segunda-feira, 17 de junho de 2024

Vereda da Poesia = 36 =


Trova Humorística de São Mateus do Sul/PR

GÉRSON CÉSAR SOUZA

Ao ver que meu teto vaza,
a sogra encerra a visita...
E eu deixo chover lá em casa:
"êta" goteira bendita!!! 
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Soneto de Santos/SP

MARTINS FONTES
(José Martins Fontes)
1884 – 1937

O que se escuta numa velha caixa de música

    Nunca roubei um beijo. O beijo dá-se,
    ou permuta-se, mas naturalmente.
    Em seu sabor seria diferente
    se, em vez de ser trocado, se furtasse.

    Todo beijo de amor, longo ou fugace,
    deve ser u prazer que a ambos contente.
    Quando, encantado, o coração consente,
    beija-se a boca, não se beija a face.

    Não toquemos na flor maravilhosa,
    seja qual for a sedução do ensejo,
    vendo-a ofertar-se, fácil e formosa.

    Como os árabes, loucos de desejo,
    amemos a roseira, olhando a rosa,
    roubemos a mulher e não o beijo.
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Aldravia do Rio de Janeiro/RJ

DORÉE CAMARGO CORRÊA

mãe
natureza
espalha
ruídos
palavras
amor
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Soneto de São Vicente/SP

CID SILVEIRA
1910 – ????

A Rua da Vida
À Affonso Schmidt

Esta é rua da vida. E a vida se revela,
a rua sem pudor, completamente nua.
Mas, mostrando-se nua, a vida não é bela
e não é boa a vida através desta rua.

O convite que sai da entreaberta janela
tem a fascinação indizível da sua
promessa de pecado! E, atraída por ela,
a sombra do homem pelas portas se insinua ...

Marítimos gingando o corpo forte e suado,
malandros de chinelo, asiáticos franzinos,
toda esta malta vil que o homem detesta

vem deixar, nesta rua, um pouco do passado;
vem cumprir, nesta rua, os seus torvos destinos
para que possa haver a nossa rua honesta! 
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Trova Premiada em Pedralva/MG, 1963

CORIOLANO HENRIQUES DA SILVA CAMPOS 
Maringá/PR

- O que tens, minha netinha,
com este choro profundo?
- Morreu a sua filhinha...
E eu perdi tudo no mundo...
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Poema da Ilha de São Vicente/Cabo Verde

ONÉSIMO DA SILVEIRA

As águas

 A chuva regressou pela boca da noite
Da sua grande caminhada
Qual virgem prostituída
Lançou-se desesperada
Nos braços famintos
Das árvores ressequidas!

   (Nos braços famintos das árvores
Que eram os braços famintos dos homens...)   

 Derramou-se sobre as chagas da terra
E pingou das frestas
Do chapéu roto dos desalmados casebres das ilhas
E escorreu do dorso descarnado dos montes!   

 Desceu pela noite a serenar
A louca, a vagabunda, a pérfida estrela do céu
Até que ao olhar brando e calmo da manhã
Num aceno farto de promessas
Ressurgiu a terra sarada
Ressumando a fartura e a vida!  
Nos braços das árvores...
Nos braços dos homens...
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Quadra Popular

Eu amante e tu amante,
qual de nós será mais firme?
Eu como o sol a buscar-te,
tu como a sombra a fugir-me?
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Soneto de Campo Grande/MS

REGINALDO ALBUQUERQUE

Soneto ao soneto

Na tua imortal forma, exata e nobre, 
onde a musa imprevista se aventura 
fino pelo de címbalos te encobre, 
desafiando o estro e a razão mais pura. 

Afirmam os incautos que és de cobre, 
arcaico para quem a tessitura 
de cantar o atual jamais se dobre 
ao rigor triunfal que em ti perdura. 

Varinha de condão da antiguidade 
soneto, tua síntese inquieta 
contém sonho, esperanças e saudade… 

Para sempre será o teu reinado, 
enquanto houver no mundo algum poeta 
ou o pulsar de um peito enamorado!
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Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Chega a cantora, que é mestra
no gingado da cintura
e os integrantes da orquestra
nem olham... pra partitura!
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Soneto Inglês de Campo Mourão/PR

JOSÉ FELDMAN

Dilema

Tenho vivido um dilema
que tem me tirado o sono,
na cama vejo o problema...
já não sei mais quem é o dono.

