sexta-feira, 28 de junho de 2024

Renato Frata (Microcontos Escolhidos) * 1

CONSTATAÇÃO 2

     Julho iniciou com o cinza mastigando o azul em mordidas pequenas, e construiu com elas uma colcha opaca que impede o sol de sorrir.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

ESPADACHIM

     Desenhou com a espada a rosa dos ventos: queria delimitar as direções que tomaria.
     Seguiu uma: a da cama dela.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

ESPUMAS

     Poetizando, o mar espumou a praia: em cada bolha, versos em redondilha.
     A menina brincando com os pés na água, não sabendo ler, os desfez.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

FALTA DE PASSADO

    Atônita, Eva repreendeu Caim pelo assassinato; ao que ele, ainda cobrando, lhe perguntou:
     – Exemplo, mamãe, que exemplo você deu?
     Não soube o que dizer.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

FRIVOLIDADE

     Na casa de Zezé não tem pão, não tem café; mas tem batom e tem rapé…
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

INFÂNCIA

     À beira da calçada, o copo com água e sabão e a haste de arame envergado faziam sonhos, felicidade magia.
     Todos assoprados nas bolhas de sabão.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

INVEJA OU TRISTEZA?

     A borboleta mostrava às flores o lindo vestido. A mariposa amarfanhada e bêbada, disse:
     – Já fui assim, menos colorida, mas fui…
     Lágrima escorreu.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

PERCEPÇÃO

     No desfile, o plocploc dele é diferente dos plocplocs dos demais. Então da plateia, uma égua relincha:
     – sapatos novos, hein garanhão?
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

VAZIO

     O negror se abre para a lua. Com ela, o frescor recolhe pessoas, mas, na madrugada, uivados vadios quebram o silêncio.
     – É a voz da solidão.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

VIDA CURTA

      A noite efêmera se deitou fria.
     Pessoas se banharam, vestiram-se e se amaram. Quando deu conta, o sol lambia seus pés.

Fonte: Renato Benvindo Frata. 200 microcontos… e mais alguns. Paranavaí/PR: Ed. Paranavaí, 2016. Enviado pelo autor.

Recordando Velhas Canções (Lata D’água)


Compositores: Jota Júnior / Luiz Antonio

Lata d'água na cabeça
Lá vai Maria
Lá vai Maria

Sobe o morro e não se cansa
Pela mão
Leva a criança
Lá vai Maria

Maria
Lava a roupa
Lá no alto
Lutando pelo pão
De cada dia
Sonhando com a vida
Sonhando com a vida
Do asfalto
Que acaba
Onde o morro principia
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 
A Luta Diária de Maria: Uma Análise de 'Lata D'Água'
A música 'Lata D'Água', é um retrato da vida árdua das mulheres que moram nas favelas e periferias do Brasil. A letra descreve a rotina de Maria, uma figura que representa muitas mulheres reais, que enfrentam o cotidiano de trabalho pesado e cuidados com a família. A imagem da lata d'água na cabeça simboliza o peso das responsabilidades e a força necessária para sustentar o lar.

Maria é descrita subindo o morro, um elemento geográfico comum nas cidades brasileiras onde se localizam muitas comunidades carentes. A menção de que ela não se cansa e ainda leva uma criança pela mão amplifica a ideia de resiliência e determinação. A luta pelo 'pão de cada dia' é uma expressão que remete à necessidade básica de alimentação, mas também pode ser entendida como a busca por condições mínimas de sobrevivência.

O sonho de Maria com a vida do asfalto, ou seja, a parte da cidade que não é o morro, reflete o desejo de uma vida melhor e mais justa, longe das dificuldades impostas pela pobreza e pela marginalização social. A música, portanto, além de ser um retrato da realidade de muitas mulheres, é também um comentário social sobre as desigualdades presentes na sociedade brasileira. (https://www.letras.mus.br/marlene/399382/

Aparecido Raimundo de Souza (A surpresa do provador)

DESDE QUE VIERA trabalhar naquela loja de departamentos, coubera a Andressa a tarefa de cuidar dos provadores, aquele local reservado onde os clientes antes da decisão final têm a liberdade de experimentarem os produtos que pretendem levar para casa. Uma calça, uma camisa, um cinto, um vestido, uma blusa, um terno. Enfim, é ali, exatamente no provador, que o público em geral toma para si a certeza de ficar ou não com o artigo escolhido nas dependências de qualquer magazine que comercializa com a venda em varejo de artigos os mais diversos, sejam eles masculinos, femininos ou crianças. Na imensidão que se perdia de vista, havia um bom número de provadores. Do lado direito ficava a ala masculina e, do esquerdo, o feminino. Andressa controlava as doze cabines sentada atrás de um balcão onde entregava as fichas com o número de peças que as pessoas levavam para dentro das cabines. 

