sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Vereda da Poesia = 146 =


Soneto de
LUIZ POETA
Rio de Janeiro/RJ

Quando chega o tempo

Chega um tempo em que a tristeza só se cura
Com a ternura que ainda habita um coração,
Porque a alma não suporta a amargura
Que perfura a pele dura da razão.

Chega um tempo em que só há uma solução:
Esquecer ou conviver com a dor sentida,
Porque a vida não carece da emoção
De sentir a solidão da própria vida.

Chega o tempo em que qualquer gota de pranto,
Já cansada de traçar o mesmo rumo,
se acomoda em qualquer riso e perde o prumo,

Todavia, basta apenas um encanto,
Que o sonho se esgueira devagar
E alegra a solidão do nosso olhar.
= = = = = = 

Trova de
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

Não se sinta superior
por suas duras vitórias…
Quem lhe parece inferior
já teve dias de glórias.
= = = = = = 

Poema de
APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA
Vila Velha/ES

Indesejada

Tarde da noite, 
alguém bateu 
à minha porta
com vontade, 
quase a ponto de derrubá-la 

Ao abri-la,
Era a Saudade
do seu adeus... 
E agora – me pergunto:
“como fico eu?!”
= = = = = = 

Trova Premiada em Irati/PR, 2024
DULCÍDIO DE BARROS MOREIRA SOBRINHO 
Juiz de Fora/MG

O botão é um fofoqueiro
porque, na casa onde mora,
ele passa o dia inteiro
com a cabeça pra fora.
= = = = = = 

Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Batom de cereja

Aconchegam-se
À xícara branca
Os contornos
Dos nossos lábios -
Sobrepostos,
No gosto do meu batom
Cor e aroma de cereja,
Tonalizando, a saudade
Em mais um inesquecível
Fim de tarde impresso
Na suavidade da porcelana
Mesclada ao toque
Inesquecível do teu beijo...

Quando os relógios derretem
O Amor tem todo o tempo do mundo...
= = = = = = 

Fábula em Versos
adaptada dos Contos e Lendas da África
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

O Pássaro e a Rainha

Em um reino distante, a rainha tão bela,
tinha um pássaro mágico, de voz singela.
Mas um dia, o pássaro, triste, cantou,
“Estou preso em um feitiço, que me aprisionou.”
A rainha, decidida, partiu na procura,
De um sábio ancião, que a resposta se configura.

Após muitos desafios, encontrou o velho:
“Para libertá-lo, deve quebrar o espelho.”
A rainha, corajosa, enfrentou o temor,
e ao quebrar o espelho, trouxe a liberdade e amor.
O pássaro voou, com alegria e gratidão,
e a rainha sorriu, sentindo a emoção.

A coragem e o amor podem libertar,
os laços do medo, podemos quebrar.
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Trova Popular

Tu te queixas, eu me queixo...
Qual de nós tem razão?
Tu te queixas do meu zelo;
eu, da tua ingratidão.
= = = = = = 

Soneto de
JERSON BRITO
Porto Velho/RO

Náufrago

Singrei diversas rotas solitário, errante,
Ao longe, eu percebi um elixir olente.
Imerso na magia desse fausto instante,
No mar dos teus encantos naufraguei, contente.

Tu foste desenhada com sem par requinte,
Sereia dos meus sonhos, da beleza és fonte.
Eu peço que concedas, se não for acinte,
Um beijo carinhoso aqui na minha fronte.

Não quero mais remar... Minh'alma vejo plena,
Carente de motivos... Tenho a ti, menina,
Domaste os furacões, vieste a mim serena,

Dos teus lábios formosos a doçura emana.
Tomara Deus que sejam minha eterna sina,
De todo o meu pensar, amor, és soberana.
= = = = = = 

Trova Humorística de
NEIDE ROCHA PORTUGAL 
Bandeirantes/PR

- A fechadura enguiçou!
Grita o bêbado na rua;
quando um vizinho o alertou:
- Esta casa não é sua!... 
= = = = = = 

Poema de
ARY DOS SANTOS 
Lisboa/Portugal, 1937 – 1984

Na Mesa do Santo Ofício 

Tu lhes dirás, meu amor, que nós não existimos.
Que nascemos da noite, das árvores, das nuvens.
Que viemos, amámos, pecámos e partimos
Como a água das chuvas.

Tu lhes dirás, meu amor, que ambos nos sorrimos
Do que dizem e pensam
E que a nossa aventura,
É no vento que passa que a ouvimos,
É no nosso silêncio que perdura.

