quarta-feira, 21 de novembro de 2012

José de Alencar (Ao Correr da Pena) Rio, 8 de janeiro de 1855: A Última Noite de 1854


Et une annèe entière a replié ses ailes
Dans l’ombre d’une seule nuit! 
 (Lamartine)

Ainda vos lembrais do ano passado? Ainda não esquecestes a última noite de 1854?

Era uma noite de luar, mas turva e carregada. O céu cobria-se de nuvens. A natureza estava calma e sossegada. As horas corriam silenciosamente.

Deu meia-noite. Um ano terminava, um ano começava. Mas nem um sinal, nem um vestígio atestava essa grande revolução do tempo que se acabava de consumar.

Tudo continuava tranqüilo. A noite seguia o seu curso ordinário, e a lua deslizava solitária por entre as nuvens cinzentas e carregadas que alastravam o céu.

Que importava, com efeito, que essa hora que soava marcasse o termo de um ano? Que importava que a fraca inteligência do homem procure limitar a obra de Deus?

O tempo corre eternamente; os dias se sucedem como os meses, como os anos e os lustros. Um século que acaba, uma idade que finda, um mundo que desaparece, é sempre a rápida transição de um segundo, é apenas um instante que passa.

Todos nós sabemos isso; todos nós vamos correr o tempo com indiferença; e entretanto o coração nos palpita com emoção quando ouvimos soar esta hora fatídica da meia-noite, que marca o fim e o começo de um ano.

É quase impossível reprimir nesse instante solene um movimento involuntário, que nos faz volver um olhar saudoso ao passado e procurar no fundo d’alma algum vago pressentimento, alguma promessa risonha, que nasce subitamente como o novo ano que começa.

Na vida de alguns homens esse rápido instante é o cântico de um belo poema. Recordações dos dias que passaram, saudades de uma quadra feliz, culto respeitoso a algumas reminiscências sagradas, aspirações de glória e de ambição, fé em Deus, esperança no futuro, todas estas grandes coisas lhes perpassam confusamente na fantasia, brilham rapidamente, e se extinguem como esses fogos brilhantes que sulcam as trevas nas noites calmas e serenas.

Para aqueles que ainda se deixam involuntariamente dominar pela poética e graciosa ficção do ano-bom, este dia é um oráculo cheio de presságios e de vaticínios. Quanto desejo querido, quanto voto ardente, não vem afagar no fundo desses corações aquela primeira aurora do ano! Neste dia pensa-se naquilo que mais se ama no mundo, janta-se no seio da família, visita-se os amigos e troca-se mutuamente as boas entradas de ano, os presentes de amizade, as étrennes.

E assim no meio de tudo isto, no meio desses cuidados e desses prazeres, dos receios e das esperanças novamente criadas, esquecemos a verdadeira e talvez única realidade deste dia. Um ano que passa – um outro ano que vem, e com ele a idade e a velhice..

Bem entendido, não falo aqui de certa gente, que desejaria que um ano fosse um minuto, e que passasse como uma hora de tédio, ou um dia de convalescença. Parece incrível, porém não é menos verdadeiro.

Logo em primeiro lugar temos o pretendente à senatoria, que se acha na idade crítica dos trinta e nove anos. Vem depois o órfão que espera os vinte para requerer suplemento de idade, e  empolgar a herança paterna. Finalmente a menina que desterra as malditas calças e o vestido curto, e entra no rol das moças em estado de casar; e o estudantinho de latim, que todos os dias procura no queixo as promessas de um buço rebelde, e que suspira pelo dia em que se emancipará do colégio e conquistará a santa liberdade da academia e o direito de fumar o seu charutinho.

É preciso não esquecer o sujeito que tem os seus cinqüenta e nove anos, e que deseja os sessenta para ver-se livre da guarda nacional e do recrutamento; nem também o empregado público que suspira pelo último ano para a jubilação, e o juiz de direito que está a completar o tempo de ser promovido à primeira entrância.

Para esses o novo ano é sempre alegre e feliz; é o ano da salvação. Mas para nós, que não estamos nesse caso, que nos prometerá este ano, que nasceu no meio da chuva como um sapo, tendo por madrinha a lua cheia ?

Será isto, mau agouro, como entendem as velhas, ou será ao contrário um presságio de abundância e fertilidade, que nos livrará da carestia dos gêneros e não nos deixará mais à mercê das usuras de alguns marchantes?

Creio antes esta última versão. Já não me fascinam essas promessas brilhantes que nunca se realizam. Embora turvo e carrancudo, o ano novo para mim se anuncia cheio de futuro e de propriedade para o meu país.

Ninguém sabe que encantadores mistérios, que risonhos segredos ocultas no teu seio. Ninguém sabe quanto primor, quanta graça, quanto mimo de beleza, tuas asas de ouro esparzirão sobre alguma cabecinha virgem que ainda brinca com os sonhos da infância!

Vêm, novo ano! Vem como o hábil artista do tempo dar os últimos toques a alguma bela estátua moldada pela natureza, e arredondar a curva graciosa, as ondulações suaves de umas formas encantadoras!

Vem, como o sopro de Deus, como o fogo do céu, desabrochar uma rosa ainda em bastão; perfumar a florzinha delicada que apenas começa a abrir os seios às auras da vida, e tecer de fios de ouro os dias de uma existência pura e tranqüila!

Vem igualmente dar um pouco de juízo a muita cabecinha louca que aí anda às voltas por este mundo, tirando o juízo a quem o tem! Vem fértil de maridos, de bailes, de teatros, de modas, de casamentos. Traze-nos da Europa algumas boas cantoras; e não te esqueças de substituir a anarquia que hoje reina no teatro por uma ópera digna de ti e da boa sociedade desta corte. Para isto já tens o projeto de uma nova companhia lírica no Teatro de S. Pedro Alcântara, o qual podes realizar perfeitamente.

