segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Rosamel/RS (Poemas Avulsos)



VISÃO

Que aura tão linda desponta no mar
o sol e a lua ondas esperam galgar
Quem vem lá com vestido rendado
com mãos espalmadas e doce olhar

Trazendo na testa um raio estelar
ungindo seu povo em suave bailar
Ó mãe quem me dera que a tua visão
em mim derramasse tua mansidão

No mar minha casa deleito o olhar
e lá no horizonte fico a espreitar
Se vejo o encontro do povo do mar
que sacode e balança meu caramujar

Que bênçãos derrames em favos de méis
em perfumes de flores fartos farnéis
Em ondas que embrulham trazendo cabal
o mistério da lenda em grande final

E eu sonho e como sonho em dia claro
levantas nas ondas e contigo deparo
Em azul tão celeste crivado de estrelas
obrigada mamãe por deixar-me vê-las.

MINHA CAMA

Larga lisa e perfumada
Vestida de puro cetim
Ela está sempre arrumada
Cheirosa como um jasmim

Mas está tão solitária
Feito uma ilha isolada
Cansada de ser sedentária
E nunca está ocupada

As cenas não tem replay
Nem som, orquestra ou luz
Ainda resta um long play
Que dança no prato e conduz

Quem me dera voltar ao tempo
Em que a alcova era um ninho
E sem nenhum contra tempo
Devora a loba o cordeirinho

Ficou na minha lembrança
O cheiro da pele suada
Só restando a esperança
De ver a cama molhada

ANTI SOCIAL

Associei meu querer
ao amor que dizias ter.
Mas quebrei a cara
e minhálma dispara.
Ao perceber a traição
maldição...
Mais uma vez, lamento
e choro
por um amor fracassado.

Caminhei milhas
por duros anos
para esquecer
desenganos.
Tentei uma sociedade
amizade colorida
mas virou em ferida
esta ansiedade.
Pura maldade
E por não saber separar
o bem do mal
hoje.....
sou anti social.

AMIGO X AMIGO

Se não te procuro mais é que algo aconteceu
As vezes coisas fatais que meu coração sofreu
Mas tenha então certeza que estou a esperar

De tu'alma a nobreza em vir a mim procurar
Não te afastes de um amigo sem ter motivo ou razão
Carregue sempre contigo bem junto ao coração

Quem tem o bem precioso de ter amigo por perto
É ter um sol radioso iluminando deserto

VÔO DA ÁGUIA

Esse azul sentimental
Raiando por entre as nuvens
Clareando o espaço
Entre picos e montes
É no vôo da águia
Que vai em busca do ninho
Onde encontra o repouso
Do seu longo viajar
Mergulhando na cascata
Bem no interior da mata
Buscando o seu alimento
Dos filhotes o sustento
Leva para o abrigo rochoso
Onde luta carinhoso
Pela vida em liberdade
E o olhar aguçado e profundo
Que rastreia todo mundo
Em milhas a campear
E do alto céu em ocaso
Mergulha firme num raso
E sobe feito uma flecha
Abrindo uma larga brecha
Para um dia novo raiar.

A CADA ESTAÇÃO

Os amores se esvaem
as lágrimas descem
os risos desfalecem
o olhar obscura
e com flamejo lampeja
a face da criatura
seja amarga ou seja pura

Um dia
o amor volta
some toda a revolta
a lágrima seca com um beijo
e o riso é o despejo
que desce cascateado
no som inebriado
com o amor em construção
que rompe a cada estação

Fonte:
http://fioredemel.blogspot.com

A. A. de Assis (A Província do Guairá: Um pouco da história do antes de Maringá) Parte 7


A PROVÍNCIA DO PARANÁ

-19 de dezembro de 1853... Confere?

-A Lei Imperial n. 704, que criou a província do Paraná, foi sancionada no dia 29 de agosto de 1853. No dia 19 de dezembro, com a chegada de Zacarias de Góis e Vasconcelos, enviado como primeiro presidente e encarregado de organizar os serviços administrativos, instalou-se oficialmente a nova província.

-Paraná, capital Curitiba!

-Curitiba já havia sido elevada à categoria de cidade desde 1842, sediando a 5ª comarca da província de São Paulo. Pela posição geográfica e por apresentar condições de rápido desenvolvimento, foi naturalmente escolhida para capital. O Paraná abrigava na época uma população de 62.258 habitantes, dos quais 6.791 viviam em Curitiba. Paranaguá contava com 6.533 moradores e Ponta Grossa com 3.033.

-Luís Pedro, certamente, assistiu à posse de Zacarias...

-Estava lá, capengando mas cheio de orgulho. Morreu dois anos depois, em 1855. A essa altura os Campos Gerais passavam por uma fase de extraordinário progresso. O comércio de mulas, cavalos e bois estava no auge. Os tropeiros iam buscar os animais no Rio Grande do Sul, no Uruguai e na Argentina, invernando-os nas imediações de Ponta Grossa. Dali eram levados à Feira de Sorocaba, onde eram vendidos aos fazendeiros de café de Minas Gerais e do Vale do Paraíba. Consta que a média de comercialização de animais em Sorocaba era de 100 mil cabeças por ano. Com isso, cresciam animadamente as vilas paranaenses do roteiro: Palmas, Guarapuava, Ponta Grossa, Castro...

-Dizem que os cavalos de Palmas e Guarapuava eram de maior valor no mercado...

-Famosíssimos.

-Me diga uma coisa: não se plantava trigo no Paraná nessa época?

-Claro que sim. Mas trigo não se planta; semeia-se. Pelo menos é o que se ensinava naqueles tempos. A técnica utilizada nos Campos Gerais era a seguinte: começava-se por fazer o gado estacionar na área a ser cultivada, para estercá-la; depois trabalhava-se a terra com enxada e arado e em seguida semeava-se à mão, cobrindo os grãos e fazendo passar por cima, à maneira de grade, a copa de uma árvore puxada por bois. Dizia-se que a colheita seria tanto melhor quanto mais fortes tivessem sido as geadas. Nas próprias fazendas moía-se e panificava-se o trigo.

-Os Torales se dedicavam também à lavoura de trigo?

-O negócio quente deles era o comércio de mulas. Luís Pedro deixou três filhos homens, que se organizaram para expandir a “rede”. Um deles ficou em Ponta Grossa cuidando da invernada; outro viajava seguidamente ao Sul comprando mulas e cavalos; o terceiro, Fernando Paulo Torales, que veio a ser meu bisavô, estabeleceu-se em Sorocaba: a ele cabia receber os animais enviados de Ponta Grossa e orientar a comercialização na feira. Dessa forma o negócio continuou de vento em popa, até 1874, ano em que morreu Fernando Paulo.

-Os herdeiros não quiseram lidar com mulas?

-Fernando morreu relativamente jovem, com 53 anos. Tinha apenas um filho, meu avô João Afonso, do qual tenho falado desde o início desta narrativa. Ocorre que nessa época já corriam trens em várias regiões do Brasil, desvalorizando as mulas como meio de transporte. Não vendo futuro naquele comércio, João Afonso preferiu então mudar de ramo. Abolicionista e republicano ferrenho, no fogo dos seus 22 anos, vendeu a pequena fazenda que herdara do pai nas vizinhanças de Sorocaba (onde eram invernados os animais antes de serem levados à feira), alforriou os poucos escravos lá existentes e montou uma casa de secos e molhados. Na cidade estaria dentro da lufa-lufa política que tanto o fascinava. Naquela casa meu pai José Francisco Torales cresceu vendendo feijão, cachaça e ferramentas. Em 1903, meu pai se casou com minha mãe Carmen, uma espanhola bonita e de gênio forte que ele conhecera em Santos. Como presente de casamento, João Afonso lhe deu sociedade na firma e passou a cuidar mais de política do que de negócios.

-E a tal farmácia?

-A farmácia meu avô montou dois anos depois, para continuar mantendo contato com o povo. Quando completei 15 anos, ele me colocou lá como aprendiz, dizendo que o estabelecimento futuramente seria meu. Sei lá por que razão, ele tinha um dengo todo especial por mim. Ensinou-me a lidar com remédios, fez-me frequentar a escola, conversava muito comigo, e foi nessas longas conversas que fiquei sabendo das aventuras dos Torales. O velho morreu em 1929, com 77 anos, deixando de fato a farmacinha para mim.

-Mas o senhor não ficou lá por muito tempo...

-Na época falava-se muito das terras roxas que começavam a ser abertas no norte do Paraná. Empolgado com aquelas notícias, e diante da oportunidade de retornar às origens da família, não resisti à tentação. Em 1932 já estava morando em Londrina.

-Família predestinada essa sua. Os Torales estiveram envolvidos em histórias de índios, de mineradores e de tropeiros. Agora vão mergulhar na história dos bandeirantes do café...

-Prefiro dizer pioneiros do café. Pioneiro me parece uma denominação mais adequada a quem chega para ficar, produzir, sofrer, crescer com a terra onde se instala. Mas falemos do café, que tem uma história muito interessante.

A BEBIDA DA MODA

-Tudo começou com Melo Palheta... Correto?

-No Brasil, sim, porém o café é muito mais antigo. Em 1500, quando Cabral chegou aqui, os beduínos já o conheciam havia 650 anos. No início do século 18, o produto começava a ser consumido intensamente na Europa, especialmente na França, onde ganhou status de bebida da moda, rivalizando com o chá. Os elegantes cafés de Paris são famosos desde aquela época. Além do sabor agradável, o produto apresentava a virtude de combater o frio e curar as enxaquecas.

-Ainda hoje ele é tido como ótimo remédio contra ressaca...

-Os franceses andavam à procura de algo que substituísse o chá da Índia, então monopolizado pelos ingleses. Decidiram por isso introduzir a cultura do café na Guiana, por volta de 1710. Foi dali que a preciosa rubiácea passou para o Brasil, trazida pelo comerciante português Francisco de Melo Palheta, em 1727. Consta que Palheta foi à Guiana Francesa em missão específica do governo de Lisboa: obter mudas de café para iniciar o plantio em terras brasileiras. Portugal estava de olho grande no crescente mercado aberto para a nova bebida na Europa. O fato é que logo em seguida surgiram nos quintais de Belém do Pará os nossos primeiros cafeeiros, prosseguindo a expansão ao longo do litoral: Maranhão, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro...

-Em grande escala?

-Ainda não. Plantava-se café em chácaras e quintais para uso caseiro das famílias mais sofisticadas, que gostavam de imitar os hábitos europeus. O forte da agricultura brasileira continuava sendo a cana-de-açúcar, o fumo e o algodão. Somente a partir de 1820 surgiram grandes lavouras de café, sobretudo em Minas Gerais e no Vale do Paraíba. Em 1830, o produto já ocupava o terceiro lugar em nossa pauta de exportações, alcançando em 1850 a liderança.

