quinta-feira, 19 de abril de 2012

Fernando Sabino (O Homem Nu)


Ao acordar, disse para a mulher:

- Escuta, minha filha: hoje é dia de pagar a prestação da televisão, vem aí o sujeito com a conta, na certa. Mas acontece que ontem eu não trouxe dinheiro da cidade, estou a nenhum.

- Explique isso ao homem- ponderou a mulher.

- Não gosto dessas coisas. Dá um ar de vigarice, gosto de cumprir rigorosamente as minhas obrigações. Escuta: quando ele vier a gente fica quieto aqui dentro, não faz barulho, para ele pensar que não tem ninguém. Deixa ele bater até cansar- amanhã eu pago.

Pouco depois, tendo despido o pijama, dirigiu-se ao banheiro para tomar um banho, mas a mulher já se trancara lá dentro. Enquanto esperava, resolveu fazer um café. Pôs a água a ferver e abriu a porta de serviço para apanhar o pão. Como estivesse completamente nu, olhou com cautela para um lado e para outro antes de arriscar-se a dar dois passos até o embrulhinho deixado pelo padeiro sobre o mármore do parapeito. Ainda era muito cedo, não poderia aparecer ninguém. Mal seus dedos, porém, tocavam o pão, a porta atrás de si fechou-se com estrondo, impulsionada pelo vento.

Aterrorizado, precipitou-se até a campainha e, depois de tocá-la, ficou à espera, olhando ansiosamente ao redor. Ouviu lá dentro o ruído da água do chuveiro interromper-se de súbito, mas ninguém veio abrir. Na certa a mulher pensava que já era o sujeito da televisão. Bateu com o nó dos dedos:

- Maria! Abre aí, Maria. Sou eu- chamou, em voz baixa.

Quanto mais batia, mais silêncio fazia lá dentro.

Enquanto isso, ouvia lá embaixo a porta do elevador fechar-se, viu o ponteiro subir lentamente os andares. Desta vez, era o homem da televisão!

Não era. Refugiado no lanço de escada entre os andares, esperou que o elevador passasse, e voltou para a porta de seu apartamento, sempre a segurar nas mãos nervosas o embrulho de pão:

- Maria, por favor! Sou eu!

Desta vez não teve tempo de insistir: ouviu passos na escada, lentos, regulares, vindos lá de baixo.. . Tomado de pânico, olhou ao redor, fazendo uma pirueta, e assim despido, embrulho na mão, parecia executar um ballet grotesco e mal ensaiado. Os passos na escada se aproximavam, e ele sem onde se esconder. Correu para o elevador, apertou o botão. Foi o tempo de abrir a porta e entrar, e a empregada passava, vagarosa, encetando a subida de mais um lanço de escada. Ele respirou aliviado, enxugando o suor da testa com o embrulho do pão. Mas eis que a porta interna do elevador se fecha e ele começa a descer.

- Ah, isso é que não!- fez o homem nu, sobressaltado.

E agora? Alguém lá embaixo abriria a porta do elevador e daria com ele ali, em pêlo, podia mesmo ser algum vizinho conhecido... Percebeu, desorientado, que estava sendo levado cada vez para mais longe de seu apartamento, começava a viver um verdadeiro pesadelo de Kafka, instaurava-se naquele momento o mais autêntico e desvairado Regime do Terror.

- Isso é que não- repetiu, furioso.

Agarrou-se à porta do elevador e abriu-a com força entre os andares, obrigando-o a parar. Respirou fundo, fechando os olhos, para ter a momentânea ilusão de que sonhava. Depois experimentou apertar o botão do seu andar. Lá embaixo continuavam a chamar o elevador. Antes de mais nada: "Emergência: parar". Muito bem. E agora? Iria subir ou descer? Com cautela desligou a parada de emergência, largou a porta, enquanto insistia em fazer o elevador subir. O elevador subiu.

- Maria! Abre esta porta!- gritava, desta vez esmurrando a porta, já sem nenhuma cautela. Ouviu que outra porta se abria atrás de si. Voltou-se, acuado, apoiando o traseiro no batente e tentando inutilmente cobrir-se com o embrulho de pão. Era a velha do apartamento vizinho:

- Bom-dia, minha senhora- disse ele, confuso. - Imagine que eu...

A velha, estarrecida, atirou os braços para cima, soltou um grito:

- Valha-me Deus! O padeiro está nu!

E correu ao telefone para chamar a radiopatrulha:

- Tem um homem pelado aqui na porta!

Outros vizinhos, ouvindo a gritaria, vieram ver o que se passava:

- É um tarado!

- Olha, que horror!

- Não olha não! Já pra dentro, minha filha!

Maria, a esposa do infeliz, abriu finalmente a porta para ver o que era. Ele entrou como um foguete e vestiu-se precipitadamente, sem nem se lembrar do banho. Poucos minutos depois, restabelecida a calma lá fora, bateram na porta.

- Deve ser a polícia- disse ele, ainda ofegante, indo abrir.

Não era: era o cobrador da televisão.

Fonte:
Para gostar de ler. Vol. 3. SP: Ed. Ática, 1978.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

A. A. de Assis (Estados do Brasil em Trovas) Acre


Carlos Drummond de Andrade (Esparadrapo)

Aquele restaurante de bairro é do tipo simpatia/classe média. Fica em rua sossegada, é pequeno, limpo, cores repousantes, comida razoável, preços idem, não tem música de triturar os ouvidos. O dono senta-se à mesa da gente, para bater um papo leve, sem intimidades.

Meu relógio parou. Pergunto-lhe quantas horas são.

- Estou sem relógio.

- Então vou perguntar ao garçom.

Ele também está sem relógio.

- E o colega dele, que serve aquela mesa?

- Ninguém está com relógio nesta casa.

- Curioso. É moda nova?

- Antes de responder, e se o senhor permite, vou lhe fazer, não propriamente um pedido, mas uma sugestão.

- Pois não.

- Não precisa trazer relógio, quando vier jantar.

- Não entendo.

- Estamos sugerindo aos nossos fregueses que façam este pequeno sacrifício.
- Mas o senhor podia explicar…

- Sem querer meter o nariz no que não é da minha conta, gostaria também que trouxesse pouco dinheiro, ou antes, nenhum.

- Agora é que não estou pegando mesmo nada.

- Coma o que quiser, depois mandamos receber em sua casa.

- Bem, eu moro ali adiante, mas e outros, os que nem se sabe onde moram, ou estão de passagem na cidade?

- Dá-se um jeito.

- Quer dizer que nem relógio nem dinheiro?

- Nem jóias. Estamos pedindo às senhoras que nao venham de jóia. É o mais difícil, mas algumas estão atendendo.

- Hum, agora já sei.

- Pois é. Isso mesmo. O amigo compreende...

- Compreendo perfeitamente. Desculpa ter custado um pouco a entrar na jogada. Sou meio obtuso quando estou com fome.

- Absolutamente. Até que o amigo compreendeu sem que eu precisasse dizer tudo. Muito bem.

- Mas me diga uma coisa. Quando foi isso?

- Quarta-feira passada.

- E como foi, pode-se saber?

- Como podia ser? Como nos outros lugares, no mesmo figurino. Só que em ponto menor.

- Lógico, sua casa é pequena. Mas levaram o quê?

- O que havia na caixa, pouquinha coisa. Eram 9 da noite, dia meio parado.

- Que mais?

- Umas coisinhas, liquidificador, relógio de pulso, meu, dos empregados e dos fregueses.

- An. (Passei a mão no pulso, instintivamente.)

- O pior foi o cofre.

- Abriram o cofre?

- Reviraram tudo, à procura do cofre. Ameaçaram, pintaram e bordaram. Foi muito desagradável.

- E afinal?

- Cansei de explicar a eles que não havia cofre, nunca houve, como é que eu podia inventar cofre naquela hora?

- Ficaram decepcionados, imagino.

- Não senhor. Disseram que tinha de haver cofre. Eram cinco, inclusive a moça de bota e revólver, querendo me convencer que tinha cofre escondido na parede, no teto, embaixo do piso, sei lá.

- E o resultado?

- Este - e baixou a cabeça, onde, no cocuruto, alvejava a estrela de esparadrapo.

- Oh! Sinto muito. Não tinha notado. Felizmente escapou, é o que vale. Dê graças a Deus por estar vivo.

- Já sei. Sabe que mais? Na polícia me perguntaram se eu tinha seguro contra roubo. E eu pensando que meu seguro fosse a polícia. Agora estou me segurando à minha maneira, deixando as coisas lá em casa e convidando os fregueses a fazer o mesmo. E vou comprar um cofre. Cofre pequeno, mas cofre.
- Para que, se não vai guardar dinheiro nele?

- Para mostrar minha boa-fé, se eles voltarem. Abro imediatamente o cofre, e verão que não estou escondendo nada. Que lhe parece?

- Que talvez o senhor precise manter um estoque de esparadrapo em seu restaurante.

Fonte:
Para gostar de ler. Vol. 3. SP: Ed. Ática, 1978.

Paulo Vinheiro (Fantasia)

Tateio nas sombras um raio de luz
Quimera que leva a nova vereda
Tão certo sigo que me levo à perda
Sem sentido uma direção deformo

Quantos gritos dentro de mim ouço?
Quantos caminhos então se abrem?
Aquelas trevas sobre mim se fecham
Tateio nas sombras um raio de luz

Junto muitas partes de coisa nenhuma
Coisas que gritam, pesam, amaldiçoam
Cada uma das portas fechadas foram
Contudo cada uma das chaves as tenho

Por que tão confuso me vejo a mim?
Por que não ouço uma única voz?
Só gritos sem esperanças na escuridão
Preciso me acrescer mais raios de luz

Aprendi concentrar minha atenção
Olhar mais vigilante cada impressão
Escolher antes os meus caminhos
Estudar melhor sem tanto errar

A minha vida ficou menos aventureira
Talvez sem graça ou desarrojada
Hoje bebo mastigando os goles
Alongo os minutos e a vida, sem pressa

Tateio nas sombras um raio de luz

Fonte:
Poesia enviada pelo autor

Rubem Braga (Recenseamento)

São Paulo vai se recensear. O governo quer saber quantas pessoas governa. A indagação atingirá a fauna e a flora domesticadas. Bois, mulheres e algodoeiros serão reduzidos a números e invertidos em estatísticas.

O homem do censo entrará pelos bangalôs, pelas pensões, pelas casas de barro e de cimento armado, pelo sobradinho e pelo apartamento, pelo cortiço e pelo hotel, perguntando:

- Quantos são aqui?

Pergunta triste, de resto. Um homem dirá:

- Aqui havia mulheres e criancinhas. Agora, felizmente, só há pulgas e ratos.

E outro:

- Amigo, tenho aqui esta mulher, este papagaio, esta sogra e algumas baratas. Tome nota de seus nomes, se quiser. Querendo levar todos, é favor.

