domingo, 6 de novembro de 2011

Simone Athayde (Encontro com o Contador de Histórias)


(trecho do livro O Aprendiz de Tiradentes)

Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto, 1782

Ainda não eram sete horas da manhã e a rua já estava movimentada. Havia chovido a noite anterior e, por isso, a cerração que descia dos montes íngremes e do pontiagudo Itacolomi, que rodeavam a cidade de Vila Rica, enchia o ar de uma umidade fria, que estremecia a pele mal coberta do rapazinho.

Como fazia há três dias, ele colocou uma pedra grande que achara ali mesmo, na calçada, abaixo da janela e, subindo na pedra, deixou-se ficar espiando o trabalho do cirurgião. Só o cabelo claro, a testa e os olhos miúdos se alinhavam por cima da janela e, mesmo assim, porque se esforçava para equilibrar-se nas pontas dos pés. Saía dali somente quando as pernas ficavam dormentes ou quando as costas exigiam um descanso.

Às vezes, o garoto notava que o tira-dentes olhava em direção à janela; então, ele escondia-se rapidamente. Porém, naquele dia, olhava desavisado para os detalhes da sala que servia de consultório e demorou a perceber que o homem o encarava com feição dura. Desceu de seu pedestal improvisado e resolveu ir embora.

Quando estava passando à frente da porta do cirurgião, onde algumas pessoas esperavam por falta de espaço dentro da casa, um homem negro, que possuía o lado direito do rosto deformado, o segurou pelo braço. O rapaz já o havia visto antes, mas isso não impediu que levasse um enorme susto. Pensou que o tal homem fosse lhe dar uma bronca ou lhe bater por ordem do cirurgião. Tentou soltar o braço da mão grande e pesada que, sem nenhum esforço, o mantinha preso. O jovem começava a ficar apavorado, ensaiava já pedir ajuda, quando o escravo abriu um sorriso torto, afrouxou um pouco o braço magro e perguntou:

— Você conhece meu patrão?

— O cirurgião?

— Sim, ele mesmo – disse o homem, com toda pompa, enchendo o ar com sua voz forte.

— Escute, eu só vim aqui porque gosto de ver seu patrão trabalhar. Não estava fazendo nada de errado.

Como se o homem não tivesse ouvido o que o garoto dissera, falou, com ar compenetrado, quase encostando o rosto cheio de marcas horríveis perto do dele:

— Você quer que eu conte uma história? Eu gosto de contar histórias.

Já que o escravo não o libertava, o rapazinho soube que a resposta tinha que ser "sim".

"Meu patrão, quando mais jovem, era tropeiro, vivia por essas terras, vendendo mercadorias. Em uma de suas viagens, enquanto atravessava a cidade de Minas Novas, viu um mercador castigando um de seus escravos. O homem era ruim como o demônio: já havia matado muitas pessoas...

O tropeiro não tinha nada a ver com aquilo, porque, segundo a lei, escravo não é gente, mas nem quis saber se teria problemas: parou a cavalgada, desmontou com esperteza, num pulo, e foi para cima do malvado que pisava sem dó a cara do infeliz. Socou a cara do mercador, o deixou prostrado no chão e mandou que não fizesse mais aquilo. Depois foi acudir o ferido. A cara do patrão, quando viu o estado da cara do homem, virou um pavor. Foi até o cavalo, pegou uma água curativa e, com uns trapinhos limpos que levava, começou a cuidar das feridas abertas, arreganhadas. Falou que precisavam costurar aquilo.

O mercador, que tinha o coração duro, conseguiu se levantar e chicoteou as costas do patrão. Eles começaram uma briga de socos. Era capaz de um matar o outro, se os militares não tivessem chegado. O tropeiro, abatido, olhou para o escravo, cheio de piedade, e pediu desculpas por não poder fazer a costura. Patrão não sabia que nessa vida, muitas vezes, não se faz o bem sem se pagar por isso: além de ficar uns dias preso, perdeu os cavalos e as mercadorias, um pouco por causa dos furtos, outro tanto para pagar sua liberdade. Por causa disso, moço, ele ficou falido e teve que se alistar na tropa paga.

Um dia, estava andando pela feira da cidade de Mariana, quando ouviu: "Tropeiro da água santa, tropeiro da água santa!" Mesmo vestido com a roupa de alferes, não foi difícil para o homem saber que estavam chamando por ele, porque a fama de fazedor de remédios milagrosos já havia se espalhado por esse pedaço de Minas. Quando foi procurar quem o chamava, viu um escravo amarrado a muitos outros e reconheceu, pela cara horrível, aquele que ele ajudara meses antes. O prisioneiro não podia conversar com os passantes, mas conseguiu, com esforço, dar um sorriso todo errado, e dizer, com os olhos cheios de lágrima: "obrigado".

O alferes não deu sinal nenhum de importar-se com ele. Indiferente, saiu dali caminhando mais rápido, como se quisesse fugir da figura ridícula. O cativo ficou triste, mas compreendia o homem e compreendia também, àquela altura da vida, que viver arrastado pelo mercador, entre os intervalos de tortura, seria seu destino, porque, com aquela cara e com uma perna manca, não ia conseguir mesmo ser vendido.

Mais tarde, quase na hora do sol se pôr, aparece um frei com sua roupa preta puída e começa a olhar um escravo aqui e outro acolá. Faz o mercador abrir a boca deles para mostrar os dentes, pergunta o preço de vários e acha todos muito caros. Finalmente, vê o homem deformado, aponta para ele e pergunta o preço.

O mercador teria lucro se deixasse o coitado ser levado de graça, pois pouparia a pouca comida que dava para ele. Mas a sede de dinheiro era nele uma doença: pediu uma quantia absurda. Quando viu que o padre ia embora, foi andando atrás dele, abaixando o preço, abaixando mais, até que o religioso fez uma oferta e abriu a mão com as poucas moedas que tinha. Ofereceu também orações pela alma do mercador.

Com muito esforço, o pobre conseguiu seguir o padre que andava rápido e reclamava do atraso para a missa. Quando chegaram à igreja, foram direto a um cômodo que ficava ao lado da sacristia. O lugar, uma espécie de biblioteca, era abafado e mal cheiroso, mas possuía tantas estantes e tantos livros acomodados nelas, que o cativo começou a esquecer sua situação e ficou admirando aquilo. Só depois de um tempo reparou que um homem, sentado perto da porta, esperava por eles. Era o tropeiro da água santa.

— Não sei o que pretende fazer com isso – disse o padre – mas aqui está ele, e você me deve cinco moedas.

O patrão andou até o escravo, tocou os ombros dele, sorriu e disse:

— Seu rosto não precisava ter ficado tão ruim. Dos nossos prejuízos, você ficou com a pior parte.

E virando-se para o padre:

— Cônego Vieira, traga pão e vinho para esse filho de Deus. Deixa este faminto fazer a
comunhão.

— Sacrílego!

E o padre saiu reclamando, mas foi buscar a comida.

O rapazinho, envolvido pela história e pela maneira simpática como o homem de feições medonhas a contava, não havia percebido que seu braço estava livre.

— O escravo da história é você?

— Sim, e aquele lá dentro é o homem que me salvou.

O jovem ficou calado. Tímido e ainda com medo, apesar de estar curioso para saber mais sobre o cirurgião, esperou que o escravo se distraísse e correu para longe dali.

Fonte:
Simone Athayde. O Aprendiz de Tiradentes. Disponível em http://www.simoneathayde.com.br/contemas.asp

Simone Athayde (O Aprendiz de Tiradentes)


O Aprendiz de Tiradentes é um romance histórico. O enredo trata da vida de Hélio, rapaz pobre que vai aprender o ofício de cirurgião com Tiradentes, na Vila Rica de 1782, quando começavam a fervilhar com mais ousadia ideias revolucionárias na Colônia. Sem querer, Hélio começa a testemunhar a vida e os planos de Tiradentes e de outros inconfidentes e mergulha na tragédia que disso resultaria.

A ideia de escrever O aprendiz de Tiradentes começou há muitos anos, quando li, em um jornal da classe odontológica, um artigo sobre Joaquim José da Silva Xavier.

Na minha época de criança, aprendíamos que Tiradentes foi um mártir que tentou libertar o Brasil do jugo português. A sua semelhança com Jesus impressionava, tanto a física, por causa da barba e do cabelo crescidos, quanto por seu martírio suportado com dignidade. Era bom saber que havíamos tido um grande herói.

O mito Tiradentes serviu e serve, até hoje, aos mais diversos interesses, inclusive aos literários. Mesmo que pesquisas históricas sobre a Inconfidência Mineira pretendam desmistificar esse evento e suas personagens, as lacunas produzidas pelo espaço de tempo excessivo e pela escassez de documentação da vida (e não apenas de fragmentos de vida) dos homens e mulheres que participaram desse episódio não poderão ser totalmente preenchidas. Sempre haverá um "se", novas suposições e contradições sobre essa matéria.

É graças às lacunas da História que o ficcionista pode usar a fantasia para criar a sua história, que pode ter, ou não, maior ou menor conexão com a "realidade". João Pinto Furtado, em seu livro Manto de Penélope, história, mito e memória da Inconfidência Mineira de 1788-9, diz: "a representação artística não tem, nem deve ter, os mesmos compromissos com a objetividade da historiografia".

Como já disse antes, neste livro trato da história de Hélio, um personagem fictício que teria conhecido Tiradentes e com ele convivido. Além dele, são fictícios Anna, Joana, Tempestade, Tonho, o pequeno Joaquim e outros personagens secundários. Todos os demais existiram realmente.

Mesmo que a versão que eu apresente dessas personalidades e da Inconfidência Mineira seja romanceada, ou seja, mesmo que eu tenha trabalhado a História com a liberdade que a literatura oferece, devo esclarecer que tentei, a partir de extensa pesquisa em diversos livros e fontes documentais, descobrir e apresentar ao leitor a versão mais coerente que eu conseguisse. Apesar de ter criado personagens e situações fictícios, o pano de fundo histórico dará aos leitores uma ideia de como e por que surgiram as ideias revolucionárias, qual o papel dos inconfidentes considerados líderes e quais as relações entre eles e o governo português.