Tu lhes dirás, meu amor, que nós não falaremos
E que enterrámos vivo o fogo que nos queima.
Tu lhes dirás, meu amor, se for preciso,
Que nos espreguiçaremos na fogueira.
= = = = = = 

Trova de
BENEDITA SILVA DE AZEVEDO
Magé/RJ

Não pense que todo amigo,
pode ser um confidente,
às vezes fala contigo
e te entrega logo à frente.
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Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Irmã do coração

Humilde, sorridente, prestimosa,
alegre, bem disposta, divertida;
no mais, profundamente religiosa,
foi sempre assim a nossa Aparecida.

Gostava de uma estória bem jocosa
e, muito, de anedota comedida;
mas, nunca (criatura respeitosa),
faltou pureza em toda a sua vida!

Deu sempre a todos nós sua existência,
sem interesse algum, por puro amor,
afeto que doava sem medir.

E quando Deus chamou-a, por clemência
deixou-nos por herança e ao meu dispor,
o exemplo da alegria de servir!
= = = = = = 

Trova do
Príncipe dos Trovadores
LUIZ OTÁVIO
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1977, Santos/SP

Bondade!... Bem pouca gente
quer imitar as raízes,
que luta, secretamente,
fazendo as rosas felizes!
= = = = = = 

Soneto de
FLORBELA ESPANCA 
Vila Viçosa, 1894 – 1930, Matosinhos

Mentiras

Tu julgas que eu não sei que tu me mentes
Quando o teu doce olhar pousa no meu?
Pois julgas que eu não sei o que tu sentes?
Qual a imagem que alberga o peito teu?

Ai, se o sei, meu amor! Eu bem distingo
O bom sonho da feroz realidade…
Não palpita d’amor, um coração
Que anda vogando em ondas de saudade!

Embora mintas bem, não te acredito;
Perpassa nos teus olhos desleais,
O gelo do teu peito de granito…

Mas finjo-me enganada, meu encanto,
Que um engano feliz vale bem mais
Que um desengano que nos custa tanto!
= = = = = = 

Trova Funerária Cigana

Ó minha irmã Felisberta,
se com a nossa mãe falares,
não contes meu sofrimentos,
pra não lhe dar mais pesares.
= = = = = = 

Spina de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

Reencontro (2)

Inalas cada manhã 
tuas cores, pairas 
em vias, laboratório 

da ilusória poesia. O falatório 
das maritacas colorem o dia.
O sino dobra quase vexatório,
sem euforia. Nas frias tardes,
teu riso doura vento aleatório.
= = = = = = 

Trova de 
ZENAIDE BRAGA MARÇAL
Fortaleza/CE

Trago no peito guardada,
entre as lembranças da vida,
a silhueta gravada
da tua imagem querida!
= = = = = = 

Soneto de 
HEGEL PONTES
Juiz de Fora/MG (1932 – 2012)

Catador de papéis

Bandeirante de um tempo diferente,
Sem legenda, sem lei, sem evangelho,
Pelas selvas da vida vai, descrente,
O velho catador de papel velho.

Nele morreram todas as esperanças
E, tendo o jeito de papai-noel,
Desperta o riso alegre das crianças,
Levando às costas sonhos de papel.

Zombam de sua exótica figura,
Mas ele, indiferente à zombaria,
Faz do papel surrado que procura
O tesouro do pão de cada dia.

Nada o magoa, nada o desalenta
Nem vê que sua sombra na calçada
Vai-se tornando cada vez mais lenta…
= = = = = = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Certos tipos importantes 
parecem Marte – um deserto: 
vistos de longe, brilhantes; 
cascalho apenas, de perto!...
= = = = = = 

Soneto de
FILEMON MARTINS
São Paulo/SP

O amor II

Como a planta que nasce no quintal,
se bem  cuidada cresce e fica linda.
Também o amor que nasce natural
pode crescer, viver, florir, ainda.

É preciso, porém, que o amor normal
seja cuidado com ternura infinda.
O verdadeiro amor não tem rival,
a beleza do corpo é que se finda.

Quando o amor se revela por inteiro,
o carinho renasce e vem primeiro
ornando a vida e sobrepondo a dor.

E juntos seguem pela vida afora
vivendo intensamente a nova aurora,
iluminados  pela luz do amor.
= = = = = = 

Poetrix de
RENEU BERNI
Goiânia/GO

Ângulos

guri solta pipa
quero-quero cuida o ninho
a rua ruge
= = = = = = 

Soneto de
JOSÉ XAVIER BORGES JUNIOR
São Paulo/SP

Viver por amor

Esquece tua lúgubre procela
E faz tu próprio sempre o teu destino
Pintando na tua vida uma aquarela,
Retrato do teu sonho cristalino...