Quando tiveres feito todas estas coisas, meu caro, tem paciência, toma a vassoura e a carrocinha, e trata de varrer e de limpar as ruas da cidade, no que farás um grande serviço. Estimarei que removas ao menos a lama de algumas ruas, porque então ser-me-á possível  especializar as outras, e defender-me assim da censura que me fizeram nesta folha e no Jornal do Comércio por ter falado geralmente; como se a culpa fosse minha, de não poder achar uma exceção à falta de asseio! 

Acho escusado dizer-te que dispensamos o calor de oitenta graus, as febres de qualquer cor que sejam, as guerras por mais interessantes que te pareçam. Quando muito, para quebrares a monotonia do tempo, ficas com o direito salvo de elevares a temperatura até o ponto de desejar-se o sorvete e os gelados; e de produzir algumas intermitentes, para que os médicos não esqueçam de todo a ciência. Em vez de guerras do Oriente, podes fazer aparecer alguns processos monstros, daqueles que passam a quarta geração, e que os advogados ingleses dão de dote às suas filhas.

Se quiseres este programa essencialmente conciliador podes contar comigo. Escrever-te-ei as mais pomposas efemérides de que haja notícia no mundo; e em dezembro far-te-ei um epitáfio, digo, um retrospecto, que ocupará as colunas do Correio Mercantil durante oito dias consecutivos.

E para começar vou já cuidando em traçar a história desta primeira semana que começa pelas étrennes e acaba pelas cantilenas dos Reis. A chuva, as tardes de trovoadas, o tempo enfarruscado, entristeceram quase todos estes dias.

Na sexta-feira, porém, uma bela noite de luz, fresca e agradável, parecia convidar as alegres procissões que lembram a antiga tradição dos três reis magos, vindos do Oriente guiados por uma estrela para adorar o Menino Jesus.

Hoje, como todos os antigos costumes, esta festa vai caindo em desuso. Já quase não se vêem nesta corte aquelas romarias folgazãs, aqueles grupos de pastorinhas, aquelas cantigas singelas que vinham quebrar o silêncio das horas mortas.

A noite de Reis atualmente é apenas a noite das ceias lautas, dos banquetes esplêndidos; de maneira que, a julgar da tradição pelas festas de agora, dir-se-ia que os reis magos eram três formidáveis comilões, que vieram do Oriente unicamente para tomarem um fartão de peixe, de ostras, de maionese e gelatinas.

Em todas as épocas o homem teve a balda de desfazer no presente e de encarecer o passado. “No nosso tempo era outra coisa” dizem os velhos desde o princípio do mundo. Entretanto, seja pelo que for, seja que aquilo que passou exerça sobre a nossa imaginação um prestígio poderoso, o que é verdade é que nossos pais sabiam divertir-se melhor do que nós.

Outrora todas as festas tinham o seu quê de original, o seu cunho particular que as distinguia uma da outra. O Natal era a festa do campo; tinha a sua missa do galo à meia-noite, as suas alegres noitadas ao relento, os seus presepes toscos, mas encantadores. Logo depois vinham os Reis com as suas cantigas, as suas romarias noturnas, as suas coletas para o jantar do dia seguinte. São João tinha as suas fogueiras, os seus horóscopos à meia-noite. Ao Espírito Santo armavam-se as barraquinhas, e faziam-se leilões de frutos e de aves.

Presentemente todas as festas se parecem. Um baile, uma ceia, e tudo feito. Desde o princípio ao fim do ano vai-se ao baile ou ao teatro. Isto ainda seria suportável, se procurassem conformar esta espécie de divertimento à estação que reinasse.

Agora, Poe exemplo, que entramos na força do verão, como não seriam agradáveis alguns bailes  campestres, onde se dançasse à fresca, entre as árvores, nalgum pavilhão elegante levantado no meio de jardins? As moças trajariam seus lisonjeiros vestidinhos brancos próprios da estação; os cavaleiros usariam de um  toilette de verão. Nada de rigorismos diplomáticos e de penteados  sobrecarregados de enormes jardineiras.

Há nesta corte uma Sociedade Campestre que se podia incumbir de realizar esta idéia; porém infelizmente parece que ela vai marchando rapidamente para sua completa extinção. De campestre só tem o título; no mais é uma sociedade como as outras, com a diferença que dá as suas partidas num pavilhão muito sujo, muito velho e de muito mau gosto.

Houve a lembrança o ano passado de reabilita-la, e para isso comprou-se um terreno para uma casa; distribuíram-se as ações pelos sócios, e recebeu-se a primeira prestação. Planejou-se, calculou-se, e por fim não se fez nada, na forma do costume. O terreno está a vender, e os sócios que esperem pelas calendas gregas para serem reembolsados do seu dinheiro.

Entretanto parece-me que a sociedade ainda tem muitos elementos que se podem aproveitar; e que, se alguém procurasse dar-lhe um salutar impulso, poderíamos vir a ter uma reunião bem agradável. Então a sociedade devia limitar as suas partidas campestres aos seis meses de verão, e deixar os outros seis meses para os bailes aristocráticos do Cassino e para os saraus brilhantes que costumam aparecer naquela quadra do ano.

Temos conversado tanto e sobre tantas coisas, que deixo ainda muita idéia bonita que aí fica com as outras no fundo do tinteiro, esperando a sua vez de se entenderem sobre o papel. Para as idéias é este um dia de baile; a pena faz-lhes o toilette, como uma criada grave; e, depois de bem vestidinhas e bem elegantes, largam-se pelo mundo a namorar, a torto e a direito, a fazer epigramas e a dizer graças, a bolir este e com aquele, até que um dia ninguém faz mais caso delas.

Antes, porém, de deixar-vos, minha gentil leitora, quero dar-vos as minhas étrennes, embora não vos lembrásseis de mandar-me as festas. O meu cadeau é uma notícia, que creio haveis de apreciar tanto quanto ela merece. Com o novo ano vai continuar (ou já continuou) a ser publicado um lindo jornal italiano e português, do hábil professor  Galleano Ravara. Já prevejo com que prazer acolhereis a fride, que, como uma boa mensageira, irá falar-vos a doce e rica linguagem do Tasso, do Dante  e de Petrarca, e recordar-vos aquelas palavras de Romeu e Julieta, quando ouviam cantar o rouxinol e a cotovia ao raiar da alvorada.