Desse modo, será comum que o leitor se depare com frases que foram ditas realmente; com cenas inspiradas em outras descritas nas Cartas Chilenas ou em historiografias sobre a Inconfidência; com a transcrição, para o romance, de partes de alguns poemas de Tomás Antônio Gonzaga e de documentos da época. São exemplos disso: a descrição física e psicológica que faço de Tiradentes e de outras personagens, baseadas em pistas históricas, as várias "fanfarronices" do governador Cunha Menezes, também narradas nas Cartas Chilenas; o primeiro encontro, descrito por Lima Jr., de Gonzaga com Maria Dorotéia, que teria acontecido graças a um ferimento no dedo da jovem e que a Lira XX da parte primeira de Marília de Dirceu mostra imagem parecida; a cena da velha que vê a sorte no copo com a clara de ovo, que aparece nesta mesma obra; e o diálogo entre Joaquim da Maia e Thomas Jefferson, que foi elaborado a partir do conteúdo das cartas reais escritas por eles. As datas e o transcorrer de alguns acontecimentos foram modificados para se adequarem melhor ao andamento do enredo.

Termino esta apresentação com a frase de Tobias Monteiro, para reflexão do leitor: "A gente fica a pensar se a História não será em grande parte um romance de historiadores".

Fonte:
http://www.simoneathayde.com.br/

Simone Athayde


Simone Athayde é goiana, casada e mãe de dois filhos. Formada em Odontologia, graduou-se também em Letras para aperfeiçoar-se na arte da escrita. Em sua poesia Dramática podemos perceber o amor dessa escritora pela Literatura:

“Há versos em minha garganta, sufocando-me
há prosa em meu sangue, hemoglobina literária
letras no lugar de células
há sinapses de palavras em meu cérebro
neuro-linguística
sou toda lírica, épica, narrativa
sou dramática.”

Em 2008, Simone lançou seu primeiro romance, Calipso e Ulisses, publicado pela editora Kelps, de Goiânia. Esta obra faz um diálogo com a mitologia grega para contar uma história contemporânea, a qual se desenvolve em forma de uma prosa poética. O reconhecido escritor goiano José Mendonça Teles fez o seguinte comentário sobre este romance:

“Estimada Simone, li seu livro no supetão, não tinha como parar. Cada página me atraia mais e após a leitura, ainda no calor da emoção, tentei passar-lhe um e-mail expondo todos os meus sentimentos. A narrativa envolvendo Calipso, Carlos, Ligia e Ulisses faz com o leitor ame seu livro, que tem lugar garantido na literatura brasileira. Você tem jeito para a coisa. Conte comigo, seu leitor amigo”. José Mendonça Teles. 29/03/09

Além do romance Calipso e Ulisses, atualmente Simone trabalha na finalização de um livro de contos, A ilha triste e outras histórias, e de um romance histórico, além dos livros infantis O espelho amalucado e A pescaria dos sapos, que estão em fase de ilustração.

A ilha triste e outras histórias
Editora R&F - 2010
Contos e Poemas / 97 páginas

A ilha triste e outras histórias é um livro de contos. São nove pequenas histórias que gostei muito de escrever. A minha preferida? Bom, tenho um carinho especial pelo conto O matador de árvores.

Esse conto foi escrito "mentalmente" durante uma viagem a Goiânia. Na estrada, percebi, com enorme tristeza, que uma grande faixa de mata virgem estava sendo destruída para a construção de um lago artificial que abastecerá a capital. Logo que tive uma chance, peguei papel e caneta e fiz meu manuscrito.

O matador de árvores é, portanto, meu singelo protesto contra a destruição das árvores, mas é também, sobretudo, um testamento aos homens, que ainda teimam em não ver a natureza como mãe.

Fonte:
http://www.simoneathayde.com.br/

Clevane Pessoa (A Pocã)


(À mesa, semblantes severos. Tios e tias de luto. O patriarca se fora e mal ousavam falar. Para a morte, alguns eufemismos: partir, passar para, descansar. E lá merecia o velho feroz algum descanso, pensava a adolescente retirada no meio da noite do leito morno e quase surpreendida em sua doce lascívia das mãos curiosas sob os lençóis? Ainda bem que no dia seguinte, deveria apresentar o trabalho de pesquisa sobre a Guerra do Irã (ou seria Iraque?). Quase nada pesquisara, mesmo pela Internet, pois a Pat fizera quinze anos na véspera e batera pé para a festinha na cobertura ser no mesmo dia, não no sábado. A mãe não pudera com a birra, temendo ser catalogada de atrasada, em relação à sua própria, que não ousara proibi-la ao ser comparada à da Pat, tão "in". Combinação de meninas: uma citava a mãe da outra para conseguir qualquer coisa... Cada mãe, temente de ser "out" e perder o amor da filhota mimada.

Levanta os olhos de grandes pestanas douradas, meio desfocados. Avalia os comensais. Um deles faz o mesmo e a apanha na teia de aranha que se instala entre ambos, de imediato. Ele aponta com o queixo, os demais, faz movimentos cômicos, taxando-os de chatos. Ela aquiesce mudamente, sorriso a meio, pronto para desmanchar-se se alguém a surpreendesse no mudo colóquio.

Ele apanha farinha e escreve "fofa", sobre o feijão frio. Ela devagar, lambe os lábios, coração disparado. Pat lhe dissera, com a sabedoria das mocinhas de quinze anos, que os homens ficavam maluquinhos quando viam a ponta da língua. Por isso chamavam as mulheres de gatinhas. Ele arregala mais ainda os olhos sombreados, passa as mãos pelo queixo onde espetam centenas de fios de barba. Também fora acordado no meio da noite para o enterro do avô. O telefone vibrara logo após uma "petit mort". Seqüente a um grande gozo.

Subitamente, deixa o sapato do pé direito cair, sem alarde algum. Mocassim fácil de tirar. Estende a perna e deixa o pé descansar sobre as coxas úmidas da adolescente. Esbarra com calças jeans. Ela estremece. Ele escreve com a farinha: "Tira". A garota o interroga com o olhar. Escreve então, da mesma farinheira: Como?

O moço ri. Apanha uma pokã. Descasca-a sem pressa. Pega dois gomos e mostra-os com calma à quase menina. Entreabre-os. Coloca entre eles, o polegar. A garota estremece de prazer. O coração parece que desceu e pulsa nela, lá em baixo, entre os gomos túmidos.

Tenta, sob a toalha de linho, imensa, fazer o mínimo possível de gestos, muito devagar, vai desabotoando os botões de metal. A calça apenas cobre o púbis. Consegue ir levantando as nádegas. Puxa as pernas da calça. Noite abafada na sala de fazenda, sem ventiladores. Acomoda o pé invasor. Segura-o como se isso bastasse para impedir um abuso maior. Mas tem vontade de acariciar o pé, um mini corpo. Quando se distrai, é tocada, qual uma corda de violão. Estremece e geme. Todos a olham, de súbito. Está vermelha. A mãe pergunta, preocupada:

— O que foi?

Ela fala baixinho, só para a inquisidora ouvir:

— Cólicas...

O pé já se recolhera. A mãe se aproxima e pergunta alto: Onde ela vai dormir? A tia mais velha conversa com outra, decidem logo e ela é convidada a ir tomar banho, antes de deitar-se. As adultas agora estão num canto, falando de absorventes, coisas de mulher. O primo primogênito apanha os gomos do desejo e os põe na boca. Todos se levantam. A empregada, ao recolher a louça, vê sobre o feijão escuro, a frase: Que pena! No quarto da donzela, sob o chuveiro, ela revê esses gomos sumarentos ao fechar os olhos. E com os olhos dos dedos, imita os dedos do sedutor.

Em pé, na varanda, ele pensa na fêmea madura que deixara à sua espera. Enquanto come os últimos gomos da dourada pokã...

(*) Forma como é grafada nas feiras livres e nos mercados do interior do estado de S. Paulo a tangerina poncã.

Fonte:
http://www.clevanepessoa.net/blog.php

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 387)


Uma Trova Nacional

Existe tanta união
entre os teus sonhos e os meus,
que só não és meu irmão
por um descuido de Deus!
–ARLINDO TADEU HAGEN/MG–

Uma Trova Potiguar

Auroras da juventude
o tempo de mim levou;
quis repeti-las, não pude,
a velhice não deixou.
–FRANCISCO MAIA/RN–

Uma Trova Premiada

2007 - São Paulo/SP
Tema: TEMPO - Venc.

Tempo, em meu rosto conjugas
os verbos “ser” e “sonhar”:
um na verdade das rugas;
outro, no brilho do olhar.
–ANTÔNIO DE OLIVEIRA/SP–

Uma Trova de Ademar


...E Suas Trovas Ficaram

Eu ...você ...as confidências...
o amor que intenso cresceu
e o resto são reticências
que a própria vida escreveu...
–LUIZ OTÁVIO/RJ–

Simplesmente Poesia

Vela Branca
–ADELMAR TAVARES/PE–

Vela branca, vela branca,
que vais lá longe... no mar...
quem me dera, vela branca,
que me quisesses levar
para tão longe... tão longe,
que eu não pudesse voltar...

Mas uma vez, vela branca,
que não me queres levar,
para tão longe... tão longe...
que eu não pudesse voltar,
leva-me a saudade dela
para o mais fundo do mar.