-Nova era na história do Brasil...
–––––––––––-
continua…

O e-book completo pode ser feito o download no blog do Assis http://aadeassis.blogspot.com

Fonte:
A. A. de Assis (A Província do Guairá: Um pouco da história do antes de Maringá). e-book. 2011.

Trova Ecológica 75 – Wagner Marques Lopes (MG)

Ialmar Pio Schneider/RS (Soneto Mistico)


Estou sentindo um sopro realmente...
É a hora em que refrescas minha fronte
e sou Tua flor, erguida em alto monte,
a quem deste um aroma permanente.

O dia em que eu tombar murcho no chão
recolhe para Ti todo o perfume
para que eterno queime no Teu lume
incensando Tua plácida mansão.

Não o deixes perder-se em treva densa,
mas faze que ele sempre a Ti pertença
co’a glória de servir-Te e que somente

um dia - não sei quando - em Teu louvor,
retorne finalmente à mesma flor
p’ra que unidos os guardes eternamente.


Publicado em O TIMONEIRO - Pág. 12 de 3.9.82 - CANOAS (RS)

Fonte:
http://ialmarpioschneider.blogspot.com/

Ademar Macedo (Mensagens Poética n. 480)


Uma Trova de Ademar

Hoje me fiz “Homem-Trova”
e, em atentados dispersos,
engatilhei uma nova
e atirei com "Quatro Versos"
–ADEMAR MACEDO/RN–

Uma Trova Nacional


A saudade tem tal arte,
é em bondade tão rica,
que não despreza quem parte,
nem abandona quem fica!
–ARIETE REGINA/RJ–

Uma Trova Potiguar

Tanto tempo se passou,
mas pra mim presente estás,
naquele verso de amor
que não esqueço jamais.
–MARA MELINNI GARCIA/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Fui vaqueiro... hoje, sou monge!...
Minha saudade, depois,
ficou mugindo... lá longe!...
Na voz dolente dos bois!...
–ONILDO DE CAMPOS/RJ–

Uma Trova Premiada

2011 - Falando de Trovas/SP
Tema: SAUDADE - 2º Lugar


A mesa, agora, deserta,
no bule, o café já frio...
E pela porta entreaberta
a dor de um grande vazio!
–FRANCISCO MACEDO/RN–

Simplesmente Poesia

Acróstico...
–JOÃO BATISTA XAVIER/SP–


Amanhecer com seus versos na tela
Devaneio nas cores da paisagem;
Enalteço o arrebol que na passagem
Mistura os brilhos em linda aquarela.
Aurora potiguar, a luz mais bela,
Resplandecendo em bênçãos sua imagem.

Manhãs floridas na semana inteira:
Alento que balsama nossa lida;
Convite e busca à alegria perdida
Exalando os aromas da roseira.
Desperta a cadência em rima fagueira
O Poeta do Amanhecer à vida!!!

Estrofe do Dia

Vamos lá meus cantadores
percorrer a vastidão
ver o sol deitar no chão
num horizonte de cores,
pequeninos beija-flores
na roseira do nascente
da janela do poente
a despedida do dia;
vamos beber poesia
na cacimba do repente.
–ONILDO BARBOSA/PB–

Soneto do Dia

Estátua Arrependida
–AGNELO CAMPOS/SP–


Havia num imenso estatuário,
entre outras obras, uma singular:
de um genial artista milenário,
uma estátua de execução sem par !

Esculpida nos traços mais perfeitos,
examinada, apenas num relance,
não se viam nem sombras de defeitos
que estivessem dos olhos ao alcance.

Apesar da beleza e do bom gosto,
percebia-se claro no seu rosto
a expressão de pessoa arrependida:

Pois o artista que lhe dera tanto,
não pudera dar-lhe o último encanto;
faltou-lhe força: não lhe dera a vida!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

J. G. de Araújo Jorge (Garimpando Sonetos)


A imortalidade de um poema não é decretada pela crítica mas pelo “referendum” popular. Só o tempo e a memória do povo - fichário de seu coração - consagram realmente um poema.

Homero foi declamado durante séculos pelos aedos gregos, antes que escribas de Psitrato recebessem a incumbência de fixar pela forma gráfica os seus dois poemas imortais.

Mas com os poemas e sonetos acontece às vezes o mesmo que com as trovinhas. À proporção que se popularizam, ou justamente por isso, vão sendo envolvidos pelo anonimato. Das trovas, quase se poderia dizer, talvez pela facilidade com que podem ser decoradas ou transcritas, que muitas, das mais belas, correm na “ boca do povo ”, esquecidas dos seus autores. Uma delas, que todos nós sabemos de cor, tem sido atribuída não só a poetas brasileiros como a portugueses. Leio agora, entretanto, no número 25 do jornalzinho “ Trovas e Trovadores ”, órgão oficial da União Brasileira de Trovadores, num artigo de Luiz Otávio, e com documentação irrefutável, que pertence a um trovador pernambucano Barreto Coutinho. É aquela quadrinha:

Eu vi minha mãe rezando
aos pés da Virgem Maria.
Era uma santa escutando
o que outra santa dizia.”


Numa crônica anterior, “ Sonetos Imortais”, referindo-nos aos poetas que se imortalizaram apenas por um soneto, citamos “Romance” de Octávio Rocha, que retiramos de velho recorte do “Correio da Manhã” de mais de vinte anos, com um comentário em que o redator Aédo de Carvoliva informa que o transcrevia de uma revista, e estranhava não conhecer o poeta.

Este soneto, que agora incluímos em nova edição de nossa antologia “Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou”, volume I, (Poesia Brasileira), já se encontra identificado. Recebemos uma carta do poeta, que vive atualmente em Campinas, é jornalista, colabora no jornal “Correio Popular”, nasceu em Mogi-Mirim, e conta 76 anos. Teve conhecimento de nossa c rônica por intermédio de uma filha, residente em S. Paulo, leitora da revista. Trata-se realmente de um belo soneto lírico, cuja idéia é um verdadeiro “achado”, uma novidade, dentro do mais velho e do mais difícil dos temas: o Amor.

Como sugeri ao seu autor uma pequena modificação, simples apara, em dois versos, para que o soneto ganhasse em inteireza, sugestão que ele recebeu de bom grado, vou transcreve-lo novamente, para quem não o recortou:

ROMANCE

“- Venha me ver sem falta, estou velhinha.
Iremos recordar nosso passado.
A sua mão quero apertar na minha,
quero sonhar ternuras ao seu lado...

Respondi, pressuroso, numa linha:
“ - Perdoa-me não ir... ando ocupado...”
Amei-a tanto, quando foi mocinha,
e de tal modo, também fui amado.

Passou a mocidade, num relance...
Hoje, estou velho, velha está... Suponho
que perdeu da beleza os vivos traços...

Não quero ver morrer nosso romance:
“ - prefiro tê-la, jovem, no meu sonho,
do que, velha, aperta-la nos meus braços!”


Quando eu apresentava, pela Rádio nacional, o programa “Encontro com a poesia”, solicitei aos meus ouvintes que, se conhecessem qualquer belo soneto me enviassem sem compromisso, e por isso, eu lhes ficaria muito grato, já que não pertenço (nem pretendo) a grupos literários.

Pois bem em meio à correspondência, chegaram-me, inclusive, cadernos inteiros de poesia. De dois destes cadernos recolhi quase cinqüenta novos trabalhos, que acrescentei a 3.a edição de “ Os Mais Belos Sonetos que o Amor Inspirou ”. Do caderno enviado pela Prof.a Maria José de Menezes, organizado ao tempo em que era normalista, e onde, para minha alegria, encontrei uma grande quantidade de meus sonetos, retirei entre outros, um intitulado “Mente Mais”, de Raul Giudicelli. Não conhecia o poeta de nome, e julguei até pudesse ser a t radução de algum soneto de autor italiano.

Pesquisando, entretanto, acabei por localizar o escritor que mora no Rio, é carioca, da Ilha do Governador, não tem livro publicado, e faz parte da direção da revista “O Cruzeiro”. Eis o soneto:

MENTE MAIS

Sei que os carinhos teus sempre serão
carinhos mentirosos, aparentes,
mas não sei se é vaidade ou compaixão
o secreto motivo por que mente...

Sei que não falas pelo coração
quando falas do amor que por mim sentes,
mas tens finuras tais de sedução
que das próprias mentiras te desmentes...

Se puderes dizer-me sempre “sim”
com ternuras e olhares sempre iguais,
sem te cansares de mentir assim,

sem te esgotares de mentiras tais,
não te apartes, então, jamais de mim,
e eu te peço, querida, mente mais!


E já que estamos “ garimpando ” poesia, e que devo a revista “ Jóia ” a identificação de uma gema preciosa, vou aproveitar a oportunidade, e encerrar esta croniqueta com um soneto, retirado ao caderno de outra ouvinte, onde foi copiado sem o nome do autor.

Publicado, talvez os leitores me ajudem a descobrir o poeta. Escrevam-me enviando os dados biográficos, pois que o soneto figura também na nova edição da antologia, mas como anônimo.

RÉU DE AMOR

Sou réu de amor! Confesso o meu pecado
porém não me arrependo desse crime,
que amar alguém e ser também amado
é o crime mais gostoso e mais sublime!

A confissão por certo não redime
a quem quer continuar a ser culpado,
e seu for, por acaso, condenado,
não há razão para que desanime.

Pelo contrário. Altivo, embora fique
meu coração partido em mil pedaços,
eu quero que a justiça se pratique...

Sou réu de amor, e julgo-me indefeso!
Pela justiça, entrego-me a teus braços:
eternamente quero ficar preso...


Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969

Projeto de Trovas para uma Vida Melhor (2a. Etapa – 4o. Concurso – Tema: Perdão)


GRUPO: 1 – NACIONAL

1º LUGAR
Retirada - não inédita

2º LUGAR
Perdão é a esponja macia
que se passa numa ofensa
por se crer na luz do dia
contra a noite da descrença.
Nilton Manoel –
RIBEIRÃO PRETO – SP – BRASIL

3º LUGAR

Em nome do amor, em nome
dos sentimentos mais nobres,
perdão, meu Deus, pela fome
que a injustiça impõe aos pobres!
ANTONIO AUGUSTO DE ASSIS
- MARINGÁ – PR – BRASIL

MENÇÃO HONROSA

1. Perdão de amor é incerteza,
é aquela pedra em desvio
que segura a correnteza
mas não traz de volta o rio
ALBA CHRISTINA
SÃO PAULO – SP – BRASIL

2. Tão doce o perdão ressoa
nas fibras do coração;
mais nobre que quem perdoa
é o que suplica o perdão!
HUMBERTO RODRIGUES NETO
- SÃO PAULO – SP – BRASIL

3. Sendo o amor doce legado
que Jesus Cristo deixou,
embora crucificado,
seu perdão não nos negou!
DILMA RIBEIRO SUERO
- RIO DE JANEIRO – RJ – BRASIL

4. Este perdão que me negas
por "um nada" que te fiz,
é mais um cravo que pregas
na cruz de um peito infeliz.
THALMA TAVARES
- SÃO SIMÃO – SP – BRASIL

5. Se és duro de coração,
não perdes por esperar...
Do céu só terá perdão
quem é capaz de perdoar!
RENATO ALVES
- RIO DE JANEIRO – RJ – BRASIL

MENÇÃO ESPECIAL

1. É uma sublime atitude
o saber pedir perdão.
Bem mais nobre é a virtude,
perdoar sem restrição.
NEIVA FERNANDES
- CAMPOS DOS GOYTACAZES – RJ – BRASIL

2. Quando a mágoa nos revolta,
e os dias tinge de breu,
só o Perdão nos traz de volta
a luz que a mágoa escondeu.
MARISA VIEIRA OLIVAES
- PORTO ALEGRE – RS – BRASIL

3. Perdão, eu peço, Senhor,
por não ter dado atenção
e nem repartido amor
com o meu carente irmão!
DELCY CANALLES
- PORTO ALEGRE – RS – BRASIL

4. Um erro sempre é semente
de uma dor que vai nascer.
Perdão é o melhor presente
que alguém pode receber...
MILTON SOUZA
- PORTO ALEGRE – RS – BRASIL

5. Por tudo que tu fizeste,
meu perdão, ainda te dei!...
Não, pelo amor que me deste,
mas, pelo amor que sonhei!
PROF. GARCIA
- CAICÓ – RN – BRASIL
***************************
GRUPO: 2 – NACIONAL

1º LUGAR
O rancor me corroía
flagelava o coração.
Resolvi um certo dia
libertar-me com o perdão.
JOSÉ ALMIR DA LUZ JUNIOR
- CURITIBA – PR – BRASIL

2º LUGAR
Ao receberes perdão,
por um instante dourado,
sentes Deus em comunhão
e o coração aliviado.
MIFORI
- MOGI DAS CRUZES – SP – BRASIL

3º LUGAR
Queres definir o amar?
Dentro da minha visão
amar é não precisar
jamais pedir o perdão!
LÓRIS TURRINI
- TREMEMBÉ – SP – BRASIL

MENÇÃO HONROSA

1. Concedido por esmola
o perdão não traz fiança.
Dificilmente consola
tendo sabor de vingança...
RUTH FARAH NACIF LUTTERBACK
- CANTAGALO – RJ – BRASIL

2.Se uma injúria alguém lhe lança,
dê-lhe a luz do seu perdão;
seja como uma criança
que traz limpo o coração.
ILZE SOARES
- SÃO PAULO - SP

3. Coisa mais bela da vida
é saber pedir perdão;
mostra humildade contida
dentro do seu coração.
WANDA DUARTE DA SILVA
- RIBEIRÃO PRETO – SP

4. Para dirimir um crime
consumado na paixão,
não há nada mais sublime
do que beijo do perdão.
ADAMORES
- SÃO JOSÉ DOS CAMPOS – SP – BRASIL

5. Vence valores, de fato,
quando em meio à discussão,
se revolta de imediato,
mas, na ofensa... dá o perdão!!!
VÂNIA MARIA SOUZA ENNES
- CURITIBA – PR – BRASIL
********************************
MENÇÃO ESPECIAL

1. Não vejo gesto de amor
que se compare ao perdão;
nem mais nobre, nem maior,
que estender a sua mão.
RAYMUNDO DE SALLES BRASIL
- SALVADOR – BAHIA – BRASIL

2. Perdoe pra ser perdoado:
esse é o lema cristão.
Não fique aí machucado,
peça e dê seu perdão.
JAIR PEREIRA DA SILVA
********************************
GRUPO INTERNACIONAL

1º LUGAR
Ninguém me peça perdão
por algo que fez errado;
basta que atente a razão
logo fica perdoado!
FERNANDO REIS COSTA
- COIMBRA – PORTUGAL

2º LUGAR
Uma palavra eu conheço,
que todos chamam PERDÃO!
Que a porta se abra em apreço.
Rancor ...faz mal, coração!
LIBIA BEATRIZ CARCIOFETTI
- SANTIAGO DEL ESTERO – ARGENTINA

3º LUGAR
Senhor sofre o coração
pois muito te há ofendido,
triste te pede PERDÃO
com o peito arrependido...
CRISTINA OLIVEIRA CHAVEZ
- ESTADOS UNIDOS

MENÇÃO HONROSA

1. Como se derrete o gelo,
suave brisa do perdão,
sempre alcança o seu apelo,
com amor, o coração.
MARIA CRISTINA FERVIER
- SALTO GRANDE – SANTA FE – ARGENTINA

2. Perdão por amar-te tanto
contigo perco o sentido
pois eu só vivo do encanto
de teus olhos meu querido...
ANGELA DESIRÉE PALACIOS

3. É difícil esquecer
um insulto, uma agressão?
Mas é assim, podeis crer,
que tem valor o perdão.
JUDITE RAQUEL NEVES FERNANDES
- URBANIZAÇÃO QUINTA DA LAVRA – PORTUGAL

MENÇÃO ESPECIAL

1. Quem um filho castigar
por erro ou por omissão,
põe, no rosto, um mau olhar,
mas na alma dá-lhe o perdão.
ANTÓNIO JOSÉ BARRADAS BARROSO
- PAREDE – PORTUGAL

2. Senhor, pecados alinho
para te pedir perdão,
que o padre já está velhinho
e dorme na confissão.
OLÍVIA ALVAREZ MIGUEZ BARROSO
- PAREDE – PORTUGAL

3. P'ra podermos perdoar,
teremos de estar em paz.
É como aprender a andar
e ver como se é capaz...
JORGE A. G. VICENTE
- SUIÇA –

4. Dar perdão é dar Amor!
Sabes amar? Reza e canta.
Por amor, ao pecador,
perdoa Deus e encanta!
ISAURA MARTINS
- LAMEIRAS – TÁBUA – PORTUGAL

5. Jesus, nosso Professor,
ensinou esta lição:
- Perdoa e dá muito amor,
terás sempre o meu PERDÃO!
GISELA ALVES SINFRÓNIO
- OLHÃO - PORTUGAL
***************************
GRUPO 3 – ALUNOS

1º LUGAR
Você não sabe o tamanho
dessa minha imensa dor.
Mas, se o perdão eu não ganho,
sinto falta desse amor.
DANIELA APARECIDA S. DIAS
PARAIBUNA – SP – BRASIL
EE. “Dr. Cerqueira César”- Profª Celina

2º LUGAR
Eu tenho uma linda amiga
que já me pediu perdão;
ela aprontou uma briga...
Mas ganhou meu coração.
CARLOS MAGNO BATISTA DA SILVA
PARAIBUNA – SP – BRASIL
EE. “Dr. Cerqueira César” - Profª. Celina

3º LUGAR
Eu lhe dei o meu perdão,
ganhe, pois o meu amor.
Vou lhe dar meu coração,
como se dá uma flor.
RAFAELA RODRIGUES LOLO
PARAIBUNA – SP – BRASIL
EE. “Dr. Cerqueira César”- Profª Celina

MENÇÃO HONROSA

1 O perdão é obra prima
que nasce no coração,
de quem perdoa e estima
o outro, e tem compaixão.
LARISSA ALVES- 13 ANOS
PARAIBUNA – SP - BRASIL
EE. “Dr. Cerqueira César” – Prof. Rose

2. Ajoelhando-se no chão,
suplicando ao Criador,
ofereça seu perdão,
num grande gesto de amor.
ISABELLE C. G. GALVÃO SILVA
PARAIBUNA – SP – BRASIL
EE. “Dr. Cerqueira César” - Prof. Rose

3. Amor, tenha piedade!
Eu imploro o seu perdão;
você é a realidade
que vive em meu coração.
MARIA PAULA ANTUNES DAVI
PARAIBUNA – SP – BRASIL
EE. “Dr. Cerqueira César” - Profª. Celina

4. Aprendi dar meu perdão
e também ser perdoada.
Quero dar meu coração
e também ser muito amada.
CAROLINE APARECIDA S. SANTOS.
PARAIBUNA – SP – BRASIL
EE. “Dr. Cerqueira César” - Profª. Celina

MENÇÃO ESPECIAL

1. Um passo para o perdão
é muito mais que bondade,
que mora no coração,
como amor e amizade.
JÉSSICA DUARTE DE MATOS
PARAIBUNA – SP – BRASIL
EE. “Dr. Cerqueira César” - Profª. Celina

2. Perdão por não ser perfeito,
perfeito sei que não sou,
com você fico sem jeito,
porque assim sempre é que estou!
FABRÍCIO B. DE LIMA.
PARAIBUNA – SP – BRASIL
EE. “Cel. Eduardo José de Camargo” – ProfªHelô

3. O perdão é um grande dom
se ele vem do coração,
só quem realmente é bom.
é que tem a salvação.
JOSIANE OLIVEIRA JERÔNYMO
PARAIBUNA – SP – BRASIL
EE. “Cel. Eduardo José de Camargo” – ProfªHelô

4. No mundo quero aprender
que perdão temos que dar,
para podermos viver
e respirar um bom ar.
YASMIM SCARLAT RIBEIRO GONZAGA
PARAIBUNA – SP – BRASIL
EE. “Dr. Cerqueira César” - Profª. Celina

5. Quase morri, meu amor,
sofrendo por solidão.
Agora morro de dor
por não ter o seu perdão.
ANA CAROLINA NUNES DE PAULA.
PARAIBUNA – SP – BRASIL
EE. “Dr. Cerqueira César” - Profª. Celina

Fonte:
Mifori

Machado de Assis (Fuga do Hospício e Outras Crônicas)


O livro Fuga do Hospício e Outras Crônicas é uma antologia com alguns textos publicados por Machado de Assis.

Divide-se em três partes, cada uma contendo dez crônicas com temática que se relacionam exatamente com o título de cada parte. São elas:

PARTE I – ALMA HUMANA

A primeira parte da seleção de crônicas ressalta bem as peculiaridades do íntimo humano, o pensamento, a postura e as atitudes do ser humano nas mais variadas circunstâncias, ressaltando a loucura, a ganância, a hipocrisia, o abandono, o canibalismo e muitas outras atitudes de cunho negativo que podem ser produzidas pela alma humana.