Deitado, quando eu me viro
vocês podem até rir,
sinto na nuca um respiro...
minha cadela a dormir.

Fico pensando, portanto,
afinal, eu mando ou não?
A safada estica tanto,
que acabo caindo no chão.

A vida é tão engraçada...
"Êta" cadela folgada!!!
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Haicai de Bandeirantes/PR

NEIDE ROCHA PORTUGAL

Quermesse da roça –
Bandeirinhas coloridas
sobre o pó da estrada
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Sextilha sobre a Teia de Trovas de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

Se teia tem as aranhas
para pegar seu sustento
não vejo nada de mal
este seu mais novo intento
de criar "Teias de Trovas"
para tecermos as novas
trovas em encadeamento!
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Trova sobre Queimada de São Paulo

ANALICE FEITOZA DE LIMA
Bom Conselho/PE, 1938 – 2012, São Paulo/SP

Cai por terra qualquer festa
e minha alma triste chora,
quando vejo uma floresta
pela queimada indo embora...
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Escada de trovas de São Paulo/SP

FILEMON FRANCISCO MARTINS

“A lua divina e bela,
num capricho assim desfeito,
invade a minha janela
e vem sonhar no meu leito.”
Hedda Carvalho 
Nova Friburgo/RJ

“E Vem Sonhar No Meu Leito”
nesta noite enluarada,
quero ver-te junto ao peito
esperando a madrugada.

“Invade A Minha Janela”
fique aqui, feliz e calma,
que o perigo da procela
não resiste a paz da alma.

“Num Capricho Assim Desfeito”
ainda há luz e beleza
que o clima fica perfeito
- o amor é paz e  certeza.

“ A Lua Divina E Bela”
reina perene no céu,   
lua que a todos,  revela
quem ama, não vive ao léu.
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Aldravia de Saitama/Japão

EDWEINE LOUREIRO

ao
mundo
azucrinas
com
essa
buzina
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Soneto do Ceará

ARTUR EDUARDO BENEVIDES
Pacatuba/CE, 1923 – 2014, Fortaleza/CE

Do Amor

O amor, este vasto querer bem,
Esse entregar-se quando se é tomado,
Essa estrada de luz, esse ar sagrado,
Esse sentir-se em vésperas, também.

Essa fonte que júbilos contém,
Esse rio em que nado, deslumbrado,
Esse momento retransfigurado, 
Esse fogoso e louco palafrém

– É a força infinita da esperança,
Tão poderoso, que se nos alcança,
Alvorada repõe em nossa vida.

E sendo a longa estrela dos caminhos,
É rosa a nos ferir com seus espinhos,
Do eterno, porém, sendo a medida.
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Trova Premiada em Rio Novo/MG, 1999

EUGÊNIA MARIA RODRIGUES
Rio Novo/MG, 1946 – 2003

Quando a vida me descora,
o sol, no momento exato,
derrama as cores da aurora
nas rugas do meu retrato!
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Poema do Rio Grande do Sul

MÁRIO QUINTANA
Alegrete, 1906 – 1994, Porto Alegre

Ao longo das janelas mortas

Ao longo das janelas mortas
Meu passo bate as calçadas.
Que estranho bate!...Será
Que a minha perna é de pau?
Ah, que esta vida é automática!
Estou exausto da gravitação dos astros!
Vou dar um tiro neste poema horrível!
Vou apitar chamando os guardas, os anjos, Nosso
Senhor, as prostitutas, os mortos!
Venham ver a minha degradação,
A minha sede insaciável de não sei o quê,
As minhas rugas.
Tombai, estrelas de conta,
Lua falsa de papelão,
Manto bordado do céu!
Tombai, cobri com a santa inutilidade vossa
Esta carcaça miserável de sonho…
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Triverso de de Belo Horizonte/MG

YEDA PRATES BERNIS

Camisas alegres
gangorram agosto
no varal.
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Spina de São Paulo/SP

CARLA BUENO OLIVEIRA

Esqueço de tudo

Esqueço de tudo
Desde que conheci
Você, meu universo.