Estrofe do Dia

Um leirão de cebola numa horta
onde esterco de gado aduba a terra
uma casa encostada ao pé da serra
construída de barro e vara torta
uma estopa vazia fecha a porta
mas me orgulho em dizer: fui eu que fiz,
uma cruz desenhada com um giz
prá poder espantar assombração
eu não troco um pedaço do sertão
pelo resto das terras do país.
–ONILDO BARBOSA/PB–

Soneto do Dia

A Intrusa
–MIGUEL RUSSOWSKY/SC–

Teimava em me seguir, eu bem que percebia...
Tinha modos gentis. Simpática (não bela).
Não queria assustar-me, andava com cautela,
diferente do andar da grande maioria.

Eu sempre recusei lhe fazer companhia,
embora esta mulher me fosse sentinela
em horas de descanso. Eu não gostava dela
pela insistência atroz com que me perseguia.

Seu nome? Não sabia. Apelidei-a a Intrusa.
Eu lhe fechava a porta, exibindo a recusa
de comigo a reter na partilha do lar.

No espelho, certo dia, atrás de mim postou-se...
Quis irritar-me? Sim. Mas disse com voz doce:
- Eu me chamo Velhice e vim para ficar.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

J. S. Ferreira (Criança, Não Deixes o Verde da Terra Morrer)


Criança, não deixes o verde
Da terra morrer.
Neste solo de aço.
Há sempre um espaço

Para se plantar e colher.
Quando vires uma árvore desfolhada
Fenecendo à beira do caminho,
Trata-a com amor e carinho,

Porque ela é parte da tua vida,
Da natureza, do teu ser.
Quando uma árvore é decepada

É a natureza que se enluta,
É parte do teu ser que se amputa.
É mais uma vida que deixa de crescer.

Fonte:
Helóisa Crespo (organização e programação visual). Ciranda “Criança em Versos”. Campos dos Goytacazes/RJ: 2011. Livreto enviado pela autora

Júlia Lopes de Almeida (O Último Sonho da Rainha)


"There is no one near me to call me Victoria, now". Em toda a extensa biografia da rainha da Inglaterra, a bem amada, que os jornais do mundo inteiro publicaram na ocasião da sua morte, em lamentosa necrologia, nenhuma frase há talvez que mais justamente revele a mulher, do que esta, com que ela chorou a sua viuvez:

— "Agora já não tenho ninguém a meu lado para me chamar Victória."

O seu nome, isolado de toda a cerimônia, proferido de igual para igual, nunca mais soaria aos seus ouvidos, na intimidade franca do amor.

A morte igualitária e justa selava na boca do príncipe o nome da mulher, ficando só para a Vida o da majestade.

Rainha! Não ser mais que rainha, é pouco. Mãe? Não basta. Filhos e súditos têm pela soberana prestigiosa o mesmo respeito incondicional, a mesma obediência passiva.

Ela sente, na sua viuvez, não só a falta do amigo, mas a da sua própria personalidade humana.

Havia uma voz só, entre tantíssimas vozes, que a tratava como a companheira de jornada; a confidente, a alma irmã, a criatura filha de Deus, sujeita ao erro, domável ao conselho, com as qualidades e os defeitos inerentes aos mais; havia só uma voz que lhe lembrava que ela era uma mulher como as outras mulheres, afetiva, nascida para o gozo e para o sofrimento, e que o seu papel na Vida, saía todo do coração.

Dizer somente: Victória, era o mesmo que significar, aos seus ouvidos aturdidos de honrarias e lisonjas confusas: "Para mim tu és mais do que a soberana, apoderosa Rainha da Inglaterra e Imperatriz de todas as Índias; tu és a Mulher, criada à minha semelhança, para companheira da minha existência, bonança dos meus dias, e benção da minha prole. Nasceste para mim; somos iguais, amemo-nos!"

Percebo a sensação de isolamento que a rainha havia de sentir, quando, olhando em torno, só visse cabeças curvadas diante dos seus olhos interrogativos, e joelhos vergados nos degraus do seu trono.

A única voz que a tratava por tu, extinguira-se; e só então ela percebeu como essa expressão de igualdade e de intimidade é doce...

Todas as suas confidencias se voltam para o seu diário.

É preciso abrir uma válvula ao sentimento, — e escreve. É também a única maneira que ela tem de se fazer lembrar a si mesma que ela é — Victória — a mulher de carne e osso, da mesma espécie, portanto, que as pobres camponesas que andam pelos campos ceifando, e vão à tarde para as pontes e as cercas tagarelar com os noivos. Este livro é como que uma janela aberta numa prisão.

Eu gostaria de lê-lo, certa de que ele será um excelente estudo de uma alma, revelação de uma tortura desconhecida e nobre, cuja interpretação é esta: a ânsia de uma rainha por ser antes, e mais que tudo — a Mulher.

Em toda a sua biografia só entrevi, talvez mal, um traço ligeiro de vaidade. Sua Majestade Britânica, oferecendo o seu jornal ao grande romancista Dickens escreveu:

"Como o dom de um dos mais humildes escritores, ao maior de todos."

Talvez que este livro espontâneo, espelho de uma alma em toda a sua intimidade, dê direito ao titulo que a rainha se arrogou.

Que observações finas e curiosas teriam essas páginas comentadoras de atos e de personagens da Corte, se a mão da soberana, trocando o cetro pela pena, a empunhasse, não como derivativo de saudade amarga, mas como um instrumento que tudo revolve em busca da Verdade!

O livro de uma rainha tem de ser nublado pelos preconceitos e as conveniências. Muitas linhas teriam sido riscadas, quando, deixando de ser álbum íntimo, esse confidente discreto passou a ser livro publicado.

Todavia, o que naturalmente o torna encantador, é a sua essência, a expansão ingênua da felicidade ao alcance de qualquer...

Talvez tivesse sido esse o segredo da popularidade da rainha. O povo ama os simples e reverencia, sobre todas, as qualidades do coração.

Não tardará que essas virtudes decantadas, atravessem contos ingleses e canções idílicas, como embrião de formosas e futuras lendas. O tocante episódio da oferta de um brinquedo a filha de um camponês, anos depois de feita a promessa, interrompida por viagens e altas preocupações de estado, servirá de assunto magnífico para histórias do Natal, em que as crianças que hão de vir, antes de conhecer a rainha da História, comecem a amar a mulher do conto...

Assim, a rainha bem amada, surgirá em várias páginas, conduzida pelas mãos daquele a quem ela se associou, chamando-se escritora.

Eu quisera, sempre a exigência da perfeição! Que, para a apoteose de tão clara e amorosa existência, a velha Rainha da Inglaterra e Imperatriz das Índias, soerguendo-se no leito de morte, com o esforço supremo da sua vontade soberana, tivesse pedido aos seus ministros e ao novo rei, seu filho, a terminação da guerra sul-africana.

Dizem que do mal desta guerra se finou a velha senhora. Quero crê-lo; e só assim concebo a suavidade da sua morte.

A dor, que não pôde ser expressa, por conveniências e por orgulhos de Estado, e que ficou abafada no último suspiro, deve vibrar agora, como um remorso na consciência dos que a provocaram.

Triste, o brilhante destino dos reis, que nem os deixa morrer como os demais cristãos: perdoando!

A alma da rainha-imperatriz muito se mostrara ao seu povo para que ele não a conhecesse. Com a percepção aguda do instinto, ele lê nela como em um livro: por isso afirma que era infinito o desgosto da sua soberana ao fechar os olhos para o último sono.

Era infinito o seu desgosto; mas, se em vez de oitenta anos a Rainha Victoria tivesse quarenta, teria sabido morrer de outra maneira.

Então, o rumor surdo das armas em combate, descansando no solo ainda fumegante da batalha, soaria mais alto que todas as orações e que todos os sinos das abadias e das catedrais. Esse devia ter sido o último sonho da Rainha.

Advinhando-o, todo o seu povo se cobre de luto sincero, os jardins do Reino despojam-se das suas flores, e as viúvas e os órfãos não a amaldiçoam.

As virtudes altíssimas do seu espírito e do seu caráter são mencionadas em todas as línguas da Terra; o telégrafo espalha o seu nome pelo mundo inteiro, e há em todo este movimento um respeito singular e profundo pela mulher cujo conselho, cuja prudência e cujo acerto, desenvolveram, ampararam e enriqueceram a mais poderosa nação do Globo, e que afinal, morre calada e triste, por não poder realizar o seu último sonho!

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).

Tarcísio Fernandes (Redação de uma Criança)


I

Sou o sonho e a ansiedade
e o projeto de um casal
que, de um ato sexual,
me tornou realidade,
prova de fertilidade,
o prazer da gestação,
nove meses de tensão,
uma vida despontando,
ou um que vem chegando
numa nova geração..

II

Sou assim como o começo
de uma longa caminhada,
como porta escancarada
ou produto sem ter preço;
como início de endereço
de uma rua em projeção;
como alguém, na multidão,
procurando se encontrar;
como a base ou um pilar
de algum prédio em construção.

III

Tenho um quê de dependência,
apesar de impetuoso.
Vez por outra sou teimoso,
mas me sinto obediência.
Sou um ser que tem carência
e também sou incompleto;
nem ao menos fiz projeto
pra viver o meu futuro;
também sou meio inseguro,
Sonhador e irrequieto.

IV

Não dou bolas para azar,
só viver já me conforta;
e se alguém me "abre uma porta",
aproveito para entrar.
Explorando esse lugar,
centralizo as atenções,
e, me achando com razões,
vou de encontro à disciplina,
pois não gosto de rotina
nem tampouco de padrões.

V

Faço birra se o que eu vejo
para mim, chama a atenção;
não aceito ouvir um não
para aquilo que eu desejo.
Aproveito todo ensejo
para usar a minha idade.
Tudo, em mim, é só verdade;
só o agora me interessa;
pra viver não tenho pressa,
quero, apenas, liberdade.

VI

Nasço, cresço, vivo, morro,
vejo, quero, peço, imploro,
subo, desço, caio e choro,
canto, rio, dou esporro.
Pulo, brinco, jogo, corro,
paro, sento e me levanto.
Meio sonso, meio santo,
entro, saio, vou pro meio,
obedeço ou esperneio
me amuando num recanto.

