Agora lembrava-me que alguns olhavam para Capitu,--e tão senhor me sentia dela que era como se olhassem para mim, um simples dever de admiração e de inveja. Separados um do outro pelo espaço e pelo destino, o mal aparecia-me agora, não só possível mas certo. E a alegria de Capitu confirmava a suspeita; se ela vivia alegre é que já namorava a outro, acompanhá-lo-ia com os olhos na rua, falar-lhe-ia à janela, às ave-marias, trocariam flores e...

E... quê? Sabes o que é que trocariam mais- se o não achas por ti mesmo, escusado é ler o resto do Capítulo e do livro, não acharás mais nada, ainda que eu o diga com todas as letras da etimologia. Mas se o achaste, compreenderás que eu, depois de estremecer, tivesse um ímpeto de atirar-me pelo portão fora, descer o resto dai ladeira, correr, chegar à casa do Pádua, agarrar Capitu e intimar-lhe que me confessasse quantos, quantos, quantos já lhe dera o peralta da vizinhança. Não fiz nada. Os mesmos sonhos que ora conto não tiveram, naqueles três ou quatro minutos, esta lógica de movimentos e pensamentos. Eram soltos, emendados e mal emendados, com o desenho truncado e torto, uma confusão, um turbilhão, que me cegava e ensurdecia. Quando tornei a mim, José Dias concluía uma frase, cujo princípio não ouvi, e o mesmo fim era vago: "A conta que dará de si." Que conta e quem? Cuidei naturalmente que falava ainda de Capitu, e quis perguntar-lho, mas a vontade morreu ao nascer, como tantas outras gerações delas. Limitei-me a inquirir do agregado quando é que iria a casa ver minha mãe.

-- Estou com saudades de mamãe. Posso ir já esta semana?

--Vai sábado.

--Vai sábado.

--Sábado? Ah! sim! sim! Peça a mamãe que me mande buscar sábado! Sábado! Este sábado, não? Que me mande buscar, sem falta.

CAPÍTULO LXIII / METADES DE UM SONHO

Fiquei ansioso pelo sábado. Até lá os sonhos perseguiam-me, ainda acordado, e não os digo aqui para não alongar esta parte do livro. Um só ponho, e no menor número de palavras, ou antes porei dous, porque um nasceu de outro, a não ser que ambos formem duas metades de um só. Tudo isto é obscuro, dona leitora, mas a culpa é do vosso sexo, que perturbava assim a adolescência de um pobre seminarista. Não fosse ele, e este livro seria talvez uma simples prática paroquial, se eu fosse padre, ou uma pastoral, se bispo, ou uma encíclica, se papa, como me recomendara tio Cosme: "Anda lá, meu rapaz, volta-me papa!" Ah! por que não cumpri esse desejo? Depois de Napoleão, tenente e imperador, todos os destinos estão neste século.

Quanto ao sonho foi isto. Como estivesse a espiar os peraltas da vizinhança, vi um destes que conversava com a minha amiga ao pé da janela. Corri ao lugar, ele fugiu; avancei para Capitu, mas não estava só tinha o pai ao pé de si, enxugando os olhos e mirando um triste bilhete de loteria. Não me parecendo isto claro, ia pedir a explicação, quando ele de si mesmo a deu; o peralta fora levar-lhe a lista dos prêmios da loteria, e o bilhete saíra branco. Tinha o número 4004. Disse-me que esta simetria de algarismos era misteriosa e bela, e provavelmente a roda andara mal; era impossível que não devesse ter a sorte grande. Enquanto ele falava, Capitu dava-me com os olhos todas as sortes grandes e pequenas. A maior destas devia ser dada com a boca. E aqui entra a segunda parte do sonho. Pádua desapareceu, como as suas esperanças do bilhete, Capitu inclinou-se para fora, eu relancei os olhos pela rua, estava deserta. Peguei-lhe nas mãos, resmunguei não sei que palavras, e acordei sozinho no dormitório.

O interesse do que acabas de ler não está na matéria do sonho, mas nos esforços que fiz para ver se dormia novamente e pegava nele outra vez. Nunca dos nuncas poderás saber a energia e obstinação que empreguei em fechar os olhos, apertá-los bem, esquecer tudo para dormir, mas não dormia. Esse mesmo trabalho fez-me perder o sono até à madrugada. Sobre a madrugada, consegui conciliá-lo, mas então nem peraltas, nem bilhetes de loterias, nem sortes grandes ou pequenas,--nada dos nadas veio ter comigo. Não sonhei mais aquela noite, e dei mal as lições daquele dia.

CAPÍTULO LXIV / UMA IDÉIA E UM ESCRÚPULO

Relendo o Capítulo passado, acode-me uma idéia e um escrúpulo. O escrúpulo é justamente de escrever a idéia, não a havendo mais banal na terra, posto que daquela banalidade do sol e da lua, que o céu nos dá todos os dias e todos os meses. Deixei o manuscrito, e olhei para as paredes. Sabes que esta casa do Engenho Novo, nas dimensões, disposições e pinturas, é reprodução da minha antiga casa de Mata-cavalos. Outrossim, como te disse no Capítulo II, o meu fim em imitar a outra foi ligar as duas pontas da vida, o que aliás na alcancei. Pois o mesmo sucedeu àquele sonho do seminário, por mais que tentasse dormir e dormisse. Donde concluo que um dos oficiais do homem é fechar e apertar muito os olhos a ver se continua pela noite velha o sonho truncado da noite moça. Tal é a idéia banal e nova que eu não quisera pôr aqui e só provisoriamente a escrevo.

Antes de concluir este Capítulo, fui à janela indagar da noite por que razão os sonhos hão de ser assim tão tênues que se esgarçam ao menor abrir de olhos ou voltar de corpo, e não continuam mais A noite não me respondeu logo. Estava deliciosamente bela, os morros palejavam de luar e o espaço morria de silêncio. Como eu insistisse, declarou-me que os sonhos já não pertencem à sua jurisdição Quando eles moravam na ilha que Luciano lhes deu, onde ela tinha o seu palácio, e donde os fazia sair com as suas caras de vária feição, dar-me-ia explicações possíveis. Mas os tempos mudaram tudo. Os sonhos antigos foram aposentados, e os modernos moram no cérebro da pessoa. Estes, ainda que quisessem imitar os outros, não poderiam fazê-lo; a ilha dos sonhos, como a dos amores, como todas as ilhas de todos os mares, são agora objeto da ambição e da rivalidade da Europa e dos Estados Unidos.

Era uma alusão às Filipinas. Pois que não amo a política, e ainda menos a política internacional, fechei a janela e vim acabar este capítulo para ir dormir. Não peço agora os sonhos de Luciano, nem outros, filhos da memória ou da digestão; basta-me um sono quieto e apagado. De manhã, com a fresca, irei dizendo o mais da minha história e suas pessoas.

CAPÍTULO LXV / A DISSIMULAÇÃO

Chegou Sábado, chegaram outros sábados, e eu acabei afeiçoando me à vida nova. Ia alternando a casa e o seminário. Os padres gostavam de mim, os rapazes também, e Escobar mais que os rapazes e os padres. No fim de cinco semanas estive quase a contar a este as minhas penas e esperanças; Capitu refreou-me.

--Escobar é muito meu amigo, Capitu!

--Mas não é meu amigo.

--Pode vir a ser; ele já me disse que há de vir cá para conhecer mamãe.

--Não importa; você não tem direito de contar um segredo que não é só seu, mas também meu, e eu não lhe dou licença de dizer nada a pessoa nenhuma.

Era justo, calei-me e obedeci. Outra cousa em que obedeci às suas reflexões foi, logo no primeiro sábado, quando eu fui à casa dela, e, após alguns minutos de conversa, me aconselhou a ir embora.

--Hoje não fique aqui mais tempo; vá para casa, que eu lá vou logo. É natural que D. Glória queira estar com você muito tempo, ou todo, se puder.

Em tudo isso mostrava a minha amiga tanta lucidez que eu bem podia deixar de citar um terceiro exemplo, mas os exemplos não se fizeram senão para ser citados, e este é tão bom que a omissão seria um crime. Foi à minha terceira ou quarta vinda à casa. Minha mãe, depois que lhe respondi às mil perguntas que me fez sobre o tratamento que me davam, os estudos, as relações, a disciplina, e se me doía alguma cousa, e se dormia bem, tudo o que a ternura das mães inventa para cansar a paciência de um filho, concluiu voltando-se para José Dias:

--Sr. José Dias, ainda duvida que saia daqui um bom padre?

--Excelentíssima...

--E você, Capitu, interrompeu minha mãe voltando-se para a filha do Pádua que estava na sala, com ela,--você não acha que o nosso Bentinho dará um bom padre?

--Acho que sim, senhora, respondeu Capitu cheia de convicção.

Não gostei da convicção. Assim lhe disse, na manhã seguinte, no quintal dela, recordando as palavras da véspera, e lançando-lhe em rosto, pela primeira vez, a alegria que ela mostrara desde a minha entrada no seminário, quando eu vivia curtido de saudades. Capitu fez-se muito séria, e perguntou-me como é que queria que se portasse, uma vez que suspeitavam de nós; também tivera noites desconsoladas, e os dias, em casa dela, foram tão tristes como os meus; podia indagá-lo do pai e da mãe. A mãe chegou a dizer-lhe, por palavras encobertas, que não pensasse mais em mim.

--Com D. Glória e D. Justina mostro-me naturalmente alegre, para que não pareça que a denúncia de José Dias é verdadeira. Se parecesse, elas tratariam de separar-nos mais, e talvez acabassem não me recebendo... Para mim, basta o nosso juramento de que nos havemos de casar um com outro.