Você tornou-se a minha vida
A razão de tudo, enfim,
De existir cada novo verso
Foi tão bom isso acontecer
Não poderia ser o inverso!
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Trova de Osório/RS

SUELY BRAGA

Nunca julgues teu irmão,
olha para teus defeitos.
Abranda teu coração,
mas afasta os preconceitos.
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Glosa de Curitiba/PR

NEI GARCEZ 

Curitiba, Mocidade! 

MOTE:
Curitiba, tanta graça,
só você não fica idosa ;
sempre que no tempo passa,
cada vez é mais formosa!

GLOSA:
Curitiba, tanta graça
que recebe de seu povo,
aqui mesmo desta praça,
ou turista, sempre novo.

De esmerado tratamento
só você não fica idosa,
pelo próprio sentimento
desta clã tão generosa.

Exubera tanta graça
ao turista mais viajado:
sempre que no tempo passa
seu visual é elogiado.

Curitiba, mocidade,
de beleza majestosa,
quanto mais aumenta  idade
cada vez é mais formosa!
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Haicai de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Lá se foi o Ubaldo,
logo após se foi o Rubem.
Lágrimas das letras.
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Soneto de Paris/França

CHARLES BAUDELAIRE
(Charles-Pierre Baudelaire)
1821 – 1867

A Beleza

Eu sou bela, ó mortais! como um sonho de pedra,
E meu seio, onde todos vem buscar a dor,
É feito para ao poeta inspirar esse amor
Mudo e eterno que no ermo da matéria medra.

No azul, qual uma esfinge, eu reino indecifrada;
Conjugo o alvor do cisne a um coração de neve;
Odeio o movimento e a linha que o descreve,
E nunca choro nem jamais sorrio a nada.

Os poetas, diante do meu gesto de eloquência,
Aos das estátutas mais altivas semelhantes,
Terminarão seus dias sob o pó da ciência;

Pois que disponho, para tais dóceis amantes,
De um puro espelho que idealiza a realidade.
O olhar, meu largo olhar de eterna claridade!

(Tradução de Ivan Junqueira)
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Trova de Belém/PA

ALONSO ROCHA
(Raimundo Alonso Pinheiro Rocha)
1926 – 2011

A igreja, as flores e o eleito,
ela de branco e eu tristonho;
foi o cenário perfeito
para o enterro de meu sonho.
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Oração do Poeta, de Santos/SP

LUIZ OTÁVIO
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1977, Santos/SP

Senhor!
Eu vos agradeço, humildemente, por terdes, entre muitos, dado a mim o dom da poesia!
Fazei que jamais eu esqueça de que nada sou, e que de Vós, tudo me veio!
Não permitais que eu use os meus versos para bajular os poderosos e humilhar os pequeninos!
Nas vitórias de meus irmãos que eu sinta a mesma alegria que sentiria se elas fossem minhas!
Se generosamente, a mim trouxerem coroas de louro, que eu as receba com a mesma humildade com que Vós aceitastes a coroa de espinhos!
Que na realidade eu não seja outro diferente daquele mostrado na minha poesia!
Que eu ouça com serenidade as críticas dos amigos, as invejas dos invejosos, e os elogios dos bajuladores!
Que eu cante singelamente, como um pássaro liberto, o canto que Vós me destes sem me preocupar com os aplausos deste mundo!
Que meus versos sirvam de estimulo aos jovens,
de consolo aos velhos,
de esperança aos aflitos,
e de paz aos angustiados.
Que minha vida e minha poesia, nos minutos de alegria
e nos momentos de dor, sejam sempre condensadas numa só palavra: 
A M O R!…

Recordando Velhas Canções (Por quem sonha Ana Maria)


Compositor: Juca Chaves

Na alameda da Poesia
Chora rimas o luar
Madrugada e Ana Maria
Sonha sonhos cor do mar
Por quem sonha Ana Maria
Nesta noite de luar?

Já se escuta a nostalgia
De uma lira a soluçar
Dorme e sonha Ana Maria
No seu leito de luar
Por quem sonha Ana Maria
Quem lhe está triste a cantar?