E outro:

- Eu? Tinha um amigo e um cachorro. O amigo se foi, levando minhas gravatas e deixando a conta da lavadeira. O cachorro está aí, chama-se Lord, tem três anos e meio e morde como um funcionário público.

E outro:

- Oh! sede bem-vindo. Aqui somos eu e ela, só nós dois. Mas nós dois somos apenas um. Breve, seremos três. Oh! E outro:

- Dois, cidadão, somos dois. Naturalmente o sr. não a vê. Mas ela está aqui, está, está! A sua saudade jamais sairá de meu quarto e de meu peito! E outro:

- Aqui moro eu. Quer saber o meu nome? Procure uma senhorita loura que mora na terceira casa da segunda esquina, à direita. O meu nome está escrito na palma de sua mão. E outro:

- Hoje não é possível, não há dinheiro nenhum. Volte amanhã. Hein? Ah, o sr. é do recenseamento? Uff! Quantos somos? Somos vinte, somos mil. Tenho oito filhos e cinco filhas. Total: quinze pestes. Mas todos os parentes de minha mulher se instalaram aqui. Meu nome? Ahn... João Lourenço, seu criado. Jesus Cristo João Lourenço. A minha idade? Oh! pergunte à minha filha, pergunte. É aquela jovem sirigaita que está dando murros naquele piano. Ontem quis ir não sei onde com um patife que ela chama de "meu pequeno". Não deixei, está claro. Ela disse que eu sou da idade da pedra lascada. Escreva isso, cavalheiro, escreva. Nome: João Lourenço; profissão: idiota; idade: da pedra lascada. Está satisfeito? Não, não faça caretas, cavalheiro. Creia que eu o aprecio muito. O sr. pelo menos não é parente da mulher. Isso é uma grande qualidade, cavalheiro! É a virtude que eu mais admiro! O sr. é divino, cavalheiro, o sr. é meu amigo íntimo desde já, para a vida e para a morte!

Fonte:
Para gostar de ler. Vol. 3. SP: Ed. Ática, 1978.

J. G. de Araújo Jorge (A Cantiga Do Só) A Vida

Ó pobre vida suicida!
Teu destino é uma ironia
se o que chamamos de vida
é um morrer de cada dia!

Numa amizade perdida,
num amor que se desgraça,
a morte desconta a vida
a cada dia que passa !

Vive a vida bem vivida
e ao mais, esquece e revela,
que a gente leva da vida
a vida que a gente leva...

Fonte:
JORGE, J.G. de Araújo. Cantiga do Só. 2. ed. 1968.

Mia Couto (Velho com Jardim nas Traseiras do Tempo)

No Jardim Dona Berta há um banco. O único que resta. Os outros foram arrancados, vertidos em tábua avulsa para finalidades de lenha. Nesse restante banco mora um velho. Cada noite, os dois se encostam mutuamente, assento e homem, madeira e carne. Dizem que 0 velho já tem a pele às listas, formatadas no molde das tábuas, seu externo esqueleto. O idoso recebeu um nome: Vlademiro. Ganhou o nome da avenida que ali passa, rasando-lhe a solidão: a Vladimir Lenine.

Soube hoje que vão retirar o banco para ali instalar um edifício bancário. A noticia me desabou: o jardinzinho era o último mundo do meu amigo, seu derradeiro refúgio. Decidi visitar Vlademiro, em missão de coração.

- Triste? Quem disse?-

Espanto meu: o homem estava eufórico com a noticia. Que um banco, desses das finanças, todo estabelecimentado, era um valor maior. Já lhe haviam dito da sua dimensão, dava bem para ele dormir mais seu bicho de estimação. E mesmo quem sabe ele encontrasse emprego lá? Nem que fosse nos canteiros em volta. Afinal, ele transitava de seu banco de jardim para um jardim de banco.

- Ando de banco para Banco .

Risada triste, descolorida. Não tardaria a escurecer. Quando baixasse a noite, Vlademiro se afundaria em bebida, restos deixados em garrafas. Já bêbado ele atravessaria a noite, a modos de caranguejo. Do outro lado da avenida estão as putas. As prostiputas, como ele chama. Conhece-as a todas pelos nomes. Quando não tem clientes elas se adentram pelo jardim e sentam junto dele. Vlademiro lhes conta suas aldrabices e elas tomam a baboseira dele por cantos de embalar. Às vezes, escuta as noturnas menininhas gritar. Alguém lhes bate. O velho, impotente, se afunda entre os braços, interdito aos pedidos de socorro enquanto pede contas a Deus.

- Deus está bom de mais, já não castiga ninguém- .

Vlademiro foi ganhando familiaridades com o todo-potente. Me admira esse tu-cá-tu-lá com o divino. Vlademiro já foi um beato, todo e totalmente. Mas o velho tem explicação: à medida que envelhecemos vamos entrando em intimidades com o sagrado. É que vamos abatendo no medo. Quanto mais sabemos menos cremos? Ele não sabe, nem crê. Às vezes até se pergunta:

- Deus ficou ateu?

Será que o velho vive isento de medos? Assim, sozinho, sem morada própria. Ele me contesta, neste ponto:

- Morada própria? Alguém tem morada mais própria?-

Às vezes, doente, sente a morte rondar o jardim. Mas Vlademiro sabe de truques, troca as voltas àquela que o vem levar. Mesmo batendo o dente, febrilhante, ele canta, voz trémula, faz conta que é mulher. As mulheres, diz, demoram mais para morrer.

- A morte gosta muito de ouvir cantar. Se distrai de mim e dança.

E assim em jogo de desagarra-esconde. Até que, um dia, a morte se adiante e cante primeiro. Mas ela terá que insistir para o de aninhar. Vlademiro está bem acolchoado no banco. E clama que ainda não tem idade. Velhos são aqueles que não visitam as suas próprias variadas idades.

No enquanto, Vlademiro vai dormindo leve e pouco. Despertador dele é um sapo. Dorme com o batráquio amarrado pela perna. E adianta, sério: o bicho é amarrado apenas para impedimento de voar.

- Sapo não voa porque deixou entrar água no coração- .

Agora, tudo vai terminar. Vão demolir o jardinzinho, a cidade vai ficar mais urbana, menos humana. Esse é o motivo da minha visita ao velho. Regresso ao que ali me levou:

- Diga-me, sobre isto do banco: você está mesmo contente?-

Vlademiro demora. Está procurando a melhor das verdades. O riso desvanece no rosto.

- Tem razão. Esta minha alegria é mentira.

- Porquê, então, você faz de conta?

- Nunca eu lhe falei de minha falecida?-

Acenei que não. O velho me conta a história de sua mulher que morreu, em lentidão de sofrimento. Doença pastosa, carcomedora. Ele todo o dia se empalhaçava frente a ela, fazia graças para espantar desgraças. A mulher ria, quem sabe com pena da bondade do homem. De noite, quando ela dormia é que ele chorava, desamparado, doido-doído.

- É como agora: só choro quando o jardim já dormiu ...

Meu braço fala sobre o seu ombro. É adeus. Regresso de mim para um abandono maior. Atrás, fica Vlademiro, a avenida e um jardim onde resta um banco. O último banco de jardim.

Fonte:
Mia Couto. Contos do Nascer da Terra. Vol.1. Porto: CPAC, 1998.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Artur de Azevedo (Livro de Sonetos)


ETERNA DOR

Já te esqueceram todos neste mundo...
Só eu, meu doce amor, só eu me lembro,
Daquela escura noite de setembro
Em que da cova te deixei no fundo.

Desde esse dia um látego iracundo
Açoitando-me está, membro por membro.
Por isso que de ti não me deslembro,
Nem com outra te meço ou te confundo.

Quando, entre os brancos mausoléus, perdido,
Vou chorar minha acerba desventura,
Eu tenho a sensação de haver morrido!

E até, meu doce amor, se me afigura,
Ao beijar o teu túmulo esquecido,
Que beijo a minha própria sepultura!

ARRUFOS

Não há no mundo quem amantes visse
Que se quisessem como nos queremos;
Mas hoje uma questiúncula tivemos
Por um caprichosinho, uma tolice.

- Acabemos com isto! ela me disse,
E eu respondi-lhe assim: - Pois acabemos!
- E fiz o que se faz em tais extremos:
Peguei no meu chapéu com fanfarrice,

E, dando um gesto de desdém profundo,
Saí cantarolando. Está bem visto
Que a forma ali contradizia o fundo.

Ela escreveu. Voltei. Nem Jesus Cristo,
Nem minha Mãe, voltando agora ao mundo,
Foram capazes de acabar com isto!

DESENGANO

A pensionista pálida que gosta
(Fundada pretensão!) que a digam bela,
E do colégio, à tarde, na janela,
Para dar-me um sorriso se recosta;

Que me escreve nas férias, de Bemposta,
Aonde vai visitar a parentela,
Pedindo-me que não me esqueça dela
E dando-me uns beijinhos..., pela posta;

Essa ninfa gentil dos olhos pretos,
Essa beleza de anjo... oh, sorte varia;
Vergonha eterna para os meus bisnetos!

Com um pançudo burguês, uma alimária
Que não a sabe amar, nem faz sonetos,
Vai casar-se amanhã na Candelária.

MISERÁVEL

A Carvalho Junior.

O noivo, como noivo, é repugnante:
Materialão, estúpido, chorudo,
Arrotando, a propósito de tudo,
O ser comendador e negociante.

Tem a viuvinha, a noiva interessante,
Todo o arsenal de um poeta guedelhudo:
Alabastro, marfim, coral, veludo,
Azeviche, safira e tutti quanti.

Da misteriosa alcova a porta geme,
O noivo dorme n'um lençol envolto...
Entra a viuvinha, a noiva... Oh, céu, contem-me!

Ela deita-se... espera... Qual! Revolto,
O leito estala... Ela suspira... freme...,
E o miserável dorme a sono solto!...

MUSA INFELIZ

Todo o cuidado nestas rimas ponho;
Musa, peço-te, pois, que me remetas
Versos que tenham rútilas facetas,
E não revelem trovador bisonho.

Meia noite bateu. Sai risonho...
Brilhava - oh, musa, não me comprometas! -
O mais belo de todos os planetas
N'um céu que parecia um céu de sonho.

O mais belo de todos os prazeres
Gozei, à doce luz dos olhos pretos
Da mais bela de todas as mulheres!

Pobres quartetos! míseros tercetos!...
Musa, musa infeliz, dar-me não queres.
O mais belo de todos os sonetos!...