Fuga do hospício

Publicada em 31 de maio de 1896. O autor narra uma fuga de loucos que ocorreu num hospício carioca e discorre sobre seu temor em dirigir a palavra às pessoas na rua da tal fuga, afinal, qualquer uma delas pode ser um dos loucos que fugiram do hospício, como nos revela este trecho:

De ora avante, quando alguém vier dizer-me as coisas mais simples do mundo, ainda que me não arranque os botões, fico incerto se é pessoa que se governa, ou se apenas está num daqueles intervalos lúcidos, que permitem ligar as pontas da demência às da razão. Não posso deixar de desconfiar de todos.

Machado defende que todos podem ser loucos, afinal, naqueles dias “o juízo passou a ser uma probabilidade, uma eventualidade, uma hipótese”. Justifica tal afirmativa ao descrever os fatos que ocorreram durante a semana, como se os mesmos fossem fruto da loucura que compõe tais dias:

De resto, toda esta semana foi de sangue, – ou por política, ou por desastre, ou por desforço pessoal. O acaso luta com o homem para fazer sangrar a gente pacata e temente a Deus. No caso de Santa Teresa, o cocheiro evadiu-se e começou o inquérito. Como os feridos não pedem indenização à companhia, tudo irá pelo melhor no melhor dos mundos possíveis. No caso de Copacabana, deu-se a mesma fuga, com a diferença que o autor do crime não é cocheiro; mas a fuga não é privilégio de oficio, e, demais, o criminoso já está preso. Em Manhuaçu continua a chover sangue, tanto que marchou para lá um batalhão daqui. O comendador ferreira Barbosa, (a esta hora assassinado) em carta que escreveu ao diretor da Gazeta e foi ontem publicada, conta minuciosamente o estado daquelas paragens. Os combates têm sido medonhos. Chegou a haver barricadas (...)

O autor encerra o texto apontando a música como uma solução à demência, à loucura de seus dias:

Enxuguemos a alma. Ouçamos, em vez de gemidos, notas de música. (...) se consideramos (...) a necessidade que há de arrancar a alma ao tumulto vulgar para a região serena e divina (...).

Um pouco de astronomia

Publicada em 23 de dezembro de 1894, versa sobre o ocorrido durante a semana. Num primeiro momento, o autor narra um jantar realizado pelos ministros da Suécia e Noruega junto a oficiais da marinha e os cônsules da Holanda e Dinamarca.

Num segundo momento, através de uma pergunta feita por seu criado, o autor discorre sobre política e encerra seu texto falando sobre a descoberta de um novo planeta entre Marte e Mercúrio, relacionado à descoberta do astro com um terremoto ocorrido na Itália.

(...) um astrônomo diria sobre este novo planeta coisas importantes. Que direi eu? Nada ou algum absurdo. Buscaria achar alguma relação entre os planetas que aparecerem e as cidades que ameaçam desaparecer com terremotos (...)
Andará a terra com dores de parto, e alguma coisa vai sair dela, que ninguém espera nem sonha? Tudo é possível! Quem sabe se o planeta novo não foi o filho que ela deu à luz por ocasião dos terremotos italianos?

Por fim, num teor reflexivo, conjectura se a ganância das grandes nações fará que estas, depois de dominarem o continente africano por completo, não decidirão partir para a conquista dos outros planetas. Mais uma vez, narrando os fatos da semana, constrói uma crítica. Seu alvo agora é a ganância das grandes nações que exploram a África, as quais acabam por digladiar ideológica ou belicamente por necessidade de impor sua economia e ideologia às nações daquele continente.

Abolição e liberdade

Publicada em 19 de maio de 1888, um homem reúne seus amigos para um jantar e anuncia que, mesmo sem a escravidão ser abolida, dar alforria ao seu escravo Pancrácio. Tamanho ato de humanidade é elogiado por todos os seus companheiros. O homem permite que o negro continue morando em sua casa e trabalhando em troca de um salário. No entanto, mesmo alforriado, o negro apanha constantemente do patrão, o qual almeja um cargo na política:

Pancrácio aceitou tudo; aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por não me escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um direito que lhe dei. Ele continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos.
Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio; daí para cá, tenho-lhe despedido alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas, e chamo-lhe besta quando lhe chamo filho do diabo; coisas todas que ele recebe humildemente, e (Deus me perdoe!) creio que até alegre.

O autor busca, através deste irônico caso em particular, demonstrar sua opinião acerca da escravidão e, sobretudo, criticar a postura hipócrita daqueles que buscam, através de demonstrações públicas de um falso caráter, angariar a simpatia e admiração da sociedade, quando, em seus íntimos, continuam a ser pessoas mesquinhas e pobres de espírito.

Bondes elétricos

Publicada em 16 de outubro de 1892, num bonde, o narrador nota que, enquanto o cocheiro e o condutor cochilam, os dois burros que puxam o veículo conversam. Ambos falam um ao outro sobre a tristeza e a amargura de serem burros e o destino que lhes é reservado, afinal, quando não servirem mais para puxar bondes serão enviados para puxar carroças. Depois quando não servirem mais para tal serviço, serão abandonados nas ruas, onde morrerão e serão levados por uma carroça, puxada por outro burro, o qual possuirá o mesmo destino. O diálogo entre os dois animais e o assunto sobre o qual falam é uma espécie de metáfora sobre velhice, esquecimento e abandono e, por fim, a morte. O autor busca traçar uma crítica à modernidade que suplanta os antigos moldes de trabalho, pois os bondes elétricos começavam a surgir pelas ruas do Rio de Janeiro, substituindo os burros que antes faziam tal tarefa.

Carnívoros e vegetarianos

Publicada em de março de 1893, uma greve de açougueiros corta o abastecimento de carne para a cidade. O autor, vegetariano por escolha própria, revela as vantagens da dieta composta apenas por vegetais. Aponta as diferenças entre a carne repleta de vícios) e os vegetais (repletos de virtude). Mudando um pouco de assunto, encerra o texto criticando o pensamento de que a instrução pública de sua época devesse ensinar a língua italiana para as crianças e jovens, tendo em
vista o grande número de imigrantes italianos no Brasil. O objetivo central do texto é, partindo de assunto da greve dos açougueiros (assunto em alta na semana em questão), criticar as propostas entabuladas nas discussões entre os senhores Capelli e Maia Lacerda sobre lecionar, na instrução pública brasileira, o idioma italiano. O autor usa de seu sutil sarcasmo ao construir o texto, concluindo em tom de sugestão:

Outro ponto alegre do discurso é o que trata da necessidade de ensinar a língua italiana, fundando-se em que a colônia italiana aqui é numerosa e crescente, e espalha-se por todo o interior. Parece que a conclusão devia ser o contrário; não ensinar italiano a povo, antes ensinar nossa língua aos italianos. Mas, posto que isso não tenha nada a ver com o vegetarianismo, desde que faz com que o povo possa ouvir as óperas sem libreto na mão, é um progresso.

Poder relativo

Publicada em 20 de abril de 1885, nela o autor justifica seu posicionamento acerca de ter seu nome citado nas listas de sugestão para o Ministério e defende sua vontade em ingressar na política. Mesmo falando sobre si mesmo, machado ironiza:

Creia o leitor só a presença do nome na lista me faria muito bem. Faz-se sempre bom juízo de um homem lembrado, em papéis públicos, para ocupar um lugar nos conselhos da coroa, e a influência da gente cresce.

Crônica que deixa de lado o ato de narra ou comentar os acontecimentos da semana, o autor concentra-se apenas em falar sobre seus desejos de ingressar na vida política.

Antropofagia

Publicada em 1 de setembro de 1895, a crônica discorre sobre as notícias de enforcamento de um professor de inglês que devorou algumas crianças em Guiné. Como de costume, o autor utiliza-se da ironia ao cogitar que talvez, o professor, ao devorar as crianças, estivesse apenas tentando explicar de modo prático o que era a antropofagia. A seguir, faz apontamentos sobre casos semelhantes de canibalismo ocorridos no Brasil. A crônica parte de tal fato para, num tom sutil criticar o academicismo e a intelectualidade, como vemos no trecho:

Demais, pode ser que o professor quisesse explicar aos ouvintes o que era canibalismo, cientificamente falando. Pegou um pequeno e comeu-o. os ouvintes, sem saber onde ficava a diferença entre canibalismo científico e o vulgar, pediram explicações; o professor comeu outro pequeno. Não sendo provável que os espíritos da Guiné tenham a compreensão fácil de um Aristóteles, continuaram a não entender, e o professor continuou a devorar meninos. É o que em pedagogia se chama ‘lição das coisas’.
Se fosse assim, deveríamos antes lastimar o sacrifício que fez tal homem, comendo o semelhante, para o fim de ensinar e civilizar gentes incultas.

Uma fábula persa

Publicada em 11 de agosto de 1878. O autor traça uma comparação entre o partido republicano e uma lenda persa, em que um jovem decide plantar limas para vender. Como as mesmas não se desenvolvem, ele passa a culpar o sol ao invés do solo, do adubo ou de sua própria inexperiência como lavrador. O sol foi assim escolhido por ser a razão mais visível, que lhe servil ao desabafo e que pudesse gritar e esbravejar seu ódio mesmo que não fosse culpado. O jovem arranca as ervas do solo e fica sem ofício. O autor conclui, numa relação mais do que direta ao Partido Republicano, afirmando que o mesmo deve conhecer toda a política social antes de entrar na vida política do país, para que num problema causado por sua própria incapacidade, um inocente não seja acusado injustamente.

Devaneio de um rei

Publicada em 11 de março de 1894. Partindo da história da colonização da ilha de Trindade, o autor defende que, se fosse rei, o preferiria ser sem súditos. Viver em uma ilha apenas com sua rainha e seu cozinheiro. O texto é uma crítica aos bajuladores dos poderosos, afinal, se ele desejava ser rei sem súditos era apenas para livrar-se tanto de petições e burocracia quanto de bajuladores, como fica evidenciado nas palavras do autor. Tratar-se, portanto, de uma forte crítica à conduta humana, sobretudo, quando levamos em conta o assédio bajulatório característico de pessoas que buscam um reconhecimento social através de “amizades” com homens públicos, para obterem respaldo e, quem sabe, posição pública favorável:

Quando nascesse uma espinha na cara, não haveria uma corte inteira para me dizer que era uma flor, uma açucena, que todas as pessoas bem constituídas usavam por enfeite; (...) Se eu perdesse um pé, não teria o prazer de ver coxear os meus vassalos.