Por enquanto contentai-vos com estas doces recordações que vos avivarão saudades da Stoltz e das belas noites do nosso teatro italiano. Dizem, porém, que daqui a algum tempo tereis mais do que simples reminiscência: prometem-vos uma cena lírica, onde verdadeiros artistas executarão as obras-primas dos maestros antigos e modernos. Cumprir-se-ão tão belas promessas?

Como sabeis, formou-se nesta corte uma associação para montar no Teatro de S. Pedro de Alcântara uma companhia italiana de primeira força. Já foram publicadas nesta folha as bases da nova sociedade que intenta levar a efeito aquele projeto.

No estado em que se acha a nossa cena lírica, semelhante idéia é um grande benefício. A nova empresa vem promover uma salutar emulação entre os dois teatros, e destruir o monopólio que até agora tem existido, com grave prejuízo do público.

Além deste melhoramento, que resulta do simples fato da concordância, a organização de uma sociedade deste gênero pode trazer muitas vantagens importantes. Os bons espetáculos, o exemplo e a lição de artistas de mérito, hão de necessariamente desenvolver entre nós o verdadeiro estudo da música italiana, e aproveitar muito aos talentos nacionais que aparecerem.

Se a nova sociedade realizar as suas idéias, se, em vez de amostras líricas, nos der verdadeiras óperas, ainda continuará a admitir-se a absoluta necessidade de uma subvenção do governo? Ainda haverá empresa desinteressada que receba 120 contos de réis do tesouro para carregar com um déficit enorme?

Estes exemplos de filantropia desaparecerão infelizmente; porém o governo economizará por ano uma centena de contos, que poderá destinar à construção de um teatro nacional ou de uma pequena ópera, feita pelo modelo dos melhores teatros da Itália e da Alemanha.

A nova empresa tem de lutar com imensas dificuldades; mas se conseguir vence-las, o teatro de S. Pedro de Alcântara virá a ter as suas belas noites, e  reunirá no seu pequeno salão a fina flor da sociedade desta corte.

Que importa que estas noites custem mais caro?

Todos conhecerão que este aumento de preço é puramente nominal, uma noite em que, além de uma brilhante reunião se tem o prazer de ouvir a verdadeira música de Rossini, de Verdi e de Bellini, de Donizetti e de Meyerbeer, vale mais do que quatro ou cinco noites de ensaios no Provisório, onde algumas vezes se canta para os bancos e para os camarotes vazios.

Entretanto cumpre que a sociedade, desprezando os funestos precedentes do nosso teatro, guarde toda a lealdade nos seus empenhos com o público, e se esforce por manter aquela ordem e regularidade tão necessária à comodidade dos espectadores e aos próprios interesses da sociedade.

Assim, os espetáculos devem ter dias certos e determinados na semana, e começarem a horas precisas, nunca excedendo de meia-noite.

Seria muito útil que se estabelecesse também o costume de interromper os espetáculos durante os dois ou três meses da força do verão. Esta interrupção, cuja vantagem ainda não se compreendeu entre nós, facilita à empresa o estudo e preparo de novas óperas, e dá-lhe tempo de contratar novos artistas na Europa.

Realizando a nova sociedade estas condições, pode contar da nossa parte com um apoio fraco, mas leal. Ao contrário, se não corresponder às suas brilhantes promessas não se poderá livrar de uma grave censura; e os nomes que nela se acham empenhados terão de responder ao público e à imprensa pelos males que possam ocasionar ao nosso teatro.

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.

Jornais e Revistas do Brasil (A Vida Fluminense: folha joco-séria-illustrada)


Período disponível: 1868 a 1874 
Local: Rio de Janeiro, RJ 
Continuação de: 
O Arlequim

Continuado por: 
O Figaro : folha illustrada

A revista ilustrada A Vida Fluminense foi lançada, na corte, no dia 4 de janeiro de 1868, em continuidade a O Arlequim, que, por sua vez, sucedera ao Bazar Volante (1863), criado pelo desenhista francês Joseph Mil. Editada por Augusto de Castro e Antônio de Almeida, este último padrasto do grande Ângelo Agostini, que também participaria da sociedade tão logo chegou de São Paulo, onde teve problemas com a justiça por criticar asperamente o clero e a aristocracia escravista, nos irreverentes O Diabo Coxo e Cabrião.

 A publicação, que durou sete anos (período relativamente longo para a época), buscaria um tom mais brando, como informava a apresentação ou editorial do primeiro número: “Para agradar a todos os paladares (…) será uma folha joco-séria, publicará retratos, biografias, caricaturas, figurinos de modas, músicas, romances nacionais e estrangeiros, artigos humorísticos, crônicas, revistas, etc.”. Sua linha editorial iria girar em torno da vida social da corte, de críticas políticas amenas ou de assuntos palpitantes como a Guerra do Paraguai. Transitava da política aos fatos cotidianos, com destaque, porém, para as ilustrações e narrativas bem-humoradas.

 Charges e outras formas de desenhos já circulavam em alguns periódicos do país desde, pelo menos, 1837, quando Manuel de Araújo Porto-Alegre publicou no Jornal do Commercio a primeira charge de que se tem conhecimento. Com Ângelo Agostini, A Vida Fluminense inovaria ao lançar “As Aventuras de Nhô Quim ou Impressões de uma Viagem à Corte”, “história em capítulos”, como a chamou o autor, que é considerada o primeiro quadrinhos brasileiro. Com narrativa e desenhos em sequência, não apresentava, no entanto, as falas dos personagens em balões, nem traços gráficos indicando movimento. Por sua importância o dia 30 de janeiro de 1869 – dia em que “As aventuras de Nhô Quim” (o primeiro personagem brasileiro de quadrinho) foram lançadas – tornou-se o Dia Nacional do Quadrinho.