POR DECORO

Quando me esperas, palpitando amores,
E os grossos lábios úmidos me estendes,
E do teu corpo cálido desprendes
Desconhecido olor de estranhas flores;

Quando, toda suspiros e fervores,
Nesta prisão de músculos te prendes,
E aos meus beijos de sátiro te rendes,
Furtando as rosas as púrpureas cores;

Os olhos teus, inexpressivamente,
Entrefechados, lânguidos, tranquilos,
Olham, meu doce amor, de tal maneira,

Que, se olhassem assim, publicamente,
Deveria, perdoa-me, cobri-los
Uma discreta folha de parreira.

SONETO

De Martins Pena foi bem triste a sorte:
Moço, bem moço, quando o seu talento
Desabrochava n'um deslumbramento,
Caiu, ferido pela mão da morte!

Era, entretanto, um lutador, um forte,
E, como não merece o esquecimento,
Que a nossa festa, ao menos um momento,
O seu risonho espírito conforte.

Quem o amou e o leu em vão procura
O seu nome na placa de uma esquina
Ou sobre a pedra de uma sepultura!

Porém, voltando à brasileira cena,
Há de brilhar a estrela peregrina
Que se chamou Luiz Carlos Martins Pena!

SORTE

Depois que se casara aquela criatura,
Que a negra traição das pérfidas requinta,
Eu nunca mais a vi, pois, de ouropéis faminta,
De um bem fingido amor quebrara a ardente jura.

Alta noite, porém, vi-a pela ventura,
Numa avenida estreita e lobrega da quinta...
Painel é que se cuida e sem color se pinta,
De alvo femíneo vulto ou madrugada escura.

Maldito quem sentindo o pungitivo açoite
Do desprezo e na sombra a sombra de um afeto
A pular uma grade, um muro não se afoite.

- Prometes ser discreto? - Ó meu amor! prometo...
Se não fosses tão curta, ó bem ditosa noite!
Se fosses mais comprido, ó pálido soneto!

Fonte:
http://www.sonetos.com.br/biografia.php?a=34

Carlos Drummond de Andrade (Assalto)


Na feira, a gorda senhora protestou a altos brados contra o preço do chuchu:

- Isto é um assalto!

Houve um rebuliço. Os que estavam perto fugiram. Alguém, correndo, foi chamar o guarda. Um minuto depois, a rua inteira, atravancada, mas provida de admirável serviço de comunicação espontânea, sabia que se estava perpetrando um assalto ao banco. Mas que banco? Havia banco naquela rua? Evidente que sim, pois do contrário como poderia ser assaltado?

- Um assalto! Um assalto!- a senhora continuava a exclamar, e quem não tinha escutado escutou, multiplicando a notícia. Aquela voz subindo do mar de barracas e legumes era como a própria sirena policial, documentando, por seu uivo, a ocorrência grave, que fatalmente se estaria consumando ali, na claridade do dia, sem que ninguém pudesse evitá-la.

Moleques de carrinho corriam em todas as direções, atropelando-se uns aos outros. Queriam salvar as mercadorias que transportavam. Não era o instinto de propriedade que os impelia. Sentiam-se responsáveis pelo transporte. E no atropelo da fuga, pacotes rasgavam-se, melancias rolavam, tomates esborrachavam-se no asfalto. Se a fruta cai no chão, já não é de ninguém; é de qualquer um, inclusive do transportador. Em ocasiões de assalto, quem é que vai reclamar uma penca de bananas meio amassadas?

- Olha o assalto! Tem um assalto ali adiante!

O ônibus na rua transversal parou para assuntar. Passageiros ergueram-se, puseram o nariz para fora. Não se via nada. O motorista desceu, desceu o trocador, um passageiro advertiu:

- No que você vai a fim de ver o assalto, eles assaltam sua caixa.

Ele nem escutou. Então os passageiros também acharam de bom alvitre abandonar o veículo, na ânsia de saber, que vem movendo o homem, desde a idade da pedra até a idade do módulo lunar.

Outros ônibus pararam, a rua entupiu.

- Melhor. Todas as ruas estão bloqueadas. Assim eles não podem dar no pé.

- É uma mulher que chefia o bando!

- Já sei. A tal dondoca loura.

- A loura assalta em São Paulo. Aqui é a morena.

- Uma gorda. Está de metralhadora. Eu vi.

- Minha Nossa Senhora, o mundo está virado!

- Vai ver que está caçando é marido.

Não brinca numa hora dessas. Olha aí sangue escorrendo!

- Sangue nada, tomate.

Na confusão, circularam notícias diversas. O assalto fora a uma joalheria, as vitrinas tinham sido esmigalhadas a bala. E havia jóias pelo chão, braceletes, relógios. O que os bandidos não levaram, na pressa, era agora objeto de saque popular. Morreram no mínimo duas pessoas, e três estavam gravemente feridas.

Barracas derrubadas assinalavam o ímpeto da convulsão coletiva. Era preciso abrir caminho a todo custo. No rumo do assalto, para ver, e no rumo contrário, para escapar. Os grupos divergentes chocavam-se, e às vezes trocavam de direção: quem fugia dava marcha à ré, quem queria espiar era arrastado pela massa oposta. Os edifícios de apartamentos tinham fechado suas portas, logo que o primeiro foi invadido por pessoas que pretendiam, ao mesmo tempo, salvar o pêlo e contemplar lá de cima. Janelas e balcões apinhados de moradores, que gritavam:

- Pega! Pega! Correu pra lá!

- Olha ela ali!

- Eles entraram na kombi ali adiante!

- É um mascarado! Não, são dois mascarados!

Ouviu-se nitidamente o pipocar de uma metralhadora, a pequena distância. Foi um deitar-no-chão geral, e como não havia espaço, uns caíam por cima de outros. Cessou o ruído. Voltou. Que assalto era esse, dilatado no tempo, repetido, confuso?

- Olha o diabo daquele escurinho tocando matraca! E a gente com dor-de-barriga, pensando que era metralhadora!

Caíram em cima do garoto, que soverteu na multidão. A senhora gorda apareceu, muito vermelha, protestando sempre:

- É um assalto! Chuchu por aquele preço é um verdadeiro assalto!

Fonte:
Para gostar de ler. Vol. 3. SP: Ed. Ática, 1978.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 542)


Uma Trova de Ademar

Numa decisão exata
farei hoje a cirurgia...
Vou tirar a catarata
para enxergar mais Poesia!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Com a visão embaciada
e o caminhar pouco ereto,
vejo o esplendor da alvorada
pelos olhos do meu neto.
–FRANCISCO JOSÉ PESSOA/CE–

Uma Trova Potiguar


Ao rever a sua imagem
n’alma abri minhas cortinas
e retoquei a tatuagem
feita nas minhas retinas!
–MANOEL CAVALCANTE/RN–

Uma Trova Premiada


1985 - Porto Alegre/RS
Tema - CORAGEM - 2º Lugar


Teus olhos trazem mensagem
de luz, amor e carinho...
São dois fachos de coragem
brilhando no meu caminho.
–DORALICE G. DA ROSA /RS–

...E Suas Trovas Ficaram


É pelos olhos das fontes
que a floresta, ameaçada,
chora ao ver nos horizontes
as chamas de uma queimada...
–ORLANDO BRITO/MA–

U m a P o e s i a


Seus olhos da cor de mel
para mim, não são estranhos,
alguém pintou, lá no céu
seus lindos olhos castanhos,
que numa imagem tão pura
mostra um olhar de ternura
e quando olhas para os meus;
eu me perco nos abrolhos,
pois nunca vi outros olhos
mais bonitos que os seus!
–ADEMAR MACEDO/RN–

Soneto do Dia

Revelação.
–JOSÉ ANTONIO JACOB/MG–


Nada sabeis de mim e sabeis nada
Porque venho regresso de outra lida.
Nada me perguntastes na chegada
E nada vos direi na despedida.

Se eu cheguei de uma alegre caminhada
- Ou se deixei tristeza na partida -
Pode ser que ao final dessa jornada
Nada ainda sabereis da minha vida.

Não entendeis do céu que nos assiste?
Trago nos olhos grandes o olhar triste,
Tais quais olhos da noite arregalados.

Espiai essas estrelas tão banais:
Tantos mundos distantes revelados,
Mas que aos olhos dos homens são iguais!

Eça de Queirós (O Mandarim)


Em 1880, apenas dois anos depois de O Primo Basílio, Eça de Queirós publica O Mandarim, uma novela fantástica, em cujo enredo tem participação decisiva uma figura declaradamente romântica: o Diabo.

Acusado de afastar-se da estética realista em favor da pura fantasia, Eça de Queirós e seu texto foram alvos das mais severas críticas, e até mesmo aqueles que conseguiram perceber na obra uma crítica sócio-política, esbarraram nos demais “problemas” que o texto apresentava.

O Mandarim é um texto à parte no conjunto da obra queirosiana devido ao seu caráter fantasista e cômico, e que, exatamente em decorrência dessa característica, é considerado um texto “menor”, inferior, quando comparado às demais obras do escritor português.

Numa carta ao editor da Revue Universelle, que serviu de prefácio à publicação francesa da novela, Eça se mostrava bem consciente da singularidade do livro face à tendência estética dominante: “tendes aqui, meu Senhor, uma obra bem modesta e que se afasta consideravelmente da corrente moderna da nossa literatura, que se tornou, nestes últimos anos, analista e experimental”. Isso porque O Mandarim era “um conto fantasista e fantástico, onde se vê ainda, como nos bons velhos tempos, aparecer o diabo, embora vestindo sobrecasaca, e onde há ainda fantasmas, embora com ótimas intenções psicológicas”. A percepção do escritor é claríssima: apesar da atualização do ambiente da trama, o enredo fabuloso, o gosto pronunciado do exotismo, a ausência de interesse nos vários condicionalismos que determinam a ação dos indivíduos e a intervenção do sobrenatural configuram um narrativo de molde romântico, ou neo-romântico.

Nessa mesma carta, prosseguia Eça de Queirós com uma frase que vale a pena transcrever: “entretanto, justamente porque esta obra pertence ao sonho e não à realidade, porque ela é inventada e não fruto da observação, ela caracteriza fielmente, ao que me parece, a tendência mais natural, mais espontânea do espírito português.” Pode ser que a frase se aplique também ao espírito português, mas o que realmente importa é observar que se aplica perfeitamente ao espírito do próprio Eça, que, a partir de O Mandarim, abandona progressivamente os caminhos do Naturalismo e retoma algumas características que já se encontravam nos seus primeiros textos: o gosto pelo exotismo das paisagens e civilizações e o pendor alegórico e moralizante. São essas características, centrais no texto de O Mandarim, que no final da vida de Eça de Queirós irão dar origem às impressionantes vidas de santos e histórias de mistério.

Do ponto de vista da evolução literária de Eça de Queirós, O Mandarim representa, portanto, um momento de virada: aquele em que o escritor abandona a “preocupação naturalista”, que, segundo o próprio Eça, embora tivesse servido para lhe disciplinar o espírito, também “o condenara a reprimir, muitas vezes sem vantagem, os seus ímpetos de verdadeiro romântico que no fundo era”.