VII

Tento me virar sozinho
para ver se a vida ensina;
e, se alguém me recrimina,
põe mais pedra em meu caminho.
Se, ao contrário, dá carinho,
ao invés de repressão
e me ajuda, dando a mão,
adquiro confiança
e me sinto a esperança
desse velho mundo cão.

VIII

Quero ser eu de verdade;
quero um não sem lero-lero;
quero ter tudo que eu quero;
quero usar minha vontade.
Quero minha liberdade;
quero dar mais confiança;
quero ser a esperança;
quero ser bem educado;
quero amar e ser amado;
quero, apenas, ser criança.

Fonte:
Helóisa Crespo (organização e programação visual). Ciranda “Criança em Versos”. Campos dos Goytacazes/RJ: 2011. Livreto enviado pela autora

Denise Stucchi (No Caderno de Contar a Vida)


19 de setembro de 1999, Domingo, 11h00.

Acho que gosto dos domingos. Pode-se dormir até tarde, ler um jornal que não acrescenta nada à existência de ninguém, olhar com mais cuidado o grande cachorro negro que dorme sobre o tapete, beber devagar o café. Fumar um cigarro sinceramente. Depois, é o vazio. O telefone não toca, o banco não abre, o carteiro não vem, caminha-se pela casa, sem expectativas. Inventam-se problemas que não podem ser resolvidos, hoje é Domingo, afinal. Chove muito — o sol na cidade é para os dias úteis, como se sabe — e não existe perspectiva nenhuma do lado de fora desta janela.

Então, vem a inevitável introspecção, depois da madrugada com os amigos, muitos passaram pela casa hoje silenciosa. O cão, exausto de tanto movimento, fareja a marca dos pés sobre o assoalho antes encerado. Depois de tanta expansão, o corpo quer de novo a sua concha, conteúdo, não mais continente.

Deve ter sido a leitura do poema de Yeats, o fascínio daquilo que é difícil, chama-se. Perseguem-me os versos finais, juro que puxo a tranca da porteira antes que novo dia tenha início.

E nesse Domingo ainda com resíduos do inverno, o supermercado da semana já feito, nenhum ruído humano em volta — com a chuva nem a pelada dos meninos na rua aconteceu — fica-se assim, pensando em si mesmo sem a costumeira condescendência, aquela que na Sexta-feira nos embriagava absolutamente.

20 de setembro de 1999, Segunda-feira, 23h20.

Dia da consulta com F., o homeopata. Sentei-me à sua frente, escolhendo pela primeira vez a cadeira da esquerda. Como para lhe mostrar, com o meu corpo, que agora eu estava em outro lugar, diferente. Que daquela vez não vinha para me lamentar ou brigar, que ali estava porque dolorosamente as ilusões todas estavam me abandonando. Sentia-me como aquele homem que, no fim de semana, me falara tão triste e docemente sobre a sua finitude. A indignação, companheira de toda uma vida, fora substituída pelo sentimento que tão obstinadamente me recusou até que, sem mais propósito, se foi a indignação, deixando em seu lugar a verdade. Que acabou me colocando neste lugar diferente, num encontro quase insuportável com esse meu eu tão triste, impotente. Débil, dissera sobre mim o homem doce.

Hoje o médico e eu começamos a inventar uma nova língua, criando palavras que conectam reciprocamente o meu mundo ao mundo dele e os dois a uma imagem só: Staphygaria CH30, para celebrar a comunhão das almas que naquele momento se fez.

21 de setembro de 1999, Terça-feira, 0h00.

Veio o meu amigo músico, S.: pontualmente, para o café da hora do Ângelus.

Veio naquele seu carro muito velho, onde tudo é barulho, senti antes sua presença, escutando na rua o tremor do escapamento temerariamente suspenso.

No banco traseiro, o violino embrulhado em uma capa rota e suja e o saxofone — impressionante relíquia — fazendo companhia a uma edição bolsillo de Cortázar. El Perseguidor é a sua história predileta. Meu amigo in blue.

Mais tarde, sozinha, descubro repentinamente que estou pobre. Dentro de mim não repercute saudade por ninguém. Ou vai ver a pobreza se fez pela ausência prolongada de tantos queridos. Não sei mais quem sou gostando dessa que ainda não conheço. Não é tão ruim, afinal. Estando pobre, sempre posso enriquecer.

O poeta estava dizendo das coisas poderosas e permanentes, mas o poeta não falava de gente, falava da água e do vento.

22 de setembro de 1999, Quarta-feira, 16h00.

Dia de folga, hoje, de tomar café toda hora, só comer fruta, ligar e desligar a TV — um horror, uma delícia — conversar com o cão. Larguei num canto o tapete, não agüentava mais tecer tanto azul. Acabei, até que enfim, aquele mural enorme para a parede do escritório, forrei de preto. Coloquei fotos das crianças, afilhados e agregados, escolhendo aquelas de uma época em que não sofriam tanto como sofrem hoje. Tem reprodução do Portinari — O menino morto.

Tem um símbolo quântico que o meu filho leão fez no computador. Tem Clarice, Adélia Prado, Hilda Hilst, Cortázar, Otavio Paz, Calvino, Scorsese, Coppola...Tem Betinho, que nunca morre. Uma reprodução do Kieffer sobre o Holocausto — belíssima alegoria. Cenas no metrô. Um mapa do mundo segundo Carlos Magno e uma paisagem do Hopper. Um recorte do navegador, "o pior tipo de naufrágio é não partir". Família, por Egon Schiele. "Un rifugio nascosto dove il tempo sembra essersi fermato", inscrição gravada sobre uma casa de pedras no interior da Itália. Tem o meu amor na praia usando chapéu panamá...

23 de setembro de 1999, Quinta-feira, 7h00.

Jantei com M., ontem. Já faz quase meio século que nos conhecemos, primas-irmãs, com poucos meses de diferença de idade. Toda vez que nos encontramos — depois de tantos anos de separação — fico nostálgica. Se ela tivesse sido a irmã que nunca tive, talvez, talvez...teríamos ajudado a melhorar um pouco este mundo de merda...ou mandado de volta para o inferno esse ódio ancestral que escurece os corações das mulheres de nossa família...faríamos de nossas mães duas velhinhas orgulhosas de suas filhas, colos imensos e insaciáveis para os seus netos, nossos filhos...teríamos cuidado da imensa dor — esse legado que destruiu a alma da L. — convencendo-a de que, ao contrário do que ela imagina, essa dor veio para fazer dela uma deusa e não uma bruxa...teríamos trocado receitas, confidências sobre amantes e maridos, nos consolaríamos uma a outra pela nossa orfandade paterna...compartilharíamos amigos...eu ensinaria a ela o amor pelo conhecimento, a beleza de um museu, a devoção aos orixás...ela me ensinaria a rir, a beber, a dançar, a confiar sem medo. Quem foi mesmo que disse que a vida é uma série de tentativas fracassadas?

24 de setembro de 1999, Sexta-feira, 8h00.

Já é primavera, mas o dia amanheceu iluminado e frio, como "um perfeito dia de maio". Não sei se tomo banho antes de começar, passo um sal grosso, acendo um incenso, sei lá.

14h30.

A tarde está cinza, de vento gelado, prometendo madrugada de insônia agasalhada por meias e cobertores. Vem a lembrança de um amigo aqui nesta sala lendo em voz alta Virginia Woolf e da palavra OBLÍQUA saindo de sua boca.

20h00.

Estava meio — bem, bastante — reticente, mas aí comecei a escavar, segura de que sobrou para mim um pouco da matéria imaginante, poética, da cota destinada à humanidade. Está tudo indo bem.

A água para o café começa a chiar sobre a chaleira do fogão: hoje, vou bebê-lo sozinha.

25 de setembro, Sábado, 23h20.

Cadê a alegria que estava aqui Segunda, Terça, Quarta, Quinta, Sexta? Cadê o amorosamente tocar a flor amarela, o rosto magro do homem, as cobertas sobre a cama, o corpo amaciado pelo creme? Quero dizer que o amor nunca acabou, não preciso, ele já sabe. Quero dizer que dói, ele sabe, mas não entende. É que ele o amor veio como uma onda imensa e quase me afogou e me deixou exausta. Ontem foi que eu senti a exaustão e perdi o controle sobre aquela coisa mansa e harmoniosa que construímos para viver a semana. Vai ver eu pensei que ele o amor fosse imenso demais para esse homem, vai ver eu me senti desnecessária como diz a Felipa, "mulher é desdobrável, eu sou.". De tanto desdobrar fiquei um lixo, pedaço de papel sem serventia, mulher estranha e incomunicável, eu, a mulher de tantas palavras. Não desisto. Vou acender velas e mais velas, debaixo do chuveiro cantarei todos os mantras, o perfume do incenso entrando nas narinas sândalo jasmim canela derretendo as couraças de uma vida inteira?

26 de setembro, Domingo, 18h00.

Os pássaros já se recolheram. Os cachorros estão alimentados. Alguma coisa acaba para sempre aos domingos. Não sei o quê.
===========
Denise Stucchi
Paulista da Capital, hoje morando em Florianópolis, Santa Catarina. Escrevendo desde sempre, somente a partir da metade da sua vida veio a decisão de compartilhar seus manuscritos. Tem poema — "Memorial" — publicado no primeiro número da revista carioca POESIAS.
Recebeu a primeira colocação no concurso Escritores do Cone Sul da Editora Litteris, em 2000 com este "No caderno de contar a vida".
Escreveu "De conversa com Felipa", livro onde troca impressões com a personagem central da obra de Adélia Prado, "Manuscritos de Felipa".

Fonte:
http://nocadernodecontarvida.blogspot.com/

Cruz e Souza (O Livro Derradeiro) Parte XIII


CAMPESINAS

I

Camponesa, camponesa,
Ah! quem contigo vivesse
Dia e noite e amanhecesse
Ao sol da tua beleza.