Restringe o dissabor, mantém o tino
E faz da vida doce passarela;
Afasta, se puderes o agrestino,
Corrige sempre o rumo da tua vela,

E deixa no abandono ou esquecida
A névoa que te fez tão infeliz.
Esforça-te a mostrar o teu valor,

E lembra-te que a vida só é vida
Se tu fores o teu próprio juiz
Vivendo o teu viver por puro amor…
= = = = = = 

Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/ SP

Não sobrou uma peninha!!!
E o galo "machão" despista:
- Saio pelado da rinha
quando é verão... sou nudista.
= = = = = = 

Poema de 
CHARLES BAUDELAIRE
Paris/França, 1821 – 1867

A alma do vinho

A alma do vinho assim cantava nas garrafas:
"Homem, ó deserdado amigo, eu te compus,
Nesta prisão de vidro e lacre em que me abafas,
Um cântico em que há só fraternidade e luz!

Bem sei quanto custa, na colina incendida,
De causticante sol, de suor e de labor,
Para fazer minha alma e engendrar minha vida;
Mas eu não hei de ser ingrato e corruptor,

Porque eu sinto um prazer imenso quando baixo
À goela do homem que já trabalhou demais,
E seu peito abrasante é doce tumba que acho
Mais propícia ao prazer que as adegas glaciais.

Não ouves retinir a domingueira toada
E esperanças chalrar em meu seio, febrís?
Cotovelos na mesa e manga arregaçada,
Tu me hás de bendizer e tu serás feliz:

Hei de acender-te o olhar da esposa embevecida;
A teu filho farei voltar a força e a cor
E serei para tão tenro atleta da vida
Como o óleo que os tendões enrija ao lutador.

Sobre ti tombarei, vegetal ambrosia,
Grão precioso que lança o eterno Semeador,
Para que enfim do nosso amor nasça a poesia
Que até Deus subirá como uma rara flor!"
= = = = = = 

Trova Humorística de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP

Volta o filho… anos incertos!
E a mãe, que apenas sorria,
já tinha os braços abertos,
desde quando ele partiu!
= = = = = = 

Hino de 
Aperibé/RJ

Entre matas, entre serras, entre rios,
Despertando o progresso, a ferrovia,
Num esplêndido esmero desafio,
Denominava-se Chave do Faria.

À esquerda, ás margens do rio Paraíba,
E lindas serras Bolívia e Facões,
Mais próximo, á direita o rio Pomba,
Tranquilo mas rebelde nos verões.

A natureza com tuas riquezas,
O homem com bravura, força e fé,
Construíram com orgulho e pureza
A nossa amada terra Aperibé.

Onde índios viveram no passado,
Aperibé outrora Pito Aceso,
Território rico, fértil, disputado,
Libertado pelo teu povo coeso.

Povo de brio, forte, guerreiro,
Emancipando conquistou a liberdade,
Aperibé te amamos tu és
Sempre nossa adorada cidade.
= = = = = = 

Trova de
CORNÉLIO PIRES 
Tietê/SP, 1884 – 1958, São Paulo/SP

Ante a Lei de Causa e Efeito
que nos libera ou detém,
há muito bem que faz mal,
muito mal produz o bem.
= = = = = = 

Soneto de 
FRANCISCA JÚLIA
(Francisca Júlia da Silva Munster)
Eldorado/SP (antiga Xiririca) 1874 –  1920, São Paulo/SP

Os argonautas

Mar fora, ei-los que vão, cheios de ardor insano;
Os astros e o luar — amigas sentinelas —
Lançam bênçãos de cima às largas caravelas
Que rasgam fortemente a vastidão do oceano.

Ei-los que vão buscar noutras paragens belas
Infindos cabedais de algum tesouro arcano...
E o vento austral que passa, em cóleras, ufano,
Faz palpitar o bojo às retesadas velas.

Novos céus querem ver, miríficas belezas,
Querem também possuir tesouros e riquezas
Como essas naus, que têm galhardetes e mastros...