O Mandarim é antes um conto que uma novela, pois sua trama se concentra à volta de uma só personagem e a ação se reduz a um único acontecimento central, que implica todos os desenvolvimentos posteriores. O registro genérico é o da farsa moralizante, e o ponto de partida é um problema moral que era conhecido, no século passado, como o “paradoxo do mandarim”. Formulado em 1802 por Chateaubriand, consistia numa pergunta: se você pudesse, com um simples desejo, matar um homem na China e herdar sua fortuna na Europa, com a convicção sobrenatural que nunca ninguém descobriria, você formularia esse desejo? Vários autores glosaram esse tema ao longo do século passado, e o texto de Eça é talvez o seu último e mais literal desenvolvimento.

Do ponto de vista da crítica moral, lendo O Mandarim percebe-se que há duas linhas independentes de desenvolvimento. A primeira é a mais simples. Mostrando-nos que todos o tratam de acordo com o dinheiro que possui, Teodoro nos vai apontar a hipocrisia que domina as relações pessoais e sociais. A segunda é a mais complexa, porque envolve a auto-representação do narrador. A idéia geral é a de que o crime não compensa, independentemente de qualquer outra consideração. Como ilustração desse princípio é que Teodoro narra aos seus leitores o seu caso exemplar: ao longo do tempo, após o crime que lhe propicia a riqueza, foi-se tornando infeliz, a tal ponto que o retorno à vida rotineira e medíocre de hóspede pobre da pensão de d. Augusta chega a parecer-lhe uma forma de conseguir alguma paz de espírito.

A novidade do texto de Eça é a viagem à China. No seu texto, a China não é apenas o lugar abstrato, incógnito e remoto, onde vive um homem desconhecido cuja vida é destruída por um ocidental. Pelo contrário, ganha concretude e responde por cerca de metade do número de páginas da história. Da mesma forma que o Médio-Oriente em A Relíquia, a China é praticamente tudo em O Mandarim. Mas a diferença é que, enquanto em A Relíquia, Eça descreve um ambiente e civilização que observara pessoalmente, em O Mandarim nos apresenta um lugar construído a partir de relatos de terceiros, de leituras e, principalmente, pela livre imaginação. Daí, justamente, o interesse da viagem de Teodoro, que nos conduz a uma China colorida, bastante bizarra, em que encontramos uma espécie de súmula da visão européia do que fosse o Extremo-Oriente.

A parte mais atraente de O Mandarim é a viagem chinesa. O resto do conto tem um sabor conhecido e um registro genérico em que o desfecho é bastante previsível. Assim, é mesmo a fantástica viagem ao Império do Meio o que constitui o núcleo do texto e o mantém vivo e interessante. É também a viagem que singulariza esse texto na literatura portuguesa do final do século, fazendo dele um delicioso capítulo na história do exotismo orientalista que percorreu toda a cultura européia da segunda metade do século passado.

Teodoro, o protagonista, é a personagem que mais propicia a crítica da sociedade portuguesa tão limitada, que facilmente se deixa levar pelas aparências.

Eça faz também, uma crítica aguçada ao egoísmo potencialmente criminoso (personificado por Teodoro) que mata o Mandarim para poder alcançar a vida luxuosa com que sempre sonhara.

Critica também a tibieza, a bulia e a inconsistência na tomada de decisões.

Teodoro, como funcionário público, é também criticado. Representa os cargos mais baixos, que vivem mediocremente sonhando com mais dinheiro, com baixos valores morais, capaz de matar o próximo para proveito seu.

A descrição, seja das características físicas dos personagens e do cenário por onde passa a história servem para analisar a psicologia dos atores da ficção. Eça entende que a maneira de ser e de pensar influi no mundo que a cerca, seja nos atos, nas coisas e nas próprias características físicas, como por exemplo, a corcova de Teodoro, na sua condição de subalterno sem status.

Foco narrativo

O Mandarim é a primeira obra relativamente extensa do autor, escrita em primeira pessoa.

Essa observação pode reforçar o argumento de que o conto representa um momento de rejeição do modelo naturalista, que propunha a narrativa em terceira pessoa, mais adequada à análise objetiva.

Personagens

É magnífica a magistral caracterização das personagens feita nesta obra. O autor manobra, de tal modo, as suas personagens que, chegamos a pensar que elas não passam de meros fantoches manobrados a capricho do seu criador.

Como em toda a obra queirosiana, a caracterização das personagens enquadra-se na filosofia de vida da sociedade portuguesa, deixando transparecer através da linguagem utilizada na descrição de ambientes, em pequenos pormenores habilmente selecionados e passando pela ação, a intenção de caricaturar numa personagem toda uma classe social.

Teodoro: Protagonista do romance, bacharel amanuense do reino, ganhava 20.000 réis por mês e vivia numa casa de hóspedes, na Travessa da Conceição, nº 106, em Lisboa. Levava uma vida pacata e monótona. Era magro e corcovado - hábito seu, pelo muito que se vergara perante os lentes da Universidade e os diretores da repartição. A sua ambição reduzia-se a desejos fúteis de bons jantares, em restaurantes caros, de conhecer viscondessas belas etc. Considera-se um "positivo". É um descrente, mas é supersticioso, pois reza todos os dias à Nossa Senhora das Dores. Enfim, é um representante típico do burguês nacional, medíocre e frustrado de baixos valores morais.

D. Augusta: É uma personagem secundária na obra. Dona da casa de hóspedes na Travessa da Conceição, em Lisboa, onde vivia Teodoro. Era viúva do Major Marques. Em dias de missa costumava limpar com clara de ovo a caspa do tenente Couceiro.

Ti Chin-Fu: o mandarim assassinado por Teodoro. Embora não faça nenhuma ação no conto, nenhuma fala, é de importância fundamental na obra. Representa a vítima perfeita: é distante do seu algoz (ele não conhece Teodoro, bem como vive em uma cultura antípoda à do bacharel) é enormemente rico e sua morte é extremamente vantajosa para o assassino. Malgrado tudo isso, a sua inocência perante o mal gratuito que sofreu, para o qual não contribuiu em nada, trouxe angústia e desencanto a Teodoro, deixou a vida do ex-bacharel em ruínas.

O Diabo: o Diabo veste aqui roupas da época descrita, querendo mostrar que o mal, na verdade, está bastante próximo do homem, até se confunde com ele mesmo. O Diabo é feito à imagem e semelhança do homem. O homem e o Diabo identificam-se, até mesmo para que as suas incitações tenham maior força. A obra mostra que o poder do Diabo só funciona em combinação com o lado negro do homem.

Vladimira (generala): mulher do general Camilloff, e amante de Teodoro por um breve período. Alta, magra, delicada, é uma representação de um tema caro ao realismo: o adultério, como forma de revelar ao leitor a hipocrisia e a traição humana.

General Camilloff: é representante do Império na China. Durante a ida de Teodoro à China, tornaram-se amigos. A sua lealdade para Teodoro era sincera, e até mesmo Teodoro via nele um homem de bem, embora não pudesse evitar traí-lo com um triângulo amoroso com a esposa do General, Vladimira. Representa aqui mais um falhanço moral de Teodoro ao ir para a China.

Sá-Tó: intérprete de Teodoro durante a viagem na China.

Enredo

O narrador desta novela é Teodoro, bacharel e amanuense do Ministério do Reino. Mora em Lisboa, vive modestamente na pensão de D. Augusta, na Travessa da Conceição, mas não sofria privações (“A minha existência era equilibrada e suave... Ainda assim, eu não me considerava um ‘paria’. A vida humilde tem suas doçuras”). Porém, considerava sua vida “rotineira e triste”, pois seus sonhos de luxo estavam longe do seu bolso. Levando uma vida monótona e medíocre de um pobre funcionário público, suspira por uma ventura amorosa, por um bom jantar, num bom hotel.

Certa noite, em seu quarto, lendo, em um livro antigo, um capítulo intitulado "Brecha das Almas", o personagem-narrador se depara com estas linhas:

No fundo da China existe um Mandarim mais rico de que todos os reis de que a Fábula ou a História contam. Dele nada conheces, nem o nome, nem o semblante, nem a seda de que se veste.
Para que tu herdes os seus cabedais infindáveis, basta que toques essa campainha, posta a teu lado, sobre um livro. Ele soltará apenas um suspiro, nesses confins da Mongólia. Será então um cadáver: e tu verás a teus pés mais ouro do que pode sonhar a ambição dum avaro.
Tu, que me lês e és um homem mortal, tocarás tu a campainha?”

Surpreso e perturbado diante daquela interrogação e daquele “sombrio infólio que parecia exalar magia”, a personagem começa a ter alucinações: as letras e sinais gráficos se transformam em “rabos de diabinhos” e “ganchos com que o Tentador vai fisgando as almas”. Durante o delírio, tem duas visões: na primeira, um “Mandarim decrépito” deixa a vida a um simples tilintar de campainha; na outra, ele, Teodoro, vê “uma montanha de ouro” a seus pés.

Nesse momento, o amanuense avista a campainha fatal diante de si, pousada sobre um dicionário francês, e ouve uma voz dizendo-lhe para tocá-la. Ao voltar-se para a voz, vê, sentado, um indivíduo vestido de negro. A primeira idéia, é a de que teria, diante de si, o diabo; porém, as vestes e feições de homem comum que tal personagem apresenta fazem com que esta impressão desapareça.

As duas personagens travam, então, um diálogo, e o estranho indivíduo expõe a Teodoro os motivos pelos quais este deveria tocar a campainha. Seduzido pelas palavras do inusitado visitante, que lhe acena com as possibilidades de uma vida de privilégios, o amanuense acaba por tocá-la. Concretizado o ato, a estranha personagem informa ao seu interlocutor que o Mandarim havia expirado, e, levando-se da poltrona, retira-se.

Logo em seguida, Teodoro ouve bater uma porta e, num sobressalto, sente-se como emergido de um pesadelo. Caminha até o corredor, ouve uma voz e vê a cancela da escada se fechar. Pergunta, então, à D. Augusta quem havia saído, ao que ela responde ter sido um de seus hóspedes.

Voltando ao seu quarto, Teodoro nota que tudo está tranqüilo, como se nada tivesse acontecido. Retoma o seu livro, que agora lê sem sobressaltos, como um livro qualquer, e acaba por adormecer.

Decorrido um mês após o estranho episódio, o amanuense pensa que tudo não passara de um sonho, e, aos poucos, vai esquecendo o ocorrido, até que, numa determinada manhã, recebe a notícia de que herdara os milhões do Mandarim Ti-Chin-Fú. Assim, começa a vida de milionário de Teodoro, que passa a ter tudo que sempre almejou: dinheiro, posição social, prestígio, mulheres...