Era isto mesmo, devíamos dissimular para matar qualquer suspeita, e ao mesmo tempo gozar toda a liberdade anterior, e construir tranqüilos o nosso futuro. Mas o exemplo completa-se com o que ouvi no dia seguinte, ao almoço; minha mãe, dizendo tio Cosme que ainda queria ver com que mão havia eu de abençoar o povo à missa, contou que, dias antes, estando a falar de moças que se casam cedo, Capitu lhe dissera: "Pois a mim quem me há de casar há de ser o padre Bentinho, eu espero que ele se ordene!" Tio Cosme riu da graça, José Dias não dessorriu, só prima Justina é que franziu a testa, e olhou para mim interrogativamente. Eu, que havia olhado para todos, não pude resistir ao gesto da prima, e tratei de comer. Mas comi mal, estava tão contente com aquela grande dissimulação de Capitu que não vi mais nada, e, logo que almocei, corri a referir-lhe a conversa e a louvar-lhe a astúcia. Capitu sorriu de agradecida.

--Você tem razão, Capitu, concluí eu; vamos enganar toda esta gente.

--Não é? disse ela com ingenuidade.
–––––––
continua…

domingo, 21 de abril de 2013

Machado de Assis (Dom Casmurro) Parte 8

CAPÍTULO XLIX / UMA VELA AOS SÁBADOS

Eis aqui como, após tantas canseiras, tocávamos o porto a que nos devíamos ter abrigado logo. Não nos censures, piloto de má morte, não se navegam corações como os outros mares deste mundo. Estávamos contentes, entramos a falar do futuro. Eu prometia à minha esposa uma vida sossegada e bela, na roça ou fora da cidade. Viríamos aqui uma vez por ano. Se fosse em arrabalde, seria longe, onde, ninguém nos fosse aborrecer. A casa, na minha opinião, não devia ser grande nem pequena, um meio-termo; plantei-lhe flores, escolhi móveis, uma sege e um oratório. Sim, havíamos de ter um oratório bonito, alto, de jacarandá, com a imagem de Nossa Senhora da Conceição. Demorei-me mais nisto que no resto, em parte porque éramos religiosos, em parte para compensar a batina que eu ia deitar às urtigas- mas ainda restava uma parte que atribuo ao intuito secreto e inconsciente de captar a proteção do céu. Havíamos de acender uma vela aos sábados...

CAPÍTULO L / UM MEIO-TERMO


Meses depois fui para o seminário de S. José. Se eu pudesse contar as lágrimas que chorei na véspera e na manhã, somaria mais que todas as vertidas desde Adão e Eva. Há nisto alguma exageração; mas é bom ser enfático, uma ou outra vez, para compensar este escrúpulo de exatidão que me aflige. Entretanto, se eu me ativer só à lembrança da sensação, não fico longe da verdade; aos quinze anos, tudo é infinito. Realmente, por mais preparado que estivesse, padeci muito. Minha mãe também padeceu, mas sofria com alma e coração; demais, o Padre Cabral achara um meio-termo, experimentar-me a vocação; se no fim de dous anos, eu não revelasse vocação eclesiástica, seguiria outra carreira.

--As promessas devem ser cumpridas conforme Deus quer. Suponha que Nosso Senhor nega disposição a seu filho, e que o costume do seminário não lhe dá o gosto que me concedeu a mim, é que a vontade divina é outra. A senhora não podia pôr em seu filho, antes de nascido, uma vocação que Nosso Senhor lhe recusou...

Era uma concessão do padre. Dava a minha mãe um perdão antecipado, fazendo vir do credor a relevação da dívida. Os olhos dela brilharam, mas a boca disse que não. José Dias, não tendo alcançado ir comigo para a Europa, agarrou-se ao mais próximo, e apoiou o "alvitre do Sr. protonotário"; só lhe parecia que um ano era bastante.

--Estou certo, disse ele, piscando-me o olho, que dentro de um ano a vocação eclesiástica do nosso Bentinho se manifesta clara e decisiva. Há de ser um padre de mão-cheia. Também, se não vier em um ano...

E a mim, mais tarde, em particular:

--Vá por um ano; um ano passa depressa. Se não sentir gosto nenhum, é que Deus não quer, como diz o padre, e nesse caso, meu amiguinho, o melhor remédio é a Europa.

Capitu deu-me igual conselho, quando minha mãe lhe anunciou a minha ida definitiva para o seminário:

--Minha filha, você vai perder o seu companheiro de criança...

Fez-lhe tão bem este tratamento de filha (era a primeira vez que minha mãe lhe dava), que nem teve tempo de ficar triste; beijou-lhe a mão, e disse-lhe que já sabia disso por mim mesmo. Em particular animou-me a suportar tudo com paciência; no fim de um ano as cousas estariam mudadas, e um ano andava depressa. Não foi ainda a nossa despedida; esta fez-se na véspera, por um modo que pede Capítulo especial. O que unicamente digo aqui é que, ao passo que nos prendíamos um ao outro, ela ia prendendo minha mãe, fez-se mais assídua e terna, vivia ao pé dela, com os olhos nela. Minha mãe era de natural simpático, e igualmente sensível; tanto se doía como se aprazia de qualquer cousa. Entrou a achar em Capitu uma porção de graças novas, de dotes finos e raros; deu-lhe um anel dos seus e algumas galanterias. Não consentiu em fotografar-se, como a pequena lhe pedia, para lhe dar um retrato; mas tinha uma miniatura, feita aos vinte e cinco anos, e, depois de algumas hesitações, resolveu dar-lha. Os olhos de Capitu, quando recebeu o mimo, não se descrevem, não eram oblíquos, nem de ressaca, eram direitos, claros, lúcidos. Beijou o retrato com paixão, minha mãe fez-lhe a mesma cousa a ela. Tudo isto me lembra a nossa despedida.

CAPÍTULO LI / ENTRE LUZ E FUSCO

Entre luz e fusco, tudo há de ser breve como esse instante. Nem durou muito a nossa despedida, foi o mais que pôde, em casa dela, na sala de visitas, antes do acender das velas; aí é que nos despedimos de uma vez. Juramos novamente que havíamos de casar um com outro, e não foi só o aperto de mão que selou o contrato, como no quintal, foi a conjunção das nossas bocas amorosas... Talvez risque isto na impressão, se até lá não pensar de outra maneira; se pensar. fica. E desde já fica, porque, em verdade, é a nossa defesa. O que o mandamento divino quer é que não juremos em vão pelo santo nome de Deus. Eu não ia mentir ao seminário, uma vez que levava um contrato feito no próprio cartório do céu. Quanto ao selo, Deus, como fez as mãos limpas, assim fez os lábios limpos, e a malícia está antes na tua cabeça perversa que na daquele casal de adolescentes... Oh! minha doce companheira da meninice, eu era puro, e puro fiquei, e puro entrei na aula de S. José, a buscar de aparência a investidura sacerdotal, e antes dela a vocação. Mas a vocação eras tu, a investidura eras tu.

CAPÍTULO LII / O VELHO PÁDUA

Já agora conto também os adeuses do velho Pádua. Logo cedo veio à nossa casa. Minha mãe disse-lhe que fosse falar-me ao quarto.

--Dá licença? perguntou metendo a cabeça pela porta.

Fui apertar-lhe a mão; ele abraçou-me com ternura.

--Seja feliz! disse-me. A mim e a toda a minha gente creia que ficam muitas saudades. Todos nós estimamos muito ao senhor, como merece. Se lhe disserem outra cousa, não acredite. São intrigas. Também eu, quando me casei, fui vítima de intrigas; desfizeram-se. Deus é grande e descobre a verdade. Se algum dia perder sua mãe e seu tio,--cousa que eu, por esta luz que me alumia, não desejo, porque são boas pessoas, excelentes pessoas, e eu sou grato às finezas recebidas... Não, eu não sou como outros, certos parasitas, vindos de fora para desunião das famílias, aduladores baixos, não- eu sou de outra espécie; não vivo papando os jantares nem morando em casa alheia... Enfim, são os mais felizes!

"Por que falará assim? pensei. Naturalmente sabe que José Dias diz mal dele."

--Mas, como ia dizendo, se algum dia perder os seus parentes, pode contar com a nossa companhia. Não é suficiente em importância, mas a afeição é imensa, creia. Padre que seja, a nossa casa está às suas ordens. Quero só que me não esqueça; não esqueça o velho Pádua...

Suspirou e continuou:

--Não esqueça o seu velho Pádua, e, se tem algum trapinho que me deixe em lembrança, um caderno latino, qualquer cousa, um botão de colete, cousa que já lhe não preste para nada. O valor é a lembrança. Tive um sobressalto. Havia embrulhado em um papel um cacho dos meus cabelos, tão grandes e tão bonitos, cortados na véspera. A intenção era levá-los a Capitu, ao sair; mas tive idéia de dá-lo ao pai, a filha saberia tomá-lo e guardá-lo. Peguei do embrulho e dei-lho.

--Aqui está, guarde.

--Um cachinho dos seus cabelos! exclamou Pádua abrindo e fechando o embrulho. Oh! obrigado! obrigado por mim e pela minha gente! Vou dá-lo à velha, para guardá-lo, ou à pequena, que é mais cuidadosa que a mãe. Que lindos que são! Como é que se corta uma beleza destas? Dê cá um abraço! outro! mais outro! adeus!

Tinha os olhos úmidos deveras; levava a cara dos desenganados, como quem empregou em um só bilhete todas as suas economias de esperanças, e vê sair branco o maldito número,--um número tão bonito!

CAPÍTULO LIII / A CAMINHO!