No salão da noite fria
Veem-se estrelas a dançar
Madrugada e Ana Maria
Sonha sonhos cor do mar
Por quem sonha Ana Maria
Quem lhe fez assim sonhar?

E raia o Sol e rompe o dia
Desmaia ao longe o luar
Não abriu de Ana Maria
Inda a flor de seu olhar
Por quem sonha Ana Maria
Eu não sei nem o luar
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Os Sonhos e a Nostalgia de Ana Maria
A música 'Por Quem Sonha Ana Maria', de Juca Chaves, é uma obra poética que explora a melancolia e a nostalgia através dos sonhos de uma personagem chamada Ana Maria. A letra é rica em imagens líricas e utiliza a noite, o luar e o mar como metáforas para os sentimentos profundos e introspectivos da protagonista. A alameda da Poesia e a madrugada são cenários que evocam um ambiente de contemplação e solidão, onde Ana Maria se perde em seus sonhos e pensamentos.

A repetição da pergunta 'Por quem sonha Ana Maria?' ao longo da música sugere uma busca incessante por respostas e um anseio por algo ou alguém que não é claramente identificado. Essa indagação constante cria um clima de mistério e incerteza, refletindo a complexidade dos sentimentos humanos. A presença da lira soluçante e das estrelas dançantes no salão da noite fria adiciona uma camada de tristeza e beleza à narrativa, simbolizando a dualidade entre a alegria dos sonhos e a tristeza da realidade.

Juca Chaves, conhecido por seu estilo satírico e poético, utiliza sua habilidade lírica para criar uma atmosfera onírica e introspectiva. A música não apenas conta a história de Ana Maria, mas também convida o ouvinte a refletir sobre seus próprios sonhos e nostalgias. A figura de Ana Maria torna-se um espelho para os anseios e as incertezas de todos nós, fazendo da música uma obra universal e atemporal.    https://www.letras.mus.br/juca-chaves/46712/ 

domingo, 16 de junho de 2024

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 48

 

Laé de Souza (Luandécia e sua patroa)

O Michael, nome escolhido pelo filho da patroa, fã do cantor, foi a gota. Aliás, por achar o nome impróprio para o cão, Luandécia chamava-o de Lulu, pouco ligando aos reclamos do garoto e mantendo uma pirraça antiga contra o menino. Na chegada, estragando a festa da família, foi logo perguntando quem iria tratar do animal.

Depois de um momento de mutismo e olhares de uns para os outros, Tia Guilhermina, que estava passando uns dias por ali, saiu em defesa, dizendo que o cão não daria tanto trabalho e com certeza ela também se apegaria.

Luandécia que já estava meio cheia, principalmente com o trabalho aumentado pela visita da tal tia, respondeu que não tinha apego nem aos vira-latas que tinha em casa que mais viviam na rua. Saiu da sala resmungando que não aguentava mais e que ninguém reclamasse se ficassem coisas sem fazer. 

Vovô Afonso, sentado no seu canto, falou que aquela empregada estava indo longe demais, metendo-se com coisas que diziam respeito somente à família. 

Quinho deu razão ao avô, dizendo que a Luandécia estava muito folgada. Quando pedia lanches, ela fazia hora só para chatear, ralhava com ele por qualquer coisa e outro dia até ameaçou lhe dar umas chineladas se não parasse de pisar no tapete com os pés sujos. 

Alvoroço geral, mas por fim resolveram ajeitar as coisas, diante dos argumentos do Dona Adélia de que empregada não estava fácil e que qualquer uma que entrasse traria os mesmos problemas.

Luandécia, diante da tábua de passar roupas, remoía por dentro relembrando os momentos que tinha passado naquela casa.

Lembrou-se da vez que levou uma chacoalhada do patrão quando anotou um recado que nem ela mesma conseguia decifrar. Lá tinha culpa de ter feito mal e mal o Mobral? E pensava no seu silêncio que o seu contrato de trabalho era de doméstica e eles queriam que ela também fosse secretária, e ainda por cima com o mesmo salário. 

Tinha ojeriza a telefone. Quando o trem tocava, ela queria estar longe. Era só reclamação.