 Além de Agostini, trabalharam na Vida Fluminense Cândido Aragonês de Faria e o também italiano Luigi Borgomainério, dois outros grandes artistas da época. No mesmo período circularam também importantes periódicos como o Ba-ta-clan, dirigido por Charles Berry e ilustrado por J. Mill e M. Michon, O Mosquito, de Cândido de Faria, e A Comédia Social, do pintor Pedro Américo. A Vida Fluminense foi editada em formato diferente dos seus similares, tanto no que se refere ao tamanho – 33 x 25 cm –, como no número de páginas, doze em vez das recorrentes oito páginas. Já no ano seguinte, porém, esse número não se sustentou e a publicação voltou às oito páginas usuais.

 Em 1875, último ano em que circulou, a revista fez significativa reformulação, passando, segundo Joaquim Marçal Ferreira de Andrade, em História da fotorreportagem no Brasil: a fotografia na imprensa do Rio de Janeiro de 1839 a 1900, “a apresentar uma nova logomarca – uma xilogravura de Salvioni, artista italiano de Turim – além de uma impressão chapada de fundo e uma série de cercaduras com motivos fitomorfos em algumas de suas páginas.” Prezando sua qualidade, incomodada com os concorrentes e sem falsa modéstia, a própria revista (leia-se Agostini) advertia: “Graças ao lápis de seus caricaturista, esta folha readquire o lugar que lhe compete, e honra a imprensa hebdomadária da capital. Como sempre, fugirá de ser pasquim de torpezas, e não viverá de cópias, tomadas com singular desembaraço às publicações estrangeiras, conforme praticam alguns jornais [leia-se, em especial, a rival Semana Illustrada, dos irmãos Henrique e Karl Fleiuss e de Karl Linde) desta corte.” (A Revista Fluminense, 2 jan. 1875, p.2)

 Embora haja lacunas na coleção, o acervo da Biblioteca Nacional abrange volumes referentes aos oito anos incompletos de circulação de A Vida Fluminense.

Fonte:
http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/vida-fluminense-folha-joco-séria-illustrada

Geraldo Majela Bernardino Silva (Funções da Mensagem Literária) Parte 2


LINGUAGEM CONOTATIVA

- A linguagem serve para exteriorizar sentimentos e idéias, é uma expressão carregada de afetividade.

- Na obra literária tem, além de sua significação e valor lingüísticos, um significado e valor acrescidos: o literário, para o qual as formas lingüísticas servem somente de veículo de objetivação, e só alcançam seu pleno significado na relação com o conjunto total da obra. Esta linguagem expressiva depende profundamente da emoção pessoal e das circunstâncias. Com isso as construções gramaticais se alteram ou experimentam uma troca acidental de significação.

- Polissemia = plurissignificação.

CONOTAÇÃO: - Possibilidade de um signo, dependendo do contexto, apresentar mais de um significado,  propiciar  várias  interpretações.  Implica  uma abertura, um leque de                                significados a partir de um mesmo significante.

FUNÇÕES DA LINGUAGEM

A linguagem é um veículo de comunicação empregado como um recurso mnemônico (de desenvolvimento da memória) para a representação de idéias, de suas relações e de seus significados. Algumas dessas idéias são representativas de objetos físicos: procuram designar e descrever coisas e objetos. Mas o “significado” é um atributo da mente humana e não dos objetos que eles representam. Existe, portanto, uma relação íntima entre percepção, significado, idéia, juízo e emoção.

Todos os atos conscientes de comunicação implicam em certos suportes básicos que consistem num determinado complexo simbólico físico que elicia (afasta) o significado. Portanto, a linguagem existe como simbolização física de idéias. Os atos de comunicação se realizam com o propósito de compartilhar idéias específicas e significados em emissor e receptor.

O significado existe pois:

a)- como uma associação de idéias, quer dizer, como uma função da mente humana.

b)- tem seu referente em objetos físicos ou eventos.

A linguagem é, portanto, expressão da vida e o mais autêntico produto do intelecto: verdades científicas são comprovadas, juízos e raciocínios são depurados e intelecutalizados mediante um grande esforço do pensamento.

Mas nem sempre os pensamentos são de ordem essencialmente intelectiva. São muitas vezes, impulsos acompanhados de emoções que conduzem os homens a ações ou que os refreiam. São expressões ou repressões de desejos, de volições, de impulsos vitais.

O psicólogo alemão Bühler distingue três funções básicas para as palavras: “representação”, “exteriorização” e “apelo”:

São as seguintes as principais funções atribuídas às relações entre linguagem e seus objetivos. 

FUNÇÃO CENTRAL:

1- FUNÇÃO DE COMUNICAÇÃO : DENOTATIVA - REFERENCIAL - COGNITIVA OU
                                                            INFORMATIVA.

A palavra como “representação”: Muitas vezes, o propósito do emissor é revelar o que “conhece” a respeito de um fato, de um assunto, de uma realidade. Segundo Bühler, as palavras serão utilizadas, nesse caso, como “representação”dos conhecimentos do emissor sobre aquela realidade.

É a utilização de um código para a transmissão de uma mensagem a fim de permitir aos homens seu inter-relacionamento. A linguagem é utilizada como instrumento de comunicação. Está centrada no conteúdo da mensagem.

Na obra literária, ela envia a um contexto, quer dizer, não no mundo percebido e imaginado pelos elementos da comunicação (emissor e receptor) mas, somente ao criado pelo discurso em si. Não é a realidade designada que interessa, mas seu modo de apresentação no discurso. Por analogia ao mundo real, conhecido, constrói-se o universo imaginário como ele é, assim, o leitor concorda com as colocações do autor (critério de verossimilhança). No dizer de Jean Dubois, a referência  não  é  feita  com  o  objeto  real,  mas  com  um  objeto  do  pensamento.

Imagine uma situação do cotidiano: você e alguns amigos resolvem passar o fim de semana em contato com a natureza. Decidem que o melhor programa seria um acampamento. Mas ainda têm dúvida quanto ao local a ser escolhido. Você resolve opinar (usando, é claro, a língua oral):

“Acho que acampar perto de um rio é uma boa. Lá a gente pode pescar e nadar. 