Fui para o seminário. Poupa-me as outras despedidas. Minha mãe apertava-me ao peito. Prima Justina suspirava. Talvez chorasse mal ou nada. Há pessoas a quem as lágrimas não acodem logo nem nunca, diz-se que padecem mais que as outras. Prima Justina disfarçava naturalmente os seus padecimentos íntimos, emendando os descuidos de minha mãe, fazendo-me recomendações, dando ordens. Tio Cosme, quando eu lhe beijei a mão em despedida, disse-me rindo:

--Anda lá, rapaz, volta-me papa!

José Dias, composto e grave, não dizia nada a princípio; tínhamos falado na véspera, no quarto dele, onde fui ver se era ainda possível evitar o seminário. Já não era, mas deu-me esperanças e principalmente animou-me muito. Antes de um ano estaríamos a bordo. Como eu achasse muito breve, explicou-se.

--Dizem que não é bom tempo de atravessar o Atlântico, vou indagar; se não for, iremos em março ou abril.

--Posso estudar medicina aqui mesmo.

José Dias correu os dedos pelos suspensórios com um gesto de impaciência, apertou os beiços, até que formalmente rejeitou o alvitre.

--Não duvidaria aprovar a idéia, disse ele, se na Escola de Medicina não ensinassem, exclusivamente, a podridão alopata. A alopatia é o erro dos séculos, e vai morrer; é o assassinato, é a mentira, é a ilusão. Se lhe disserem que pode aprender na Escola de Medicina aquela parte da ciência comum a todos os sistemas, é verdade; a alopatia é erro na terapêutica. Fisiologia, anatomia, patologia, não são alopáticas nem homeopáticas, mas é melhor aprender logo tudo de uma vez, por livros e por língua de homens cultores da verdade...

Assim falara na véspera e no quarto. Agora não dizia nada, ou proferia algum aforismo sobre a religião e a família; lembro-me deste: "Dividi-lo com Deus é ainda possuí-lo". Quando minha mãe me deu o último beijo: "Quadro amantíssimo!" suspirou ele. Era manhã de um lindo dia. Os moleques cochichavam; as escravas tomam a bênção: "Bênção, nhô Bentinho! não se esqueça de sua Joana! Sua Miquelina fica rezando por vosmecê!" Na rua José Dias insistiu nas esperanças:

--Agüente um ano; até lá tudo estará arranjado.

CAPÍTULO LIV / PANEGÍRICO DE SANTA MÔNICA

No Seminário... Ah! não vou contar o seminário, nem me bastaria a isso um Capítulo. Não, senhor meu amigo; algum dia. sim, é possível que componha um abreviado do que ali vi e vivi, das pessoas que tratei, dos costumes, de todo o resto. Esta sarna de escrever, quando pega aos cinqüenta anos, não despega mais. Na mocidade é possível curar-se um homem dela; e, sem ir mais longe, aqui mesmo no seminário tive um companheiro que compôs versos, à maneira dos de Junqueira Freire, cujo livro de frade-poeta era recente. Ordenou-se anos depois encontrei-o no coro de S. Pedro e pedi-lhe que me mostrasse os versos novos.

--Que versos? perguntou meio espantado.

--Os seus. Pois não se lembra que no seminário...

--Ah! sorriu ele.

Sorriu, e continuando a procurar num livro aberto a hora em que tinha de cantar no dia seguinte, confessou-me que não fizera mais versos depois de ordenado. Foram cócegas da mocidade; coçou-se, passou, estava bom. E falou-me em prosa de uma infinidade de cousas do dia. a vida cara, um sermão do padre X..., uma vigairaria mineira...

Contrário a isso foi um seminarista que não seguiu a carreira. Chamava-se... Não é preciso dizer o nome; baste o caso. Tinha composto um Panegírico de Santa Mônica, elogiado por algumas pessoas e então lido entre os seminaristas. Alcançou licença de imprimi-lo, e dedicou-o a Santo Agostinho. Tudo isso é história velha; o que é mais moço é que um dia. em 1882, indo ver certo negócio em repartição de marinha, ali dei com este meu colega, feito chefe de uma seção administrativa. Deixara seminário, deixara letras, casara e esquecera tudo, menos o Panegírico de Santa Mônica, umas vinte e nove páginas, que veio distribuindo pela vida fora. Como eu precisasse de algumas informações, fui pedir-lhas, e seria impossível achar melhor nem mais pronta vontade; deu-me tudo, claro, certo, copioso Naturalmente conversamos do passado, memórias pessoais, casos de estudo, incidentes de nada, um livro, um verbo, um mote, toda a velha palhada saiu cá fora, e rimos juntos, e suspiramos de companhia. Vivemos algum tempo do nosso velho seminário. Ou porque eram dele, ou porque éramos então moços, as recordações traziam tal poder de felicidade que, se alguma sombra contrária houve então, não apareceu agora. Ele confessou-me que perdera de vista todos os companheiros do seminário.

--Também eu, quase todos; uma vez ordenados, voltaram naturalmente às suas províncias, e os daqui tomaram vigairarias fora.

-- Bom tempo! suspirou ele.

E, após alguma reflexão, fitando em mim uns olhos murchos e teimosos, perguntou-me:

--Conservou o meu Panegírico?

Não achei que dizer; tentei mover os beiços, mas não tinha palavra, afinal perguntei:

--Panegírico? Que panegírico?

--O meu Panegírico de Santa Mônica.

Não me lembrou logo, mas a explicação devia bastar; e depois de alguns instantes de pesquisa mental, respondi que por muito tempo o conservara, mas as mudanças, as viagens...

--Hei de levar-lhe um exemplar.

Antes de vinte e quatro horas estava em minha casa, com o folheto, um velho folheto de vinte e seis anos, encardido, manchado do tempo, mas sem lacuna, e com uma dedicatória manuscrita e respeitosa.

--É o penúltimo exemplar, disse-me; agora só me resta um, que não posso dar a ninguém.

E como me visse folhear o opúsculo:

--Veja se lhe lembra algum pedaço, disse-me.

Vinte e seis anos de intervalo fazem morrer amizades mais estreitas e assíduas, mas era cortesia, era quase caridade recordar alguma lauda; li uma delas, acentuando certas frases para lhe dar a impressão de que achavam eco em minha memória. Concordou que fossem belas, mas preferia outras, e apontou-as.

--Recorda-se bem?

--Perfeitamente. Panegírico de Santa Mônica! Como isto me faz remontar os anos da minha mocidade! Nunca me esqueceu o seminário, creia. Os anos passam, os acontecimentos vêm uns sobre outros, e as sensações também, e vieram amizades novas que também se foram depois, como é lei da vida... Pois, meu caro colega, nada fez apagar aquele tempo da nossa convivência, os padres, as lições, os recreios... os nossos recreios, lembra-se? o Padre Lopes, oh! o Padre Lopes...

Ele, com os olhos no ar, devia estar ouvindo, e naturalmente ouvia, mas só me disse uma palavra, e ainda assim depois de algum tempo de silêncio, recolhendo os olhos e um suspiro!

--Tem agradado muito este meu Panegírico!

CAPÍTULO LV / UM SONETO

Dita a palavra, apertou-me as mãos com as forças todas de um vasto agradecimento, despediu-se e saiu. Fiquei só com o Panegírico, e o que as folhas dele me lembraram foi tal que merece um Capítulo ou mais. Antes, porém, e porque também eu tive o meu Panegírico, contarei a história de um soneto que nunca fiz: era no tempo do seminário, e o primeiro verso é o que ides ler:

Oh! flor do céu! oh! flor cândida e pura!

Como e por que me saiu este verso da cabeça, não sei; saiu assim, estando eu na cama como uma exclamação solta, e, ao notar que tinha a medida de verso, pensei em compor com ele alguma cousa, um soneto. A insônia, musa de olhos arregalados, não me deixou dormir uma longa hora ou duas; as cócegas pediam-me unhas, e coçava-me com alma. Não escolhi logo, logo, o soneto; a princípio cuidei de outra forma, e tanto de rima como de verso solto. r afinal ative-me ao soneto. Era um poema breve e prestadio. Qual à idéia, o primeiro verso não era ainda uma idéia, era uma exclamação; a idéia viria depois. Assim na cama, envolvido no lençol. tratei de poetar. Tinha o alvoroço da mãe que sente o filho, e o primeiro filho. Ia ser poeta, ia competir com aquele monge da Bahia pouco antes revelado, e então na moda; eu, seminarista, diria em verso as minhas tristezas, como ele dissera as suas no claustro. Decorei bem o verso, e repetia-o em voz baixa, aos lençóis; francamente achava-o bonito, e ainda agora não me parece mau:

Oh! flor do céu! oh! flor cândida e pura!

Quem era a flor? Capitu, naturalmente; mas podia ser a virtude, a poesia, a religião, qualquer outro conceito a que coubesse a metáfora da flor, e flor do céu. Aguardei o resto, recitando sempre verso, e deitado ora sobre o lado direito, ora sobre o esquerdo; afinal deixei-me estar de costas, com os olhos no tecto, mas nem assim. vinha mais nada. Então adverti que os sonetos mais gabados eram os que concluíam com chave de ouro, isto é, um desses versos capitas no sentido e na forma. Pensei em forjar uma de tais chaves, considerando que o verso final, saindo cronologicamente dos treze anteriores, com dificuldade traria a perfeição louvada; imaginei que tais chaves eram fundidas antes da fechadura. Assim foi que me deter minei a compor o último verso do soneto, e, depois de muito suar, saiu este:

Perde-se a vida, ganha-se a batalha!