Recordou-se de quando sem querer e com a cabeça nos seus problemas domésticos (é, empregada também tem problemas de natureza familiar], ela queimou uma blusa da Camila, Foi um choro da menina o dia inteiro, além da ameaça de ser despedida e ter descontada do seu salário a tal blusa, pelo preço atribuído pela patroa, que até hoje ela duvida que tenha sido tão alto.

E quando vêm os parentes do interior, principalmente nas férias daquele sobrinho sapeca e se hospedam, ficando tudo por conta dela e ninguém se lembra quando vai embora de lhe dar os trocos que quando chegaram prometeram? Só Deus mesmo.

E foi com tudo isso na cabeça e num dia que o patrão chegou meio de fogo e vomitando pela casa toda, que ela aproveitou o embalo e deixou o tal Michael fazer sujeira no tapete à vontade. 

Chegou no quarto da patroa, bem às sete horas (ela não gosta de acordar antes das nove), bateu com vontade na porta e num sorriso cínico (divertia-se com o desespero da dona Adélia), apontou-lhe a sujeira em que se encontrava a casa, dizendo-lhe que marcasse o dia para o acerto das contas, porque ela estava indo embora. 

Fez de conta que não escutava o pedido de paciência e lembrou-lhe que já estava quase na hora de dar a comida do Lulu que já começava a uivar de fome lá fora. 

Saiu rebolando e batendo a porta com a vontade que sempre teve de bater.

Fonte: Laé de Souza. Acredite se quiser. SP: Ecoarte, 2000. Enviado pelo autor.

Vereda da Poesia = 35 =

 


Trova Humorística de de Maringá/PR


ELIANA PALMA

Corpo mole, mal antigo,
não é dengue nem catiça*...
O seu mal, meu velho amigo,
é excesso de preguiça.
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* Catiça = mau olhado.
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Poema de Maringá/PR

JORGE FREGADOLLI

João-de-barro, engenheiro da floresta

Feliz é o joão-de-barro,
constrói em qualquer lugar.
Ninguém, pois, lhe tira o sarro,
não lhe vai incomodar!

João-de-barro é engenheiro,
doutor pela natureza.
Porém, trabalha o ano inteiro…
sua casa, que beleza!

Um passarinho de nada
faz as casas em paineira.
Não tem diploma, que nada,
neste palco ele gorjeia!

João-de-barro, inteligente,
nem estudou – quem diria!
É arquiteto, docente,
um mestre em engenharia!

Não tem medo, se o tivesse,
não faria belo ninho.
Deus, ouvindo sua prece…
joão-de-barro, passarinho!
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Aldravia de Juiz de Fora/MG

CECY BARBOSA CAMPOS

estrelas
choram
lágrimas
prateadas
lamentando
ausências
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ 

RITA MOUTINHO

Soneto da clareação do breu

Anos a fio, busco os ancestrais
desta angústia que sinto — precisão
de entender os contornos de entes duais
que se amam no ar e não no esteio-chão.

Interno-me no breu. Não saturnais,
temos, porém, orgíaca união
quando nos encontramos nos beirais
das palavras melífluas da emoção.

Preciso saber se fui real amada,
se se aplicam os vernáculos "amante"
e "amor" na nossa história. A alma apurada

exige este radar na madrugada.
Depois de anos, — serena concludente —
posso dizer que somos mago e fada!
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Trova Premiada em Pouso Alegre/MG, 2004

A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

São maridos mais leais
os de agora... quem diria?...
- É que manter “filiais”
sai muito caro hoje em dia!
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Poema de Maringá/PR

JOSÉ USAN TORRES BRANDÃO

O médico

Entre quatro paredes, seu mundo restrito
De grandes emoções, suas horas, dia-a-dia
Aliviar a dor, salvar vidas, está escrito
Sua missão, um sacerdócio sem hipocrisia.

Marcas do tempo, cedo batem à sua porta
Esclerose, enfarte, cansaço, depressão
Seu lar, que não é seu ninho, teme sua sorte
Médico, imagem tão mudada neste mundo cão.