Nesta época, costuma dar muito peixe e a água fica limpinha.”

Você usou as palavras para representar o que sabe a respeito do local que sugeriu, revelando conhecer certas vantagens que favorecem o tipo de programa que escolheram.

Essa função da linguagem, que os lingüistas denominam “informativa” (ou referencial), está centrada no referente, ou seja, no conteúdo transmitido ou mensagem.

A função informativa se observa, não apenas em situações de comunicação em língua oral, mas também na língua escrita, principalmente em textos técnicos e jornalísticos.
Veja alguns exemplos:

“O sexo do filho é determinado pelo pai. Os espermatozóides pertencem a duas categorias: os Ginospermas, dotados de um cromossomo chamado X, que darão origem a uma menina, e os Androspermas, com um cromossomo denominado Y, e que darão origem a um menino. Mas apenas o acaso (conforme o que a ciência conseguiu demonstrar até hoje) é responsável pela fecundação do óvulo feminino por parte de um espermatozóide portador de um cromossomo X ou de um cromossomo Y.”            (BELOTTI, Elena Gianini - O Descondicionamento da Mulher - Rio, Vozes, 1975 -p.13). 

Outro exemplo de função informativa:

“Os números do desastre educacional brasileiro começam a ser revelados. Temos ainda 40% de analfabetos ou semianalfabetos, segundo cálculos otimistas. E a evasão dos alunos, no fim do curso primário, chega a 80%.”
(ISTO É, no 123, p. 47)

A função informativa pode ainda aparecer em textos literários, em prosa ou em verso:

“Aqui faz muito calor.
 No Nordeste faz calor também.”
(BANDEIRA,Manuel. “Brisa”)

Outro exemplo literário:

“Meu avô era um homem que sabia explicar tudo com clareza, sem ralhar e sem tirar a razão da gente.” (VEIGA, J.J. “Os Cavalinhos de Platiplanto”).

Observando certos recursos lingüísticos utilizados pelo emissor, podemos, como recebedores, determinar a função informativa na mensagem enunciada. Esses recursos são:

- na língua oral: o tom de neutralidade, de isenção emocional, na enunciação da mensagem;

- na língua escrita:  a pontuação;
                                 - a elaboração sintática visando à maior objetividade e precisão na maneira 
                                    de transmitir a informação.
Das considerações feitas e da observação dos exemplos, podemos concluir que:

a função da linguagem será INFORMATIVA, quando as palavras forem empregadas como representação de conhecimentos do emissor a respeito de um assunto, de uma pessoa, de uma realidade.

Continua...

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Cláudia Dimer (O Sol e a Lua)


1º Prêmio de Trovas "Chico Anísio" – UBT Maranguape (Resultado Nacional/Internacional e Estadual) Parte I: Liricas/Filosóficas – Tema: Chico Anísio


É com alegria que comunicamos o resultado do 1º Prêmio de Trovas Chico Anisio/2012, concurso realizado pela UBT-Maranguape em parceria com a Academia de Ciências, Letras Artes de columinjuba - ACLA, Fundação Viva Maranguape de Esporte e Cultura - FITEC [órgão da Prefeitura Municipal de Maranguape] e Programa Brasil Trovador [Rádio FM Maranguape 106,3]. 

O resultado apresenta a seguinte constituição para os temas; 

1. Tema Chico Anísio: 
1.1. Nacional/Internacional para trovas em lingua portuguesa; 
1.2. Estadual 

2. Tema Maranguape 
2.1. Nacional/Internacional para trovas em lingua portuguesa; 
2.2. Estadual 

3. Tema Humor (trova humorística) 
3.1. Nacional/Internacional para trovas em lingua portuguesa; 
3.2. Estadual 

4. Internacional para trovas em lingua hispânica 
4.1 Chico Anísio; 
4.2. Maranguape 
4.3. Humor 

Nosso parabéns aos inspirados trovadores por sua belas trovas. 

Abraços. 
Fco. Lopes 
Presidente da UBT-MARANGUAPE
------------------------
ÂMBITO: Nacional/internacional 
(Trovas em língua portuguesa)

 TEMA: “Chico Anísio” 

VENCEDORES (1º ao 5º lugares):

1º. Lugar:

 Não és rima do meu verso,
 Chico Anísio é bem verdade!
 Tu rimas com Universo
 no Universo da Saudade!
 José Valdez de Castro Moura 
Pindamonhangaba/SP

2º. Lugar:

 Tal e qual o vento alísio,
 cuja influência me acalma,
 o gênio do Chico Anysio
 sempre refresca minh´alma.
 Amilton Maciel Monteiro 
São José dos Campos/SP

3º. Lugar:

 Chico Anísio foi profundo,
 dizer em verso é preciso:
 nosso "Professor Raimundo"
 foi mesmo o mestre...do Riso!
 Ademar Macedo 
Natal/RN

4º. Lugar:

 Brasil, em teu peito encerras
 dois Chicos, dois baluartes...
 O Velho... a irrigar as terras!
 O Anísio... a encantar as Artes!
 Edmar Japiassú Maia 
Nova Friburgo/RJ

5º. Lugar:

 Chico Anísio, teu labor
 de alegria é tua glória!
 - Contar a história do humor
 é contar a tua história!
 José Valdez de Castro Mora
 Pindamonhangaba/SP

MENÇOES HONROSAS (6º ao 10º lugares):

6º. Lugar:

 A saudade desvairada,
 jamais apaga a alegria
 de cada cena engraçada
 que Chico Anísio fazia...
 Ivone Taglialegna Prado 
Belo Horizonte/MG

7º. Lugar:

 Foi o maior humorista...
 e toda gente acolheu...
 Chico Anísio foi o Artista
 que só pela arte viveu...
 Dari Pereira 
Maringá/PR

8º. Lugar:

 Livro da vida anuncia:
 “Chico Anísio – o professor-
 deixa página vazia
 na grande escola do humor!”
 Dodora Galinari 
Belo Horizonte/MG

9º. Lugar:

 Maranguape ficou triste...
 Chico Anísio se calou.
 A alegria só persiste
 nas lembranças que deixou.
 Abílio Kac 
Rio de Janeiro/RJ

10º. Lugar:

 Humor em alta voltagem:
 Chico Anísio foi portento,
 pondo em cada personagem
 um pouco do seu talento.
 Milton Souza 
Porto Alegre/RS

MENÇOES ESPECIAIS (11º ao 15º lugares):

11º. Lugar:

 O Chico, maranguapense,
 Anysio, das águas claras,
 é prata pura cearense
 da Serra dos Potiguaras!
 Débora Novaes de Castro 
São Paulo/SP

12º. Lugar:

 Chico Anísio nos deixou
 recusando mausoléu,
 porque Deus o convocou
 para brilhar lá no céu.
 Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho 
Juiz de Fora/MG

13º. Lugar:

 Chico Anísio fez sorrir,
 do doutor ao tabaréu...
 Deus mandou ele subir
 pra fazer graça no céu!
 Ademar Macedo 
Natal/RN

14º. Lugar:

 Chico Anísio já foi tantos:
 pintor, humorista e ator;...
 levou riso aos quatro cantos,
 com os encantos do humor.
 André Luís Soares. 
Guarapari/ES

15º. Lugar:

 Sou um feliz trovador:
 Chico Anísio, lá do espaço,
 envia as trovas de humor
 que todos pensam que eu faço...
 Ederson Cardoso de Lima 
Niterói/RJ

DESTAQUES (16º ao 20º lugares):

16º. Lugar:

 Chico Anísio, com certeza,
 expressando os dotes seus,
 afastou sempre a tristeza,
 fez sorrir o próprio Deus...
 Ivone Taglialegna Prado
 Belo Horizonte/MG

17º. Lugar:

 O Chico Anísio de Paula,
 nosso professor do riso,
 ensinava sempre em aula
 que sorrir era preciso.
 Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho 
Juiz de Fora/MG

18º. Lugar:

 Com personagens tão ricos,
 Anísio, esteta fecundo,
 povoou o mundo de "Chicos"
 e impôs ao mundo o seu mundo!
 José Ouverney 
Pindamonhangaba/SP

19º. Lugar:

 O Chico Anísio partiu,
 não restou sequer Fumaça.
 Nosso sorriso sumiu,
 o mundo perdeu a graça.
 Geraldo Trombin 
Americana/SP

20º. Lugar:

 Chico Anísio, talentoso,
 mostrou, deixando o cenário,
 que a vida nem sempre é gozo
 e paga um curto salário...
 Josafá Sobreira da Silva 
Rio de Janeiro/RJ


ÂMBITO ESTADUAL

TEMA: CHICO ANÍSIO

VENCEDORES (1º ao 5º lugares):

1º. Lugar:

 Chico Anysio foi chamado
 Para a Mansão cor de anil
 Ficou seu humor gravado
 No coração do Brasil!
 Ana Maria Nascimento 
Aracoiaba/CE

2º. Lugar:

 Chico Anísio foi pro céu,
 Após os labores seus,
 Receber mais um troféu
 Desta vez das mãos de Deus.
 Deusdedit Rocha 
Fortaleza/CE

3º. Lugar:

 Chico Anísio, em tua vida,
 o que me tocou mais fundo
 foi sempre a mão estendida
 para ajudar todo mundo!
 José Pereira de Albuquerque 
Fortaleza/CE

4º. Lugar:

 De tantos mil personagens
 Salomé, Gastão, Bozó...
 Chico Anísio, mil imagens,
 imagens de um Chico só!
 Francisco José Pessoa 
Fortaleza/CE

5º. Lugar:

 Por aqui sempre brilhou
 nasceu para distrair,
 Chico Anísio viajou
 para fazer Deus sorrir.
 Haroldo Lyra 
Fortaleza/CE

MENÇÕES HONROSAS (6º ao 10º lugares):

6º. Lugar:

 Sem se dar conta do estrago,
 a morte, num gesto bobo,
 levou Chico Anísio, o mago
 dos humoristas da Globo.
 José Pereira de Albuquerque 
Fortaleza/CE

7º. Lugar:

 De Chico Anísio as imagens
 nunca morrerão em mim;
 como esquecer personagens
 como Azambuja e Paim?!
 José Pereira de Albuquerque 
Fortaleza/CE

8º. Lugar:

 Chico Anysio, de verdade,
 Seguiu o Mestre Divino
 Na luta por igualdade
 Para o povo nordestino.
 Ana Maria Nascimento 
Aracoiaba/CE

9º. Lugar:

 Chico Anísio, a tua herança,
 deixada, a nós, por legado,
 em testamento: a bonança
 de um povo bem humorado!
 Nemésio Prata Crisóstomo 
Fortaleza/CE

10º. Lugar:

 Foi Chico Anísio cronista
 Também compôs, versejou...
 Porém foi como humorista
 Que a todo mundo encantou.
 Deusdedit Rocha 
Fortaleza/CE

MENÇÕES ESPECIAIS (11º ao 15º lugares):

11º. Lugar:

 Chico Anísio, de bom siso,
 partiu, da Terra, contente;
 por viver fazendo o riso
 viver na vida da gente!
 Nemésio Prata Crisóstomo 
Fortaleza/CE

12º. Lugar:

 Chico Anísio, imortal
 Incomparável talento
 De sua terra natal
 Nosso reconhecimento.
 Maria Ruth Bastos de Abreu Brandão 
Maranguape

13º. Lugar:

 Simplesmente genial
 Chico Anísio foi assim
 humorista sem igual
 do começo até o fim.
 João Osvaldo Soares (Vaval) 
Maranguape/CE

14º. Lugar:

 Chico Anísio mourejou
 gaiato a nos divertir,
 mas um dia extrapolou:
 quase nos mata de rir.
 Haroldo Lyra 
Fortaleza/CE

15º. Lugar:

 Chico Anísio não morreu
 o bom artista não morre
 Em que lugar se escondeu?
 Volta logo, Chico, corre.
 Raimundo Rodrigues de Araújo 
Maranguape/CE

DESTAQUES (16º ao 20º lugares):

16º. Lugar:

 A serra abraçou o artista
 O pó voando no Céu
 Chico Anísio, um humorista
 Sem túmulo, só troféu.
 Sonia Nogueira 
Fortaleza/CE.