Ateiam-lhes a febre essas minas supostas...
E, olhos fitos no vácuo, imploram, de mãos postas,
A áurea bênção dos céus e a proteção dos astros...
= = = = = = 

Trova Premiada de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Nossas almas parecidas,
nossos sonhos se irmanando,
eu e tu, vidas vividas,
tarde demais se encontrando.
= = = = = = 

Recordando Velhas Canções

Castigo 
(samba-canção, 1958) 

A gente briga, 
diz tanta coisa que não quer dizer
Briga pensando que não vai sofrer
Que não faz mal se tudo terminar

Um belo dia 
a gente entende que ficou sozinha
Vem a vontade de chorar baixinho
Vem o desejo triste de voltar

Você se lembra, 
foi isso mesmo que se deu comigo
Eu tive orgulho e tenho por castigo
A vida inteira pra me arrepender

Se eu soubesse
Naquele dia o que sei agora
Eu não seria esse ser que chora
Eu não teria perdido você

Se eu soubesse
Naquele dia o que sei agora
Eu não seria essa mulher que chora
Eu não teria perdido você
= = = = = = = = = = = = = 

Arthur Thomaz (Medeia, a Bruxa no Brasil)

Um choro chama a atenção dos transeuntes, mas todos passam indiferentes, cada qual com seus problemas.

Sentada à beira da calçada em prantos, vejo uma pessoa que reconheço dos livros de mitologia grega .

Sento-me ao lado dela e quando a chamo pelo nome, Medeia, a bruxa, acalma-se ao se ver reconhecida.

Esboçou um sorriso molhado de lágrimas, mas que a mim pareceu extremamente encantador.

Indaguei o motivo de tão sentido choro e ela, então, sentindo confiança desabafou. Ela tinha um emprego árduo, sem direito a férias, sem insalubridade e sem plano de saúde. Trabalhava oito horas por dia e o descanso aos domingos não era remunerado.

Sujeitava-se a essas condições porque tinha duas irmãs menores que dependiam dela. Juntou algum dinheiro, deixou as duas bruxinhas com uma tia, pediu demissão e veio tentar a sorte no Brasil porque ouvira dizer que, aqui, o povo fazia mágica para se sustentar.

Nesse momento, tentei mostrar a ela que não era o mesmo tipo de magia que ela praticava.

Continuou afirmando que fizera um voo em sua vassoura, quase sem escalas, tremendamente cansativo. Saíra de lá com temperatura muito baixa e aqui encontrara o verão carioca. Após aterrissar, deparou-se com um gari que tomou sua vassoura e saiu sambando. 

A vassoura não se inibiu e ensaiou alguns passos. Tive que correr para pegá-la de volta, pois já estavam indo para o sambódromo.

Depois desse incidente estava passeando a pé, quando uma moça, com uniforme de faxineira, tomou a vassoura dizendo que ela iria ajudar no serviço.

Perguntei se ela não estava reparando que eu era uma bruxa. Ela, com um sorriso malicioso disse que eu era uma gracinha e me convidou para subir ao apartamento porque a patroa só chegaria à noite e poderíamos usar a cama do casal. Consegui retomar minha vassoura e saí voando antes que ela me beijasse. 

Entendi os motivos do choro e tentei explicar a ela que nem tudo por aqui era assim.

Saímos passeando pela orla, quando dois pivetes, em uma moto, anunciaram o assalto.

Não deu certo para eles porque a vassoura irritada deu-lhes uma tremenda surra.

Então eu disse que segundo Eurípides o seu "biógrafo" ela possuía poderes maléficos suficientes para resolver os contratempos que tivera desde sua chegada.

Com sonora gargalhada respondeu que todos os escritores são exagerados e completou dizendo que, se tivesse agido dessa forma e alguém filmasse as cenas, ela jamais conseguiria emprego aqui no Brasil.

Fui obrigado a concordar e passamos a falar desse assunto, pensando em quais seriam as possibilidades de arrumar um serviço aqui .

Ela disse que tinha aptidão para culinária, mas ao me lembrar do que fez nos caldeirões, logo afastei esta opção. Como babá também não seria conveniente devido aos antecedentes.

Nisso passou pelas areias um ambulante vendendo biscoito Globo e mate gelado. 

Nos entreolhamos e, imediatamente, surgiu a solução.

Hoje, Medeia percorre as praias da zona sul, em trajes de bruxa, vendendo pequenas vassouras, bradando que eram para manter nossas praias limpas. Rapidamente, tornou-se um sucesso de vendas.

Trouxe as duas irmãs para ajudá-la e abriu uma empresa, "Medeia Ltda", recolhe impostos regularmente, adquiriu a cidadania brasileira e terá sua aposentadoria pelo INSS garantida.