Já não se fala dele como ser superior
Hoje, nome desgastado, luta pra viver
Como qualquer ser, anônimo, sem valor
Num mundo de mercado em que mais vale ter.

Médico, operário de Deus, salvando vidas
Também chora, também ama e também sonha
Na sua labuta com alma e corpo, suas feridas
Leva uma existência bem tristonha.

Não é sem luta que ele ganha fama
Nem é na flor que ele vê espinho
Num pedestal também joga-se lama
Médico, não ligues, segue o teu caminho.
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Quadra Popular de S. Domingos de Rana/Portugal

JOÃO BAPTISTA COELHO

Foi por não ter ido à escola
com a atenção que é devida,
que ando, hoje, a pedir esmola
na outra escola : a da Vida.
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

MANUEL BANDEIRA
(Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho)
Recife/PE, 1886 – 1968, Rio de Janeiro/RJ

Inscrição

    Aqui, sob esta pedra, onde o orvalho roreja,
    Repousa, embalsamado em óleos vegetais,
    O alvo corpo de quem, como uma ave que adeja,
    Dançava descuidosa, e hoje não dança mais...

    Quem não a viu é bem provável que não veja
    Outro conjunto igual de partes naturais.
    Os véus tinham-lhe ciúme. Outras, tinham-lhe inveja.
    E ao fitá-la os varões tinham pasmos sensuais.

    A morte a surpreendeu um dia que sonhava.
    Ao pôr do sol, desceu entre sombras fiéis
    À terra, sobre a qual tão de leve pesava...

    Eram as suas mãos mais lindas sem anéis...
    Tinha os olhos azuis... Era loura e dançava...
    Seu destino foi curto e bom... — Não a choreis.
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Trova de Maringá/PR

OLGA AGULHON

Quanto sonho não vivido
do jeito que foi sonhado!
Mas tudo tem mais sentido
quando, enfim, é conquistado.
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Poema de Santos/SP

CAROLINA RAMOS

A grande mestra

 Não temas que o Destino te atraiçoe
 pondo pedras demais no teu caminho.
 Usa as pedras que acaso ele te doe,
 e, ao construir, não estarás sozinho!

 Se Deus te deu a luz da inteligência
 e o poder de ir e vir em liberdade,
 tens o solo, a semente e, com paciência,
 um dia hás de colher felicidade!

 Não creias, por temor e covardia,
 que só o Destino teu porvir decida!
 – Destino tu constróis, a cada dia!
 E a Grã Mestra da Obra é a própria Vida!
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Haicai de Curitiba/PR

MÁRIO ZAMATARO

Escrevi na terra
 o mesmo que li nas nuvens…
 O vento espalhou!
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Sextilha de São Simão/SP

THALMA TAVARES

Que o meu canto converta todo pranto
na mais viva certeza de bonança
no semblante do irmão desesperado
e nos olhos ansiosos da criança.
De outro modo meu canto faz-se estéril,
sem os sons que dão vida e esperança.
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Trova de Maringá/PR

JEANETTE DE CNOP

Enorme sabedoria
vem nesta simples lição:
doar afeto e alegria,
pra burlar a solidão.
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Glosa de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

MOTE: 
As minhas mãos calejadas 
plantam sementes de amor,
que nascem e são cuidadas 
e se transformam em flor! 
Arlene Lima 
Maringá/PR

GLOSA:
As minhas mãos calejadas 
na semeadura do Amor 
serão sempre abençoadas 
pelo Sumo Lavrador! 

Todos que no seu canteiro 
plantam sementes de Amor 
colherão, o ano inteiro, 
os frutos do seu labor! 

Quando fizeres lavradas 
planta sementes de Amor, 
que nascem e são cuidadas 
pelas mãos do Criador! 