17º. Lugar:

 Culto, amigo e lutador
 Amante da sua terra
 Chico Anísio com humor
 A sua carreira encerra.
 Artemiza Correia 
Ocara/CE.

18º. Lugar:

 Já nasceste coroado
 Com diadema do humor
 Foste Rei, palhaço amado,
 Chico Anísio tens valor!
 Cléa Campelo 
Pentecoste/CE

19º. Lugar:

 Foi Chico Anísio o primeiro,
 No humor, o genial,
 Seu talento verdadeiro
 Será sempre, sem igual
 Luiz Carlos de Abreu Brandão 
Maranguape/CE

20º. Lugar:

 O Chico Anísio estimável
 Extravasando o humor
 Foi grande alma sociável
 Graceja seja onde for.
 Maria Luciene da Silva 
Fortaleza/CE

Fonte:
UBT-Maranguape – Moreira Lopes

Lino Mendes (CONVERSA com a Escritora Dulce Rodrigues)


Mas quem  é DULCE RODRIGUES?

 Dulce Rodrigues é uma escritora portuguesa que vive um pouco por toda a Europa. Gosta de jardinagem, fotografia, arte, música, animais e livros – tanto os dos outros como os que ela própria escreve, especialmente os que escreve para crianças e jovens… de todas as idades. É uma apaixonada por História e por viagens e adora os seus dois filhos. Leia excertos dos seus livros, os textos das suas conferências, os seus artigos sobre plantas medicinais, lendas e tudo o mais que encontrar no seu sítio web – www.dulcerodrigues.info – e sinta-se à vontade em lhe dizer o que pensa… sobre tudo ou quase tudo

Mas as suas respostas nesta nossa “conversa “complementam”, e de que maneira, esta curta apresentação

1) A doutora dedica uma especial atenção à literatura para a infância, sem ignorar o género teatral.  Alguma razão para a preferência?

Efectivamente, há várias razões para a minha preferência pelo género teatral. Como menciono na página teatro do meu sítio www.dulcerodrigues.info, um texto de teatro (ou guião) pode ser usado como fonte de leitura na sala de aula ou em actividades depois das aulas. As crianças nem sequer têm necessidade de memorizar os textos, mas simplesmente de os ler, e este género de actividade dispensa mesmo o palco. O espaço da sala de aula chega para o efeito, pois o objectivo principal é a leitura do texto, se possível acompanhada de expressão verbal e corporar, coisas que os jovens normalmente adoram fazer. 

Por outro lado, os textos de teatro são sempre numa linguagem mais fácil, porque são diálogos, um discurso de todos os dias. A minha experiência mostrou-me, assim, que crianças e jovens pouco interessados pelos livros ou que sentem por vezes dificuldades na leitura ganham confiança e gosto em ler à medida que começam a poder gerir textos de teatro (guiões) de dificuldade média.

A finalidade da leitura é transmitir ao leitor conhecimentos sobre assuntos variados, sobre outras gentes e outras culturas e fazê-lo, tanto quanto possível, de uma maneira lúdica e num discurso acessível, e uma peça de teatro reune geralmente esses ingredientes. 

2) O que deve  caracterizar  a literatura infanto-juvenil?

O livro – seja ele infanto-juvenil ou para um público mais crescido – não é um objecto decorativo para pôr na prateleira. A sua apresentação gráfica é importante, mas é sobretudo o seu conteúdo literário que nos deve interessar. É no conteúdo literário que reside o valor intrínseco de um livro. Uma estória para crianças deve ter um discurso autêntico e espontâneo e desenvolver um laço afectivo entre o leitor, as personagens e o autor. A estória de um livro infantil tem de despertar a imaginação dos leitores a que se destina. É preciso que as crianças se identifiquem com as personagens, os seus defeitos, virtudes, desgostos e desejos. Mas, tudo isto, contando uma estória. 

É neste aspecto que, por exemplo, os contos tradicionais e os contos de fadas têm tanto interesse para as crianças e foram adaptados ao cinema, primeiramente por Walt Disney, por outros realizadores mais tarde. Continuam e continuarão a ser actuais – embora com algumas evoluções a nível de certos usos e costumes morais e sociais. Contam estórias que são universais e que agradam a todas as crianças, quer elas tenham vivido no século XVIII ou vivam agora no século XX; quer elas vivam na Europa ou em África. 

Na literatura infanto-juvenil, todavia, devemos considerar em primeiro lugar a idade dos leitores para que escrevemos. Se o livro se destina a crianças com idades entre os dois e os quatro/cincos anos, o indicado são livros de imagens onde o texto é reduzido a algumas frases que contam a estória. Para leitores entre os cinco/seis e os dez/onze, o texto deve ser mais extenso,mas também é recomendado que leve ilustrações. Aqui, faço a distinção entre um livro de imagens e um livro com ilustrações, pois não são a mesma coisa. Tratando-se de literatura juvenil, portanto para um público já adolescente, no meu ponto de vista o livro pode conter somente texto. Contudo, não esqueçamos que mesmo alguma literatura, em princípio dirigida aos adultos, também contém por vezes ilustrações.

No caso particular de peças de teatro, a ilustração pode ser inexistente ou reduzida a um mínimo. Contudo, considero que uma peça de teatro infantil pode muito bem incluir ilustrações se assim o entendermos. Afinal, trata-se igualmente de literatura jovem, por vezes até mais acessível a quem ainda não domina muito bem a leitura, visto que a escrita em diálogo que caracteriza uma obra literária de teatro é muito mais acessível do que qualquer outro texto de ficção. Aliás, tenciono ilustrar uma ou mais das minhas peças de teatro infantis, e o livro Le Théâtre des Animaux levou também algumas ilustrações.