Sem vaidade, e falando como se fosse de outro, era um verso magnífico. Sonoro, não há dúvida. E tinha um pensamento, a vitória ganha à custa da própria vida, pensamento alevantado e nobre. Que não fosse novidade, é possível, mas também não era vulgar; e ainda agora não explico por que via misteriosa entrou numa cabeça de tão poucos anos. Naquela ocasião achei-o sublime. Recitei uma e muitas vêzes a chave de ouro, depois repeti os dous versos seguidamente, e dispus-me a ligá-los pelos doze centrais. A idéia agora, à vista do último verso, pareceu-me melhor não ser Capitu; seria a justiça. Era mais próprio dizer que, na pugna pela justiça, perder-se-ia acaso a vida, mas a batalha ficava ganha. Também me ocorreu aceitar a batalha, no sentido natural, e fazer dela a luta pela pátria, por exemplo; nesse caso a flor do céu seria a liberdade. Esta acepção porém, sendo o poeta um seminarista, podia não caber tanto como a primeira, e gastei alguns minutos em escolher uma ou outra. Achei melhor a justiça, mas afinal aceitei definitivamente uma idéia nova a caridade, e recitei os dous versos, cada um a seu modo, um languidamente:

Oh! flor do céu! oh! flor cândida e pura

e o outro com grande brio:

Perde-se a vida, ganha-se a batalha!

A sensação que tive é que ia sair um soneto perfeito. Começar bem e acabar bem não era pouco. Para me dar um banho de inspiração, evoquei alguns sonetos célebres, e notei que os mais deles eram facílimos; os versos saíam uns dos outros, com a idéia em si, tão naturalmente, que se não acabava de crer se ela é que os fizera, se eles é que a suscitavam. Então tornava ao meu soneto, e novamente repetia o primeiro verso e esperava o segundo; o segundo não vinha, nem terceiro, nem quarto; não vinha nenhum. Tive alguns ímpetos de raiva, e mais de uma vez pensei em sair da cama e ir ver tinta e papel; pode ser que, escrevendo, os versos acudissem, mas...

Cansado de esperar, lembrou-me alterar o sentido do último verso, com a simples transposição de duas palavras, assim:

Ganha-se a vida, perde-se a batalha!

O sentido vinha a ser justamente o contrário; mas talvez isso mesmo trouxesse a inspiração. Neste caso, era uma ironia: não exercendo a caridade, pode-se ganhar a vida, mas perde-se a batalha do céu. Criei forças novas e esperei. Não tinha janela; se tivesse, é possível que fosse pedir uma idéia à noite. E quem sabe se os vagalumes luzindo cá embaixo, não seriam para mim como rimas das estrelas, e esta viva metáfora não me daria os versos esquivos, com os seus consoantes e sentidos próprios?

Trabalhei em vão, busquei, catei, esperei, não vieram os versos. Pelo tempo adiante escrevi algumas páginas em prosa, e agora estou compondo esta narração, não achando maior dificuldade que escrever, bem ou mal. Pois, senhores, nada me consola daquele soneto que não fiz. Mas, como eu creio que os sonetos existem feitos, como as odes e os dramas, e as demais obras de arte, por uma razão de ordem metafísica, dou esses dous versos ao primeiro desocupado que os quiser. Ao domingo, ou se estiver chovendo, ou na roça, em qualquer ocasião de lazer, pode tentar ver se o soneto sai. Tudo é dar-lhe uma idéia e encher o centro que falta.

CAPÍTULO LVI / UM SEMINARISTA

Tudo meia repetindo o diabo do opúsculo, com as suas letras velhas e citações latinas. Vi sair daquelas folhas muitos perfis de seminaristas, os irmãos Albuquerques, por exemplo, um dos quais é cônego na Bahia, enquanto o outro seguiu medicina e dizem haver descoberto um específico contra a febre amarela. Vi o Bastos, um magricela, que está de vigário em Meia-Ponte, se não morreu já; Luís Borges, apesar de padre, fez-se político, e acabou senador do império... Quantas outras caras me fitavam das páginas frias do Panegírico! Não, não eram frias; traziam o calor da juventude nascente, o calor do passado, o meu próprio calor. Queria lê-las outra vez, e lograva entender algum texto, tão recente como no primeiro dia. ainda que mais breve. Era um encanto ir por ele; às vezes, inconscientemente, dobrava a folha como se estivesse lendo de verdade; creio que era quando os olhos me caíam na palavra do fim da página, e a mão, acostumada a ajudá-los, fazia o seu ofício...

Eis aqui outro seminarista. Chamava-se Ezequiel de Sousa Escobar era um rapaz esbelto, olhos claros, um pouco fugitivos, como as mãos, como os pés, como a fala, como tudo. Quem não estivesse acostumado com ele podia acaso sentir-se mal, não sabendo por onde lhe pegasse. Não fitava de rosto, não falava claro nem seguido as mãos não apertavam as outras, nem se deixavam apertar delas, por que os dedos, sendo delgados e curtos, quando a gente cuidava tê-los entre os seus, já não tinha nada. O mesmo digo dos pés, que lia depressa estavam aqui como lá. Esta dificuldade em pousar foi a maior obstáculo que achou para tomar os costumes do seminário. O sorriso era instantâneo, mas também ria folgado e largo. Uma cousa não seria tão fugitiva, como o resto, a reflexão; íamos dar com ele, muita vez, olhos enfiados em si, cogitando. Respondia-nos sempre que meditava algum ponto espiritual, ou então que recordava a lição da véspera. Quando ele entrou na minha intimidade pedia-me freqüentemente explicações e repetições miúdas, e tinha memória para guardá-las todas, até as palavras. Talvez esta faculdade prejudicasse alguma outra.

Era mais velho que eu três anos, filho de um advogado de Curitiba, aparentado com um comerciante do Rio de Janeiro, que servia de correspondente ao pai. Este era homem de fortes sentimentos católicos. Escobar tinha uma irmã, que era um anjo, dizia ele.

--Não é só na beleza que é um anjo, mas também na bondade. Não imagina que boa criatura que ela é. Escreve-me muita vez, hei de mostrar-lhe as cartas dela.

De fato, eram simples e afetuosas, cheias de carícias e conselhos. Escobar contava-me histórias dela, interessantes, todas as quais vinham a dar na bondade e no espírito daquela criatura; tais eram que me fariam capaz de acabar casando com ela se não fosse Capitu. Morreu pouco depois. Eu, seduzido pelas palavras dele, estive quase a contar-lhe logo, logo, a minha história. A princípio, fui tímido, mas ele fez-se entrado na minha confiança. Aqueles modos fugitivos, cessavam quando ele queria, e o meio e o tempo os fizeram mais pousados. Escobar veio abrindo a alma toda, desde a porta da rua até o fundo do quintal. A alma da gente, como sabes, é uma casa assim disposta, não raro com janelas para todos os lados, muita luz e ar puro. Também as há fechadas e escuras, sem janelas ou com poucas e gradeadas, à semelhança de conventos e prisões. Outrossim, capelas e bazares, simples alpendres ou paços suntuosos.

Não sei o que era a minha. Eu não era ainda casmurro, nem dom casmurro; o receio é que me tolhia a franqueza, mas como as portas não tinham chaves nem fechaduras, bastava empurrá-las, e Escobar empurrou-as e entrou. Cá o achei dentro, cá ficou, até que...
–––––
continua…

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Luto

Peço a compreensão dos leitores se amanhã não houver postagens.

Hoje de tarde, a minha cadela Maya (uma pastora branca) deu seu ultimo suspiro. 

Contava então 17 anos de idade.

Espero que compreendam este dia de silencio e de dor.

José Feldman

George G. Vest (Tributo a Um Cão)

Maya (foto J. Feldman)
O mais altruísta dos amigos que o homem pode ter neste mundo egoísta, aquele que nunca o abandona e nunca mostra ingratidão ou deslealdade, é o cão.
 
O cão permanece com seu dono na prosperidade e na pobreza, na saúde e na doença. Ele dormirá no chão frio, onde os ventos invernais sopram e a neve se lança impetuosamente se lá seu dono estiver.
Quando somente ele estiver ao lado de seu dono, ele beijará a mão que não tem alimento a oferecer, ele lamberá as feridas e as dores que resultam dos encontros com a violência do mundo. Ele guarda o sono de seu pobre dono como se fosse um príncipe. Quando todos os amigos o abandonarem, o cão permanecerá.
 
Quando a riqueza desaparece e a reputação se despedaça, ele é constante em seu amor como constante é o sol em sua viagem através do firmamento. Se a fortuna arrasta o dono para o exílio, o desamparo e o desabrigo, o cão fiel perde o privilégio maior de acompanhá-lo, para protegê-lo contra o perigo e para lutar contra seus inimigos. E quando a última cena se apresenta, a morte o leva em seus braços e seu corpo é deixado na lage fria, não importa que todos os amigos sigam o seu caminho: Lá, ao lado de sua sepultura, se encontrará seu nobre cão, a cabeça entre as patas, os olhos tristes mas em atenta observação, fé e confiança, mesmo à morte.

Matheus Santos (Cães, Anjos sem Asas!!!)

"Existem pessoas que não gostam de cães... Estas com certeza, nunca tiveram em sua vida Um Amigo de quatro patas, ou se tiveram, nunca olharam dentro daqueles olhos para perceber quem estava ali.
 
Um cão é um anjo, que vem ao mundo ensinar Amor! Quem mais pode dar Amor incondicional? Amizade sem pedir nada em troca? Afeição sem esperar retorno? Proteção sem ganhar nada? Fidelidade vinte e quatro horas por dia? Ah! não me venham com essa de que os Pais fazem isso, porque os Pais são humanos e quando os agredimos ficam irritados e se afastam... Um cão não se afasta, mesmo quando você o agride; ele retorna cabisbaixo, pedindo desculpas por algo que não fez. Lambe suas mãos, a suplicar perdão.