Laborava, a princesa, de oito da manhã às dez da noite com apenas uma hora de almoço. Mal e parcamente via a luz do sol. O namorado que arranjara a abandonara dois meses depois, até porque passava a maior parte do tempo enfurnada no serviço. Nos dias de folga, aproveitava para cuidar das roupas que usava durante a semana e jaziam amontoadas numa velha cesta num canto do banheiro. Quando terminava os afazeres, altas horas, morta de cansada, caia na cama e dormia feito pedra. Praticamente deixara de viver para se dedicar, de corpo e alma, à labuta do cotidiano. Embora jovem, necessitava tocar a vida adiante. Longe dos pais, carecia de sobreviver. Com o aluguel comendo junto na mesa e outras despesas necessárias, não saia com as amigas da empresa nem para uma balada num barzinho que ficava perto do apartamento que dividia com mais duas colegas. 

Até o dia em que Ricardo, um varão boa pinta apareceu com quatro jeans para provar. Entre eles, foi amor à primeira vista. Ela se encantou por aquele deus grego, um tremendo “mau caminho saradão,” cheio de tatuagens pelo corpo afora. Ela entregou um número a ele e ficou olhando, perdidamente, até que o charmoso sumiu em um dos cubículos e puxou a cortina. De repente, para espanto dela, dois minutos depois, ele a chamou. A voz grossa de macho, e, ao mesmo tempo gostosa de ser ouvida, vibrou por todo seu corpo. O galã queria uma opinião. Saber dela, se alguma daquelas calças cairiam bem ou necessitava trocar por outros modelos. Andressa, meio acanhada, e informando que não poderia estar ali, se achegou e opinou. De repente, nessa desculpa de declarar a sua manifestação no simples troca-troca, eles se examinaram e se tocaram intimamente. 

No instante seguinte, Ricardo já aninhava a presa contra seu peito. Numa troca envolvente de afagos e blandícias, colou a sua boca nos lábios dela. Aconteceu. Foi muito rápido. Naquele dia, só rolou os tais selinhos, aliás, bem calientes. A partir daí os encontros tomaram uma afeição “mais desproporcional” e jamais imaginada. Escapou aos controles de ambos. Andressa simplesmente passou a transar dia sim, dia não, com o Ricardo, dentro do provador, sem se importar com quem pudesse chegar sem avisar e flagra-los na maior sacanagem da paróquia. O inusitado, a partir da primeira vez, esquentou e passou a pegar fogo todas as vezes que ele dava os ares da graça. E esses “ares” se escancaravam cada vez mais compridos e descontrolados. 

Os clangores apimentavam sempre enleados nas alegações dela –, ou seja –, da beldade opinar ao seu “amado,” se tal peça a ser comprada, cairia bem ou não. O assombramento rimbombante maior aconteceu e não só trovejou, estardalhaçou meses à frente. Ou mais precisamente, ao completar nove meses. Ricardo havia acabado de entrar na loja e correu ligeiro em direção às cabines. Seria mais uma seção rápida de sexo e depois, sem maiores problemas, regressaria aos afazeres no escritório onde trabalhava, próximo dali, como gerente de uma empresa de telemarketing. Ao chegar na entrada de acesso dos compartimentos, topou com um rostinho diferente no atendimento. Não a sua fogosa e intrépida Andressa. Perguntou por ela e a nova auxiliadora disse que a funcionária anterior, uma tal de Andressa, que ela não conhecia, acabara de ser levada as carreiras para um hospital.  