Quem livre, na natureza,
Pelos campos se perdesse
E apenas em ti só cresse
E em nada mais, camponesa.

Quem contigo andasse à toa
Nas margens duma lagoa,
Por vergéis e por desertos,

Beijando-te o corpo airoso,
Tão fresco e tão perfumoso,
Cheirando a figos abertos.

II

De cabelos desmanchados,
Tu, teus olhos luminosos
Recordam-me uns saborosos
E raros frutos de prados.

Assim negros e quebrados,
Profundos, grandes, formosos,
Contêm fluidos vaporosos
São como campos mondados.

Quando soltas os cabelos
Repletos de pesadelos
E de perfumes de ervagens;

Teus olhos, flor das violetas,
Lembram certas uvas pretas
Metidas entre folhagens.

III

As papoulas da saúde
Trouxeram-te um ar mais novo,
Ó bela filha do povo,
Rosa aberta de virtude.

Do campo viçoso e rude
Regressas, como um renovo,
E eu ao ver-te, os olhos movo
De um modo que nunca pude.

Bravo ao campo e bravo a seara
Que deram-te a pele clara
São rubores de alvorada.

Que esses teus beijos agora
Tenham sabores de amora
E de romã estalada.

IV

Através das romãzeiras
E dos pomares floridos
Ouvem-se as vezes ruídos
E bater d’asas ligeiras.

São as aves forasteiras
Que dos seus ninhos queridos
Vêm dar ali os gemidos
Das ilusões passageiras.

Vêm sonhar leves quimeras,
Idílios de primaveras,
Contar os risos e os males.

Vêm chorar um seio de ave
Perdida pela suave
Carícia verde dos vales.

V

De manhã tu vais ao gado
A cantar entre as giestas,
Com tuas graças modestas,
Correndo e saltando o prado.

E a veiga e o rio e o valado
Que todos dormem as sestas
Acordam-se ante as honestas
Canções desse peito amado.

As aves nos ares gozam,
Entre abraços se desposam,
No mais amoroso enlace.

E as abelhas matutinas
Que regressam das boninas
Voam, te em torno da face.

VI

As uvas pretas em- cachos
Dão agora nas latadas...
Que lindo tom de alvoradas
Na vinha, junto aos riachos.

Este ano arados e sachos
Deixaram terras lavradas,
À espera das inflamadas
Ondas do sol, como fachos.

Veio o sol e fecundou-as,
Deu-lhes vigor, enseivou-as,
Tornou-as férteis de amor.

Eis que as vinhas rebentaram
E as uvas amaduraram,
Sanguíneas, com sol na cor.

VII

Engrinaldada de rosas,
Surge a manhã pitoresca...
Que linda aquarela fresca
Nas veigas deliciosas!

Que bom gosto e perfumosas
Frutas traz, madrigalesca
A rapariga tudesca
Que vem das searas cheirosas!

Como os rios vão cantando,
Em sons de prata, ondulando,
Abaixo pelos marnéis!

Que carícia nas verduras,
Que vigor pelas culturas,
Que de ouro pelos vergéis!

VIII

Orgulho das raparigas,
Encanto ideal dos rapazes,
Acendes crenças vivazes
Com tuas belas cantigas.

No louro ondear das espigas,
Boca cheirosa a lilazes,
Carne em polpa de ananases
Lembras baladas antigas.

Tens uns tons enevoados
De castelos apagados
Nas eras medievais.

Falta-te o pajem na ameia
Dedilhando, a lua cheia,
O bandolim dos seus ais!

IX

No campo santo
Morreste no campo um dia,
Como uma flor desprezada.
Clareava a madrugada

Azul, vaporosa e fria.
Sobre a agreste serrania,
Numa ermida branqueada
Por uma manhã doirada
Um sino repercutia.

Teu caixão, de camponesas
E camponeses seguido,
Desceu abaixo às devesas.

Ganhou o atalho comprido
De casas em correntezas
E entrou num campo florido.

NA VILA

Nos ervaçais vibrou o sol agora,
Nas fitas verdes dos canaviais...
Como rompesse loura e fresca a aurora
Agora o sol vibrou nos ervaçais.

Murmurejam de alegres os caminhos
Que até parecem, límpidos, cantar
Na música melódica dos ninhos
Que vai nos ares se cristalizar.

Floresce tudo, em toda parte flores
Neste maio feliz, e tão feliz
Que as plantas exuberam de vigores
Desde a profunda, pródiga raiz.

Noivam as aves junto dos riachos
No seu alado alvorecer de amor;
E o coqueiral, com os amarelos cachos,
Pompeia de riquíssimo verdor.

Fluem na sombra meigas fontes claras
Sob o frondente e vasto laranjal
E para além magníficas searas
Se estendem como um leito virginal.

Na serena paz vegetativa
Faz docemente tudo adormecer
Mas num sono de luz doirada e viva,
Quase a dormência de quem vai morrer...

Ah! que o silêncio, a solidão dos ermos,
Das agrestes paragens do sertão
Se dão saúdes a espíritos enfermos
Também supremas nostalgias dão!

A volúpia letal do meio-dia,
Nas horas encalmadas, sob a luz,
Dá duma campa a atroz melancolia
Assinalada numa simples cruz.

Depois o campo na mudez da vila,
Aquela eterna e soberana paz
Da imensa vastidão sempre tranqüila
Como que punge e que entristece mais!

Fonte:
Cruz e Sousa, Poesia Completa, org. de Zahidé Muzart, Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura / Fundação Banco do Brasil, 1993.

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Sítio do Picapau Amarelo IV – As formigas ruivas

IV
As formigas ruivas

Só depois de comer o peixe frito é que Narizinho se lembrou da pobre boneca, encharcada pelo banho no rio.

— A coitada!... É bem capaz de apanhar pneumonia...

E foi correndo cuidar dela. Despiu-a e pô-la num lugar de bastante sol. Dum lado estendeu suas roupinhas molhadas e do outro, a pobre Emília nua em pêlo. E já ia retirar-se quando a boneca fez cara de choro.

— Eu aqui não fico sozinha!...

— Por que, sua enjoada? Tem medo que o leitão venha espiar esses cambitos magros?

— Espiar não é nada, mas ele é capaz de me comer. Tia Nastácia diz que Rabicó devora tudo o que encontra.

— Nesse caso, penduro você na árvore.

— Isso também não! — protestou Emília. — Alguma vespa pode me ferrar.

— Boba! Não sabe que vespa não ferra pano?

— Mas se eu cair com o vento?

— Grande coisa! Boneca de pano quando cai não se machuca. Eu é que não posso ficar neste sol tirano à espera de que a excelentíssima senhora condessa de Três Estrelinhas seque! Quem mandou molhar-se?

— Mal agradecida! Se não fosse a minha molhadela você não comia a traíra.

— Está pensando que era uma grande coisa a tal traíra? Só espinho...

— É, mas você comeu-a com espinho e tudo. e até lambeu os beiços.

— Lábios, aliás. Beiço é de boi. Comi porque quis, sabe? Não tenho que dar satisfações a ninguém, ahn! — e Narizinho pôs-lhe a língua.

Emburraram ambas. Narizinho, porém, ficou, porque lá no íntimo estava com receio de deixar a boneca sozinha.

Fazia um sol quente e parado. Nas árvores, um ou outro tico-tico só; e no chão, só formiguinhas ruivas.

Para matar o tempo a menina pôs-se a observar o corre-corre delas, esquecendo a briga com a boneca.

— Já reparou, Emília, como as formigas conversam? Que pena a gente não entender o que dizem...

— A gente é modo de dizer — replicou Emília — porque eu entendo muito bem o que dizem.

— Sério, Emília?

— Sério, sim, Narizinho. Entendo muito bem e, se você ficar aqui comigo, contarei todas as historinhas que elas conversam. Repare. Vem vindo aquela de lá e esta de cá. Assim que se encontrarem, vão parar e conversar.

Dito e feito. As formiguinhas encontraram-se, pararam e começaram a trocar sinais de entendimento.

— Fiquei na mesma! — disse a menina.

— Pois eu entendi tudo, — declarou a boneca. -A que veio de lá disse: “Encontrou o cadáver do grilinho verde”? A que veio de cá respondeu: “Não”! A de lá: “Pois volte e procure perto daquela pedra onde mora o besouro manco.” Esta formiga que dá ordens deve ser alguma dona-de-casa lá do formigueiro. E repare seus modos de mandona; está sempre a entrar e sair do buraquinho, como quem dirige um serviço. A outra com certeza é uma simples carregadeira.

Havia de ser isso mesmo, porque logo depois chegou uma terceira, muito apressada, que cochichou com a mandona e lá se foi mais apressada ainda.

— Que é que disse esta? — perguntou Narizinho.

— Disse que haviam descoberto uma bela minhoca perto da porteira, mas que precisavam de ajutório para conduzi-la.

— Emília, você esta me bobeando! — exclamou a menina desconfiada. — Vou ver, e se não for verdade você me paga. Espere aí...

E disparou em direção da porteira. Procura que procura, logo achou em certo ponto uma pobre minhoca corcoveando com várias formiguinhas ferradas no seu lombo.

Teve vontade de libertar a prisioneira, mas a curiosidade de ver o que aconteceria foi maior — e deixou a triste minhoca entregue ao seu trágico destino.

Novas formiguinhas foram chegando, que de um bote — zás!... ferravam a minhoca sem dó. Não demorou muito e já eram mais de vinte. A minhoca bem que espinoteou; por fim, exausta, foi moleando o corpo até que morreu bem morrida. As formiguinhas então principiaram a arrastá-la para o formigueiro.

Que custo! A minhoca era das mais gordas, pesando umas sete arrobas — arrobinhas de formiga, e além disso ia enganchando pelo caminho em quanto pedregulho ou capim havia; mas as carregadeiras sabiam dar volta a todos os embaraços.