Fonte: Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: mirabolantes. Santos/SP: Bueno ed., 2021. E-book enviado pelo autor

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Carolina Ramos (Trovando) “28”

 

José Feldman (Pafúncio na Exposição de Quadros)

Era uma noite elegante e sofisticada no renomado Museu de Arte Moderna, onde uma exposição de quadros de artistas contemporâneos estava prestes a ser inaugurada. Pafúncio, o jornalista da revista “Fuxicos & Fofocas”, foi enviado para cobrir o evento e, claro, trazer algumas fofocas quentinhas sobre a alta sociedade local.

Vestido com um terno que parecia ter sido emprestado de um filme dos anos 80 e uma gravata estampada com desenhos de patos, Pafúncio entrou no museu com um sorriso radiante, mal sabendo que a noite se tornaria um verdadeiro desfile de trapalhadas.

Assim que chegou, Pafúncio observou as pessoas da alta sociedade conversando em pequenos grupos, todas vestidas com roupas de grife e segurando taças de champanhe. Ele, por outro lado, parecia um pato fora d’água. 

“Aqui estou eu, pronto para fazer história!” ele pensou, enquanto caminhava em direção ao coquetel.

Ao se aproximar da mesa do coquetel, Pafúncio viu uma bandeja cheia de canapés e, sem pensar duas vezes, pegou um punhado deles. 

“Deliciosos! Vou dar uma entrevista sobre eles!” ele exclamou, enquanto começava a mastigar e a falar com um grupo de convidados.

“Desculpe, você é…?” uma mulher bem-vestida perguntou, olhando para ele com uma expressão de confusão.

“Sou Pafúncio, da revista “Fuxico & Fofocas”! Estou aqui para cobrir a noite e descobrir os segredos da alta sociedade!” ele respondeu, com um pedaço de canapé preso entre os dentes.

Pafúncio decidiu que era hora de tirar algumas fotos. Ao tentar ajustar a câmera, ele acidentalmente esbarrou na mesa, fazendo com que uma taça de champanhe voasse pelo ar e aterrissasse bem em cima do vestido da mulher que acabara de entrevistá-lo. 

“Ai!” ela gritou, enquanto todos ao redor se viravam para olhar.

“Desculpe! Era para ser uma homenagem ao seu vestido!” Pafúncio disse, tentando se desculpar, mas as pessoas apenas o encararam, perplexas.

Determinado a se recuperar, Pafúncio começou a se mover em direção aos quadros. Ele parou em frente a uma obra de arte abstrata e começou a explicar para uma pequena multidão o que achava que era a mensagem do quadro. 

“Eu vejo aqui um grito pela liberdade, uma luta contra a opressão dos… das azeitonas!” ele comentou, fazendo referência a um prato que ainda estava na sua mente.

As pessoas começaram a cochichar entre si, claramente divididas entre o riso e a perplexidade. 

“Quem é esse?” alguém murmurou.

Enquanto tentava tirar uma selfie com a pintura ao fundo, Pafúncio, em sua animação, deu um passo para trás e, sem querer, esbarrou na mesa de bebidas. A bandeja, cheia de copos, fez um movimento pendular e se despedaçou no chão, com um barulho estrondoso que fez todos os convidados se virarem, boquiabertos.

“Meu Deus!” gritou um dos organizadores, enquanto Pafúncio tentava ajudar a limpar a bagunça, mas acabou escorregando no líquido derramado e caindo de joelhos. 

“Estou apenas testando a resistência do chão!” ele gritou, enquanto se levantava, agora com as calças molhadas.

Finalmente, chegou a hora do discurso do curador da exposição. Pafúncio, pensando que poderia ajudar a animar o ambiente, decidiu se posicionar perto do microfone. 

“Eu tenho algo a dizer!” ele interrompeu, mas o curador já estava no palco.

“Por favor, não…” o curador murmurou, já prevendo o desastre.

Pafúncio puxou o microfone com tanto ímpeto que ele se soltou e fez um ruído ensurdecedor, causando um alvoroço. 

“Desculpe, só queria dizer que a arte é como um… um sapato apertado! Às vezes, você só precisa tirar para se sentir livre!” ele gritou, enquanto as pessoas cobriam os ouvidos.

A essa altura, a situação era tão cômica quanto caótica. Os convidados começaram a olhar para Pafúncio com uma mistura de medo e diversão. O que ele faria a seguir? Uma mulher de um grupo próximo murmurou: “Espero que ele não derrube mais nada!”

E foi então que, ao tentar fazer uma pose engraçada para uma foto, Pafúncio decidiu subir em uma cadeira para ser mais visível. No entanto, a cadeira não aguentou o peso e se quebrou, fazendo com que ele caísse novamente, agora em uma pilha de casacos que estavam pendurados em um cabideiro.