Desesperado, Ricardo saiu a indagar daqui e dali e nada. Foi ao gerente e este, esclareceu o ocorrido. Andressa havia sido internada. Sofrera um acidente grave de moto, quando saíra de casa e se dirigia à empresa. Ricardo entrou em um frenesi exaltado e inquieto. Nada sabia da garota, a não ser que vivia sozinha e morava com amigas. Seus familiares residiam no interior de São Paulo. Em face do fortuito colossal, ninguém aparecera para reclamar qualquer tipo de assistência familiar. A pobre estava no hospital aos reveses da sorte, beneficiada apenas pela companhia de uma das gerentes, que fora colocada em auxílio, e, logicamente, à disposição, caso houvesse algum imprevisto mais fulminante que carecesse de solução imediata. Depois de muita luta e empenho, um dia e meio depois, Ricardo finalmente descobriu o hospital para onde Andressa fora levada. 

Correu para lá o mais depressa que pode. Quando chegou na recepção, precisou mentir se dizendo “namorado” da vítima, ou não conseguiria o ingresso para subir ao andar onde à mesma lutava entre a vida e a morte. Ao se apresentar no andar indicado, entretanto, a gerente designada pela empresa lhe veio ao encontro e o pôs à par da nefasta notícia, confirmada, em seguida, por uma das enfermeiras de plantão. 

— A senhorita Andressa, infelizmente acabou de vir à óbito. Se o senhor tivesse aparecido dois minutos antes... 

Coisa de dez minutos depois, outra notícia bombástica tirou Ricardo do chão. Literalmente. Uma segunda plantonista apareceu na sala onde Ricardo acabara de saber do falecimento. A moça se abriu num sorriso triste. 

Como Ricardo, estava na condição de “namorado,” a jovem lhe confortou com palavras de carinho. Em seguida, após as condolências, ofereceu seu apoio irrestrito e os mais sinceros pêsames em nome de toda a equipe da pediatria. Finalmente, no tempo em que apertava as mãos do assustado apolíneo, uma terceira criatura se fez presente. Era a pediatra. 

— Meu rapaz, você é o Ricardo, não é mesmo? Minhas   sinceras condolências. Sua “namorada” nos deixou. Fizemos o possível, acredite. Contudo, sei que a hora não é propícia, mas tenho algo maravilhoso para revelar. – tomou fôlego e continuou.

— Está vendo aquele vidro enorme de um canto a outro da parede? Venha comigo. Conseguimos salvar a criança. Nasceu prematura. O senhor foi contemplado. Meus parabéns. Sua pessoa poderá se considerar, a partir de agora, o homem mais feliz do mundo. O prezado acaba de se tornar papai de uma linda menininha. 

Fonte: Texto enviado pelo autor

quinta-feira, 27 de junho de 2024

A. A. de Assis (Jardim de Trovas) 49

 

Figueiredo Pimentel (A alma do outro mundo)

Zeneida tinha um namorado com quem queria a todo o modo casar-se. Sendo ele, porém, um homem do povo, conquanto honrado e trabalhador, a família dela, orgulhosa, com fumaças de fidalguia, e rica, não o consentiu, e tratou de lhe arranjar outro casamento.

Apresentando-se como pretendente um velho, que enriquecera no comércio, o pai obrigou-a a aceitá-lo por noivo. A moça obedeceu, a seu pesar, não gostando daquele marido que lhe ofereceriam, e não se tendo esquecido do seu apaixonado.

Realizadas as bodas, os noivos partiram para uma longa viagem que devia durar três meses.
***

Uma vez estavam jornadeando, e tiveram que passar um rio, largo e fundo, sobre uma estreita ponte de madeira. Zeneida, alegando muito medo, fez o marido passar adiante, e, quando se viram no meio, atirou-o à água.

Na ocasião em que estava prestes a se afogar, o velho ricaço, antes de desaparecer submergindo, exclamou:

– Deixe estar malvada, que minha alma te há de perseguir!...

Desde esse dia, uma voz invisível acompanhou-a sem cessar, noite e dia repetindo todas as palavras que ela pronunciava.

A rapariga foi obrigada a se fingir muda, receosa que viessem a descobrir o seu crime.
***

Continuando a viagem sozinha, Zeneida foi ter a um grande país, a cuja capital chegou.