Alguns anjos não possuem asas, possuem quatro patas, um corpo peludo, nariz de bolinha, orelhas de atenção, olhar de aflição e carência. Apesar dessa aparência, são tão anjos quanto os outros (aqueles com asas!) e se dedicam aos humanos tanto quanto qualquer anjo costuma dedicar-se. 

As vezes, um humano veste a capa de anjo e sai pelas ruas a resgatar anjos abandonados à própria sorte e lhes cura as feridas alimenta, abriga, só para ter a sensação de haver ajudado um anjo...

DEUS quando nos fez humanos, sabia que precisaríamos de guardiões materiais que nos tirasse do corpo, as aflições dos sentidos e nos permitissem sobreviver, a cada dia com quase nada, além do olhar e da lambida de um cão!
 
 Que bom seria, se todos os humanos pudessem ver a humanidade perfeita de Um Cão!!!" 

Fonte:
http://forumadestradoronline.com

Nilto Maciel (Catedrais de Barro)

 O mal de certa gente afeita a redigir, na hora de lapidar seus contos e poemas, é torná-los quase enigmáticos. Não, não é certo usar esse “quase”. Na verdade, se convertem em signos indecifráveis, semelhantes a fórmulas, ao mesmo tempo cabalísticas e matemáticas. Conheço muitas dessas pessoas de aparência normal (nada de cabeças desproporcionais, antenas verdes plantadas na testa, como aqueles extraterrestres de Hollywood). São idênticas a nós: leem Machado de Assis, Fernando Pessoa, Graciliano Ramos e também Kafka e Joyce (em português). Vão a cinemas, teatros, ouvem música clássica, chorinho, Luís Gonzaga. Tomam chope, conhecem mulheres ou homens, gostam de feijoada, baião de dois e pizza. São quase (aqui cabe o advérbio) iguais aos outros seres humanos. Quando não chegam a tanto, se parecem com escritores.

        Ficcionistas novos (na idade) ou principiantes (alguns se iniciam na arte de escrever depois de maduros, aposentados, desiludidos dos prazeres da carne, do vinho, do queijo e dos doces) me mandam contos e poemas (devo agradecer aos céus por não produzirem aqueles romances enormes ou aquelas novelas intermináveis) e pedem opinião. Com enfado, corto aqui, podo ali, e, cansado, sugiro revisão gramatical. Também me tratam assim, com essa preocupação profilática, meus amigos mais adestrados no ofício de burilar (não escrevi burlar) frases, professores de gramática e língua portuguesa, todos de extrema erudição. Acato suas sugestões, embora nem sempre consiga efetuar a emundação proposta. Não me zango com eles; pelo contrário, sou-lhes grato. Não fossem eles, quantas barbaridades eu teria publicado!

Entretanto, os pimpolhos e os senhores a quem me referi se inflamam comigo. Uns deixam de me cumprimentar e saem por aí, zangadíssimos, a me achincalhar: sujeitinho metido a intelectual, escritorzinho sem cabedal, desconhecido até da própria família.  Até imagino suas infantilidades: rasgam, queimam, jogam fora os livros de mim recebidos em doação paternal.

Aprendi duas ou três lições de podadura verbal. Não apenas no uso da língua, mas também na elaboração de um estilo e escolha e tratamento dos temas. Não propagarei os nomes de meus mestres, como não informarei os apelidos dos meus insolentes “alunos”.

Uma delas diz respeito ao uso reiterado de vocábulos, na mesma frase, na mesma oração, no mesmo parágrafo, na mesma página. Em meus escritos encontrei milhares de “mas”, “porém”, “estava”, “era”, “que”, “pôs”, etc. Alertaram-me desse pecado meus amigos. Como não se trata de erro ortográfico (é só defeito de estilo), não dei importância ao carão. Além disso, até nos grandes criadores são encontradas repetências sucessivas de vocábulos e expressões. Vejamos este trecho de Dom Casmurro: “Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. O que aqui está é, mal comparando, semelhante à pintura que se põe na barba e nos cabelos, e que apenas conserva o hábito externo, como se diz nas autópsias; o interno não aguenta tinta. Uma certidão que me desse vinte anos de idade poderia enganar os estranhos, como todos os documentos falsos, mas não a mim. Os amigos que me restam são de data recente; todos os antigos foram estudar a geologia dos campos-santos. Quanto às amigas, algumas datam de quinze anos, outras de menos, e quase todas creem na mocidade. Duas ou três fariam crer nela aos outros, mas a língua que falam obriga muita vez a consultar os dicionários, e tal frequência é cansativa. Entretanto, vida diferente não quer dizer vida pior; é outra coisa. A certos respeitos, aquela vida antiga aparece-me despida de muitos encantos que lhe achei; mas é também exato que perdeu muito espinho que a fez molesta, e, de memória, conservo alguma recordação doce e feiticeira”.  O termo “que” aparece onze vezes; “mas”, quatro vezes.

Além de evitar a repetição de vocábulos, devemos nos esquivar de expressões reproduzidas em demasia, transformadas em clichês, os ditados, sem falar nos termos chulos e da moda, as gírias, os jargões.

Assim também devemos nos comportar em relação às descrições desnecessárias, às narrações de gestos e atos insignificantes (para a trama), aos adjetivos que servem de mero adorno, sobretudo os qualificativos de ordem moral (especificamente no caso de narrador onisciente). O estilo se faz mais límpido e agradável, se nos dedicarmos a um trabalho de remoção de entulhos nos diálogos. Precisamos extirpar as falas inúteis, se nada acrescentam à compreensão da narrativa. Chamemos a isso de benfeitorias. Encurtar a fala do personagem tagarela é sempre salutar. Isso pode ser feito com a transposição do diálogo direto para o indireto e, ainda, com o não emprego dos desagradáveis verbos dicendi. A frase deve ser clara. Nada de deixar o leitor em dúvida. Ou dar a tudo duplo sentido, como a chamar o leitor de idiota.

Entretanto (volto ao início desta crônica), não é preciso ser purista, seguir as normas gramaticais ao pé da letra, escrever à maneira de Camões, Bernardes, Vieira, Castilho. Ou, pior ainda, aprimorar tanto o estilo, a frase, que o leitor terminará por nada entender ou por se enredar todo nas malhas de um fraseado excessivamente obscuro. Sentir-se-á enjoado de tanto malabarismo verbal, de tanto neologismo, de tanta invencionice. O pior de tudo, porém, se dá quando o escriba se imagina bem diferente de todos os outros. Acima dos demais, como se escrevesse para deuses, gênios ou seres imaginários. Objetiva ser enigmista, ininteligível, ilegível. Certamente tenciona se afastar dos recursos gramaticais e estilísticos, romper todas as barreiras, ser o anti-Machado, o anti-Graciliano, o anti-Pessoa. Corre de medo de frases assim: “Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei num trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu” (Dom Casmurro). Ou desse modo: “Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes (Vidas secas). Ou de Fernando Pessoa: “No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, / Eu era feliz e ninguém estava morto” (“Aniversário”). Fogem da difícil simplicidade!

Portanto, nem desleixo, nem esmero demasiado. Um é pobre, feio, sem arte. O outro é similar ao falso rico: “tem” mansão (só a fachada), carro importado (alugado por uma semana), jatinho (emprestado). São catedrais de barro. E isso não é arte, é falsidade, é logro.

Fortaleza, 19/20 de fevereiro de 2013.

Fonte:
Literatura sem Fronteiras

Oficinas de Criação Literária na Biblioteca Pública do Paraná , em Curitiba

Poesia:
Fabrício Corsaletti
(14 a 16 de maio)

Infantojuvenil:
Ricardo Azevedo
(11 a 14 de junho)

Crítica Literária:
Luis Augusto Fischer
(10 a 12 de julho)

Crônica:
Antônio Torres
(13 a 15 de agosto)

Narrativa experimental:
Marcelino Freire
(10 a 12 de setembro)

Jornalismo Cultural:
Marcos Flamínio
(9 a 11 de outubro)

Conto:
Antonio Carlos Viana
(12 a 14 novembro)

Mais informações:
oficina@bpp.pr.gov.br

Inscrições gratuitas. Vagas limitadas.


Fonte:
Assessoria de Imprensa da BPP

Oficinas e Encontros nas Bibliotecas de São Paulo

Palestra: Era uma voz que sempre dizia – Era uma vez...

Com Ilan Brenman, mestre em Educação pela USP, psicólogo, autor de livros infantis e contador de histórias.

A voz do contador de histórias ressoa para sempre na alma dos que viveram os contos ouvidos, nos quais moram bruxas, princesas, feiticeiros, soldados, heróis, monstros e seres fantásticos. A voz e as palavras do contador, articulando-se em emoções e enredos, passam pelo seu corpo e ressoam nos seus ouvintes, estabelecendo ligações invisíveis. No caminho de formação de um leitor, passa-se, certamente, pelos momentos de ouvir histórias. Momentos em que a oralidade assume toda sua importância - mesmo nas sociedades contemporâneas. Inscrições diretamente na biblioteca.

20 de abril (sáb), 11h – BP Hans Christian Andersen
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O livro para crianças no Brasil: Mudanças e permanências
Com a Profª Marli Vidal

Varinhas de condão já foram instrumentos de trabalho. Nos recantos desta biblioteca, ainda podem ser encontradas, em encantadores livros, moradas de fadas, bruxas, do Saci e da Cuca. Os tempos mudaram. As crianças-leitoras de hoje dominam instrumentos sofisticados e precisos – suportes eletrônicos variadíssimos – mas continuam a guardar os sonhos. A literatura muda, mas permanece. Viajarmos pelos caminhos da Literatura Infantil desde que na Belmonte ela veio morar, em 1953.