No final da noite, enquanto todos estavam atordoados, Pafúncio, ainda tentando se recompor, levantou-se e olhou para a multidão. 

Os convidados começaram a se dispersar, alguns ainda rindo, outros balançando a cabeça em incredulidade. “Quem era aquele?” alguém perguntou, enquanto Pafúncio se despedia, feliz e satisfeito por ter, de alguma forma, conseguido alguma coisa naquela noite.

Enquanto saía, ele pensou: “Talvez eu devesse fazer mais reportagens em eventos da alta sociedade.” 

E assim, com sua personalidade peculiar, Pafúncio deixou sua marca — e um pouco de caos — na noite que deveria ser de arte e sofisticação.

Fonte: José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.

Vereda da Poesia = 145 =


Soneto de
LUIZ POETA
Rio de Janeiro/RJ

Caricaturarte

Perdoa, amigo, mas... enquanto eu me voltava
para os encantos que movem a poesia,
não reparei o teu olhar que captava
alguns detalhes da minha fisionomia:

Nariz adunco, riso sério... um violão,
olhos puxados, uma boina italiana,
camisa simples, velha barba... um bigodão...
Como Camões, fui muito além da Taprobana.

Fiquei, confesso, tão feliz, pus na moldura
A tua arte espontânea, amiga e pura,
Para que todos possam ver que a amizade

Pode mostrar, numa bela caricatura,
O quanto a vida que às vezes é tão dura,
Faz da ternura, a luz da fraternidade.
= = = = = = 

Trova de
RENATO FRATA
Paranavaí/PR

Corra em busca do carinho
bem de mansinho, eu lhe rogo
venha bem devagarzinho
que esta vida passa logo.
= = = = = = 
Poema de
APARECIDO RAIMUNDO DE SOUZA
Vila Velha/ES

Fugaz

Em meu sonho 
vi você passeando
pelos caminhos
do meu coração. 

Nossos olhos,
num repente, 
se cruzaram 
em louca contemplação.

Pensei comigo: 
“Ela vai voltar”
e todo “meu eu” se engalanou... 
por um instante apenas... que triste decepção!

Havia, ao lado, um outro recipiente
Igualmente com flores enfeitando
Pequenas almas em animada festa
Numa alegria pra lá de incandescente.

O meu desespero... chorou...
Derramou lágrimas da mais pura felicidade 
Esse momento, confesso, eu amei.
Mas, para meu espanto, em seguida, acordei!
= = = = = = 

Trova Premiada de
ALBA CHRISTINA CAMPOS NETTO
São Paulo/SP

Nossa história inacabada
acabou sem começar…
é uma página virada
que eu tento em vão resgatar.
= = = = = = 

Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Amor único

Amor do passado,
Do presente
Que dobra as falas do tempo
Em um origami,
Inebria-me,
Semeando em mim teu néctar
Em gotas de vento
E, com tuas cores despenteia
Meu cabelos...
Um amor único
Que enquanto
Acaricia minhas mãos
Beija-me com a doçura
Do teu sorriso...
Um amor único
Imensurável
Intenso e misterioso
Permanece
Na quietude
E, na troca de carinhos -
Centelha que inunda
A fonte dos desejos
Do amor que se fez,
Intensamente,
Belo e inesquecível...
= = = = = = 

Fábula em Versos
adaptada dos Contos e Lendas da África
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

A Fada do Rio

No vale encantado, onde o rio dançava,
vivia uma fada, cuja luz brilhava.
Ela cuidava das águas, com amor e carinho,
protetora dos peixes, do sapo e do passarinho.
Mas um dia, a poluição ameaçou,
e a fada, aflita, um plano traçou:

Reuniu as crianças, com corações valentes,
“Vamos limpar o rio, seremos persistentes!”
Com mãos unidas, e sorrisos brilhantes,
transformaram o rio, em águas vibrantes.
A fada sorriu, seu coração agradeceu,
o rio reviveu, e a magia renasceu.