Aí, passeando pelos arredores, foi vista por um príncipe, que dela se apaixonou, dirigindo-lhe declarações de amor, e terminando por pedi-la em casamento.

Por meio de gestos mímicos, ela fez compreender que aceitava, mas que não podia falar por ser muda.

O príncipe ficou sentidíssimo, porque a lei vedava-o casar com qualquer moça que não fosse absolutamente perfeita. Todavia mandou levá-la para o paço, confiando-a aos cuidados dos mais notáveis médicos do reino, que a examinaram, desenganando-se de curá-la.

Quando se achava a sós, Zeneida tentava falar. Mas, à menor palavra, que pronunciasse, a alma do seu marido a repetia, e mesmo conversavam.

Um dia soube que o príncipe ia casar-se, vendo que ela não ficava boa. A noiva devia chegar nessa manhã, e todos os criados do palácio tinham ido ver o seu desembarque.

Zeneida, ficando sozinha, dirigiu-se à cozinha real, também abandonada, onde se preparava o banquete. Destampou uma panela, e provando o guisado, exclamou:

– Oh! como está gostoso!

– Oh! como está gostoso, repetiu a alma.

– Queres um bocadinho?

– Quero.

– Então, chega-te aqui, para a ponta de meu dedo!

A alma chegou-se, e, assim que a sentiu bem na extremidade do indicador, Zeneida estalou o dedo no fogão.

Ouviu-se um grande estrondo, e ela disse com um suspiro de alívio:

– Uff! Felizmente estou livre!

Falou, cantou, recitou, e não ouviu mais a voz da alma que a importunava.

Foi se vestir deslumbrantemente.

O cortejo da nova princesa já havia chegado ao palácio.

Zeneida dirigiu-se para o salão, onde viu a noiva sentada num trono, junto ao príncipe.

Ao avistá-la, a noiva, querendo fazer espírito, perguntou:

– Esta é muda mudona?

A outra retorquiu:

– E esta é a noiva noivona, que já está tão sabichona?

Admirado de ouvi-la falar, o príncipe desmanchou o casamento com a primeira, vindo a se casar com Zeneida.

Fonte: Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896. Disponível em Domínio Público.

Vereda da Poesia = 46 =


Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

- Canta mal, essa "coroa"...
- Pois saiba que é minha tia.
- Se a música fosse boa...
- Pois é de minha autoria!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de Lisboa/Portugal

ANTERO JERÓNIMO

Descarnar a impoluta palavra
Até à chama viva da carne
Como sílex que golpeia o marasmo
Dos dias bocejados e estéreis

Expor-se à pudica avidez
Sangue ígneo renegando a venosidade
Correndo em disseminado apelo
Como um simples ato de sobrevivência

Revolver a cegueira
Guardada em redoma ilusória
Numa vontade insofismável
De extrair da forma disforme
Os contornos invisíveis ao olhar

Por fim sopesar o rosto nas mãos
Em breve e maravilhado apelo
Frestas de compreensão que se agitam
Onde o sal do cansaço rejubila.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Aldravia de Belo Horizonte/MG

CLEVANE PESSOA

Perfume 
floral
alcança
espíritos 
adoça 
sonhos
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Soneto de Santos /SP

VICENTE DE CARVALHO
1866-1924

A um poeta moço

Desanimado, entregas-te, sem norte,
Sem relutância, à vida; e aceitas dessa
Torrente que te arrasta — a só promessa
De ir lentamente desaguar na morte.

Que pode haver, em suma, que te impeça
De seguir o teu rumo contra a sorte?
Sonha! e a sonhar, e assim armado e forte,
Vida e mágoas, incólume, atravessa.

Ouve: da minha extinta mocidade
Eu, que já vou fitando céus desertos,
Trouxe a consolação, trouxe a saudade,

Trouxe a certeza, enfim, (se há sonhos certos)
De ter vivido em plena claridade
Dos sonhos que sonhei de olhos abertos.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Vencedora em Astolfo Dutra/MG, 2024

ARTHUR THOMAZ
Campinas/SP

O velho ator, alquebrado,
da realidade fugindo,
ainda sonha acordado,
com a plateia o aplaudindo.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de Americana/SP