Desfrutando de todos os prazeres que o dinheiro pode oferecer, o amanuense deixa seu antigo emprego na repartição, seu quarto na pensão de D. Augusta, e vai morar num luxuoso palacete, sendo admirado e respeitado pela sociedade lisboeta, que se roja a seus pés.

Porém, pouco tempo depois, começa a perceber o quão vil é o ser humano, pois compreende que toda a consideração e respeito que a sociedade lhe devota provém, única e exclusivamente, do interesse pelo dinheiro que possui. Sua indignação aumenta, e seu desprezo por essa sociedade hipócrita e bajuladora fica patente. Da plebe à burguesia, do Estado à Igreja, tudo enoja Teodoro.

Apesar de milionário, o ex-amanuense não é feliz, pois passa a ter, constantemente, visões do fantasma do Mandarim assassinado: é a sua consciência, que começa a lhe cobrar pelo ato indigno. Então, para acalmá-la e aplacar a fúria de Ti-Chin-Fú, decide partir para uma viagem à China. Sua intenção: descobrir a família do Mandarim e casar-se com uma mulher dessa família para, desse modo, “legitimar” a sua herança.

Na China, nos são apresentadas as aventuras e peripécias de Teodoro, sempre em tom cômico, irônico ou mordaz. Nesta parte, que ocupa quatro dos oito capítulos de que a obra se compõe, Eça de Queirós segue lançando a sua crítica ferina sobre problemas como a corrupção existente na esfera política de um país, o contraste entre a atual decadência de Portugal e o seu passado de glórias, o oportunismo do homem que busca tirar proveito próprio de todo tipo de situação, e toda uma sorte de mazelas humanas como a ganância, a cobiça e o adultério.

Entretanto, o protagonista não consegue o seu intento nessa sua viagem, e, então, retorna a Lisboa.

Incessantemente perseguido pela figura do fantasma do Mandarim, Teodoro resolve “livrar-se” de sua fortuna. Assim, volta a viver no seu antigo quarto, na pensão de D. Augusta, aparentando pobreza, e retoma o seu ofício de amanuense. Porém, nem dessa forma consegue afastar de si a imagem de Ti-Chin-Fú, pois, na realidade, ainda possuía os milhões do velho Mandarim em sua conta bancária. Entretanto, vendo-o pobre, toda a sociedade lisboeta, que o bajulara, volta-se contra ele, aviltando-o e insultando-o. Dessa forma, irritado, decide voltar a viver em seu palacete, como um milionário, e, novamente, Lisboa se roja a seus pés.

Atormentado e desiludido, o ex-amanuense encontra, certa noite, na rua, “o senhor diabo”: aquele mesmo ser que lhe fizera a proposta no quarto da pensão de D. Augusta. Desesperado, pede a ele que ressuscite o Mandarim e lhe devolva os milhões, e que restitua a paz de sua consciência. A tal pedido, a única resposta que obtém é que isso é impossível.

E assim continua vivendo Teodoro, até os fins dos seus dias. Quando se sente perto de morrer, faz um testamento no qual doa toda sua herança ao Diabo (pertence-lhe, ele que as reclame e que as reparta...”).

Encerrando a sua narrativa, Teodoro nos deixa, arrependido e amargurado, o seguinte ensinamento moral:

E a vós, homens, lego-vos apenas, sem comentários, estas palavras: “Só sabe bem o pão que dia a dia ganham as nossas mãos: nunca mates o Mandarim!”

E todavia, ao expirar, consola-me prodigiosamente esta idéia: que do Norte ao Sul e do Oeste a Leste, desde a Grande Muralha da Tartária até as ondas do Mar Amarelo, em todo o vasto Império da China, nenhum Mandarim ficaria vivo, se tu, tão facilmente como eu, o pudesses suprimir e herdar-lhe os milhões, ó leitor, criatura improvisada por Deus, obra má de má argila, meu semelhante e meu irmão!

Fonte:
Passeiweb

Paulo Vinheiro (Certamente)


Certamente te esperava, como uma folha no rio
Como quem abraçava o vento e beijava a brisa
Imóvel como podia, te esperava

Acendia em meus olhos a calma de quem ama
Lia nas nuvens a mensagem só tua
De mãos dadas eu e tu esperávamos as estrelas...
Agora já estás aqui como se sempre estivesses

As asas de menos cores se aproximam
Mostram os rasgos do céu na noite...
Dourando os meus olhos de novo

A calma do rio
O frio da noite
O calor de tua mão
As coisas não se cabem

Dias curtos
Noites curtas
Uma palma na palma
Umas asas na alma

Assim, como que com música
A gente se vê a dançar
Vejo e fluo... assim... assim

Sem vento e sem brisa
Sem folha, sem rio
Meus olhos nas nuvens tuas
Estrelas nas mãos e asas douradas
Qual mais?

Descubro que o tempo não existe
O espaço é só um lugar impreciso
E nós tão pequeninos
Um nos fizemos

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Autran Dourado (O Pintassilgo)


Era uma vez um pintassilgo amantíssimo, capaz de dar a vida pelos seus filhotes. Um dia, trazendo no bico uma minhoca para eles, não os encontrou. Caindo no maior desespero, saiu a procurá-los pela floresta; os ninhos que ele encontrava estavam vazios. Vendo-o tão desesperado, disse um pardal que não adiantava procurá-los, pois os vira numa gaiola na janela da casa do proprietário da floresta.

Cheio de esperança, o pintassilgo voou para lá. Viu logo, numa gaiola dourada, os seus filhotes presos. Começou a bater o peito, o bico e a cabeça na grade da gaiola. Inutilmente, porque o arame da gaiola era muito grosso. Voltou para a floresta.

No dia seguinte estava de volta, trazendo no bico uma erva. A erva era venenosa e os filhotes morreram.

Moral da história: antes morrer do que ficar preso. Foi o que disse o pintassilgo.

O pintassilgo de Leonardo da Vinci

Na fábula do pintassilgo, o artista e cientista italiano Leonardo da Vinci (1452-1519) constrói uma alegoria da liberdade como bem supremo da existência, impregnada, pois, dos valores renascentistas. "Antes a morte", disse o pintassilgo, "do que perder a liberdade", anotou o pintor da "Monalisa". Cenários desse tipo eram improvisados por Leonardo com frequência, dependendo do local ou do público a que se destinavam.

Fonte:
FÁBULAS modernas: velhas fábulas por novos autores. Folha de S. Paulo, 2002. Caderno +.

J. G. de Araújo Jorge (A Cantiga Do Só) A Suprema Revelação


Ponho a mão, de leve, sobre o teu ventre,
tenso, em sua túmida rijeza,
e, de repente,
sou o primeiro homem
diante do desconhecido e da beleza.

(Eu orgulhoso da ciência e do saber humanos)
- sou o homem primitivo
ignorante de tudo, temeroso de tudo
- que nada explica, nada descerra -
que se deslumbra ante a mensagem dos céus,
e, trêmulo, se amedronta ante os mistérios da terra!)

Ponho a mão sobre o teu ventre
abaulado,
onde palpita uma força indefinida,
como se sentisse na própria mão,
indecifrado,
o segredo da Vida!


Parece que Deus se utiliza de teu corpo
para revelar-se
em seu poder e em sua essência
e para mostrar a distância infinita entre a pretensiosa
vaidade do saber humano,
e a sua Onisciência!

Sim. É como se Deus se comunicasse comigo
nesses estranhos sinais que sinto em minha mão...
E perturbado e incrédulo, me interrogo, sem perceber
a razão
por que haveria Ele de permitir que eu e tu
partilhássemos dos mistérios
da Criação?

Ponho a mão, de leve, sobre teu ventre,
e entre deslumbrado e atônito
perturbado e intranqüilo,
fico a pensar que Deus serviu-se de ti, para que eu
- materialista e ateu -
pudesse senti-lo,
e - poeta - pudesse "vê-lo",
e humildemente, homem,
pudesse reconhecê-lo!

Fonte:
JORGE, J.G. de Araújo. Cantiga do Só. 2. ed. 1968.

Mia Couto (A Avezinha da Lua)


(- primeira estória para a Rita- )

Minha filha tem um adormecer custoso. Ninguém sabe os medos que o sono acorda nela. Cada noite sou chamado a pai e invento-lhe um embalo. Desse encargo me saio sempre mal. Já vou pontuando fim na história quando ela me pede mais:

- E depois?-

O que Rita quer é que o mundo inteiro seja adormecido. E ela sempre argumenta um sonho de encontro ao sono: quer ser lua. A menina quer luarejar e, os dois, faz contarmo-nos assim, eu terra, ela lua. As tradições moçambicanas ainda lhe aumentam o namoro lunar. A menina ouve, em plena verdade da rua: "- olha os cornos da lua estão para baixo: vai cair a chuva que a lua guarda na barriga- ".

Me deu, um destes dias, a ideia de lhe contar uma estorinha para fazer pousar o sonho dela. E desencorajar seus infindáveis "e depois". Lhe inventei a estória que agora vos conto.

Era uma avezinha que sonhava em seu poleirinho. Olhava o luar e fazia subir fantasias pelo céu. Seu sonho se expandia:

- Hei-de pousar lá, na lua- .

Os outros lhe chamavam à térrea realidade. Mas o passarinho devaneava, insistente: vou subir lá, mais acima que os firmamentos. Seus colegas de galho se riram: aquilo não passava de meninice. Todos sabiam: não havia voo que bastasse para vencer aquela distancia. Mas o passarinho sonhador não se compadecia. Ele queria enluarar-se. Pelo que o tudo ficava nada.

Certa noite, de lua inteira, ele se lançou nos céus, cheio de sonho. E voou, voou, voou. Perdeu conta do tempo. Em certo momento ele não sabia se subia, se tombava. Seus sentidos se enrolaram uns nos outros. Desmaiou? Ou sonhou que sonhava? Certo é que seu corpo foi sacudido pelo embute de um outro corpo.

E pousou naquela terra da lua, imensa savana pétrea. A ave contemplou aquela extensão de luz e ficou esperando a noite para adormecer. Mas noite nenhuma chegou. Na lua não faz dia nem noite. É sempre luz. E o pássaro cansado de sua vigília quis voltar à terra. Bateu as asas mas não viu seu corpo se suspender. As asas se tinham convertido em luar. Com o bico desalisou as penas. Mas penas já nem eram: agora, simples reflexos, rebrilhos de um sol coado. O pássaro lançou seu grito, esses que deflagrava antes de se erguer nos céus. Mas sua voz ficou na intenção. A ave estava emudecida. Porque na lua o céu é quase pouco. E sem céu não existe canto.

Triste, ela chorou. Mas as lágrimas não escorreram. Ficaram pedrinhas na beirada da pálpebra, cristais de prata. A avezinha estava cativa da lua, aprisionada em seu próprio sonho. Foi então que ela escutou uma voz feita de ecos. Era a própria carne da lua falando:

- Eu sonhei que tu vinhas cantar-me.