As sementes mais assentes 
são as sementes de Amor; 
formam rebentos latentes 
e se transformam em flor!
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Aldravia de Dores do Rio Preto/ES

CIMAR PINHEIRO

saudade
estrada
comprida
distância
desencontros
esperança
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Rondel** de Novo Hamburgo/RS

DENISE SERVEGNINI

Arrependimento

Chama intensa de amor que ainda arde
Num coração sem respostas finitas
Bate, descomposto, fazendo alarde
Nas tormentosas nuvens que habitas

Tu não sabes das alegrias benditas
Nem queres entender, esta verdade:
Chama intensa de amor que ainda arde
Num coração sem respostas finitas

Para teres tanta dor, fui covarde
Que te fiz? Foram ações malditas?
Abandonei-te! Querida, será tarde?
Teu jeito mulher, em mim, incitas
Chama intensa de amor que ainda arde.
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Trova Premiada  em Nova Friburgo/RJ, 2005

DILVA MARIA DE MORAES 
Rio de Janeiro/RJ

Preenchi a tua vida:
fui musa, amante, modelo.
Mas, hoje, a minha partida…
resiste a qualquer apelo!
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Poema de Maringá/PR

JAIME VIEIRA

Quem me dera

este azul do céu
ainda me envolve,
este sol tecendo
a tarde me comove.

outra noite lá fora,
quem me dera
devolver estrelas
à escuridão do agora!
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Triverso de Londrina/PR

DOMINGOS PELLEGRINI

Tem visita que nem senta
tem visita que acampa
visita que seca avenca
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Spina de São Paulo/SP

RONNALDO DE ANDRADE

Paixão desvairada

Perdido nesse seu
encanto de gueixa
eu ando cantando.

O tempo vai passando, passando,
qual aqueles ponteiros de relógio:
um mais devagar, quase parando,
o outro prosseguindo com rapidez,
parece uma roda: girando, girando!
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Trova de São Jerônimo da Serra/PR

DÉSPINA ATHANÁSIO PERUSSO 

Belo e vetusto pinheiro!
Tão alto... é grande a distância...
foi meu leal companheiro
nos doces anos da infância...
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Dobradinha Poética* de Bandeirantes/PR

LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI

Resgate

Sem te esquecer, este amor,
num desvario sem fim,
quer atrair teu calor
para bem junto de mim…

Ah! Deste amor quero espalhar mil rastros
reverdecidos, por todo este chão…
Irrefreável, tendo em mira os astros,
voarei confiante em pertinaz paixão!

Ah! Neste amor implantarei meus lastros,
ladeá-lo-ei com vigas da emoção;
da justa posse empilharei cadastros
onde discorro, dele, a apropriação…

Com perspicácia em mim prosseguirá,
a sua luz, no espaço espargirá,
no meu transcurso à celestial morada…

Habilidoso, irá juntando aos passos
ode infinita, que atrairá teus braços:
– tua serei… a eterna namorada!…
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* Dobradinha poética = trova e soneto
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Poetrix de Porto Alegre/RS

ISIARA CARUSO

queimada

na mata o fogo corre 
a floresta extingue
a terra morre.
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

OLAVO BILAC
(Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac)
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Música Brasileira

Tens, às vezes, o fogo soberano
Do amor: encerras na cadência, acesa
Em requebros e encantos de impureza,
Todo o feitiço do pecado humano.

Mas, sobre essa volúpia, erra a tristeza
Dos desertos, das matas e do oceano:
Bárbara poracé*, banzo africano,
E soluços de trova portuguesa.

És samba e jongo, xiba e fado, cujos
Acordes são desejos e orfandades
De selvagens, cativos e marujos:

E em nostalgias e paixões consistes,
Lasciva dor, beijo de três saudades,
Flor amorosa de três raças tristes.
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* Poracé = arrasta-pé, baile
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Trova de Maringá/PR

NILSA ALVES DE MELO

Se alguém vires paradão,
não vás fazendo premissa.
- Anemia, amarelão,
se confundem com preguiça.
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Poema de Maringá/PR

ANTONIO MÁRIO MANICARDI

Tormento da Noite

Quantas noites
eu passo acordado
com os olhos fechados
e o sono não vem!…
Nesta horas
que a tristeza invade
eu sinto saudade
do meu querido bem.

Tormento da noite
me deixa nervoso
meu ser amoroso
me maltrata assim!…
Se acaso adormeço
o sono é um lampejo
eu sinto que A vejo
bem junto de mim.

Estribilho:
Vem, vem querida
nestas noites tristonhas que eu passo
vem em sonho trazer-me guarida
vem em sonho dormir nos meus braços.