Depois de meia hora de trabalheira deram com a minhoca na boca do formigueiro. Aí, nova atrapalhação. Por mais que experimentassem, não houve jeito de recolhê-la inteira. Nisto apareceu a formiga mandona. Examinou o caso e deu ordem para que a picassem em vários roletes.

Aquilo foi zás-trás! Em três tempos fez-se o serviço e os roletes de carne foram levados para dentro.

— Sim, senhora! — exclamou a menina depois de terminada a festa. — É o que se pode chamar um trabalho limpo! O demo queira ser minhoca neste pomar...

— Bem feito! — disse Emília. — Quem a mandou ser abelhuda?

Se estivesse com as outras lá dentro da terra, que é o lugar das minhocas, nada lhe aconteceria. Macaco que muito mexe quer chumbo, como diz tia Nastácia.

Isso, foi de dia. De noite a história das formigas continuou.

Narizinho e Emília dormiam juntas na mesma cama. A rede armada entre pés de cadeira fora abandonada desde que a boneca aprendeu a falar. Dormiam juntas para conversar até que o sono viesse.

— Mas, Emília, como é que você entende a linguagem das formigas? — perguntou Narizinho logo que se deitou.

A boneca refletiu um bocado e respondeu:

— Entendo porque sou de pano.

Narizinho deu uma gargalhada.

— Isso não é resposta duma senhora inteligente. O meu vestido também é de pano e não entende coisa nenhuma.

A boneca pensou outra vez.

— Então é porque sou de macela — disse.

Nova risada de Narizinho.

— Isso Também não é resposta. Este travesseiro é de macela e entende as formigas tanto quanto eu.

— Então... então... engasgou Emília, com o dedinho na testa. Então não sei.

Era a primeira vez que Emília se embaraçava numa resposta. Primeira e última. Nunca mais houve pergunta que a atrapalhasse.

— Pois se não sabe, durma — disse a menina, virando-se para a parede.

Dormiram ambas.

Altas horas, estavam no mais gostoso do sono quando bateram — toc, toc, toc...

— Quem é? — perguntou Narizinho sentando-se na cama.

— Sou eu, Rabicó! — grunhiu o leitão entreabrindo a porta com o focinho. — Está aqui uma senhora ruiva que quer entrar.

— Pois que entre! — ordenou a menina. Rabicó escancarou a porta para dar passagem a uma formiga ruiva, de saiote vermelho e avental de renda. Trazia na cabeça uma salva de prata, coberta com guardanapo de papel.

— Que é que deseja? — indagou a menina cheia de curiosidade.

— Quero entregar à senhora Condessa este presente mandado pela rainha das formigas.

— Condessa? — repetiu Narizinho franzindo a testa. – Que condessa, minha senhora?

— Condessa de Três Estrelinhas — explicou a formiga.

— Hum! — fez a menina, lembrando-se de que ela mesma havia “condessado” a boneca.

Voltou-se para Emília e deu-lhe uma cotovelada.

— Acorde, pedra! É com Vossa Excelência o negócio.

Emília sentou-se na cama. Espreguiçou-se, tonta de sono. E julgando que ainda estivessem a conversar sobre a linguagem das formigas, disse, num bocejo:

— Então é... é porque sou...

— Não se trata mais disso, idiota! Está aí à procura duma tal condessa a criada duma tal rainha. Vamos! Acorde duma vez!

Só então Emília acordou de verdade. Viu a formiga com a salva e espichou os braços para receber o presente. Eram croquetes, lindos croquetes tostadinhos.

A boneca sorriu de gosto e orgulho. A rainha só se lembrara dela!

— Diga a Sua Majestade que a condessa de Três Estrelinhas muito agradece o presente. Diga que os croquetes estão lindos e que ela é uma grande cozinheira.

Narizinho disparou a rir gostosamente.

— Que idéia, condessa! Uma rainha lá pode ser cozinheira?

Caindo em si, Emília viu que tinha cometido uma coisa muito grave entre as pessoas de alta sociedade, chamada “gafe”. E procurou corrigir-se.

— Isto é... diga que a cozinheira dela é muito boa, entendeu? E diga também que os croquetes estão muito gostosos, isto é... devem estar muito gostosos. Pode ir.

A criada fez um cumprimento de cabeça antes de retirar-se, mas foi detida por um gesto da menina.

— Não vá ainda — disse ela. E voltando-se para a Emília: — Presente, senhora condessa, paga-se com presente. Mande à tal rainha uma perna daquele pernilongo que queimei com a vela antes de deitar.

— É verdade! — exclamou a boneca. — Não me custa nada e ela vai ficar contentíssima.

E pôs-se de gatinhas a procurar o pernilongo assado. Achou-o, tirou-lhe uma perninha, enfeitou-a com um laço de fita e, depois de embrulhá-la em papel de seda, colocou-a na salva, com um cartão que dizia assim:

“À Sua Majestade a Rainha da Cintura Fina, a humilde criada Condessa de Três Estrelinhas oferece este humilde presente.”

— Leve este presente à rainha, sim? E você, para distrair-se pelo caminho vá comendo este mocotó de pernilongo – concluiu Emília, dando à criada um cambito de inseto.

A mensageira agradeceu, retirando-se muito satisfeita da vida, com a salva na cabeça e o mocotó no ferrão.

Emília fechou a porta e veio examinar os croquetes. Cheirou-os.

— Hum! Estão de fazer vir água à boca. Quer provar um, Narizinho?

A menina torceu o nariz desdenhosamente.

— Deus me livre! Juro que é croquete de minhoca.

Percebendo que ela falava assim por despeito, a boneca disse, para moê-la:

— Quem desdenha quer comprar...

— Só? Engraçadinha!... replicou a menina com um grande ar de pouco caso. E vendo a boneca morder um dos croquetes, com os maiores exageros do mundo, como se aquilo fosse um manjar do céu, fez muxoxo de nojo.

— Está boa mesmo para casar com Rabicó! Comer croquete de minhoca!

— Que seja de minhoca, que tem isso? — retrucou Emília. Tanto faz carne de minhoca como de porco, vaca ou frango — tudo é carne. E muito me admira que uma senhora que comeu ontem no jantar tripa de porco, mostre essa cara de nojo por causa dum simples croquete de minhoca.

— Alto lá, senhora condessa Minhoqueira! Porco é porco e minhoca é minhoca.

— É “por isso mesmo” que eu como minhoca e não como porco! — replicou a boneca vitoriosa. — Não sou porcalhona.

A discussão foi por aí além. Enquanto isso o senhor Rabicó farejou os croquetes, chegou-se de mansinho e, vendo-as distraídas com a disputa, comeu-os todos de uma engolida só. Terminada a discussão, quando a boneca, espichou o braço a fim de pegar um segundo croquete...

— Que é dos croquetes? — gritou ela.

Nem sinal! Emília esperneou de ódio, ao passo que Narizinho batia palmas de contentamento.

— Bem feito! Estava muito ganjenta, não é? Pois tome!

— Quero os meus croquetes! Quero os meus croquetes! — berrava Emília, batendo o pé num grande desespero.

— Se quer os seus croquetes, peça contas a quem os tirou.

— Quem foi?

— Quem mais se não Rabicó? Vai ver que está aqui pelo quarto, escondido debaixo da cama.

Emília deu busca e logo descobriu o ladrão num canto, ressonando de papo cheio.

— Espere que te curo! — gritou ela, passando a mão na vassoura. E pá! pá! pá!... desceu a lenha no lombo do gatuno, enquanto Narizinho se rebolava na cama de tanto rir, pensando consigo: “Se antes de casar é assim, imagine-se depois!”

Isso porque ela andava alimentando o projeto de casar Emília com Rabicó.
–––––––––
Continua... Pedrinho

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

57a. Feira de Livros de Porto Alegre (Programação de 7 de novembro, segunda-feira)


O Autor no Palco
07/11/2011 - 09:00
Encontro de escritores e ilustradores com alunos do ensino fundamental

Mostra do Programa de Leitura Adote um Escritor
07/11/2011 - 09:00

Encontro com autor
07/11/2011 - 10:30

O Autor no Palco
07/11/2011 - 10:30
Encontro de escritores e ilustradores com alunos do ensino fundamental

A Arte Levada a Sério
07/11/2011 - 10:30
Apresentação dos alunos do município de Caraá

Oficina: Crítica Literária
07/11/2011 - 14:00
Apresentação expositiva, leitura e discussão de textos e prática de crítica literária. Módulo 1/3

Encontro com autor
07/11/2011 - 14:00

Sessão de Autógrafos
07/11/2011 - 14:00
Apresentação do projeto comunitário "Comunicar, desenvolver, crescer"

O Autor no Palco
07/11/2011 - 14:00
Encontro de escritores e ilustradores com alunos do ensino fundamental

A Arte Levada a Sério
07/11/2011 - 14:00
Pequenos e Grandes Escritores - Escola Salvador Jesus Cristo do município de Alvorada

Oralidade e escrita e o papel da ancestralidade
07/11/2011 - 14:30
Caminhos da cidadania cultural

Tenda.doc: Vozes de Moçambique, um paralelo com o Brasil
07/11/2011 - 14:30
O documentario constrói uma ponte afetivo-literária entre os dois países. Depoimentos de Mia Couto,Domi Chirongo,Paulina Chiziane,Sangare Okapi,Ruy Guerra. Direção de Yanna Campos

A menina do farol - Um pedaço de pão
07/11/2011 - 15:00

Menina Bonita do Laço de Fita, de Ana Maria Machado
07/11/2011 - 15:30
Contação de Histórias

Encontro com autor
07/11/2011 - 15:30

Cine SESC
Exibição do filme Azur e Asmar
07/11/2011 - 15:30

O Autor no Palco
07/11/2011 - 15:30
Encontro de escritores e ilustradores com alunos do ensino fundamental