- E porquê me sonhaste?

- Porque aqui não há voz vivente.

- Eu também sonhei que haveria de pousar em ti.

- Eu sei. Agora vais cantar em luar. Eu sonhei assim e nenhum sonho é mais forte que o meu- .

É assim que ainda hoje se vê, lá na prata da lua, a pupila estrelinhada do passarinho sonhador. E nenhuma criatura, a não ser a noite, escuta o canto da avezinha enluarada. Sobre as primeiras folhas da madrugada, tombam gotas de cacimbo. São lagriminhas do pássaro que sonhou pousar na lua.

- E depois, pai?-

Fonte:
Mia Couto. Contos do Nascer da Terra. Vol.1. Porto: CPAC, 1998.

Laé de Souza (Escolas Estaduais de Sorocaba Participam de Projeto de Leitura)


Cerca de cinco mil estudantes de 32 escolas estaduais de Sorocaba estarão a partir deste mês envolvidos em um projeto de incentivo à leitura.

O projeto “Ler é Bom, Experimente!”, desenvolvido em todo o país, teve em 2011 a participação de oito escolas de Sorocaba e com o resultado obtido, em parceria com Secretaria de Estado da Educação - Diretoria de Ensino da Região de Sorocaba, o Grupo Projetos de Leitura abriu um número maior de vagas para escolas do município.

O projeto, desenvolvido há mais de doze anos pelo Grupo Projetos de Leitura, com aprovação do Ministério da Cultura e patrocínio do GRUPO SEGURADOR BANCO DO BRASIL E MAPFRE, tem como objetivo incentivar o hábito da leitura oferecendo livros e demais materiais didáticos, gratuitamente, às escolas públicas. Dirigidos a estudantes a partir do 2º ano até o ensino médio, a mecânica do trabalho envolve a leitura de livros do escritor Laé de Souza, que neste ano será com as obras “Radar, o cãozinho” (português/inglês), “Quinho e o seu cãozinho – Um cãozinho especial” e “Acredite se quiser!” (impresso em braille), discussão dos temas propostos nas obras, criação de textos e adaptação para teatro, exercícios infantis e outras atividades. A escola participante receberá um lote de 152 livros, além de material de apoio como folhas pautadas para redação e ainda uma cartilha pedagógica para auxiliar o professor a executar as atividades dentro da sala de aula.

Após a leitura e o desenvolvimento das atividades sugeridas, monitoradas pelos professores, os alunos respondem um questionário sobre a obra e elaboram textos baseados nas crônicas ou nos personagens. Serão premiados, por classe, com outra obra de Laé de Souza, três autores dos melhores trabalhos.

Os alunos participantes concorrem também à seleção do seu texto para participar de uma coletânea intitulada "As melhores crônicas dos projetos de leitura" que será lançada na Bienal Internacional do Livro de São Paulo em agosto de 2012.

Para o coordenador do trabalho, o escritor Laé de Souza, a ideia é atrair todos os estudantes para uma participação ativa em um movimento literário na sua própria escola. “A disseminação da leitura na sala de aula, se bem orientada, poderá criar novos cidadãos apaixonados pela leitura e com vontade própria de ler. Nosso trabalho é desenvolvido para que os jovens se tornem adultos atraídos pelos encantos e aprendizado que a leitura de livros pode proporcionar. O professor é nosso parceiro e assume conosco a empreitada de fazer o aluno descobrir o prazer da leitura. Torço para termos alunos de Sorocaba na nova coletânea de textos de estudantes”, diz.

“As nossas expectativas em relação ao projeto “Ler é Bom, Experimente!” são as melhores possíveis, pois um dos principais objetivos do trabalho das escolas da rede estadual de ensino é desenvolver a competência leitora e escritora nos alunos de todos os segmentos, da alfabetização ao ensino médio, em todas as disciplinas. Sendo assim, a participação de 32 escolas da nossa Diretoria é uma grande oportunidade para trabalharmos a produção textual, debatermos os temas propostos pelos livros ou, simplesmente, estimularmos o prazer pela leitura. Estão de parabéns todos os que idealizaram e põem em prática este Projeto”, manifesta-se o Professor José Roberto Machado Júnior, Coordenador de Língua Portuguesa da Diretoria de Ensino da Região de Sorocaba.

Fonte:
E-mail enviado por Laé de Souza

domingo, 15 de abril de 2012

Trova Ecológica 84 - Nemésio Prata Crisóstomo (CE)

Martins Fontes / SP (Livro de Sonetos)


O soneto acima - Como é bom se bom! - é considerado o seu verso mais famoso e, antes de tudo, um lema de vida que Martins Fontes sempre cultivou, como médico tisiologista da Santa Casa de Santos (a primeira do Brasil, fundada por Brás Cubas).
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A ÁGUA TODA SECOU ATÉ NOS OLHOS

— Meu culto ao Ceará, Coração do Brasil.

O rio vai morrer, sem que nada o socorra,
sem que ninguém, jamais, bendiga o moribundo.
Morre na solidão, no silêncio profundo,
e o malárico mal o mantém em modorra.

A enfermidade faz que da boca lhe escorra
o limo, feito fel, viscoso e nauseabundo.
E o terror se lhe vê das órbitas ao fundo.
Paralítico jaz na estreitez da masmorra.

Tu só, tu, meu Irmão, que a miséria não vence.
Que suportando a sede, a fome, a febre, o frio,
sem que prêmio nenhum teu martírio compense.

Poeta, herói, semideus, sabes o desvario,
a sobre-humana dor, a bravura, cearense,
de quem se suicidou, vendo morrer o rio.

OTELO

Quem minha angústia suportar, prefira
a morte, redentora, à desventura
de não poder, nas vascas da loucura,
distinguir a verdade da mentira.

Infrene dúvida, implacável ira,
esta que me alucina e me tortura!
- Ter ciúmes da luz, formosa e pura,
do chão, da sombra e do ar que se respira!

Invejo a veste que te esconde! a espuma
que, beijando teu corpo, linha a linha,
toda do teu aroma se perfuma!

Amo! E o delírio desta dor mesquinha,
faz que eu deseje ser tu mesma, em suma,
para ter a certeza de que és minha!

BEIJOS MORTOS

Amemos a mulher que não ilude,
e que, ao saber que a temos enganado,
perdoa, por amor e por virtude,
pelo respeito ao menos ao passado.

Muitas vezes, na minha juventude,
evocando o romance de um noivado,
sinto que amei, outrora, quanto pude,
porém mais deveria ter amado.

Choro. O remorso os nervos me sacode.
e, ao relembrar o mal que então fazia,
meu desespero, inconsolado, explode.

E a causa desta horrível agonia,
é ter amado, quanto amar se pode,
sem ter amado, quanto amar devia.

BEIJOS NO AR

No silêncio da noite, aslta e deserta,
inebriante, férvido sintoma,
uma fragrância feminina assoma
e tentadoramente me desperta.

Entrou-me, em ondas, a janela aberta,
como se se quebrara uma redoma,
da qual fugira o delirante aroma,
que o mistério do amor assim me oferta.

De que dama-da-noite ou jasmineiro,
de que magnólia em flor, em fevereiro,
se exala esse cálido desejo?

Ela sonha comigo: esse perfume
vem da sua saudade, que presume,
embora em sonho, ter-me dado um beijo!

CREPÚSCULO

Alada, corta o espaço uma estrela cadente.
As folhas fremem. Sopra o vento. A sombra avança.
Paira no ar um languor de mística esperança
e de docúra triste, inexprimivelmente.

À surdina da luz irrompe, de repente,
o coro vesperal das cigarras. E mansa,
E marmórea, no céu, curvo e claro, balança,
entre nuvens de opala, a concha do crescente.

Na alma, como na terra, a noite nasce. É quando,
da recôndita paz das horas esquecidas,
vão, ao luar da saudade, os sonhos acordando...

E, na torre do peito, em plácidas batidas,
melancolicamente o coração chorando,
plange o réquiem de amor das ilusões perdidas.

DESARMONIA

Certas estrelas coloridas,
estrelas duplas são chamadas,
parecem estarem confundidas,
mas resplandecem afastadas.

Assim, na terra, as nossas vidas,
nas horas mais apaixonadas,
dão a ilusão de estar unidas,
e estão, de fato, separadas.

O amor e as forças planetárias,
trocando as luzes e os abraços,
tentam fundi-las e prendê-las.

E eternamente solitárias,
dentro do tempo e dos espaços,
vivem as almas e as estrelas.

LONGUS

É de manhã, no outono. À luz, o orvalho
doira os mirtais de trêmulas capelas.
e, sobre o solo, recobrindo o atalho,
há milhares de folhas amarelas...

A Filetas, ao pé de amplo carvalho,
ouvem as narrações e pastorelas,
um rapaz, aindaingênuo e sem trabalho,
e a mais linda de todas as donzelas...

É a narrativa do florir dos prados,
que o mais doce dos velhos barbilongos
conta ao casal de jovens namorados...

Silêncio... Ouvi-lhe o beijo dos ditongos,
os silábicos sons, que musicados,
cantam na amável pastoral de Longus…

MAIS FORTE DO QUE A MORTE

Chego trêmul, pálido, indeciso.
Tentas fugir, se escutas meu andar.
E és atraída pelo meu sorriso,
e eu fascinado pelo teu olhar.

Louco, sem o querer, te martirizo.
Em meus braços começas a chorar.
- E unem-se as nossas bocas de improviso,
pelo poder de um fluido singular.

Amo-te. A febre da paixão te acalma.
Beijas-me. E eu sinto, em lânguido torpor,
a embriaguez do vinho da tu'alma.

E ambos vemos, felizes, sem temor,
que, abençoada e lúbrica, se espalma
a asa da morte sobre o nosso amor!

SÃO FRANCISCO E O ROUXINOL

Um rouxinol cantava. Alegremente,
quis São Francisco, no frutal sombrio,
acompanhar o pássaro contente,
e começa a cantar, ao desafio.

E cantavam os dois, junto à corrente
do Arno sonoro, do lendário rio.
Mas Sào Francisco, exausto, finalmente,
parou, tendo cantado horas a fio.

E o rouxinol lá prosseguiu cantando,
redobrando as constantes cantilenas,
os trilados festivos redobrando.

E o santo assim reflete, satisfeito,
que feito foi para escutar, apenas,
e o rouxinol para cantar foi feito.

SONETO

Se eu fosse Deus seria a vida um sonho,
Nossa existência um júbilo perene!
Nenhum pesar que o espírito envenene
Empanaria a luz do céu risonho!

Não haveria mais: o adeus solene,
A vingança, a maldade, o ódio medonho,
E o maior mal, que a todos anteponho,
A sede, a fome da cobiça infrene!