Eu falo com ela
nos sonhos que faço
aperto-a em meus braços
com tanta emoção
se acordo de novo
com tristeza a chamo
a mulher que amo
não esqueço não.
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** O Rondel é um gênero de poesia francesa. Sua forma é sempre a mesma, não varia nunca. É formado por duas estrofes de quatro versos e uma de cinco versos, nesta mesma ordem. Pela maneira que é estruturado, o Rondel irá sempre ter apenas duas rimas. As rimas são: ABAB/BAAB/ABAB.

Tem uma peculiaridade que é o seguinte: os dois primeiros versos da primeira quadra vão ser os dois últimos versos da segunda quadra.

Temos que cuidar ainda, que o primeiro verso da primeira quadra será o último verso do poema (da estrofe de cinco versos).

A preferência do versos é de sete ou oito sílabas poética(não é rígido).
(Fonte: Dicionário InFormal http://www.dicionarioinformal.com.br/rondel/)

Recordando Velhas Canções (Andança)


Compositores: Edmundo Souto / Danilo Caymmi / Paulinho Tapajós

Vim, tanta areia andei
Da Lua cheia, eu sei
Uma saudade imensa

Vagando em verso, eu vim
Vestido de cetim
Na mão direita, rosas
Vou levar

Olha a Lua mansa a se derramar (me leva, amor)
Ao luar descansa, meu caminhar (amor)
Meu olhar em festa se fez feliz (me leva, amor)
Lembrando a seresta que um dia eu fiz
(Por onde for, quero ser seu par)

Já me fiz a guerra por não saber (me leva, amor)
Que esta terra encerra meu bem-querer (amor)
E jamais termina meu caminhar (me leva, amor)
Só o amor me ensina onde vou chegar
(Por onde for, quero ser seu par)

Rodei de roda, andei
Dança da moda, eu sei
Cansei de ser sozinha

Verso encantado, usei
Meu namorado é rei
Nas lendas do caminho
Onde andei

No passo da estrada, só faço andar (me leva, amor)
Tenho meu amor pra me acompanhar (amor)
Vim de longe léguas, cantando, eu vim (me leva, amor)
Vou, não faço tréguas, sou mesmo assim
(Por onde, for quero ser seu par)

Já me fiz a guerra por não saber (me leva, amor)
Que esta terra encerra meu bem-querer (amor)
E jamais termina meu caminhar (me leva, amor)
Só o amor me ensina onde vou chegar
(Por onde for, quero ser seu par)

(Me leva, amor)
(Amor)
(Me leva, amor)
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Andança: Uma Ode à Jornada do Amor e da Vida
A música 'Andança', interpretada pela icônica sambista Beth Carvalho, é uma verdadeira celebração da jornada da vida e do amor. Com uma melodia que embala o ouvinte nas cadências do samba, a letra fala sobre a caminhada de uma pessoa que, mesmo tendo percorrido longos caminhos e vivido intensas experiências, ainda tem muito a descobrir e a sentir. A areia que foi andada e a Lua cheia são metáforas para as fases e ciclos que todos enfrentamos, marcados por saudades e memórias.

A repetição do pedido 'me leva, amor' sugere a busca por companhia e parceria, alguém que acompanhe o eu-lírico nessa andança pela vida. A seresta mencionada remete à tradição da música romântica brasileira, evocando um sentimento de nostalgia e alegria. A guerra mencionada pode ser interpretada como as lutas internas e externas que enfrentamos, e o reconhecimento de que o amor é o guia que nos mostra o caminho a seguir. A música, portanto, fala sobre a importância do amor como bússola para a jornada da vida, e como ele nos ensina e nos transforma.

Beth Carvalho, conhecida como a 'Madrinha do Samba', foi uma artista que dedicou sua vida à música e à cultura brasileira. 'Andança' é uma das canções que marcaram sua carreira, e sua interpretação carrega a emoção e a autenticidade características de sua arte. A canção é um convite para que o ouvinte reflita sobre sua própria jornada, as escolhas feitas e o desejo de não caminhar sozinho, mas sim acompanhado pelo amor, seja ele romântico ou fraterno, que nos move e dá sentido à nossa existência.