A Arte Levada a Sério
07/11/2011 - 15:30
João e o Misterio da Mansão - Grupo Cemiterium Iniciante

Belladonna
07/11/2011 - 15:30

Afrodescendência e ensino
07/11/2011 - 16:00
Seminário sobre a Lei 10639/03, que torna obrigatório o ensino da história da África e dos afrodescendentes no currículo escolar

Oficina: Introdução à arte de escrever
07/11/2011 - 16:00

Iniciação à arte da escrita, visando despertar o processo criativo e transmitir técnicas de aperfeiçoamento. Módulo 1/3

Poeta maior de Moçambique
07/11/2011 - 16:00
Leitura de poemas de José Craveirinha

II Seminário Nacional de Crítica e Literatura - Literatura em Trânsito: Brasil / África
07/11/2011 - 16:30
Viagem pelo nosso mútuo conhecimento

Oficina: Haikais - imagens poéticas de Porto Alegre
07/11/2011 - 16:30
A produção de haikais a partir de imagens de Porto Alegre. Módulo 1/2

Sessão de autógrafos do Colégio Marista Assunção
07/11/2011 - 16:30

Concursos: faça sem medo!
07/11/2011 - 17:00
Bate-papo sobre como preparar a mente e o corpo, entender, dominar e superar os obstáculos que antecedem um vestibular ou um concurso público

Apresentação da antologia de poesia afro-brasileira
07/11/2011 - 17:30
150 anos de consciência negra no Brasil

A escrita da dança
07/11/2011 - 17:30

Alinhavando miçangas
07/11/2011 - 18:00
Contos e poesias de Mia Couto

Oficina: Como as crianças brincam na África
Ao infinito e além: A Midiateca como um Novo Cenceito de Leitura
07/11/2011 - 18:00

Trinta anos de A mulher afortunada e a obra de Donaldo Schuler
07/11/2011 - 18:30
Os aspectos literário e ensaístico das produções editadas do autor

Oficina: Tradução Literária, um mal necessário
07/11/2011 - 18:30

Como dizia Borges, os livros intraduzíveis não tem importância. Módulo 1/3
Leitura em debate
07/11/2011 - 18:30

Um trem para a Suíça
07/11/2011 - 18:30

O Tatu
07/11/2011 - 18:30

Cristãos Novos Inquisição na América Meridional
07/11/2011 - 18:30

Concursos: Faça sem medo
07/11/2011 - 18:30

Oficina: do livro - o livro passo a passo
07/11/2011 - 19:00
Dicas e orientações para produção de um livro. Módulo 1/3

Cine Santander Cultural
07/11/2011 - 19:00
Sessão Comentada

Encontro na cidade de pedra
07/11/2011 - 19:30

No último minuto/Vida do jogador Escurinho
07/11/2011 - 19:30

Entre Brasil e África
07/11/2011 - 19:30

Antologia de Poesia Afro-Brasileira
07/11/2011 - 19:30

Cordão da Saideira: Sarau Bem Black
07/11/2011 - 20:00
Edição do sarau que acontece semanalmente há dois anos no Pelourinho, onde a poesia produzida pela juventude negra das periferias de Salvador ganha voz

Encontro com Cleiton Amorim
07/11/2011 - 20:00

Fonte:
http://www.feiradolivro-poa.com.br/

sábado, 5 de novembro de 2011

Austregésilo de Miranda Alves (Trova Ecológica 40)

Carlos Drummond de Andrade (Torcida)


"Mesmo antes de nascer, já tinha alguém torcendo por você."

Tinha gente que torcia para você ser menino. Outros torciam para você ser menina.

Torciam para você puxar a beleza da mãe, o bom humor do pai.

Estavam torcendo para você nascer perfeito. Daí continuaram torcendo.

Torceram pelo seu primeiro sorriso, pela primeira palavra, pelo primeiro
passo.

O seu primeiro dia de escola foi a maior torcida. E o primeiro gol, então?

E de tanto torcerem por você, você aprendeu a torcer.

Começou a torcer para ganhar muitos presentes e flagrar Papai Noel.

Torcia o nariz para o quiabo e a escarola.

Mas torcia por hambúrguer e refrigerante.

Começou a torcer até para um time.

Provavelmente, nesse dia, você descobriu que tem gente que torce diferente de você.

Seus pais torciam para você comer de boca fechada, tomar banho, escovar os dentes, estudar inglês e piano. Eles só estavam torcendo para você ser uma pessoa bacana.

Seus amigos torciam para você usar brinco, cabular aula, falar palavrão.

Eles também estavam torcendo para você ser bacana.

Nessas horas, você só torcia para não ter nascido.

E por não saber pelo que você torcia, torcia torcido.

Torceu para seus irmãos se ferrarem, torceu para o mundo explodir.

E quando os hormônios começaram a torcer, torceu pelo primeiro beijo, pelo primeiro amasso.

Depois começou a torcer pela sua liberdade.

Torcia para viajar com a turma, ficar até tarde na rua.

Sua mãe só torcia para você chegar vivo em casa.

Passou a torcer o nariz para as roupas da sua irmã, para as idéias dos
professores e para qualquer opinião dos seus pais.

Todo mundo queria era torcer o seu pescoço.

Foi quando até você começou a torcer pelo seu futuro.

Torceu para ser médico, músico, advogado. Na dúvida, torceu para ser
físico nuclear ou jogador de futebol.

Seus pais torciam para passar logo essa fase.

No dia do vestibular, uma grande torcida se formou.

Pais, avós, vizinhos, namoradas e todos os santos torceram por você.

Na faculdade, então, era torcida pra todo lado. Para a direita, esquerda,
contra a corrupção, a fome na Albânia e o preço da coxinha na cantina.

E, de torcida em torcida, um dia teve um torcicolo de tanto olhar para
ela.

Primeiro, torceu para ela não ter outro.

Torceu para ela não te achar muito baixo, muito alto, muito gordo, muito
magro. Descobriu que ela torcia igual a você.

E de repente vocês estavam torcendo para não acordar desse sonho.
Torceram para ganhar a geladeira, o microondas e a grana para a viagem de
lua-de-mel.

E daí pra frente você entendeu que a vida é uma grande torcida.

Porque, mesmo antes do seu filho nascer, já tinha muita gente torcendo por ele.

Mesmo com toda essa torcida, pode ser que você ainda não tenha conquistado algumas coisas. Mas muita gente ainda torce por você!"

"Se procurar bem você acaba encontrando. Não a explicação (duvidosa) do mundo, mas a poesia (inexplicável) da vida."

Eu torço por você!

Carlos Drummond de Andrade (O Poeta Singrando Horizontes V)


RETORNO

Meu ser em mim palpita como fora
do chumbo da atmosfera constritora.
Meu ser palpita em mim tal qual se fora
a mesma hora de abril, tornada agora.

Que face antiga já se não descora
lendo a efígie do corvo na da aurora?
Que aura mansa e feliz dança e redoura
meu existir, de morte imorredoura?

Sou eu nos meus vinte aons de lavoura
de sucos agressivos, qe elabora
uma alquimia severa, a cada hora.

Sou eu ardendo em mim, sou eu embora
não me conheça mais na minha flora
que, fauna, me devora quanto é pura.

Itabira do Mato Dentro - MG - 1902

RESTOS

O amor, o pobre amor estava putrefato.
Bateu, bateu à velha porta, inutilmente.
Não pude agasalhá-lo : ofendia-me o olfato.
Muito embora o escutasse, eu de mim era presente.

RESÍDUO

De tudo ficou um pouco
Do meu medo. Do teu asco.
Dos gritos gagos. Da rosa
ficou um pouco
Ficou um pouco de luz
captada no chapéu.
Nos olhos do rufião
de ternura ficou um pouco
(muito pouco).
Pouco ficou deste pó
de que teu branco sapato
se cobriu. Ficaram poucas
roupas, poucos véus rotos
pouco, pouco, muito pouco.
Mas de tudo fica um pouco.
Da ponte bombardeada,
de duas folhas de grama,
do maço
- vazio - de cigarros, ficou um pouco.
Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.
Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.
Se de tudo fica um pouco,
mas por que não ficaria
um pouco de mim? no trem
que leva ao norte, no barco,
nos anúncios de jornal,
um pouco de mim em Londres,
um pouco de mim algures?
na consoante?
no poço?
Um pouco fica oscilando
na embocadura dos rios
e os peixes não o evitam,
um pouco: não está nos livros.
De tudo fica um pouco.
Não muito: de uma torneira
pinga esta gota absurda,
meio sal e meio álcool,
salta esta perna de rã,
este vidro de relógio
partido em mil esperanças,
este pescoço de cisne,
este segredo infantil...
De tudo ficou um pouco:
de mim; de ti; de Abelardo.
Cabelo na minha manga,
de tudo ficou um pouco;
vento nas orelhas minhas,
simplório arroto, gemido
de víscera inconformada,
e minúsculos artefatos:
campânula, alvéolo, cápsula
de revólver... de aspirina.
De tudo ficou um pouco.
E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.
Mas de tudo, terrível, fica um pouco,
e sob as ondas ritmadas
e sob as nuvens e os ventos
e sob as pontes e sob os túneis
e sob as labaredas e sob o sarcasmo
e sob a gosma e sob o vômito
e sob o soluço, o cárcere, o esquecido
e sob os espetáculos e sob a morte escarlate
e sob as bibliotecas, os asilos, as igrejas triunfantes
e sob tu mesmo e sob teus pés já duros
e sob os gonzos da família e da classe,
fica sempre um pouco de tudo.
Às vezes um botão. Às vezes um rato.

REMISSÃO

Tua memória, pasto de poesia,
tua poesia, pasto dos vulgares,
vão se engastando numa coisa fria
a que tua chamas: vida, e seus pesares.