IZABEL RODRIGUES

Renúncias 

Toda renuncia gera dor
Por menor que seja 
O sonho sonhado
Deixar para trás e seguir
Pode acontecer
E acontece diariamente
Mas causa danos
Contornáveis ou irreversíveis 
Marcam ficando indeléveis cicatrizes
E cada um conhece as suas profundamente
Embora sigam 
Uns expondo-as agressivamente 
Outros caminhando disfarçadamente
Pela vida
Apesar da carga pesada 
Mas invisível 
Carregada...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Quadra Popular de Paredes/Portugal

TIAGO
(António José Barradas Barroso)

Nosso querer tão velhinho,
cheio de ternuras e afetos,
se deu, aos filhos, carinho,
mais ainda deu aos netos.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Soneto do Rio de Janeiro/RJ

RONALD DE CARVALHO
(Ronald Arthur Paula e Silva de Carvalho)
1893 – 1935

Vida

Para um destino incerto caminhamos,
Tontos de luz, dentro de um sonho vão;
E finalmente, a glória que alcançamos
Nem chega a ser uma desilusão!

Levanta-se da sombra, entre altos ramos,
Como um fumo a subir, lento, do chão,
A distância que tanto procuramos,
E os nossos braços nunca atingirão...

Mas um dia, perdidos, hesitantes,
A alma vencida e farta, as mãos tateantes,
De repente, paramos de lutar;

E ao nosso olhar, cansado de amargura,
As montanhas têm muito mais altura,
O céu mais astros, e mais água o mar!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de Belo Horizonte/MG

ALMIRA GUARACY REBÊLO

Já não combato a ansiedade
que me consome e angustia;
a dor da minha saudade
eu a transformo em poesia.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema Do Rio de Janeiro/RJ

CASSIANO RICARDO
(Cassiano Ricardo Leite)
São José dos Campos/SP, 1895 – 1974, Rio de Janeiro/RJ

Canção para poder viver

Dou-lhe tudo do que como,
e ela me exige o último gomo.
Dou-lhe a roupa com que me visto
e ela me interroga: só isto?

Se ela se fere num espinho,
O meu sangue é que é o seu vinho.

Se ela tem sede eu é que choro,
no deserto, para lhe dar água:

E ela mata a sua sede,
já no copo de minha mágoa

Dou-lhe o meu canto louco; faço
um pouco mais do que ser louco.

E ela me exige bis, "ao palco"!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Haicai de Irati/PR

SÍLVIA MARIA SVEREDA 

Plena madrugada.
O olhar ainda reflete
o brilho da lua.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Sextilha de São Simão/SP

THALMA TAVARES

É feliz quem vê mais o lado bom
e o poeta está sempre com a razão.
Apesar de que o estro tudo enxerga;
e olha o triste e o que alegra o coração.
Há, no entanto, quem vê somente a lama
sem ter olhos pra ver a imensidão.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de Santos/SP

CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

Que esta trova seja um hino,
que ouças o pobre a gemer
e, ouvindo o planger do sino,
saibas o irmão socorrer.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Glosa de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

MOTE:
Vejo o mar beijando a areia 
no raiar de um novo dia, 
ouço o canto da sereia, 
com promessas de alegria! 
José Feldman
 (Campo Mourão/PR)

GLOSA: 
Vejo o mar beijando a areia 
e me agarro ao corpo dela; 
pra muitos, ela era a feia, 
para mim, era a mais bela! 

Sozinhos, nós dois na praia, 
no raiar de um novo dia; 
ficar ali na gandaia 
era tudo o que eu queria! 

Porém veio a maré cheia, 
e, bem de longe, do mar, 
ouço o canto da sereia, 
querendo nos naufragar! 

Me amarrei, que nem Ulisses, 
ao ouvir a cantoria 
da Ligeia, em meio aos Sirtes, 
com promessas de alegria!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Aldravia de Porto Alegre/RS

ALCIONE SORTICA

Lembranças
e
saudades
são
velhas
comadres
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Soneto do Rio de Janeiro/RJ

AFONSO CELSO
(Afonso Celso de Assis Figueiredo Júnior)
Ouro Preto/MG, 1860 – 1938, Rio de Janeiro/RJ

Senhorita

Ela, às vezes, nas rendas da mantilha,
Com a esbelteza audaz de uma espanhola,
A trança negra, onde áureo pente brilha,
E o busto altivo donairosa enrola;

E provocante, lânguida, casquilha,
Desferindo fragrâncias de corola,
Cativa muito orgulho, que se humilha
Pedindo amor, como quem pede esmola!