A forma irônica e picante com que o narrador se pronuncia nessa passagem demonstra sua habilidade em detectar e expor as falhas e os interesses humanos, que se apresentam como seres fracos e venais, não escolhendo postura ética ou moral para que possam ascender-se a alcançarem reconhecimento perante a sociedade.

Sobre a morte e o morrer

Publicada em 6 de setembro de 1896. Influenciado pela lembrança das mortes dos amigos Alfredo e Artur Gonçalves, o autor faz considerações sobre o envelhecer e o morrer. Versa sobre o número cada vez mais crescente de mortes que permeiam sua época:

Não me acuseis de teimar neste chão melancólico. O livro da semana foi o obituário, e não terás lido outra coisa, fora daqui, senão mortes e mais mortes.

Prossegue falando sobre os homens que matam uns aos outros e encerra discorrendo não sobre a morte impingida de um homem a outro, e sim à morte causada pela própria natureza:

E ainda não como aquele gênero de morte que nas mãos dos homens, nem dentro deles, o que a natureza reserva no seio da terra para distribuí-la por atacado. Lá se foi mais uma cidade do Japão, comida por um terremoto, com a gente que tinha.

Aqui podemos observar uma forte tendência do escritor: o questionamento existencial e a reflexão acerca do sentido da vida. Não podemos deixar de referir-nos ao fato de que o autor vivenciou as contradições do fim do século, deixando-se, portanto, impregnar-se de angústia e desilusão em relação à euforia materialista que tomou conta do mundo desde a segunda metade do século XIX. Não é de se estranhar que em várias narrativas do autor aparecem personagens que passam pela angústia do viver e que buscam no tempo, na solidão e na própria escrita literária uma forma de exorcização de suas certezas metafísicas.

PARTE II – MUNDO MODERNO

Nesta parte, encontram-se aquelas que versam sobre os aspectos da época e da sociedade em que o autor viveu: o transporte através dos bondes, a visita de personalidades importantes em sua época e fatos marcantes que ocorreram em tais dias, como um famoso caso de bigamia, um homem que deu à luz e outros ocorridos relevantes em seu tempo. O autor não deixa de se preocupar, como bom cronista, com a nova realidade por que passava o país. A urbanização, o cosmopolitismo gerado pelo capitalismo, o processo de desenvolvimento social e científico, tudo vai ser captado com a perspicácia e visão crítica desse escritor carioca, considerado pela crítica como “o implacável crítico da consciência humana” e o grande observador da sociedade de sua época.

Como comportar-se no bonde

Publicada em 4 de julho de 1883. O autor, de modo lúdico, constrói um conjunto de regras para todos que queiram usar os bondes como meio de locomoção. O texto se baseia em 10 artigos que definem como deve se portar desde os passageiros com resfriado, até aqueles que queiram ler jornal durante a viagem. Critica a sociedade e suas atitudes cotidianas. Partindo de algo simples como usar um bonde, o autor ironiza a própria sociedade e sua falta de respeito, educação e cortesia ao tratar a se mesma. É, como sabemos, a função do cronista, ou seja, captar um flagrante social e expor de forma analítica e crítica. É o escritor do dia-a-dia.

Visita de um anarquista

Publicada em 20 de outubro de 1895. Narra a viagem da anarquista Luísa Michel ao Brasil. Conta um incidente ocorrido entre ela e um grupo de locatários. Os capitalistas vão até a anarquista e pedem-lhe ajuda, expondo as amarguras financeiras que lhes são impostas por seus inquilinos. Ao ouvir tal relato, a anarquista vibra de emoção, julgando o anarquismo já consumado no Brasil. O texto ironiza a ignorância dos locatários ao demonstrarem sequer saber o que é anarquismo e, mesmo assim, o temerem. Critica também o fato de que, aos olhos da anarquista, o anarquismo já se consumou no país. Com tal postura, o autor nada mais quis do que atacar a falta de ordem que dominava a sociedade, o que, aos olhos de uma estrangeira era algo nunca antes visto. Ele relacionou a doutrina política com o significado pejorativo que o termo “anarquismo” adquiriu com o passar dos anos. O autor versa sobre a realidade política brasileira e a (des)organização pública de nosso país.

Um acontecimento inusitado

Publicada em 7 de julho de 1878. Crônica que analisa o caso de um quadragenário da cidade de Caravelas, na Bahia, que dera à luz a uma criança:

(...) sentiu uma dor agudíssima na região precordial, movimentos desordenados do coração, dispnéia, forte edemacia em todo o lado esquerdo. Entrou em uso de remédios, até que, com geral surpresa, trouxe a este vale de lágrimas uma criança, que não era exatamente uma criança, porque eram as tíbias, as omoplatas, as costelas, os fêmures, trechos soltos da criatura, que não chegou a viver.

Depois, de um modo bem humorado, mas com teores de ponderação, o autor concluiu:

E porque não suponho que ocaso de Caravelas deve ser o único, acontece que não posso ver agora nenhum amigo, opresso e pálido, sem supor que vai me cair nos braços e bradar (...) “sou mãe”. Esta palavra retine-me os ouvidos, e gela-me a alma... imaginem o que será de nós, se tivermos de dar à luz (...)

Aqui se percebe um caráter profético, bem pouco cultivado por autores da época. Não esqueçamos que o autor foi um dos maiores críticos da ciência, do positivismo, sobretudo.

Progresso

Publicada em 15 de março de 1877. Narra a inauguração do sistema de bondes em Santa Teresa, fazendo uma referência à modernidade e, a seguir, de modo bastante descontraído, afirma que os bondes farão bem a santa Teresa, que agora “vai ficar à moda”. Percebe-se que, por trás do aparecer ar de felicidade, existe uma forte crítica do narrador.

Espiritismo

Publicada em 5 de outubro de 1885. O autor narra uma incursão ida a um encontro espírita de um modo bastante inusitado: sua alma desprende-se de seu corpo e vai à reunião, mas, ao retornar, encontra seu corpo possuído pelo diabo o qual, depois de fazer insinuações sobre a doutrina espírita, devolve o corpo ao espírito.

O texto versa sobre o espiritismo, comparando-o a um medicamento novo, que promete curar as doenças de modo eficaz que todas as medicações antigas. A crônica pode ser vista, também, como uma crítica a todos aqueles que, ao manterem um primeiro contato com uma nova religião, aceitam – sem questionar – todas as suas doutrinas e ensinamentos, suplantando, com eles, suas antigas crenças. Não se pode deixar de observar, por outro lado, a obsessão e o interesse do autor pela metafísica. Afinal, em várias de suas narrativas esse tema salta aos olhos. Podemos citar narrativas como A cartomante, A igreja do Diabo, O enfermeiro, por exemplo.

Verbas públicas

Publicada em 1 de setembro de 1878. Crônica que fala sobre a atitude da Câmara Municipal de negar o fornecimento de jantar para o júri quando as sessões se prolongassem até tarde. O autor se mostra a favor do fato, complementando que isso desordenaria a mente dos jurados e encerra seu texto afirmando:

O que me admira é que só agora reclame o júri um bocado de pão. Pois nunca pediu o júri uma verbazinha para os seus pastéis? Só agora há processos longos e juízes famintos?
Tanto pior; se esperam tantos anos, podem esperam alguns mais.

O texto também pode ser visto como uma crítica ao comodismo da sociedade e sua necessidade de sempre receber algo em troca do serviço que esteja prestando, não importa qual seja ele.

Direitos dos burros

Publicada em 10 de junho de 1894. Ao sair em seu jardim, o autor encontra um burro. O animal dirige-lhe a palavra e pede que ele, como homem da imprensa, interceda por sua espécie tão injustiçada. A crônica critica a disparidade existente na aplicação de penas existente entre ricos e pobres. Os primeiros, não importa o que façam, safam-se da justiça mediante seus recursos financeiros, os outros, por mais insignificantes que sejam seus crimes, cumprem penas exageradas. Em outro momento, Machado de Assis aproveita para criticar as propostas de ensinar o inglês nas escolas públicas, afinal, para alguns professores de seu tempo, tal idioma possuía mais importância que o português.

O boi

Publicada em 1 de outubro de 1876. Fragmento de crônica que critica a opinião pública para representar. O autor usa a figura do boi para representar a pecuária criticada pela opinião pública, partindo de tal analogia, ele ressalta o papel do boi em tal embate, afirmando que ele nada tem a ver com tal debate, afinal, seu interesse nunca importa, sempre estando subordinado aos interesses do produtor, do intermediário e do consumidor.

Caso de bigamia

Publicada em 23 de setembro de 1894. Partindo de um suposto caso de bigamia que não pode ser comprovado perante a lei (já que existe um atestado de óbito para a primeira esposa do homem), o autor defende que o único meio de se chegar até a verdade é através do espiritismo. O texto critica o fato de que apenas levamos a sério, ignorando-as. Veja, por exemplo, o que acontece com o personagem “Camilo”, de A cartomante.

História de bichos

Publicada em 1 de julho de 1894. O texto narra outro dilúvio. O autor reuniu sete casais de cada animal e, pondo-os em uma arca, tentou conter as diferenças entre eles, no final, soltou uma pomba pela janela e ela não voltou, soube assim que o dilúvio havia acabado e liberou os animais que saíram juntos, alguns enroscados amigavelmente em outros e outros, por sua vez, oscilando entre vôos e saltos de felicidade. A crônica trata das diferenças entre aqueles que, à primeira vista, são semelhantes, dos desentendimentos surgidos pela superlotação e, sobretudo, da alegria daqueles que sobrevivem a acidentes e desastres, uma alegria que derruba todas as barreiras.

PARTE III - PALAVRAS E PENSAMENTOS

Nesta terceira e última parte do livro, encontram-se as crônicas de Machado de Assis que versam sobre o poder das palavras, do discurso, da escrita e, sobretudo, suas influências na sociedade. Existem também em algumas crônicas certas incursões metalingüísticas feitas pelo autor acerca do ofício do cronista e todos os fatores que compõem esse gênero textual.

Pergunta e resposta

Publicada em 5 de novembro de 1883. Sempre que sai na rua, algum curioso se acerca do autor e lhe indaga: “o que há de novo?”. Cansado de responder a tais perguntas, decide pôr um plano em prática; sempre que alguém lhe perguntar as novidades, ele conta um fato passado, como o terremoto de Lisboa e a morte de Gonçalves Dias. Os curiosos, como queriam saber de fatos novos e não passados, param de fazer tais perguntas ao autor. O texto é uma crítica explícita aos curiosos e mexeriqueiros da sociedade daquela época, pessoas curiosas que viam no autor – por ser um homem da imprensa – a oportunidade de se inteirarem nas últimas novidades e acontecimentos de seus dias. É também uma crítica ao descaso para com o passado, como se o que um dia aconteceu pouco valor tivesse hoje quando comparado com os mexericos da corte. Não se pode ignorar também o destaque que o autor dar às palavras, à influência que exercem no comportamento das pessoas.