Juntos, podemos curar a natureza ferida,
o amor e a ação trazem vida à vida.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Popular

Quem  tiver filhos pequenos
por força há de cantar:
quantas vezes as mães cantam
com vontade de chorar.
= = = = = = 

Soneto de
JERSON BRITO
Porto Velho/RO

Versos dolentes

Voragem tenebrosa que me abraça
Suplico a ti meu breve livramento
Dos tragos espinhosos dessa taça
Já farto quero o fim do sofrimento

Navalha do amargor que me traspassa
E vive a propagar abatimento
A lâmina que inflige tal desgraça
Retires deste peito... Eis meu lamento

Em frias madrugadas, vago aos prantos
Momentos a lembrar, tantos e tantos
Estampa-se em minh'alma uma ferida

Cingido pel'angústia sem remédio
Sou vítima indefesa desse assédio
Amor, como a saudade é dolorida...
= = = = = = 

Trova de
YEDDA RAMOS PATRÍCIO
São Paulo/SP

A força da sedução
vem de forma tão intensa
que ela atinge o coração
sem mesmo pedir licença!...
= = = = = = 

Poema de
SAMUEL DA COSTA
Itajaí/SC

Escada para o céu

Escrevo um poema com toda a urgência
Escrevo com poesia
Sem regra e sem lógica

Preciso escrever o poema perfeito!!!
Re-produzir a vida sem regra
Re-escrever a vida
Sem crase...
Sem vírgula...
E sem ponto final

Escrever o poema perfeito
Com poética!
Milimetricamente errado
Em uma mimese
Que não imita nada

Re-produzir o vazio dentro de mim
Nas belas-letras
Sem grito
Sem sustos
E sem ponto final

Quero ver a minha poesia
Virar a página
Ganhar as ruas
Dobrar a esquina
E subir os céus
= = = = = = 

Trova de
MILTON SOUZA
Porto Alegre/RS, 1945 – 2018, Cachoeirinha/RS

Luz que ilumina a partida,       
luz que brilha nos caminhos:
os alicerces da vida
são lar e escola, juntinhos...
= = = = = = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Felicidade

“Ser rico é ser feliz...” Frase enganosa!
Pois por aí se matam opulentos,
enquanto, pobres, nós vemos aos centos
querendo vida, mesmo que impiedosa!

Felicidade é coisa caprichosa,
que vem e vai bem ao sabor dos ventos...
Jamais sossega, além de alguns momentos
em que visita... E vai-se pressurosa...

Para instigá-la dizem que a pessoa,
como fazem as flores na atração,
tem que se ornar de cores bem febris...

Se um beija-flor, em louco voa-voa,
Buscando néctar, beija um coração...
Nesse instante fará alguém feliz!
= = = = = = 

Trova do
Príncipe dos Trovadores
LUIZ OTÁVIO
Rio de Janeiro/RJ, 1916 – 1977, Santos/SP

A terra oferece à gente
o exemplo da gratidão:
trata-a bem... dá-lhe a semente...
que os frutos logo virão...
= = = = = = 

Soneto de
FLORBELA ESPANCA 
Vila Viçosa, 1894 – 1930, Matosinhos

Inconstância

Procurei o amor, que me mentiu.
Pedi à vida mais do que ela dava;
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!

Tanto clarão nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!

Passei a vida a amar e a esquecer…
Atrás do sol dum dia outro a aquecer
As brumas dos atalhos por onde ando…

E este amor que assim me vai fugindo
É igual a outro amor que vai surgindo,
Que há de partir também… nem eu sei quando!
= = = = = = 

Trova Funerária Cigana

Num ermo triste, isolado,
eu choro minha orfandade.
Pois assim deve fazer
quem tem su'alma em saudade.
= = = = = = 

Spina de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

Calmaria

Plantio de sonhos
saúdam em cores
seus ares gentis,

até as estrelas sorriem sutis.
Em arranha-céus paira o eco
seco, pêndulo de uma matiz.
As brandas nuvens são elos
poéticos de novas eras viris.
= = = = = = 

Trova Humorística de 
DIRCE DAVENIA GUAYATO
Londrina/PR

Diz um fantasma ao colega:
Hoje, a moda é dadivosa
lençol branco, como é brega,
chique mesmo é ... cor de rosa!
= = = = = = 

Soneto de 
JANSKE NIEMANN SCHLENCKER
Curitiba/PR

A alguém que partiu

Verso após verso eu me desfiz em pranto,
noite após noite sem poder dormir
e compreendi que te adorando tanto,
talvez não possa nunca mais sorrir ...

Destino atroz: matou aquele encanto
que eu procurava para me iludir.
Foi-se a ilusão; agora vejo o quanto
me é doloroso ver que vais partir!

É luz que morre em plena mocidade,
fazendo entrar as trevas da velhice ...
Meu louco amor, perdeste a eternidade!

Adeus! Não vás ... Eu morrerei por certo!
Nem quero a vida, já que vais embora
deixando a sombra da saudade perto ...
= = = = = = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Casamento é uma loucura 
para o marido hoje em dia: 
ela impõe a ditadura 
e ele nem pia, nem chia... 
= = = = = = 

Soneto de
FILEMON MARTINS
São Paulo/SP

Elogio ao amor

Neste caminho eu sigo contemplando
a Natureza exuberante e bela,
passarinhos nos ramos saltitando
entoando canções em aquarela.