Então, os seus olhares atrevidos,
Não sei por que, recordam dois bandidos,
Armados de punhais longos e finos,

Que entre as moitas floridas da alva estrada,
Traiçoeiramente, ficam de emboscada
Para assaltar incautos peregrinos!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Humorística Premiada em Astolfo Dutra/MG, 2024

PAULO R. O. CARUSO
(Paulo Roberto Oliveira Caruso)
Niterói /RJ

Ela traiu o marido
pelo celular... Que cena!
E um mistério irresolvido:
nasceu chifre ou uma antena?
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de Santo André/SP

PAM ORBACAM
(Paula Miasato)

O fio

Tudo o que calo ou falo
Constitui a significância de tudo o que vivo e pereço
É o que arde aos ouvidos quando calo
Que faz morada no meu peito enquanto morro
E é o que voa ao vento enquanto falo
Que se desfaz, dilui e evapora.
De que importa o som que ecoa sem resposta....
De que vale o silêncio, perante tamanha lacuna...
Vivo e morro no silêncio ardente do que calo
Enquanto mato e vivifico, proferindo a secura da boca.
Alienada no pensamento que cala
Enfastiada no movimento que fala
Nesse ouvido meu que ouve
Mil palavras, mil palavras...
É tudo que calo ou falo 
que me gela as mãos, o peito e a alma.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Triverso de Osório/RS

SUELY BRAGA

Entro no meu eu
Olho o meu eu.
Só enigmas.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Setilha de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

Ao médico, eu consultei 
para saber a razão 
desta dor que me atormenta, 
dia e noite, o coração: 
sabe o que ele receitou, 
e a dor, ligeiro, passou? 
Xarope de trovação!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de Angra dos Reis/RJ

JESSÉ NASCIMENTO

Sinto uma grande alegria 
e o alvo sempre persigo: 
conquistar a cada dia 
um novo e leal amigo.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Hino de Curitiba/PR

Letra: Ciro Silva

I
Cidade linda e amorosa da terra de Guairacá.
Jardim luz, cheio de rosa Capital do Paraná.
Pela ridente paisagem
Pela riqueza que encerra,
Curitiba tem a imagem
Dum paraíso na terra.

II
Viver nela é um privilégio
Que goza quem nela está.
Jardim luz, cheio de rosa.
Capital do Paraná.

Pérola deste planalto
Toda faceira e bonita.
Na riqueza e na opulência
Vive, resplande, palpita

III
Subindo pela colina
Altiva sempre será.
Jardim luz cheio de rosa
Coração do Paraná.
Salve! cidade querida
Glória de heróis fundadores.
Curitiba, linda joia
Feita de luz e de flores.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poetrix de Salvador/BA

GOULART GOMES

A$$alariado

vende a vida inteira
pelo pão de cada dia
a liberdade boia, fria
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Soneto de Portugal

GONÇALVES CRESPO
(Antônio Cândido Gonçalves Crespo)
Rio de Janeiro/RJ, 1846 – 1883, Lisboa/Portugal

Quimeras

O mar já me tentou: aspirações fogosas
Fizeram-me idear fantásticas viagens;
Eu sonhava trazer de incógnitas paragens
Notícias imortais às gentes curiosas.

Mais tarde desejei riquezas fabulosas,
Um palácio escondido em múrmuras folhagens,
Onde eu fosse ocultar as cândidas imagens
Das virgens que evoquei por noites silenciosas.

Mas, tudo isso passou: agora só me resta
Das quimeras que tive, uma visão modesta,
Um sonho encantador, de paz e de ventura.

É simples: uma alcova, um berço, um inocente,
E uma esposa adorada, envolta, a negligente!
De um longo penteador na imaculada alvura...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de Caicó/RN

MARA MELINNI
(Mara Melinni de Araújo Garcia)

Nas noites de solidão...
— Lua, que embala os amores,
és, em tua mansidão,
a musa dos trovadores!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

O leão velho

Decrépito o leão, terror dos bosques,
E saudoso da antiga fortaleza,
Viu-se atacado pelos outros brutos,
Que intrépidos tornou sua fraqueza.