Impostos

Publicada em 16 de maio de 1885. O autor encontra-se com os impostos inconstitucionais de Pernambuco. Os impostos estavam no Rio de Janeiro há quatro ou cinco meses e, tristes por terem sido expulsos da Câmara de Deputados, o autor os consola dizendo que o que os define como anticonstitucionais é apenas um adjetivo e se ele fosse escolhido o líder da nação aboliria o uso dos adjetivos e eles seriam apenas “impostos”. O poder das palavras é explorado pelo autor, afinal, sem adjetivos para qualificar as coisas, a linha que define se são boas ou más é apagada. Ele usa o caso dos impostos inconstitucionais para metaforicamente provar que, caso seja da vontade dos donos do poder, algo negativo pode ser visto com bons olhos por todos, através apenas, do uso de uma palavra adequada, que não pejorative o objeto.

O cronista e a semana

Publicada em 16 de setembro de 1894. O autor é visitado por uma semana pobre e esta vem lhe dizer que, enquanto ela durou, seu único ocorrido foi o escorregão de um homem numa casca de banana. O autor põe-se a lembrar da visita que teve anteriormente de uma semana rica. Ela (a semana rica), sempre ruidosa e enfeitada, contou que enquanto ela durou, ocorreram tragédias da pior espécie. Depois ela se despede e sai de seu escritório, o autor pede ao seu criado que, se a semana rica voltar, diga-lhe que ele não se encontra. No começo do texto o autor afirma preferir as semanas pobres às ricas, afinal, o que marca o caráter de pobreza da primeira é exatamente a ausência de assuntos trágicos,quando na segunda,o que a torna rica é exatamente a ocorrência de tais fatos. Há, na abordagem de tal temática em uma crônica,um velado exercício de metalinguagem, já que o cronista necessita de fatos para construir seus textos, e geralmente os melhores fatos dessa espécie ocorrem nas “semanas ricas”. A posição de Machado é uma auto-ironia, pois, mesmo preferindo as semanas pobres, elas pouco material lhes dão para suas crônicas.

O nascimento da crônica

Publicada em 1 de novembro de 1877. O autor fala sobre a crônica e conjectura suas origens, depois narra sua ida ao cemitério num dia quente.Participa de um sepultamento e,entrando em seu carro e indo para casa,repara em alguns coveiros que cavam uma sepultura sob um sol a pino e indaga-se:

Se o sol nos fazia mal, que não fazia àqueles pobres diabos,durante todas as horas quentes do dia?

Há, como no texto anterior, outro exercício metalingüístico, afinal,ele começa seu texto discorrendo sobre como fazer uma crônica,o que dizer a princípio e que a direção seguir e,por fim,infere onde surgiu a crônica. No decorrer do texto fala sobre se queixar da situação em que se vive e afirma que, por mais que seja penoso afirmar, sempre existirão pessoas em situação pior que a nossa, como comprova ao narrar sua ida ao cemitério.

Conto-do-Vigário

Publicada em 31 de março de 1895. O autor fala sobre um homem que passa a perna em outro e cogita onde terá surgido o famoso conto-do-vigário. Faz uma relação entre o conto literário e o conto-do-vigário e afirma que não é o tamanho do segundo que faz a sua obra,e sim de que maneira ele é feito. Uma vez mais
o autor explora o poder das palavras,poder que faz esse um homem arrancar dinheiro de outro sem que esse perceba.

Reflexões de um burro

Publicada em 8 de abril de 1894. O autor vê um burro à beira da morte, deitado sobre os trilhos dos bondes, ao seu lado foi colocada água e capim, mas o animal ignora isso, pondo-se a pensar em sua condição de burro, sua vida, suas tristezas e alegrias e falar sobre sua vida, sobre tudo aquilo que fez ou sobre o que deixou de fazer. A contragosto – tamanha era a sabedoria daquele animal – o autor se afasta, indo trabalhar. No outro dia, ao passar pelo mesmo lugar, encontra o animal morto e já estado de decomposição. O enfoque principal de tal crônica é ressaltar o poder das palavras, da oralidade, do discurso e a beleza que se encerra na comunicação oral, quando o orador domina a palavra a tal ponto que chega a enternecer seu público. Ao mesmo tempo, o autor volta ao mesmo tema de comparar veladamente o animal (neste caso, o burro) ao ser humano, suplantado pelo poder do tempo, da vida que transcorre e o faz envelhecer, definhar e morrer.

Touradas

Publicada em 15 de março de 1877. Machado ironiza a decisão de se fazer uma tourada em caridade aos necessitados, afinal, para prestar uma boa ação ao povo, fazem uma má ação aos animais. Desse modo, critica uma vez mais aqueles que, através de causas nobres (neste caso ajuda aos pobres) buscam angariar a simpatia do povo e galgar, assim, os degraus da vida política. Mais uma vez o autor exercita a metalinguagem ao definir o cronista, ou seja, como “um historiador da quinzena”, alguém que vive de contar – sob o prisma que seja – os eventos ocorridos que marcaram a sociedade neste intervalo de tempo.

Analfabetismo

Publicada em 15 de agosto de 1876. O autor trata das diferenças existentes entre as palavras e os números, afirmando que enquanto as primeiras são mais maleáveis, suscetíveis à interpretações diferentes e a mal-entendidos, os segundos são mais práticos, diretos, impossíveis de ser interpretados de outra maneira que não seja a da lógica e do bom-senso.

Grito do Ipiranga

Publicada em 15 de setembro de 1876. Um amigo do autor lhe fala que o grito do Ipiranga, que marcou a independência do Brasil, como conhecemos não ocorreu do mesmo modo que se disse, foi, na verdade, um apanhado de fatos dispersos que o povo achou melhor resumir miticamente no famoso “grito”. O autor posiciona-se justificando ironicamente:

Minha opinião é que a lenda é melhor do que a história autentica. A lenda todo o fato da in dependência nacional, ao passo que a versão exata o reduz a uma coisa vaga e anônima.
Tenha paciência o meu ilustrado amigo. Eu prefiro o grito do Ipiranga; é mais sumário, mais bonito e mais genérico.

Mais uma vez, o cronista fala sobre as palavras e seu poder, no entanto, partindo agora sobre um enfoque entre a escrita e a oralidade, entre história transcrita em todas as suas minúcias para o papel e a versão oral que resume e, de modo generalizador, dá seus tons épicos ao ocorrido.

Neologismos

Publicada em 7 de março de 1889. Critica a tentativa do senhor Castro Lopes, famoso latinista brasileiro de sua época, em criar uma série de neologismos para substituir as palavras e as frases oriundas do idioma francês – tão comuns no vocabulário dos brasileiros letrados da época. Ironiza o uso de determinadas palavras e, por fim, encerra seu texto defendendo sarcasticamente que, por mais que não se queira aceitar, muitos destes termos e expressões francesas já foram assimilados pelo nosso vocabulário, como é o caso de palavras como “reclame” ou “croquete”.

A última crônica versa sobre o poder universalizante de algumas palavras, que rompem as fronteiras de sua nação de origem e adentram em outras nações, as quais possuem seu próprio idioma. Uma das críticas mais presentes em todo o texto é o fato de que o senhor Castro Lopes repudiava o uso apenas das expressões francesas, fazendo pouco caso sobre o uso de palavras como “xale”, de origem persa.

Fonte:
Prof. Édson Carlos (UFRN). Disponível em Passeiweb

Pedro Malasartes (Vida e Morte do Malasarte)


Dizem que Malasarte era o diabo. Pois não era e tanto não era que um dia, depois que Pedro Malazarte deu pousada a Jesus Cristo, este como sempre acompanhado de Pedro — São Pedro, o chaveiro — concedeu-lhe, em paga, o direito de fazer três pedidos.

— Quero — pediu prontamente Malasarte — que quem subir nessa figueira (apontou para uma figueira no quintal) não possa descer sem que eu mande.

— Concedido.

— Quero...

— Pede o reino do céu. — Aconselhou São Pedro.

— Quero — disse o outro sem fazer caso da interrupção — que quem entrar no meu surrão não possa sair sem minha ordem.

— Concedido.

— E quero...

— ... o reino do céu. — Insinuou São Pedro.

— Que reino do céu, o quê?! Deixe de ser bobo! Quero que ninguém possa por a mão no meu boné. Só eu.

— Concedido.

Somente depois que eles partiram lembrou-se que não tinha pedido nada.

— Não há de ser nada.

Chamou o diabo, pediu-lhe dinheiro e prometeu-lhe a alma, em troca.

— Daqui a dez anos pode vir me buscar.

Daí a dez anos, o diabo apareceu.

— Vou fazer o meu testamento. Você, se quiser, pode subir naquela figueira e ir comendo uns figos enquanto me espera.

O diabo assim fez e, quando quis descer da árvore, não pôde.

Esforçou-se, ameaçou, pediu, e, por fim. Pedto soltou-o com a condição de lhe deixar mestre satanás mais vinte anos de vida. Daí a vinte anos o diabo voltou. Pedro disse:

— Meu surrão está pronto. Quer me ajudar a amarrá-lo?

O diabo foi ajudar, mas quando estava bem perto, Pedro o empurrou para dentro. Por mais que esperneasse, não conseguiu sair. Então Pedro disse:

— Você pode ir embora, mas está desfeito o nosso trato. Nunca mais me ponha os pés aqui.

O diabo deu o fora. E Pedro acabou indo para o céu, por artes do bonezinho. Foi assim: Morreu. Apareceu no céu e São Pedro bateu-lhe com a porta na cara. "Você não quis pedir o reino do céu, agora aqui você não entra".

— Está bem — resignou-se Malasarte. — Então vou para o inferno.

Foi ao inferno e o diabo não o quis lá. Voltou ao céu e pediu a São Pedro que, já que não era possível entrar que o deixasse ficar sentado à porta. São Pedro encolheu os ombros.

— Se é só isso...

Pedro ficou. Não demorou muito aproveitou-se de uma distração do santo chaveiro e atirou o bonezinho para dentro. Acontece que ninguém podia pegar no bonezinho. E acontece também que quem entra no céu não pode mais sair — pormenor típico de várias histórias populares do tipo desta. E, assim, o Malasarte entrou para pegar o boné e ficou no paraíso.