Eu exterminaria a enfermidade,
Todas as dores da senilidade,
E os pecados mortais seriam dez...

A criação inteira alteraria,
Porém, se eu fosse Deus, te deixaria
Exatamente a mesma que tu és!

MINHA MÃE

Beijo-te a mão, que sobre mim se espalma
Para me abençoar e proteger,
Teu puro amor o coração me acalma;
Provo a doçura do teu bem-querer.

Porque a mão te beijei, a minha palma
Olho, analiso, linha a linha, a ver
Se em mim descubro um traço de tua alma,
Se existe em mim a graça do teu ser.

E o M, gravado sobre a mão aberta,
Pela sua clareza, me desperta
Um grato enlevo, que jamais senti:

Quer dizer - Mãe! este M tão perfeito,
E, com certeza, em minha mão foi feito
Para, quando eu for bom, pensar em ti.

Fonte:
http://www.sonetos.com.br/biografia.php?a=22

Martins Fontes (1884 – 1937)


José Martins Fontes, poeta brasileiro, nascido na cidade paulista de Santos, às 17 h 30 min. em 23 de junho de 1884, foi um médico e poeta brasileiro. É considerado o melhor poeta de sua geração na lusofonia, e um dos dez melhores na língua portuguesa; os outros nove são Camões, Bocage, António Nobre, Guerra Junqueiro, Fernando Pessoa, Castro Alves, Olavo Bilac, Raimundo Correia e Alberto de Oliveira (o brasileiro).

José Martins Fontes, o "Zezinho Fontes", nasceu na casa 4 da praça José Bonifácio, filho de Isabel Martins Fontes e do Dr. Silvério Martins Fontes, frequentou os principais colégios de seu tempo, entre eles o Colégio Nogueira da Gama em Jacareí. Em sua vida de estudante em Santos, teve como professor Tarquínio da Silva, ao qual prestou homenagem posteriormente. Mais tarde vai para o Rio de Janeiro, onde estuda no Colégio Alfredo Gomes.

Aos oito anos de idade, Martins Fontes publicou seus primeiros versos num jornalzinho denominado "A Metralha" dando os primeiros sinais do grande poeta que iria ser durante sua vida, do qual foram publicados 9 números aos domingos e cujo cabeçalho em três cores era feito por seu avô, o coronel Francisco Martins dos Santos. A 1° de maio desse mesmo (1892) estreia o moço poeta, recitando um hino a Castro Alves no Centro Socialista, organização marxista-leninista criada por seu pai. Com dezesseis anos, ele lê uma ode de sua autoria na inauguração do monumento comemorativo ao quarto centenário do Descobrimento do Brasil, levantado próximo à biquinha em São Vicente.

Em 1908, defendeu tese de doutoramento na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, tornando-se médico sanitarista, tendo convivido com poetas como Olavo Bilac, Coelho Neto, Emílio de Meneses e outros. Depois de formado foi médico da Comissão das Obras do Alto Acre, interno da Santa Casa do Rio de Janeiro, auxiliar de Oswaldo Cruz na profilaxia urbana, médico da Santa Casa de Misericórdia de Santos, médico da Beneficência Portuguesa de Santos, inspetor sanitário em Santos e Diretor do Serviço Sanitário.

Também foi médico da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio, da Companhia Segurança Industrial, da Companhia Brasil, da Repartição de Saneamento e da Casa de Saúde de Santos. Durante a epidemia de gripe de 1918 tornou-se um dos beneméritos da cidade, desdobrando-se para socorrer os bairros do Macuco e Campo Grande e estendendo sua ação para a localidade de Iguape. Como médico, notabilizou-se como conferencista e foi tisiologista da Santa Casa de Misericórdia de Santos e destacado humanista, lutou junto com Oswaldo Cruz em defesa sanitária da cidade de Santos. Em seu consultório particular tratava de pessoas sem poder aquisitivo, não cobrando as consultas.

Fundou com Olavo Bilac uma agência publicitária para serviços de propaganda dos produtos brasileiros na Europa e em outros países. Em 1924 tornou-se correspondente da Academia das Ciências de Lisboa. Quando Júlio Prestes, presidente do Estado de São Paulo e candidato à presidência da República, partiu em viagem para percorrer os países da Europa e EUA, Martins Fontes foi convidado para acompanhá-lo como médico da caravana. Devido ao seu trabalho como conferencista conheceu o Brasil de norte a sul, e ainda a Argentina, o Uruguai, os Estados Unidos, a França, a Inglaterra, a Espanha, a Itália e Portugal.

Colaborou literariamente com os jornais "A Gazeta" e o "Diário Popular" em São Paulo, e para o "Diário de Santos" e o "Cidade de Santos", além de inúmeros periódicos do Rio de Janeiro e outras cidades.

Sua obra literária é bastante volumosa, chegando actualmente a cinquenta e nove títulos publicados, em poesia e prosa. Actualmente editadas em Portugal, sob coordenação de seu biógrafo oficial, Rui Calisto.

Foi titular da Academia das Ciências de Lisboa e, ao longo de sua vida, recebeu os títulos de comendador da Ordem de São Tiago da Espada, Cavaleiro da Espanha, Par da Inglaterra entre outras distinções. É patrono da cadeira n.° 26 da Academia Paulista de Letras.

Figura notável, era venerado pelo povo (notadamente pelos mais pobres). Sua morte causou grande consternação, tendo seu funeral, conforme testemunhos da época, paralisado a cidade. Seu túmulo no Cemitério do Paquetá, em Santos/SP, é um dos mais visitados e o povo acredita que o poeta continua a espalhar bondade mesmo após a sua morte, atendendo às preces que lhe são dirigidas.

Alguns livros de sua bibliografia publicada:

Da Imitação em Síntese, 1908, 78p.
Verão., 1917, 201p.
A Dança., 1919, 112p.
Granada., 1919, 27p.
A Alegria. 1921, 46p.
Pastoral., Março de 1921, 20p.
Arlequinada., 1922, 79p.
O Mar. 1922, 48p.
Marabá. Janeiro de 1922, 33p.
Boémia Galante. 1923, 370p.
As Cidades Eternas. 1923, 138p.
À Margem das Cidades Eternas. In: Revista de Filologia Portuguesa. São Paulo, I, 4, 1 de Abril de 1924, p. 49-71. (Obra encontrada por Rui Calisto. Pertence agora ao acervo deste investigador.).
Prometheu. 1924, 27p.
Volúpia. 1925, 169p.
Decameron. 1925, 106p.
Santos Suprema Glória da Pátria! 1925, 35p.
Partida para Cythera. 1925, 79p.
Vulcão. 1926, 204p.
No Templo e Na Oficina. 1927, 185p.
A Fada Bombom. 1927,48p.
O Colar Partido. 1927, 259p.
Rosicler. 1927, 81p.
Poesias. 1928,
Poesias Completas de Martins Fontes, 425p.
Entre outros

Fonte:
http://www.sonetos.com.br/biografia.php?a=22
http://pt.wikipedia.org/wiki/Martins_Fontes

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 541)


Uma Trova de Ademar

Fiz minha casa de barro
ao lado de uma favela;
Lá fora, eu sei, não tem carro,
mas tem amor dentro dela!...
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


Pense bem nas atitudes
antes de emitir conceitos;
quem não conhece as virtudes
não deve apontar defeitos!
–ARLINDO TADEU HAGEN/MG–

Uma Trova Potiguar


Saudade de amor... lembrança,
que dói mais que qualquer dor!
Nem na velhice descansa,
quem tem saudade de amor!
–PROF. GARCIA/RN–

Uma Trova Premiada


1979 - Niterói/RJ
Tema : RENÚNCIA - Venc.


A pedra rude, pisada,
de um degrau, reflete bem
a renúncia de ser nada
para um outro ser alguém.
–CAROLINA RAMOS/SP–

...E Suas Trovas Ficaram


Cai a noite... Seu negrume,
mercê de um mistério estranho,
faz de um ínfimo queixume
um lamento sem tamanho...
–WALDIR NEVES/RJ–

U m a P o e s i a


Satisfeito, carrego a minha cruz
com a estrela da fé dentro da mente.
Vou lutar pra vencer os atropelos
sem temer o que esteja pela frente.
Sei que a senha da morte não tem prazo,
mas, enquanto não chega o meu ocaso,
sigo olhando pra luz do sol nascente.
–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–

Soneto do Dia

Pecados
–THALMA TAVARES/SP–


Eu tenho pecados, e muitos, não nego.
Só Deus é quem sabe das culpas que expio,
dos erros, das faltas que eu triste carrego,
que o sono me roubam, por noites a fio.

Porque aos teus braços me atiro, me entrego,
minha alma anda triste qual planta no estio.
Mas Deus é culpado, se não me fez cego
à rara beleza do teu corpo esguio.

Não sei de pecados, mais doces, mais quentes
que a luz de teus olhos, teus lábios ardentes
que enchem a minha alma de sol e calor.

Mas tenho certeza que os nossos pecados
por muitos que sejam, já estão perdoados,
que não é pecado pecar por amor.

Vicência Jaguaribe (Onde Está a Margarida?)


Tarde do domingo. Uma tarde agradável, ventilada e clara. A ida à missa dominical. A chegada antecipada, para que a Margaridinha, filha única, tivesse oportunidade de encontrar-se com outras crianças e brincar um pouco. Ela tinha feito amizade com algumas garotas de sua idade cujos pais frequentavam a mesma igreja. E todas as semanas o casal fazia questão de dar à filha aquele momento de prazer. Eles sentavam-se nos bancos de cimento que ficavam no espaço cercado pelas grades que circundavam a igreja. Os pais das outras meninas iam chegando e sentavam-se com eles para vigiar os folguedos das filhas. Naquela tarde, brincavam de roda, cantando “A Margarida”. A pequena Margarida, a única que tinha esse nome — homenagem à avó paterna —, estava no centro da roda. As outras pegavam na barra de seu vestido largo — que parecia ter sido feito para aquela brincadeira — e formavam uma roda, fora da qual outra menina cantava e dançava. E seu canto se alternava com o das garotas da roda.

As garotas tiveram tempo de cantar “A Margarida” duas vezes somente. O sino da igreja anunciou o início da missa e elas se aproximaram dos pais.

A igreja era uma construção grande e larga. Os bancos, confortáveis, espalhavam-se estrategicamente por todos os cantos, formando ângulos com o altar principal, de modo que, de onde estavam sentados, todos os fiéis tinham a visão completa da celebração.

O padre iniciou o ritual católico da Missa, e todos se recolheram em oração. As crianças tentavam imitar os adultos, mas distraíam-se. Olhavam para as pessoas ao redor, conversavam com o irmão ou o amiguinho sentado ao lado, coçavam-se, bocejavam... De vez em quando, o pai ou a mãe lançavam-lhes um olhar ameaçador, e elas voltavam a comportar-se. A Margaridinha encostou-se na mãe e ameaçou dormir, quando o padre deu início à leitura do Evangelho.