Eis o lobo com os dentes o maltrata,
O cavalo com os pés, o boi com as pontas,
E o mísero leão, rugindo apenas,
Paciente digere estas afrontas.

Não se queixa dos fados; porém vendo
Vir o burro, animal de ínfima sorte:
«Ah! vil raça — lhe diz — morrer não temo,
Mas sofrer-te uma injúria é mais que morte!»

(tradução: Bocage)

Célio Simões (“Bater pernas”)

A expressão significa andar por aí com a intenção apenas de se distrair, sem compromisso de horário, sem destino certo, ou como diz Caetano Veloso na música “Alegria Alegria”, “caminhando contra o vendo, sem lenço e sem documento”. Observação oportuna: para muitos, o lenço é um dos últimos vestígios do cavalheirismo, pois os homens os carregam para as mulheres, quando elas choram... 

Ou seja, “bater pernas” é sair sem objetivo definido, podendo ser uma ida às compras, visitar um amigo ou passear nos recantos da cidade, em lugares bonitos que ela tem, que jamais são notados quando a pessoa está ao volante do carro, atento à buraqueira das ruas ou tentando escapar das loucuras do trânsito, cada vez mais caótico e incivilizado. 

Não existe registro de como ou quando surgiu essa expressão, que é meramente figurativa, de puro contexto popular. Pode até mesmo ser considerada uma gíria, uma expressão idiomática, visto que o sentido literal dos termos - "bater” e “pernas" - não é exatamente o que ocorre na prática, pois ninguém caminha batendo uma perna na outra.

Em muitos lugares do Brasil é comum ouvir frases do tipo: “Já vai bater perna por ai”? “Vamos bater perna no shopping hoje”? “Estou de folga do trabalho e vou tirar o dia para bater pernas” ou “nas minhas férias, vou viajar e bater pernas pelo mundo”. Mas o que isso significa exatamente? Em resumo, essa expressão coloquial quer dizer andar a esmo ou como diz a turma mais jovem, dar um ‘rolê’ pelos lugares mais badalados.

A verdade é que a origem certa dessa expressão permanece desconhecida. Pode-se especular que ela pode ter surgido a partir da observação sobre o ato mecânico de caminhar, quando alguém movimenta as pernas - só que, ressalve-se novamente – no ato de caminhar ninguém bate as pernas uma na outra. Outra versão propala que sua origem seria  uma possível analogia com o movimento repetitivo dos pássaros ao “baterem as asas”. Mas como os humanos se locomovem com os membros inferiores, “bater perna” passou a ser usada para representar figurativamente o deslocamento sem objetivo pré-definido.

“Batendo perna nas bibliotecas”, é o nome de um Projeto de Extensão da Escola de Biblioteconomia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, tão emblemática é a expressão para conceituar quem perambula sem rumo, em busca de alguma coisa. Entretanto, sendo um recurso linguístico, expressões idiomáticas como “bater perna” não se confundem com os conhecidos “ditados populares”, considerando que a característica destes, é serem frases curtas e de efeito, que passam um ensinamento, uma lição, uma advertência. 

Um exemplo: “O sujo falando do mal lavado” - para enfatizar a contradição de alguém sabidamente desonesto, que exige honestidade de outrem. E qual o ensinamento ou advertência que “bater pernas” transmite? Nenhum. Tampouco pode ser considerada como uma metáfora, que são figuras de linguagem que também utilizam o verbo bater, com vários significados, como: bater de frente, bater o pé, bater o martelo, bater boca, bater as botas, bater em retirada, bater papo, etc.

Ana Cristina da Costa e Jorge Fernando Ribeiro Trindade compuseram o excelente samba intitulado “Batendo Perna”, cujo trecho aqui transcrito bem traduz o espírito despreocupado de quem segue sem rumo, livre de compromissos: “Já bati de frente // Perdi e ganhei // Também teve gente // Que incomodei // Mas de mão beijada // Juro ganhei nada // Por qualquer parada eu não me curvei // Por isso tô batendo perna // Tô batendo perna // Tô batendo perna...”. 