Jandeilson Bezerra (Solidão Além do que Vejo)


Ficha Técnica
Autor: Jandeilson Bezerra
Editora: Editora Torre
Assunto: Poesia
Páginas: 71
Edição/ano de publicação: 1ª/2011


E se a solidão não fosse um sentimento negativo? E se ao invés dela ser apenas solidão, se transformasse em poesia? A solidão é uma chama adormecida, que pode ser apenas "solidão" ou pode ser “amor”, pode significar recolhimento ou exposição.

O ato de fechar os olhos e sentir a brisa do mar, um amor não correspondido ou um amor distante, pode representar a solidão chegando silenciosamente, sem que percebamos somos arrebatados por ela, essa solidão que pode ser amor ou esse amor que pode ser solidão. É assim o amor puramente solidão ou é a solidão amor?

"Queria falar bonito
tocar-te a alma e te levar a sonhar
fazer-te bailar em meus versos singelos
transportar-te ao meu universo de paixões"

Descubra nesses versos as infinitas possibilidades que o sentimento, estado de espírito, pode nos levar a mergulhar e mergulhando descubra seus próprios sentimentos,cative, sinta, viva esse momento.

Sobre o Autor Jandeilson Bezerra

Nasceu em 1984 na Paraíba, mora no Rio de Janeiro com sua família, dividindo seu tempo entre o trabalho, seu blog e os amigos. Participante das mais diversas antologias entre elas Uma viagem pra Pasárgada (2010), Os mais belos Poemas de Amor (2010). É membro da Sociedade Poetas del Mundo, Academia de Letras do Brasil, da APPERJ e do Circulo Monárquico do Rio de Janeiro unido-se àqueles que acreditam que o Brasil pode ser um país melhor. Editor do blog Elo das Letras (http://eloletras.blogspot.com) onde escreve semanalmente, dedica-se com especial afinco à sua coluna no site Rio&Cultura (www.rioecultura.com.br).

Vendas no site: http://www.facebook.com/solidaoalem

Ou na Loja da Editora Torre no link: http://www.livrariatorre.com.br/novidades/solid-o-alem-do-que-vejo.html

Maiores informações sobre o livro em: http://solidaoalem.wordpress.com

Fonte:
O Autor

Blandina Franco (Quem Soltou o Pum?)


artigo por Celso Sisto intitulado: Brincadeiras das Palavras

FRANCO, Blandina. Quem soltou o Pum? Ilustrações de José Carlos Lollo. São Paulo, Companhia das Letrinhas, 2010. 32p.

A língua portuguesa, nossa língua, é de uma grande riqueza! E por mais que as palavras tenham já um sentido conhecido e revelado, elas podem também carregar dentro delas, um sentido oculto e que vai se mostrando devagar...

Este livro trabalha em cima desta idéia: a possibilidade de muitos significados para uma mesma palavra! Neste caso aqui, a palavra é a palavra “PUM”.

Todo o livro é construído com o leitor sabendo, de cara, que Pum é o cachorro do menino que conta a história. E mesmo sabendo disso, o uso da palavra, as frases, as construções, brincam com a possibilidade do leitor “estar entendendo” o outro significado mais conhecido para a tal palavra, esse que diz respeito a gás e mau cheiro!

Com essa idéia duvidosa rondando a cabeça do leitor, abundam as brincadeiras do tipo: soltar o Pum; o Pum faz barulho e atrapalha a conversa dos adultos; a hora certa pra soltar o Pum; soltar o Pum na chuva, etc. Isso sem falar na quase inevitável tentativa de colocar a culpa no outro. De preferência, no irmão mais novo, que ainda não sabe falar!

Com isso, o livro torna-se absolutamente divertido, leve de ser lido e saboreado! Sim, porque um texto pode ser saboreado, dito em voz alta, com prazer e encanto! Livro bem “provado” é aquele que depois de terminado deixa no leitor a vontade de ler mais do mesmo autor; ler diversas vezes o mesmo livro; ler outros livros no mesmo estilo, ler para outras pessoas curtirem o que a gente curtiu. Esse é o verdadeiro prêmio da leitura. Essa é a leitura gostosa.

Neste livro, contribuem para o sabor, a narrativa cheia de ações e a simplicidade das ilustrações. Com um desenho feito a nanquim em fundo de página amarelada, com um ou outro detalhe destacado em branco, sobressai ainda mais a cor alaranjada-com-manchas-ocre do divertido cachorro PUM. Os personagens são caricatos e engraçados (como a síndica do prédio, o vizinho brabo, a tia Clotilde) e dão um toque de história em quadrinhos. O texto é bem distribuído, e a surpresa está garantida em cada virada de página.

A combinação entre texto e imagem é das mais felizes, principalmente porque criança e seu bicho de estimação, em mãos talentosas, sempre rendem boas obras!

Fonte:
http://www.artistasgauchos.com.br/

Guerra Junqueiro (A Rapariguinha e os Fósforos)


Que frio! a neve caía, e a noite aproximava-se; era o último de Dezembro, véspera de Ano-Bom. No meio deste frio e desta escuridão passou na rua uma desgraçada pequerrucha, com a cabeça descoberta e os pés descalços. É verdade que trazia sapatos ao sair de casa, mas tinham-lhe servido pouco tempo: eram uns grandes sapatos, que sua mãe usara já, tão grandes, que a pequenita perdeu-os ao atravessar a rua a correr, entre duas carruagens. Um dos sapatos perdeu-o realmente; o outro fugiu-lhe com ele um garotito, com a intenção de o transformar num berço para o seu primeiro filho.

A pequenita marchava com os pezinhos nus, arroxeados do frio; tinha no seu velho avental uma grande quantidade de fósforos e levava na mão um maço deles.

Não lhe correra o dia bem; não houvera compradores, e por isso não apurara cinco réis.

Pobre pequerrucha! que frio e que fome! Os flocos de neve caíam-lhe nos longos cabelos loiros, adoravelmente anelados em volta do pescoço; mas pensava ela porventura nos seus cabelos anelados?

As luzes brilhavam nas janelas, e sentia-se na rua o cheiro dos manjares; era a véspera do dia de Ano-Bom: eis no que ela pensava.

Deixou-se cair a um canto, entre dois muros. O frio enregelava-a cada vez mais; não se atrevia, porém, a regressar a casa: o pai bater-lhe-ia por não vender os seus fósforos. Além disso, em casa fazia tanto frio como na rua. Moravam debaixo de um telheiro que o vento atravessava, apesar de o terem calafetado com palha e farrapos. As mãozinhas, já quase que as não sentia. Ai! como um fosforozinho aceso lhe faria bem! Se tirasse do maço apenas um, um único, e acendendo-o aquecesse os dedos enregelados! Tirou um: «ritche»! como estourou! como ardeu! Uma chama tépida e clara, como uma pequena lamparina. Que linda luz! Parecia-lhe estar sentada diante de um enorme fogão, cujo lume ardia magnífico, que era um regalo!

A pequena ia já a estender os pezitos para se aquecer também, quando a chama se apagou repentinamente; ficou-lhe na mão uma pontinha de fósforo consumido.

Acendeu outro fósforo, que ardeu, que brilhou, e o muro onde bateu a sua chama tornou-se transparente como vidro. Olhando através desse muro, a pequerrucha viu uma sala com uma mesa coberta com uma toalha alvíssima, deslumbrante de finas porcelanas, e sobre a qual uma galinha assada, com recheio de ameixas e de batatas, fumegava, exalando um perfume delicioso. Oh surpresa! oh felicidade! De repente a galinha saltou do prato, e caiu no chão ao pé da pequerrucha, com o garfo e a faca espetada no lombo. Nisto apagou-se o fósforo, e viu apenas diante de si a parede fria e tenebrosa.

Acendeu terceiro fósforo, e achou-se logo sentada debaixo de uma árvore do Natal maravilhosa; era ainda mais rica e maior do que outra que vira o ano passado através dos cristais de um armazém suntuoso.

Nos ramos verdes brilhavam centenas de balões acesos, e as estampas coloridas, como as que há às portas das lojas, pareciam sorrir-lhe. Quando ia agarrá-las com as duas mãos, apagou-se o fósforo; todos os balões da árvore do Natal começaram a subir, a subir, e viu então que se enganara, porque eram estrelas. Caiu uma delas deixando no céu um longo rasto de fogo.

– É alguém que está a morrer, disse a pequerrucha; porque a sua avó, que lhe queria tanto, mas que já morrera, dissera-lhe muitas vezes: «Quando cai uma estrela, sobe para Deus uma alma».

Acendeu ainda outro fósforo; deitou uma grande luz, no meio da qual lhe apareceu a avó, de pé, com um ar radioso e suavíssimo.

– Minha avó, exclamou a pequenita, leva-me contigo. Eu sei que te vais embora quando se apagar o fósforo. Desaparecerás como a panela de ferro, a galinha assada, e a bela árvore do Natal.

Acendeu o resto do maço, porque não queria que sua avó lhe fugisse, e os fósforos espalharam um clarão mais vivo que a luz do dia. Nunca sua avó tinha sido tão formosa. Pôs ao colo a pequerruchinha, e ambas alegres, no meio deste deslumbramento, voaram tão alto, tão alto, que ela já não tinha nem frio, nem fome, nem agonias; haviam chegado ao Paraíso.

Mas quando rompeu a fria madrugada, encontraram a pequerrucha, entre os dois muros, ao canto, com as faces incendiadas, o sorriso nos lábios.., morta, morta de frio, na última noite do ano. O dia de Ano-Bom veio alumiar o pequenino cadáver, sentado ali com os seus fósforos, a que faltava um maço, que tinha ardido quase inteiramente. – Quis aquecer-se, disse um homem que passou. E ninguém soube nunca as lindas coisas que ela tinha visto, e no meio de que esplendor tinha entrado com a sua velha

Fonte:
Guerra Junqueiro. Contos para a infância.

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) O Pó de Pirlimpimpim - VI – O pintão


Tomaram a carruagem e foram. Pouco antes das muralhas do castelo havia um desfiladeiro por entre montanhas de pedra onde a carruagem parou de súbito. O senhor de Munchausen espichou a cabeça para ver o que era.

— Uma enorme pedra rolou da montanha e trancou a passagem — disse o cocheiro.

— Que bucha! — exclamou o barão apeando-se para estudar o caso. — Pedra nada! — gritou logo depois. — Isto é apenas um ovo do pássaro Roca, rolando de um ninho lá em cima. Bem desconfiado andava eu de que o ninho do monstro era aqui nesta montanha...