Mas, pesares de quê ? perguntaria,
se esse travo de angústia nos cantares,
se o que dorme na base da elegia
vai correndo e secando pelos ares,

e nada resta, mesmo, do que escreves
e te forçou ao exílio das palavras,
senão contentamento de escrever,

enquanto o tempo, e suas formas breves
ou longas, que sutil interpretavas,
se evapora no fundo de teu ser ?

In "Claro Enigma"

RECONHECIMENTO DO AMOR

Amiga, como são desnorteantes
Os caminhos da amizade.
Apareceste para ser o ombro suave
Onde se reclina a inquietação do forte
(Ou que forte se pensa ingenuamente).
Trazias nos olhos pensativos
A bruma da renúncia:
Não querias a vida plena,
Tinhas o prévio desencanto das uniões para toda a vida,
Não pedias nada,
Não reclamavas teu quinhão de luz.
E deslizavas em ritmo gratuito de ciranda.

Descansei em ti meu feixe de desencontros
E de encontros funestos.
Queria talvez - sem o perceber, juro -
Sadicamente massacrar-se
Sob o ferro de culpas e vacilações e angústias que doíam
Desde a hora do nascimento,
Senão desde o instante da concepção em certo mês perdido na História,
Ou mais longe, desde aquele momento intemporal
Em que os seres são apenas hipóteses não formuladas
No caos universal

Como nos enganamos fugindo ao amor!
Como o desconhecemos, talvez com receio de enfrentar
Sua espada coruscante, seu formidável
Poder de penetrar o sangue e nele imprimir
Uma orquídea de fogo e lágrimas.

Entretanto,
ele chegou de manso e me envolveu
Em doçura e celestes amavios.
Não queimava, não siderava; sorria.
Mal entendi, tonto que fui, esse sorriso.
Feri-me pelas próprias mãos, não pelo amor
Que trazias para mim e que teus dedos confirmavam
Ao se juntarem aos meus, na infantil procura do Outro,
O Outro que eu me supunha, o Outro que te imaginava,
Quando - por esperteza do amor - senti que éramos um só.

Amiga, amada, amada amiga, assim o amor
Dissolve o mesquinho desejo de existir em face do mundo
Com o olhar pervagante e larga ciência das coisas.
Já não defrontamos o mundo: nele nos diluímos,
E a pura essência em que nos transmutamos dispensa
Alegorias, circunstâncias, referências temporais,
Imaginações oníricas,
O vôo do Pássaro Azul, a aurora boreal,
As chaves de ouro dos sonetos e dos castelos medievos,
Todas as imposturas da razão e da experiência,
Para existir em si e por si,
À revelia de corpos amantes,
Pois já nem somos nós, somos o número perfeito: UM.

Levou tempo, eu sei, para que o Eu renunciasse
à vacuidade de persistir, fixo e solar,
E se confessasse jubilosamente vencido,
Até respirar o júbilo maior da integração.
Agora, amada minha para sempre,
Nem olhar temos de ver nem ouvidos de captar
A melodia, a paisagem, a transparência da vida,
Perdidos que estamos na concha ultramarina de amar.

QUERO

Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.
Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?
Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amassão
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim.
Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.
No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.
Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 386) Para Descontrair


Uma Trova Nacional

Quando a vida se distrai
ou dá tudo... Ou tudo nega.
Rico... Pega o carro e sai.
Pobre sai... E o carro pega!
– TEREZINHA BRISOLLA/SP –

Uma Trova Potiguar

Três invenções sem futuro:
Carro, mulher e baralho.
As três me deixaram “duro”,
não sei quem deu mais trabalho!
– FRANCISCO MACEDO/RN –

Uma Trova Premiada

2008 - Bandeirantes/SP
Tema: TRABALHO - M/E

- Carro velho, meu amor,
dá trabalho: além de feio,
no morro, falta motor;
na ladeira... falta freio!
– JOSÉ OUVERNEY/SP –

Uma Trova de Ademar

O meu Chevette é incomum
e vou lhe dizer porque é:
é porque ele é “três em um”...
Carro, bar e cabaré.
– ADEMAR MACEDO/RN –

...E Suas Trovas Ficaram

Quando a mulher do Gastão
troca de carro ou vestido,
a gente tem a impressão
que ela trocou de marido!...
– ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE –

Simplesmente Poesia

O Que Eu Faço Sem Gostar...
– LOURO BRANCO/CE –

Promover um forró sem tocador
e pregar com pastor embriagado,
galopar com jumento encangalhado
e viajar no meu carro sem motor;
trabalhar com patrão enganador
e contratar um ladrão pra me roubar,
pegar filho dos outros pra criar,
mascar fumo e montar em égua tonta,
me juntar com mulher que bota ponta
são as coisas que eu faço sem gostar!

Estrofe do Dia

Quadrilha
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE (MG)

João amava Teresa
que amava Raimundo
que amava Maria
que amava Joaquim
que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos,
Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre,
Maria ficou para a tia,
Joaquim suicidou-se e
Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.

Soneto do Dia

Azar
– RENATA PACCOLA/SP –

Certo dia, acordei de mau humor –
resquício de uma noite mal dormida.
Peguei o carro, e então fundiu o motor,
Segui para o metrô, enfurecida.

Tentei continuar com minha lida,
mas fiquei presa num elevador.
Neste compartimento sem saída,
passei horas de angústia e terror,

e saí sob o som de bate-estaca.
Depois, no meio de um supermercado,
senti a dor de um burro quando empaca.

Foi aí que vi, quase ao meu lado,
irônicos dizeres numa placa:
“Sorria. Você está sendo filmado!”

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Antonio Brás Constante (Arqui-inimigo (melhor andar descalço))


Aquele que não possuiu em toda sua vida ao menos um arqui-inimigo, que feche os olhos e atire a primeira pedra. Quem sabe assim, com algum azar, não acabe acertando alguém e possa enfim desfrutar da sensação de ter alguém no mundo que lhe odeia, deixando você livre para odiá-lo também.

Os arqui-inimigos são válvulas de escape (e fazem o maior sucesso em filmes e novelas, já na vida real...), onde concentramos toda nossa aversão e os piores sentimentos de nosso ser que são focados nesse indivíduo desprezível, que para nossa total infelicidade foi colocado no mundo para nos atormentar, cruzando nosso caminho.

Eles são a pedra que nos faz tropeçar, o quebra-molas que nos atrapalha a passagem, o corrupto que embolsa nossos impostos, ou mesmo a lombada-eletrônica que existe apenas para nos multar.

Geralmente o arqui-inimigo tem uma história em nossas vidas. Muitas vezes eram antigos amigos, que por um acaso do destino acabaram se transformando em rivais, até por fim se tornarem nossos maiores inimigos.

Em outros casos, eles já se apresentam como nossos desafetos, nos desafiando e espezinhando sempre que podem. Cheios da chamada: “antipatia gratuita”. Com raízes profundas, que podem ter se originado em eras passadas, ou ainda no berçário, quando guerreávamos com eles por uma chupeta, ficando o fato registrado de forma inconsciente na memória de ambos.

Qualquer um pode se tornar seu pior inimigo. Pegue aquela gentil senhora de cabelos grisalhos como exemplo. Sempre bondosa e parecida com sua doce avó. Você tinha uma enorme simpatia por ela, até o momento que passou a namorar e por fim se casar com a filha dela. A partir dali aquela meiga senhora se transformou em sua famigerada sogra, capaz de lhe atribuir os piores defeitos, e toda uma série de críticas sobre sua pessoa (em alguns casos, ela acaba se tornando uma segunda mãe para você, mas isto já é uma outra história).

Existem inimigos que vão e voltam. Outros nos assombram por um certo tempo e somem. Estes não podem ser considerados verdadeiros arqui-inimigos. Os arqui-inimigos se acumulam. Eles chegam e ficam para sempre torturando nossa existência. São o fardo que se leva e a cruz que se carrega. Fazem de nossas vidas um verdadeiro inferno. São dignos de nossas piores pragas e maiores maldições.

Infelizmente não existe uma forma mágica de evitá-los, pois sua presença independe de nossa vontade. Eles parecem mariposas atraídas pela luz de nosso sucesso.

Enfim, os arqui-inimigos são como espinhos em nossos sapatos, que nos machucam a cada passo da nossa caminhada. Não adianta pisarmos neles, pois só conseguiremos aumentar nosso sofrimento com esta atitude. O melhor a fazer nesses casos, é nos desfazermos daquele calçado, passando a andar descalços e felizes rumo ao nosso futuro.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Fábula (A Cobra e o Vagalume)


Era uma vez uma cobra que começou a perseguir um vagalume. Ele fugia com medo da feroz predadora, mas a cobra não desistia. Um dia, já sem forças, o vagalume parou e disse à cobra:

- Posso te fazer 3 perguntas?

- Podes. Não costumo abrir esse precedente, mas já que vou te comer, podes perguntar.

- Pertenço à tua cadeia alimentar?

- Não

-Fiz-te alguma coisa?

- Não

-Então porque é que queres me comer?

- PORQUE NÃO SUPORTO VER-TE BRILHAR!!!"

Moral: Inveja

Fonte:
Fábula enviada por Raquel Santos. Autor anônimo.

Hermoclydes S. Franco (A Caixa de Ouro)


(Para Waldyr Neves, in memoriam)

A “Caixa Preta” que levou um grande amigo
deixou, no solo, um rastro azul, feito de luz
da mais brilhante intensidade, que produz
a alma simplória quando deixa o velho abrigo.

E, da vontade de voltar a estar contigo,
nossa esperança,em pensamento, nos conduz
ao campo santo, para estar diante da cruz
que agora e sempre há de luzir em teu jazigo!

Eternamente, os versos lindos que fizeste
serão lembranças que o futuro espalhará
e, em CAIXA DE OURO, nas memórias ficarão...

Resta o consolo que o porvir, de oeste a leste,
a chama acesa do seu estro manterá
a iluminar, de cada amigo, o coração!...

Fonte:
Hermoclydes S. Franco, Lumiar/N.Friburgo, junho/2007