O poeta, ficcionista, tradutor e crítico literário gaúcho Carlos Nejar, membro da Academia Brasileira de Letras, na conversa que teve com André Argolo (participação no PublishNews), fala da sua solidão, de seus livros e da sua enorme vontade de “bater pernas pelo país e falar o quanto puder, de poesia, assunto de sua vida inteira, em conferências, palestras, onde for”. No caso, tanto os dois compositores, como o imortal da ABL, usaram a expressão com o mesmo e intencional sentido: sair por aí sem preocupações, para fazer o que lhes der vontade...
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

(*) O autor é advogado, escritor, palestrante, poeta e memorialista. É membro da Academia Paraense de Letras, da Academia Paraense de Letras Jurídicas, da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Artística e Literária de Óbidos, da Confraria Brasileira de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará e do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós.

Fonte: Texto enviado pelo autor

Recordando Velhas Canções (Estúpido Cupido)


Compositores: Howard Greenfield / Neil Sedaka

Oh, Cupido, vê se deixa em paz
(Oh-oh, Cupido) meu coração que já não pode amar
(Oh-oh, Cupido) eu amei há muito tempo atrás
(Oh-oh, Cupido) já cansei de tanto soluçar
(Oh-oh, Cupido) hei, hei, é o fim
Oh-oh, Cupido, vá longe de mim
(Oh-oh, Cupido)

Eu dei meu coração a um belo rapaz
(Oh-oh, Cupido) que prometeu me amar e me fazer feliz
(Oh-oh, Cupido) porém, ele me passou pra trás
(Oh-oh, Cupido) meu beijo, recusou, e meu amor, não quis
(Oh-oh, Cupido) hei, hei, é o fim
Oh-oh, Cupido, vá longe de mim
(Oh-oh, Cupido)

Não fira um coração cansado de chorar
A flecha do amor só traz a angústia e a dor (oh-oh, Cupido)

Mas, seu Cupido, o meu coração
(Oh-oh, Cupido) não quer saber de mais uma paixão
(Oh-oh, Cupido) por favor, vê se me deixa em paz
(Oh-oh, Cupido) meu pobre coração já não aguenta mais
(Oh-oh, Cupido) hei, hei, é o fim
Oh-oh, Cupido, vá longe de mim

(Oh-oh, Cupido) mas, seu Cupido, o meu coração
(Oh-oh, Cupido) não quer saber de mais uma paixão
(Oh-oh, Cupido) por favor, vê se me deixa em paz
(Oh-oh, Cupido) meu pobre coração já não aguenta mais
(Oh-oh, Cupido) hei, hei, é o fim
Oh-oh, Cupido, vá longe de mim

(Oh-oh, Cupido) hei, hei, é o fim
Oh-oh, Cupido, vá longe de mim
(Oh-oh, Cupido)
(Oh-oh, Cupido)
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Desilusões Amorosas ao Som do Rock dos Anos 60
A música "Estúpido Cupido", interpretada por Celly Campello, é um clássico do rock brasileiro dos anos 60 que aborda as desilusões amorosas de uma forma leve e descontraída. A letra da música faz uma referência direta ao Cupido, a figura mitológica responsável por fazer as pessoas se apaixonarem. No entanto, a narradora da canção pede que o Cupido a deixe em paz, pois seu coração já está cansado de sofrer por amor.

Através de uma narrativa pessoal, a protagonista conta que já amou e se entregou a um relacionamento no passado, mas foi traída e seu amor não foi correspondido. A repetição do refrão "Hei, hei, é o fim / Oh, oh, cupido / Vá longe de mim" enfatiza o desejo de se libertar das amarras do amor que só trouxe dor e angústia. A música reflete um sentimento comum a muitas pessoas que, após experiências amorosas negativas, preferem se fechar para novos relacionamentos.

A canção se tornou um hino para aqueles que já se sentiram enganados ou cansados de procurar o amor. Celly Campello, com sua voz marcante e interpretação carismática, conseguiu capturar a essência de um coração partido que busca paz e a cura das feridas emocionais. "Estúpido Cupido" é um retrato da juventude da época, mas continua a ressoar com ouvintes de todas as idades que já passaram por desventuras amorosas. (https://www.letras.mus.br/celly-campello/45016/