24 de abril (qua), 19h – BP Belmonte
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Cada história tem seu livro
Cia do Mar

O livro infantil entra em cena, passando a ser elemento básico de toda intervenção e da trilha sonora, criada a partir do próprio livro. Historias contadas e encenadas, com efeitos sonoros e apetrechos curiosos.

19 de abril (sex), 11h – Ônibus-biblioteca Roteiro Jardim Luso – Z. Sul
21 de abril (dom), 13h – Ônibus-biblioteca Roteiro Chácara Santana – Z. Sul
23 de abril (ter), 12h – Ônibus-biblioteca Roteiro Vila Paranaguá – Z. Leste
24 de abril (qua), 12h – Ônibus-biblioteca Roteiro Vila Guilhermina – Z. Leste

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Contos e Cantos Africanos
Com o Grupo Sansakroma

Buscando referências na cultura oral dos africanos, brasileiros e cubanos, o Grupo Sansakroma promete um momento de muitas histórias, música e diversão, tendo uma exposição de arte africana com máscaras, esculturas e instrumentos como cenário.

19 de abril (sex), 14h – Ônibus-biblioteca Roteiro Jardim Primavera – Z. Sul
20 de abril (sáb), 14h – Ônibus-biblioteca Roteiro Jardim Miriam – Z. Sul
21 de abril (dom), 14h – Ônibus-biblioteca Roteiro Colônia – Z. Sul
25 de abril (qui), 14h – Ônibus-biblioteca Roteiro Jardim Peri – Z. Norte

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    Contação de Histórias

No tempo que a galinha tinha dentes...
Com Beth Filipini

Os mais belos contos, fábulas, lendas, mitos e "causos".
24 de abril (qua), 10h e 14h30 – BP Thales Castanho de Andrade
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Lendas, mitos e contos da América Latina
Com Grupo Girasonhos

As histórias fantásticas da América Latina revelam uma riqueza cultural plena de imaginação e fantasia. Um legado que será transmitido às crianças a fim de despertar nelas o encantamento com a cultura latino-americana com histórias como: O homem jacaré (Colômbia), O cavalo sete cores (Guatemala), A mulata de Córdoba ( México), O homem pássaro (Peru) e Dona Raposa e os peixes (Argentina). 
 
24 de abril (qua), 14h – Ponto de Leitura Tide Setúbal
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Sarau do Ricardo ao Assumpção
Com o grupo de Teatro Projeto Bazar e Convidados

Homenageando o poeta Cassiano RICARDO e o músico Itamar ASSUMPÇÃO, patronos da biblioteca, o SARAU é um espaço para a manifestação e fruição das várias linguagens artísticas, com destaque para a música, a literatura e o teatro. O público é convidado a participar, podendo escolher poemas, crônicas e outros textos para recitar ou ler, entre as obras previamente selecionadas no acervo, de acordo com o tema do mês. Em abril, o tema do sarau será "Elogio da Leitura", no mês em que se celebram o Dia Mundial do Livro e o Dia Mundial do Livro Infantil.
 
19 de abril (sex), 14h – BP Cassiano Ricardo

Fonte:
Coordenadoria do Sistema Municipal de Bibliotecas. Secretaria de Cultura. Prefeitura de São Paulo

2º Concurso de Poesias Carlos Cezar - 2013 (Resultado Final)

A premiação do 2º Concurso de Poesias Carlos Cezar - 2013 será dia 04 de maio deste ano, às 15 horas, no Auditório Cultura "Maria Ignez Pereira", na Estação Cultura, que fica na Praça Duque de Caxias, em Moji Guaçu, SP.

Maiores informações, por favor, falar com Maria Ignez, pelo telefone (19) 3861-2984.

Vencedores

1º Lugar
Josué de Vargas Ferreira
Ribeirão Preto, SP

2º Lugar
Jaime Pina da Silveira
São Paulo, SP

3º Lugar
Renata Paccola
São Paulo, SP

4º Lugar
Ariosvaldo Alves de Oliveira
Bayeux, PB

5º Lugar
Giovanna Carla Silva e Oliveira
Brasília, DF

Menção Honrosa

Alfredo Barbieri
Taubaté, SP

Celso Ricardo de Almeida
Fervedouro, MG

Domingos Freire Cardoso
Ílhavo, Portugal

Lenir Mattos de Moura
Arraial do Cabo, RJ

Lucas Paiva Ribeiro
Moji Guaçu, SP

Menção Especial

Aurineide Alencar de Freitas Oliveira
Dourados, MS

Dom Antonio Affonso de Miranda
Taubaté, SP

Edileuza Bezerra de Lima Longo
São Paulo, SP

Marina Gomes de Souza Valente
Bragança Paulista, SP

Sarah de Oliveira Passarella
Campinas, SP

Obrigado pela confiança no Concurso promovido pela CaEs e UBT de Moji Guaçu.

Fonte:
Olivaldo Junior

Machado de Assis (Dom Casmurro) Parte 7

CAPÍTULO XLI / A AUDIÊNCIA SECRETA

O resto fez-me ficar mais algum tempo, no corredor, pensando. Vi entrar o Doutor João da Costa, e preparou-se logo o voltarete do costume. Minha mãe saiu da sala, e, dando comigo, perguntou se acompanhara Capitu.

--Não, senhora, ela foi só.

E quase investindo para ela:

--Mamãe, eu queria dizer-lhe uma cousa.

--Que é?

Toda assustada, quis saber o que é que me doía, se a cabeça, se o peito, se o estômago, e apalpava-me a testa para ver se tinha febre.

--Não tenho nada não, senhora.

-- Mas então que é?

-- É uma cousa, mamãe... Mas, escute, olhe, é melhor depois do chá; logo... Não é nada mau; mamãe assusta-se por tudo; não é cousa de cuidado.

--Não é moléstia?

--Não, senhora.

É, isso é volta de constipação. Disfarças para não tomar suadouro, mas tu estás constipado; conhece-se pela voz.

Tentei rir, para mostrar que não tinha nada. Nem por isso permitiu adiar a confidência, pegou em mim, levou-me ao quarto dela, acenda vela, e ordenou-me que lhe dissesse tudo. Então eu perguntei-lhe, para principiar, quando é que ia para o seminário.

--Agora só para o ano, depois das férias.

--Vou... para ficar?

--Como ficar?

--Não volto para casa?

--Voltas aos sábados e pelas férias; é melhor. Quando te ordenares padre, vens morar comigo.

Enxuguei os olhos e o nariz. Ela afagou-me, depois quis repreender-me, mas creio que a voz lhe tremia, e pareceu-me que tinha os olhos úmidos. Disse-lhe que também sentia a nossa separação. Negou que fosse separação; era só alguma ausência, por causa dos estudos; só os primeiros dias. Em pouco tempo eu me acostumaria aos companheiros e aos mestres, e acabaria gostando de viver com eles.

--Eu só gosto de mamãe.

Não houve cálculo nesta palavra, mas estimei dizê-la, por fazer crer que ela era a minha única afeição; desviava as suspeitas de cima de Capitu. Quantas intenções viciosas há assim que embarcam, a meio caminho, numa frase inocente e pura! Chega a fazer suspeitar que a mentira é muita vez tão involuntária como a transpiração. Por outro lado, leitor amigo, nota que eu queria desviar as suspeitas de cima de Capitu, quando havia chamado minha mãe justamente para confirmá-las; mas as contradições são deste mundo. A verdade é que minha mãe era cândida como a primeira aurora, anterior ao primeiro pecado; nem por simples intuição era capaz de deduzir uma cousa de outra, isto é, não concluiria da minha repentina oposição que eu andasse em segredinhos com Capitu, como lhe dissera José Dias. Calou-se durante alguns instantes; depois replicou-me sem imposição nem autoridade, o que me veio animando à resistência. Daí o falar-lhe na vocação que se discutira naquela tarde, e que eu confessei não sentir em mim.

--Mas tu gostavas tanto de ser padre, disse ela; não te lembras que até pedias para ir ver sair os seminaristas de S. José, com as suas batinas? Em casa, quando José Dias te chamava Reverendíssimo, tu rias com tanto gosto! Como é que agora?... Não creio, não, Bentinho. E depois... Vocação? Mas a vocação vem com o costume, continuou repetindo as reflexões que ouvira ao meu professor de latim.

Como eu buscasse contestá-la, repreendeu-me sem aspereza, mas com alguma força, e eu tornei ao filho submisso que era. Depois, ainda falou gravemente e longamente sobre a promessa que fizera; não me disse as circunstâncias nem a ocasião, nem os motivos dela, cousas que só vim a saber mais tarde. Afirmou o principal, isto é, que a havia de cumprir, em pagamento a Deus.

--Nosso Senhor me acudiu, salvando a tua existência, não lhe hei de mentir nem faltar, Bentinho; são cousas que não se fazem sem pecado, e Deus que é grande e poderoso, não me deixaria assirn, não, Bentinho; eu sei que seria castigada e bem castigada. Ser padre é bom e santo; você conhece muitos, como o Padre Cabral, que vive tão feliz com a irmã; um tio meu também foi padre, e escapou de ser bispo, dizem... Deixa de manha, Bentinho.

Creio que os olhos que lhe deitei foram tão queixosos que ela emendou logo a palavra; manha, não, não podia ser manha, sabia muito bem que eu era amigo dela, e não seria capaz de fingir um sentimento que não tivesse. Moleza é o que queria dizer, que me deixas de moleza, que me fizesse homem e obedecesse ao que cumpria, em benefício dela e para bem da minha alma. Todas essas cousas e outras foram ditas um pouco atropeladamente, e a voz não lhe saía clara, mas velada e esganada. Vi que a emoção dela era outra vez grande, mas não recuava dos seus propósitos, e aventurei-me a perguntar-lhe:

--E se mamãe pedisse a Deus que a dispensasse da promessa?