Todos correram para ver e foi um abrir de bocas que não tinha fim. Nem por brincadeira haviam sonhado um ovo daquele tamanho, maior do que duas pipas postas uma em cima da outra. A casca era tão dura que apesar do ovo ter rolado do alto da montanha, batendo em quanta pedra havia, não se quebrara. Trincara de leve, só...

— Que pena tia Nastácia não estar aqui! — lamentou dona Benta. — Havia de gostar de ver um ovo deste tamanho... E agora? Precisavam passar, fosse como fosse. Rolar o Ovo era impossível, por estar entalado entre rochas. O único meio seria despedaçá-lo. Assim resolveu o barão, e mandou que o cocheiro fosse correndo ao castelo buscar uma picareta.

— Uma, não! Duas! Ou três! — gritou depois que o cocheiro partiu.

— Quatro! — berrou Emília. Eu também quero quebrar ovo.

O cocheiro trouxe cinco. Cada qual pegou na sua, e malhou na casca do Ovo com quanta força tinha. De repente o barão gritou:

— Fujam, que vai escorrer clara e gema de virar tudo em omelete...

Todos fugiram para os barrancos, inclusive a pobre dona Benta, que teve de ser içada pelos meninos.

— Viver mais de sessenta anos para acabar trepando em barrancos de medo de virar omelete! Isso nunca foi vida... — lamentava-se a boa vovó.

Inútil a debandada. O ovo partira-se sem derramar clara nem gema nenhuma, pela simples razão de não ter nada disso dentro. O que havia lá dentro era um formidável pinto, que botou a cabeça de fora, a piar uns pios agudíssimos, de se ouvirem a dez léguas dali. O barão ficou apreensivo. Aqueles piados eram capazes de chegar aos ouvidos do pássaro Roca, que não devia andar muito longe — e se a gigantesca ave os pilhasse a mexer com o seu ovo, certo que os devoraria a todos, como se fossem minhocas.

— Cordas! — gritou ele aflito. — Corram ao castelo e tragam quantas cordas puderem...

Pedrinho e o cocheiro voaram ao castelo atrás de cordas, voltando minutos depois com quantas havia.

— Temos que amarrar o bico deste horrendo pinto sem perda de um instante, se não o Roca surge por aí e nos devora.

Não foi nada fácil. O pintão defendia-se como um tigre. Só mesmo a força hercúlea do senhor de Munchausen, ajudado pelo cocheiro, por Pedrinho, pela menina, por Emília e até por dona Benta, poderia amarrar o bico do pinto Roca — e ainda assim tiveram de lutar muito tempo. Afinal, amordaçaram-no.

— Conheceu, papudo? — gritou Emília de longe, quando viu o serviço feito.

De nada, porém, valeu tanto esforço. O pássaro Roca tinha ouvido os pios do filhote e vinha pelos ares como um ciclone de penas.

— Fujamos! — gritou o senhor de Munchausen ao avistá-lo, e botou-se...

Foi uma debandada geral. Voaram todos atrás do barão, como veados. Até a pobre dona Benta teve de esquecer os sessenta anos, o reumatismo e a pontada, para só pensar na fuga. Arregaçou a saia, botou a dentadura no bolso e virou veado também. Chegou ao castelo mais morta que viva, pondo a alma pela boca.

— Benza-me Deus! — dizia ela. — Isto nunca foi vida...

O barão e o menino subiram incontinenti à torre para espiar o pássaro Roca por uma luneta. Viram-no pairar sobre o desfiladeiro e descer como flecha sobre o ovo. Ao dar com o filhote já nascido, sentiu grande alegria. Não desconfiou nem sequer daquele bico amarrado, certo de que o pinto nascera assim...
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Continua… O Pó de Pirlimpimpim – VII – Melhor que o pó

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

domingo, 12 de fevereiro de 2012

J. G. de Araújo Jorge (Eternos Românticos)


Eis os verbetes da palavra romântico, no dicionário: “Diz-se dos escritores e artistas que, no começo do Século XIX, abandonaram as regras de composição e estilo dos autores clássicos. Caracterizam-se pela predominância da sensibilidade e da imaginação sobre a razão, pelo individualismo, pelo lirismo”.

De onde se conclui que, quase todos os artistas, quaisquer que sejam os tempos e as escolas, são ou foram românticos. Costumo afirmar, por isso, que o romantismo, não é apenas uma escola literária, mas um estado de espírito. Românticos foram, através dos tempos, e muito antes do Século XIX, as mais altas expressões das letras e das artes.

Aqui mesmo, em crônica anterior, falamos sobre o tema. O homem hoje parece que se envergonha de ser romântico, ou de ser tido como tal. Como se isto fosse um atestado de doença ou de fraqueza.

Continuaremos, no entanto, românticos, graças a Deus. Há alguns anos, alguém escrevendo sobre minha poesia disse que eu era o “último romântico de nossas letras”. Puro engano. O mundo continua, e seguirá povoado por essa espécie imortal para que a arte sobreviva.

Poderíamos parafrasear a expressão euclidiana, e dizer que “o romântico é antes de tudo um forte”. E por quê? Justamente porque fortes são os que têm a capacidade de sentir. E o romântico é o emotivo, o sentimental, o que expõe o coração. Só ele enriquece a vida com as perspectivas infinitas do sentimento e da fantasia. Os frios, os indiferentes, os “materialistas” num sentido puramente social, são os fracos, os temerosos, e, são, portanto, os que não vivem plenamente.

Os românticos são os que enfunam as velas do sonho e se atiram a todas as correntes. Certamente que sofrem. Mas para eles, vida e sofrimento são palavras que se equivalem, que se identificam. Sabem que o temor ao sofrimento só poderá levar a escapadas e enclausuramentos. São os que não têm medo, portanto, os que se aventuram. Os estóicos. Os que captam a vida em todas as direções, embora feridos, angustiados. Os que não se envergonham de chorar. Coisa engraçada é afirmar-se que o mundo de hoje é um mundo de homens de ferro, duros, insensíveis. Como se isto fosse vantagem, ou, que é mais importante, verdade. Se ontem, as armaduras de ferro dos cavaleiros medievais escondiam corações inflamados de ternura florais, de anseios cavalheirescos, hoje, as pesadas roupas dos astronautas protegem igualmente corações cheios de amor e poesia.

Todos nós lemos as declarações dos astronautas ao voltarem do espaço sideral. Eram falas de poetas, deslumbrados com o espetáculo novo de um universo imprevisto. Um deles, o primeiro, declarou de sua cápsula: o mundo é azul!

Que eles são, mesmo, os poetas do espaço. Hoje, eu diria que até a ciência é romântica: ainda à procura da lua dos poetas e dos namorados.

Os jogadores de futebol, que representam homens de um esporte viril, após as grandes vitórias, ou as fragosas derrotas, desmandam-se a chorar, como bebês. E que de estranho há nisso? São, e continuam sendo apenas homens, como os de todas as épocas, quando inflamados ou aterrados pelas emoções violentas. Choram políticos, choram generais, choram artistas. Na televisão, assistimos todos os dias ao espetáculo dos que desgovernam pelo coração, e são por isso sublimes ou heróicos.

Falsa, inteiramente ilusória, a afirmativa apresentada e superficial, de que deixamos de ser românticos.

Sim, o mundo gira, o mundo se transforma, mas o homem continua o mesmo: Macbeth, Otelo, Romeu ou D. Quixote. O coração continua a ser aquele ponto inevitável sobre o qual se apóia uma das pontas do compasso para traçar as figurações e planos.

E as gerações novas?

Os moços do iê-iê-iê, até na aparência são românticos. Restauram as formas de trajar, os exageros requintados de outras épocas. Quando os vemos, nos lembramos dos poetas do fim do século, de cabelos longos, roupas enfeitadas. Sua música, aparentemente “avançada”, trouxe apenas novidades rítmicas, mas o fundo melódico e as letras traem o eterno romantismo. E aí está o “slogan” dos “hippies”: “The Flower’s power”. Uma geração que faz da flor o seu símbolo, o seu estandarte, a sua mensagem de paz e amor, não é uma geração romântica? As desesperadas tentativas de fuga à realidade pelos entorpecentes, pelo LSD, não se assemelham aquela geração de Byron e Musset, dos cansados da vida aos 20 anos, e que tentavam uma última escalada pelo álcool, “fazendo-se” tuberculosos?

Que fale quem quiser. Posso, melhor que ninguém, dar meu testemunho. Desfraldei minha poesia há cerca de trinta anos, e ela aí está como bandeira no topo do mastro. Sabotada ou não, o povo faz ciranda com ela nas ruas. Dizer-se que não há leitores para a poesia é simples mentira. Não só eu vendo meus livros. Augusto dos Anjos, Raul de Leoni, Guilherme de Almeida, Cassiano Ricardo, Vinícius de Morais e tantos outros poetas esgotam edições. E são todos, cada um a seu modo, poetas românticos. Citaria centenas de cartas de meus leitores, e eu disse leitores, não apenas leitoras, que provam a ressonância da poesia, que me agradecem os versos, como alguém com fome agradeceria um pedaço de pão, ou um pouco de água, se tivesse sêde.

O dicionário completa o verbete: ser romântico é ser “devaneador, poético, apaixonado”. Então, somos todos nós. “Quem não for capaz de sonhar, de encontrar belezas, de amar”, “só passou pela vida, não viveu”, como diria o velho Otaviano Rosa.

Dentro do homem mais seco, e empedernido, do espírito mais cético e pragmático, do filosofo mais materialista, há um cérebro e um coração, para pensar e para sentir. E naqueles momentos de coração que salvam a nossa vida, somos todos românticos. O operário que bota tijolo em cima de tijolo, o dia todo, à noite vira poeta diante do mar, em companhia da namorada; a mocinha do balcão que vendeu qualquer coisa, ou o do escritório que bateu faturas, vai depois copiar poesias em seu caderno; o cronista engraçado que se compraz em ridicularizar boleros, vai cantar tangos na boate, depois da terceira dose de uísque; o motorista, que transporta cargas pelos caminhos, faz poesia e humor nos pára-choques do seu caminhão.

Por muitas razões, usamos máscara trezentos e sessenta dias, e só as tiramos às vezes, no carnaval. Há homens que se envergonham de ter coração, o que é grave; procuram esconde-lo, o que é tolo; tentem nega-lo, o que é absurdo. Salvam-se alguns poetas (façam versos ou não) que têm coragem de permanecer poetas, num mundo que pretende negar a poesia, e que tanto precisa dela. Alguns poetas, que, corajosamente não usam máscaras, continuam falando de amor, como os velhos cristãos ou como... os “hippies”...

Fonte:
JG de Araujo Jorge. "No Mundo da Poesia " Edição do Autor -1969