— Margarida, escuta. O Padre vai falar das crianças. Vai ler uma história muito bonita.

A menina abriu os olhos, empertigou-se e ouviu direitinho o Evangelho de Marcos. Quando o Padre anunciou a saudação dos fiéis, ela, vendo algumas amiguinhas na porta da igreja, disse à mãe que ia ficar com elas. O pai acompanhou-a com os olhos e viu quando ela desceu os degraus.

As três, enfadadas com a missa comprida demais, não tornaram a entrar na igreja. Sentaram-se em um dos bancos de cimento e ficaram conversando.

Com a bênção final, os fiéis foram se retirando devagar. Os pais da Margarida olharam-se e interrogaram-se mudamente. O olhar que um devolveu ao outro parecia dizer, com preocupação, Eu pensei que você sabia onde ela estava! Apressaram o passo e encontraram as duas meninas que o pai vira a filha abraçando.

— Vocês viram a Margarida?

— Ela não estava com vocês!?

— Um homem veio e levou ela — respondeu uma das meninas, meio amedrontada com o semblante de preocupação do pai da amiguinha.

— Que homem, meu Deus? Como era esse homem?

A dona da banca de bombom aproximou-se.

— Eu vi quando ele levou a menina. Pensei que era alguém da família. Ela foi com ele sem problema.

Já uma aglomeração cercava os pais da menina. Um senhor descreveu alguns traços do desconhecido: moreno, estatura mediana, camisa vermelha. Infelizmente, não lhe vira as feições. Alguém sugeriu aos pais irem imediatamente à delegacia. Nesses casos, quanto mais cedo se começava a busca, mais chances se tinha de evitar uma tragédia.

A mãe chorava e tremia. Uma conhecida que fora de carro à igreja ofereceu-se para levá-los à delegacia. O pai não conseguia raciocinar. Em sua cabeça ecoava, todo o tempo, sem intervalo, os primeiros versos da cantiga de roda que a filha cantara antes da missa: Onde está a Margarida, / Ô lê, ô lê, ô lá / Onde está a Margarida / Ô lê, seus cavalheiros. Meu Deus, onde estaria a sua Margarida naquele momento? Onde estaria a sua menininha?

Diante do delegado, não teve condições de falar. Nem ele, nem a mulher. Foi a dona do carro que registrou a queixa. Imediatamente, o delegado acionou soldados e investigadores, e a busca começou. O bairro todo já tomara conhecimento do que acontecera. Os jornais foram informados, e os carros de reportagem já se encaminhavam à igreja e à casa dos pais da menina.

Na cabeça do pai, ainda ecoavam os versos da cantiga de roda, impedindo-o de raciocinar para tentar ajudar na busca: Ela está em seu castelo / Ô lê, ô lê, ô lá / Ela está em seu castelo / Ô lê, seus cavalheiros. O único castelo que ele pudera erguer para protegê-la fora o castelo do seu amor e dos seus cuidados. Mas não havia sido suficiente, e ele sentia-se culpado. Não tinha coragem de olhar para a esposa, em estado de choque. O médico do posto de saúde fora chamado. Sabia que ele iria querer dopar os dois. Mas ele não tomaria nenhuma droga. Queria enfrentar tudo bem acordado. Não dissera a ninguém, mas não tinha esperança de que encontrassem a filha com vida. Como ele queria que essa sua impressão não se confirmasse! Que ela estivesse errada, meu Deus! Mas sabia — eram tantos os casos de violência contra crianças! — que não adiantava enganar-se. Como ele gostaria de ver a filha mais uma vez, de abraçá-la, de dizer que a amava mais do que a qualquer outra pessoa no mundo!

O médico chegou e fez os dois tomaram um calmante. A mãe continuou sob o efeito do remédio até o dia seguinte, mas ele, o pai, estava de pé logo depois da meia noite. Quando as buscas recomeçaram, ele achou que tinha condições de ajudar, e seguiu um dos grupos. À tarde, o corpo da criança, com evidências de estupro, foi encontrado em um bairro vizinho. O pai tomou conhecimento da tragédia e dirigiu-se a casa. Queria estar com a mulher quando ela recebesse a notícia. Os versos finais da cantiga de roda, que ecoaram por todo o seu corpo, pareciam ironizar a sua dor: Apareceu a Margarida / Ô lê, ô lê, ô lá / Apareceu a Margarida / Ô lê, seus cavalheiros. Sim, ela aparecera, mas não como deveria ter aparecido. Menos ainda como ele queria que ela aparecesse.

Fonte:
Câmara Brasileira de Jovens Escritores. "Contos de Outono" - Edição Especial 2012 - Abril de 2012.

Pedro Du Bois (Lançamento do livro “Brevidades”)


O Projeto Passo Fundo e Pedro Du Bois convidam para o lançamento do livro de poemas

Com prefácio do poeta amazônico Jorge Tufic e comentário (orelha) do professor e historiador Paulo Monteiro,

19 de abril, 5a. feira, a partir das 18 horas

Livraria Nobel
Rua Gal. Osório, 1148 - Passo Fundo - RS


Brevidades é o novo livro de poemas de Pedro Du Bois, lançado através do Projeto Passo Fundo, que tem por criador e administrador, Ernesto Zanette. A obra traz a apresentação do poeta Jorge Tufic; “orelha” do historiador e poeta Paulo Monteiro; capa da artista plástica Silvana Oliveira.

Os poemas estão divididos em cinco blocos: Breve apanhado sobre a (minha) lucidez, Breve anotação sobre a (minha) sanidade, Breve apontamento sobre o (meu) equilíbrio, Breve relato sobre a (minha) natureza e Breve ilustração sobre o (meu) sentimento.
Na obra o autor expõe (suas) brevidades, revelando tipos obsessivos, frutos de suas observações sobre a lucidez, o equilíbrio, a natureza e o sentimento.

“Permito-me a lucidez: vejo a árvore e os frutos; / desfaço a cama e guardo as cobertas. Visto na roupa / a imagem trazida no regresso. //... A lucidez contém luzes enfeitiçadas de verdades. / A lucidez é o meu cansaço”.

Nos poemas, Pedro Du Bois diz “da brevidade do pensamento e dos atos”, através de imagens metafóricas que celebrizam fragmentos da vida na descrição de quadros complexos, onde se defronta com a (sua) sanidade e natureza; penetra na película do (seu) comportamento ao demonstrar a (sua) aparência no universo de (des)equilíbrios: o (seu) sentimento que o libera da necessidade limitadora de se submeter ao cotidiano e pela maneira com que se envolve na imaginação ao se descobrir em “Brevidades”.

“... - sou cores realizadas em tinta / e represento vontades: claras / escuras amarelas e vermelhas. / Pranteio o antecedente espaço / e me aprofundo em brancos. //... - sou cores fixadas sobre a pedra / e me digo consentâneo em respostas”.

Segundo o poeta Jorge Tufic, “o autor deste livro capta as situações e posturas mais diversas em que se vê, dando aos tranquilos ou abismáticos rituais de seu cotidiano admissíveis “estampas” da realidade em cada bloco ou fragmento, como se “cantos” fossem de uma bem elaborada saga individual, entre a “solidão do corpo” e a “sentinela do olvido”.

Nas palavras do historiador e poeta Paulo Monteiro, “... Os temas minúsculos, invisíveis e indiferentes à grande arte estão presentes nos poemas de Pedro.... Na verdade, a obra poética de Pedro Du Bois mais do que reunir influências, reúne sensações”.

Ao lermos Brevidades vemos, além do domínio técnico e da beleza, a certeza do objetivo alcançado através de grande processo criativo, sensível e emotivo.
Tânia Du Bois

1
Permito-me a lucidez: vejo a árvore e os frutos;
desfaço a cama e guardo as cobertas. Visto na roupa
a imagem trazida no regresso. Da casa retenho
a tinta das paredes; nos vidros da janela vejo
a poeira acumulada. Recorro à figura armazenada
e retiro a essência. A lucidez me repete
fatos intercalados.

Invado o lúdico e me deparo com a reserva
ao conhecimento. Cumprimento a sombra
do que sou e deixo arrolado o tanto procurado.

A lucidez contém luzes enfeitiçadas de verdades.
A lucidez é meu cansaço.

Fonte:
O autor
Resenha por Tânia Du Bois, in http://www.recantodasletras.com.br/artigos/3613001

Paulo Vinheiro (Uma Flor no Meio da Vida) – 08042012 (reescrita)


(Paulo Vinheiro é o nome literário de Paulo Vieira Pinheiro, de Monteiro Lobato/SP)

O quê queres? Perguntei-me a mim.

Dia e outro, na procura dos sentidos, me perco nas palavras que brotam por todo lado com seus propósitos de me confundir.

Jornais, revistas, livros... tantas letras que doem.

Já li de tudo, me arrebatam as bulas...

Machado, Alencar, Scliar, Saramago, Lobato, e tanta gente que depois de um tempo me cobra: fazes o que dizes

Ousado, talvez com um pouco de medo, arrisquei umas pequenas linhas... pequenininhas.

Então escrevi.

Tive a sorte de aprender a letrar pensamentos e os letrei; então achei pouco.

Pensei: se posso descrever o que penso... porquê não posso escrever o que sinto?

Vi que existia uma ponte estreita, longa, perigosa e muita vez conflitante entre o que eu sentia e pensava.

Sofri, mas não desanimei, então me reescrevi.

Contei contos, desvelei novelas, trabalhei textos... passei a ler com mais cuidado, com mais rigor, com mais seleção.

Passei a ler como se eu tivesse escrito o texto que não escrevi. Busquei o sentimento que vale a pena (no estrito sentido da pena que escreve).

Antes disso eu não respeitava tanto como mereciam os que escreveram.

Textos bons ou textos nem tanto como queríamos ler, servem para o que servem, para se qualificarem uns aos outros.

Quem sabe o que é bom?

Sempre gostei das coisas mais fáceis e por isso busquei as mais difíceis, só para me contrariar... só eu sofri no caso das palavras que li.

Agora a pouco me perguntaram: e a flor, onde entra nisso que dizes?

Ora entendo que a flor é o produto da expressão do que se diz, do que se escreve, do que se pinta, do que se faz para a apreciação, como o trabalho, como o amor... como a expressão pura e simples da ação.

Existe no campo ou nos jardins, todo o tipo de expressão floral. Existe no jardim de nossos dias uma quantidade de obras a se admirar, umas com mais cuidado, outras detalhadas, outras simples... cada qual com suas qualidades.

Para nós sobra entendermos o que fizemos ou faremos de nós.

Fonte:
Texto enviado pelo autor