--Não, não peço. Estás tonto, Bentinho? E como havia de saber que Deus me dispensava?

--Talvez em sonho; eu sonho às vezes com anjos e santos.

--Também eu, meu filho; mas é inútil... Vamos, é tarde; vamos para a sala. Está entendido: no primeiro ou no segundo mês do ano que vem, irás para o seminário. O que eu quero é que saibas bem os livros que estás estudando; é bonito, não só para ti, como para o Padre Cabral. No seminário há interesse em conhecer-te, porque o Padre Cabral fala de ti com entusiasmo.

Caminhou para a porta, saímos ambos. Antes de sair, voltou-se para mim, e quase a vi saltar-me ao colo e dizer-me que não seria padre. Este era já o seu desejo íntimo, à proporção que se aproximava o tempo. Quisera um modo de pagar a dívida contraída, outra moeda, que valesse tanto ou mais, e não achava nenhuma.

CAPÍTULO XLII / CAPITU REFLETINDO

No dia seguinte fui à casa vizinha, logo que pude. Capitu despedia-se de três amigas que tinham ido visitá-la, Paula e Sancha, companheiras de colégio, aquela de quinze, esta de dezessete anos" primeira filha de um médico, a segunda de um comerciante de objetos americanos. Estava abatida, trazia um lenço atado na cabeça; a mãe contou-me que fora excesso de leitura na véspera, antes e depois do chá, na sala e na cama, até muito depois da meia-noite, e com lamparina...

--Se eu acendesse vela, mamãe zangava-se. Já estou boa.

E como desatasse o lenço, a mãe disse-lhe timidamente que era melhor atá-lo, mas Capitu respondeu que não era preciso, estava boa.

Ficamos sós na sala; Capitu confirmou a narração da mãe, acrescentando que passara mal por causa do que ouvira em minha casa. Também eu lhe contei o que se dera comigo, a entrevista com minha mãe, as minhas súplicas, as lágrimas dela, e por fim as últimas respostas decisivas: dentro de dous ou três meses iria para o seminário. Que faríamos agora? Capitu ouvia-me com atenção sôfrega, depois sombria; quando acabei, respirava a custo, como prestes a estalar de cólera, mas conteve-se.

Há tanto tempo que isto sucedeu que não posso dizer com segurança se chorou deveras, ou se somente enxugou os olhos; cuido que os enxugou somente. Vendo-lhe o gesto peguei-lhe na mão para animá-la, mas também eu precisava ser animado. Caímos no canapé, e ficamos a olhar para o ar. Minto- ela olhava para o chão. Fiz o mesmo, logo que a vi assim... Mas eu creio que Capitu olhava para dentro de si mesma, enquanto que eu fitava deveras o chão, o roído das fendas, duas moscas andando e um pé de cadeira lascada. Era pouco, mas distraía-me da aflição. Quando tornei a olhar para Capitu, vi que não se mexia, e fiquei com tal medo que a sacudi brandamente. Capitu tornou cá para fora e pediu-me que outra vez lhe contasse o que se passara com minha mãe. Satisfi-la, atenuando o texto desta vez, para não amofiná-la. Não me chames dissimulado, chama-me compassivo; é certo que receava perder Capitu, se lhe morressem as esperanças todas, mas doía-me vê-la padecer. Agora, a verdade última, a verdade das verdades, é que já me arrependia de haver falado a minha mãe, antes de qualquer trabalho efetivo por parte de José Dias; examinando bem, não quisera ter ouvido um desengano que eu reputava certo, ainda que demorado. Capitu refletia, refletia, refletia...

CAPÍTULO XLIII / VOCÊ TEM MEDO?

De repente, cessando a reflexão, fitou em mim os olhos de ressaca, e perguntou-me se tinha medo.

--Medo?

--Sim, pergunto se você tem medo.

--Medo de quê?

--Medo de apanhar, de ser preso, de brigar, de andar, de trabalhar...

Não entendi. Se ela me tem dito simplesmente: "Vamos embora!" pode ser que eu obedecesse ou não; em todo caso, entenderia. Mas aquela pergunta assim, vaga e solta, não pude atinar o que era.

--Mas... não entendo. De apanhar?

--Sim.

--Apanhar de quem? Quem é que me dá pancada?

Capitu fez um gesto de impaciência. Os olhos de ressaca não se mexiam e pareciam crescer. Sem saber de mim, e, não querendo interrogá-la novamente, entrei a cogitar donde me viriam pancadas, e por que, e também por que é que seria preso, e quem é que me havia de prender. Valha-me Deus! vi de imaginação o aljube, uma casa escura e infecta. Também vi a presiganga, o quartel dos Barbonos e a Casa de Correção. Todas essas belas instituições sociais me envolviam no seu mistério, sem que os olhos de ressaca de Capitu deixassem de crescer para mim, a tal ponto que as fizeram esquecer de todo. O erro de Capitu foi não deixá-los crescer infinitamente, antes diminuir até às dimensões normais, e dar-lhe o movimento do costume. Capitu tornou ao que era, disse-me que estava brincando, não precisava afligir-me, e, com um gesto cheio de graça, bateu-me na cara, sorrindo, e disse:

--Medroso!

--Eu? Mas...

Não é nada, Bentinho. Pois quem é que há de dar pancada ao prender você? Desculpe que eu hoje estou meia maluca; quero brincar, e...

--Não, Capitu; você não está brincando; nesta ocasião, nenhum de nós tem vontade de brincar.

--Tem razão, foi só maluquice; até logo.

--Como até logo?

--Está-me voltando a dor de cabeça; vou botar uma rodela de limão nas fontes.

Fez o que disse, e atou o lenço outra vez na testa. Em seguida, acompanhou-me ao quintal para se despedir de mim; mas, ainda aí nos detivemos por alguns minutos, sentados sobre a borda do poço. Ventava, o céu estava coberto. Capitu falou novamente da nossa separação, como de um fato certo e definitivo, por mais que eu. receoso disso mesmo, buscasse agora razões para animá-la. Capita, quando não falava, riscava no chão, com um pedaço de taquara, narizes e perfis. Desde que se metera a desenhar, era uma das suas diversões; tudo lhe servia de papel e lápis. Como me lembrassem os nossos nomes abertos por ela no muro, quis fazer o mesmo no chão, e pedi-lhe a taquara. Não me ouviu ou não me atendeu.

CAPÍTULO XLIV / O PRIMEIRO FILHO

--Dê cá, deixe escrever uma cousa.

Capitu olhou para mim, mas de um modo que me fez lembrar a definição de José Dias, oblíquo e dissimulado; levantou o olhar, sem levantar os olhos. A voz, um tanto sumida, perguntou-me:

--Diga-me uma cousa, mas fale verdade, não quero disfarce; há de responder com o coração na mão.

--Que é? Diga.

--Se você tivesse de escolher entre mim e sua mãe, a quem é que escolhia?

-- Eu?

Fez-me sinal que sim.

--Eu escolhia... mas para que escolher? Mamãe não é capaz de me perguntar isso.

--Pois sim, mas eu pergunto. Suponha você que está no seminário e recebe a notícia de que eu vou morrer...

--Não diga isso!

-- ...Ou que me mato de saudades, se você não vier logo, e sua mãe não quiser que você venha, diga-me, você vem?

--Venho.

--Contra a ordem de sua mãe?

--Contra a ordem de mamãe.

--Você deixa seminário, deixa sua mãe, deixa tudo, para me ver morrer?

--Não fale em morrer, Capitu!

Capitu teve um risinho descorado e incrédulo, e com a taquara escreveu uma palavra no chão, inclinei-me e li: mentiroso.

Era tão estranho tudo aquilo, que não achei resposta. Não atinava com a razão do escrito, como não atinava com a do falado. Se me acudisse ali uma injúria grande ou pequena, é possível que a escrevesse também, com a mesma taquara, mas não me lembrava nada. Tinha a cabeça vazia. Ao mesmo tempo tomei-me de receio de que alguém nos pudesse ouvir ou ler. Quem, se éramos sós? D. Fortunata chegara uma vez à porta da casa, mas entrou logo depois. A solidão era completa. Lembra-me que umas andorinhas passaram por cima do quintal e foram para os lados do morro de Santa Teresa; ninguém mais. Ao longe, vozes vagas e confusas, na rua um tropel de bestas, do lado da casa o chilrear dos passarinhos do Pádua. Nada mais, ou somente este fenômeno curioso, que o nome escrito por ela, não só me espiava do chão com gesto escarninho, mas até me pareceu que repercutia no ar. Tive então uma idéia ruim; disse-lhe que, afinal de contas, a vida de padre não era má, e eu podia aceitá-la sem grande pena. Como desforço, era pueril; mas eu sentia a secreta esperança de vê-la atirar-se a mim lavada em lágrimas. Capitu limitou-se a arregalar muito os olhos, e acabou por dizer:

--Padre é bom, não há dúvida; melhor que padre só cônego, por causa das meias roxas. O roxo é cor muito bonita. Pensando bem, é melhor cônego.

--Mas não se pode ser cônego sem ser primeiramente padre, disse-lhe eu mordendo os beiços.

--Bem; comece pelas meias pretas, depois virão as roxas. O que eu não quero perder é a sua missa nova; avise-me a tempo para fazer um vestido à moda saia balão e babados grandes. . . Mas talvez nesse tempo a moda seja outra. A igreja há de ser grande, Carmo ou S. Francisco.

--Ou Candelária.