Aonde quer que eu vá, eu vou cantando
a pureza do amor, pintado em tela,
que Deus o produziu, por certo amando,
para mostrar ao mundo, em passarela.

O amor? Triste de quem não tem amor,
nem sentiu nesta vida alguma dor,
nem teve uma saudade a recordar?

Pois o amor é um sublime sentimento
que ferve, vibra e invade o pensamento,
e  nos leva ao delírio para amar!
= = = = = = 

Poetrix de
AILA MAGALHÃES
Belém/PR

solitário amor

toco-me
e, em transe,
te executo
= = = = = = 

Soneto de
JOSÉ XAVIER BORGES JUNIOR
São Paulo/SP

A magia do anoitecer
 
Caía a noite na floresta imensa,
Enquanto o lago desaparecia
Na escuridão da mata triste e densa
Dizendo adeus ao dia que partia...
 
Entristecido pela indiferença
Desta floresta, que durante o dia
Ele enfeitava com sua presença,
Fitava a luz que desaparecia...
 
Tornou-se negro, opaco e triste o lago
sem um luzeiro a espelhar-lhe a face
ou uma brisa a lhe fazer afago...
 
Então Jacy surgiu em esplendor,
e com Yara, no mais puro enlace,
Iluminou o lago com amor...  
= = = = = = 

Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/ SP

Seu dono, pra castigá-lo,
— perdeu, na rinha, outra vez —
com um dos filhos do galo
fez um franguinho xadrez!
= = = = = = 

Poema de 
FERNANDO PESSOA
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935

Uma maior solidão

Uma maior solidão
Lentamente se aproxima
Do meu triste coração.

Enevoa-se-me o ser
Como um olhar a cegar,
A cegar, a escurecer.

Jazo-me sem nexo, ou fim...
Tanto nada quis de nada,
Que hoje nada o quer de mim
= = = = = = 

Trova Humorística de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP

Maracutaia na vila!
A pulga é presa em flagrante,
por vender, justo na fila,
seu lugar para o elefante!
= = = = = = 

Hino de 
Arapiraca/AL

Sob um céu de safira estrelado,
Num agreste deste imenso Brasil,
Fora um rincão pequenino fadado
A ser majestoso, soberbo e viril.

CORO
Arapiraca, Estrela radiosa,
Que fulgura sob o céu do Brasil,
Cidade sorriso, cidade formosa,
Cheia de esplendores e de encantos mil.
Arapiraca fora a inspiração
De um sertanejo cheio de fé,
Rendamos, pois, de coração
O nosso "Hosana" a Manoel André.

A cultura do fumo, a sua riqueza,
O "ouro negro", que os seus campos veste
Lhe adquirira um título de nobreza,
"cidade Galã, Princesa do Agreste".

Terra adorada, Gloriosa terra,
Crisol da Pátria, abençoada por Deus
Receba, pois, o afeto que se encerra
Nos meigos corações dos filhos teus.
= = = = = = 

Trova de
ARLINDO TADEU HAGEN
Juiz de Fora/MG

Só quem nunca foi criança
consegue, sem embaraço,
tirar de vez da lembrança
a figura de um palhaço.
= = = = = = 

Soneto de 
FRANCISCA JÚLIA
(Francisca Júlia da Silva Munster)
Eldorado/SP (antiga Xiririca) 1874 –  1920, São Paulo/SP

Noturno
 
Pesa o silêncio sobre a terra. Por extenso
Caminho, passo a passo, o cortejo funéreo
Se arrasta em direção ao negro cemitério...
À frente, um vulto agita a caçoula do incenso.
 
E o cortejo caminha. Os cantos do saltério
Ouvem-se. O morto vai numa rede suspenso;
Uma mulher enxuga as lágrimas ao lenço;
Chora no ar o rumor de misticismo aéreo.
 
Uma ave canta; o vento acorda. A ampla mortalha
Da noite se ilumina ao resplendor da lua...
Uma estrige soluça; a folhagem farfalha.
 
E enquanto paira no ar esse rumor das calmas
Noites, acima dele, em silêncio, flutua
O lausperene mudo e súplice das almas.
= = = = = = 

Trova Premiada de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

No lar que me fez honrado
ante os conceitos de espaço,
o respeito era sagrado
mesmo que o pão fosse escasso.