--Candelária também. Qualquer serve, contanto que eu ouça a missa nova. Hei de fazer um figurão. Muita gente há de perguntar: "Quem é aquela moça faceira que ali está com um vestido tão bonito?"--"Aquela é D. Capitolina, uma moça que morou na Rua de Mata-cavalos... "

--Que morou? Você vai mudar-se?

--Quem sabe onde é que há de morar amanhã? disse ela com um tom leve de melancolia; mas tornando logo ao sarcasmo: E você no altar, metido na alva, com a capa de ouro por cima, cantando... Pater noster...

Ah! como eu sinto não ser um poeta romântico para dizer que isto era um duelo de ironias! Contaria os meus botes e os dela, a graça de um e a prontidão de outro, e o sangue correndo, e o furor na alma, até ao meu golpe final que foi este:

--Pois sim, Capitu, você ouvirá a minha missa nova, mas com uma condição.

Ao que ela respondeu:

--Vossa Reverendíssima pode falar.

--Promete uma cousa?

--Que é?

--Diga se promete.

--Não sabendo o que é, não prometo.

--A falar verdade são duas cousas, continuei eu, por haver-me acudido outra idéia.

--Duas? Diga quais são.

--A primeira é que só se há de confessar comigo, para eu lhe dar a penitência e a absolvição. A segunda é que...

--A primeira está prometida, disse ela vendo-me hesitar, e acrescentou que esperava a segunda.

Palavra que me custou, e antes não me chegasse a sair da boca: não ouviria o que ouvi, e não escreveria aqui uma cousa que vai talvez achar incrédulos.

-- A segunda... sim... é que... Promete-me que seja eu o padre que case você?

--Que me case? disse ela um tanto comovida.

Logo depois fez descair os lábios, e abanou a cabeça.

--Não, Bentinho, disse, seria esperar muito tempo, você não vai ser padre já amanhã, leva muitos anos... Olhe, prometo outra cousa; prometo que há de batizar o meu primeiro filho.

CAPÍTULO XLV / ABANE A CABEÇA, LEITOR

Abane a cabeça leitor; faça todos os gestos de incredulidade. Chegue a deitar fora este livro, se o tédio já o não obrigou a isso antes tudo é possível. Mas, se o não fez antes e só agora, fio que torne a pegar do livro e que o abra na mesma página, sem crer por isso na veracidade do autor. Todavia, não há nada mais exato. Foi assim mesmo que Capitu falou, com tais palavras e maneiras. Falou do primeiro filho, como se fosse a primeira boneca.

Quanto ao meu espanto, se também foi grande, veio de mistura com uma sensação esquisita. Percorreu-me um fluido. Aquela ameaça de um primeiro filho, o primeiro filho de Capitu, o casamento dela com outro, portanto, a separação absoluta, a perda, a aniquilação, tudo isso produzia um tal efeito, que não achei palavra nem gesto fiquei estúpido. Capitu sorria; eu via o primeiro filho brincando no chão...

CAPÍTULO XLVI / AS PAZES

As Pazes fizeram-se como a guerra, depressa. Buscasse eu neste livro a minha glória, e diria que as negociações partiram de mim, mas não, foi ela que as iniciou. Alguns instantes depois, como eu estivesse cabisbaixo, ela abaixou também a cabeça, mas voltando os olhos para cima a fim de ver os meus. Fiz-me de rogado; depois quis levantar-me para ir embora; mas nem me levantei, nem sei se iria. Capitu fitou-me uns olhos tão ternos, e a posição os fazia tão súplices, que me deixei ficar, passei-lhe o braço pela cintura, ela pegou-me na ponta dos dedos, e...

Outra vez D. Fortunata apareceu à porta da casa; não sei para que, se nem me deixou tempo de puxar o braço; desapareceu logo. Podia ser um simples descargo de consciência, uma cerimônia, como as rezas de obrigação, sem devoção, que se dizem de tropel; a não ser que fosse para certificar aos próprios olhos a realidade que o coração lhe dizia...

Fosse o que fosse, o meu braço continuou a apertar a cintura da filha, e foi assim que nos pacificamos. O bonito é que cada um de nós queria agora as culpas para si, e pedíamos reciprocamente perdão. Capitu alegava a insônia, a dor de cabeça, o abatimento do espírito, e finalmente "os seus calundus." Eu, que era muito chorão por esse tempo, sentia os olhos molhados... Era amor puro, era efeito dos padecimentos da amiguinha, era a ternura da reconciliação.

CAPÍTULO XLVII / "A SENHORA SAIU"

--Está bom, acabou, disse eu finalmente; mas, explique-me só uma cousa, por que é que você me perguntou se eu tinha medo de apanhar?

--Não foi por nada, respondeu Capitu, depois de alguma hesitação... Para que bulir nisso?

--Diga sempre. Foi por causa do seminário?

--Foi; ouvi dizer que lá dão pancada... Não? Eu também não creio.

A explicação agradou-me; não tinha outra. Se, como penso, Capitu não disse a verdade, força é reconhecer que não podia dizê-la, e a mentira é dessas criadas que se dão pressa em responder às visitas que "a senhora saiu", quando a senhora não quer falar a ninguém. Há nessa cumplicidade um gosto particular; o pecado em comum iguala por instantes a condição das pessoas, não contando o prazer que dá a cara das visitas enganadas, e as costas com que elas descem... A verdade não saiu, ficou em casa, no coração de Capitu, cochilando o seu arrependimento. E eu não desci triste nem zangado; achei a criada galante, apetecível. melhor que a ama.

As andorinhas vinham agora em sentido contrário, ou não seriam as mesmas. Nós é que éramos os mesmos; ali ficamos somando as nossas ilusões, os nossos temores, começando já a somar as nossas saudades.

CAPÍTULO XLVIII / JURAMENTO DO POÇO

--Não! exclamei de repente.

--Não quê?

Tinha havido alguns minutos de silêncio, durante os quais refleti muito e acabei por uma idéia; o tom da exclamação, porém, foi tão alto que espantou a minha vizinha.

--Não há de ser assim, continuei. Dizem que não estamos em idade de casar, que somos crianças, criançolas,--já ouvi dizer criançolas. Bem; mas dous ou três anos passam depressa. Você jura uma cousa? lura que só há de casar comigo?

Capitu não hesitou em jurar, e até lhe vi as faces vermelhas de prazer. Jurou duas vezes e uma terceira:

--Ainda que você case com outra, cumprirei o meu juramento, não casando nunca.

--Que eu case com outra?

--Tudo pode ser. Bentinho. Você pode achar outra moça que lhe queira, apaixonar-se por ela e casar. Quem sou eu para você lembrar-se de mim nessa ocasião?

--Mas eu também juro! Juro, Capitu, juro por Deus Nosso Senhor que só me casarei com você. Basta isto?

--Devia bastar, disse ela; eu não me atrevo a pedir mais. Sim, você jura... Mas juremos por outro modo; juremos que nos havemos de casar um com outro, haja o que houver.

Compreendeis a diferença, era mais que a eleição do cônjuge, era a afirmação do matrimônio. A cabeça da minha amiga sabia pensar claro e depressa. Realmente, a fórmula anterior era limitada, apenas exclusiva. Podíamos acabar solteirões, como o sol e a lua, sem mentir ao juramento do poço. Esta fórmula era melhor, e tinha? a vantagem de me fortalecer o coração contra a investidura eclesiástica. Juramos pela segunda fórmula, e ficamos tão felizes que todo receio de perigo desapareceu. Éramos religiosos, tínhamos o céu por testemunha. Eu nem já temia o seminário.

--Se teimarem muito, irei; mas faço de conta que é um colégio qualquer; não tomo ordens.

Capitu temia a nossa separação, mas acabou aceitando este alvitre, que era o melhor. Não afligíamos minha mãe, e o tempo correria até o ponto em que o casamento pudesse fazer-se. Ao contrário, qualquer resistência ao seminário confirmaria a denúncia de José Dias. Esta reflexão não foi minha, mas dela.
–––––––––––
continua…

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Manuel Borges dos Santos Neto (Declaração de Amor)

Parque do Ingá
Bom dia, cidade bonita, para quem o poeta escreveu a mais linda canção. Uma canção que fala de saudade, de um amor distante e de um sonho de uma retirante que chamou Maria do Ingá. A mesma canção que embala todas as noites as crianças que adormecem sonhando e depois despertam cantando cada verso da canção que o poeta também cantou.

Bom dia para os pássaros que levantam cedinho e alegremente gorjeiam sobre os galhos do ipê-roxo, todos enfileirados ao longo das ruas, cujas flores mais se parecem como um enorme tapete lilás sempre que o vento, por pura peraltice, derrama uma por uma suas pétalas ao chão.

Bom dia para quem vive momentos à sombra das sibipirunas no meio do bosque verde, respirando um pouco de ar puro à beira de seus lagos.

Para quem anda pelas largas avenidas por entre os carros barulhentos e sempre à tardinha se encontra com outras pessoas que passeiam em volta da matriz ou vão ao teatro aplaudir os espetáculos, meus bom dia também.

Bom dia para os homens e mulheres que chegaram primeiro, que enfrentaram as chuvas, as madrugadas de intenso frio e muitas vezes o calor do sol causticante só para transformar tudo nesse encanto de concreto armado, onde as praças ficam cheias de gente, de plantas e de flores e até os pombos, como se fossem velhos conhecidos, comem na mão.

Muito bom dia para tudo e para todos. Mas para você, MARINGÁ, que de tão bonita que é mais se parece com uma menina-moça que gosta de amar, sonhar e beijar.

O meu bom dia, todos os dias, com sabor bem gostosos de quem te ama demais!

Fonte:
Manuel Borges dos Santos Neto. Crônicas. Edição do autor.