Por outro lado, a escrita é também uma forma de arte, e a arte deleita. A literatura infantil – embora um utensílio através do qual a criança descobre novos mundos e desperta para novas sensações, isto é que tem um fundo moral,  pedagógico e didáctico –- não pode de modo algum esquecer a componente lúdica, a criatividade, a imaginação. Excluo a fantasia, pelo efeito nefasto que ela exerce no desenvolvimento intelectual do indivíduo, conduzindo-o a uma alienação da realidade. Na nossa sociedade ocidental actual, os jovens parecem viver desde há algumas décadas num mundo fantasista, alheados das realidades da vida, num mundo cada vez mais virtual, no plano tecnológico como humano. Penso que a literatura do fim do século passado e início do presente tem contribuído, de certo modo, para essa alienação.

3) O que devemos considerar  como literatura portuguesa?

Na minha modesta opinião, acho que hoje em dia na Europa – e até mesmo de um modo geral no mundo, com excepção ainda de alguns países – já  não existe propriamente uma literatura portuguesa ou luxemburquesa, francesa... Vivemos numa época em que as pessoas se movem cada vez mais de um lado para o outro e conhecem novas ideias e culturas. Quer nos agrade ou não, a globalização existe e reflecte-se em todos os domínios culturais. O que é preciso é que continuemos a ser nós próprios, impregnando-nos do ambiente que nos rodeia mas sem, todavia, nos deixarmos contaminar por ele. Assim, a obra de cada um será única e universal ao mesmo tempo. 

4)  Conhece e escreve para vários países. Há grandes diferenças nos projectos educativos?

Infelizmente, sim. Enquanto em Portugal reduzimos os orçamentos para a Educação e o Ensino (além dos da Saúde), em países com a França o orçamento da Educação nacional é o maior de todos os orçamentos do governo! Um povo ignorante é muito mais fácil de manipular do que um povo culto. Aliás, a Educação e a Cultura  têm sido desde sempre duas órfãzinhas no nosso país. 

Deixando de lado a “complicada” história do Ministério da Educação, que até 1976 geria igualmente a Cultura, não esqueçamos que esta última tem tido ainda uma vida mais atribulada e efémera do que a Educação, ora pertencendo a uma Secretaria de Estado, ora sendo elevada a uma categoria superior digna de um Ministério da Cultura. Estamos de novo com a Cultura entregue a uma Secretaria de Estado. A título informativo, por exemplo, data de 1959 o Ministério da Cultura em França, sem nunca ter sofrido nenhuma descida de estatuto. 

A própria palavra “cultura” parece ser algo de que muitos Portugueses fogem como o Diabo foge da cruz. “Cultura” em Portugal, só a do futebol, das telenovelas e dos programas débeis como o do “Gordo” e semelhantes e, como se já não chegasse, temos agora ainda um tal de “Café Central”. Sem falar nas touradas, de que alguns “aficionados” (empresas e membros da família) receberam em 2011 subsídios no valor de 9.823.004,34 (nove milhões, oitocentos e vinte e três mil e quatro euros e trinta e quatro cêntimos)!! Depois não há dinheiro para a Educação, a Cultura e a Saúde!

Claro que este estado “cultural” se reflecte em tudo o resto, incluindo o nível do ensino. Todos sabemos que os sábios desejam rodear-se sempre de outros sábios. Mas que  os medíocres  se rodeiam de outros ainda mais medíocres, pois é a única maneira da sua mediocridade não dar muito nas vistas. Assim, mesmo que queiramos fazer alguma coisa a nível pessoal, porque sabemos que não podemos contar com as instituições e entidades oficiais para isso, deparam-nos com um muro impossível ou difícil de transpor. Somos um povo muito bairrista e, se não tivermos uns “conhecimentos” que nos arranjem uma “cunha”, só por milagre poderemos concretizar alguma coisa. Só a título de curiosidade, nas poucas ocasiões em que contactei alguma entidade governamental – nomeadamente o Ministério da Educação em 2002, 2003 e, mais recentemente, de novo em 2012, com propostas de projectos pedagógicos, nem resposta recebi. 

Quando, regularmente, envio para um jornal qualquer português ou para um programa televisivo, supostamente cultural, uma carta ou mensagem, a carta fica sempre sem resposta e a mensagem é eliminada sem ter sido lida. Isto sucede sistematicamente também com as bibliotecas! Não devo, possivelmente, ser uma escritora com suficiente estatuto para que, ao menos as bibliotecas se dignem ler as minhas mensagens. 

Em contrapartida, como sabe, continuo a receber com regularidade convites de países estrangeiros. O último veio de França, nomeadamente de Oloron, onde tinha estado em 2009 para dar uma conferência na Câmara Municipal sobre o nosso grande poeta Camões (entre outras actividades), e nessa altura conheci os Franceses que me convidaram agora para o Salão do Livro Sem Fonteiras e visita a duas escolas da região. Em 2002, A Education nationale (nome do Ministério de Educação de França) realizou um projecto-piloto e um dos livros escolhidos e trabalhados em quatro escolas da região de Longwy (perto da fronteira com a Bélgica) foi o meu primeiro livro infantil L’Aventure de Barry. No seguimento desse trabalho sobre o livro, alguns alunos sentiram-se inspirados pelas estórias e escreveram maravilhosos poemas, para grande surpresa de professores, que nunca tinham visto nada semelhante acontecer antes, e para grande prazer meu, como é óbvio.   

Dos países com quem tive o prazer e honra de colaborar, considero que a Alemanha, a França e, de certo modo o Luxemburgo são os que mais se investem a nível educacional e cultural. Enquanto isto, Portugal torna-se cada vez mais pobre, porque a riqueza de um povo está no nível do seu ensino, da sua educação, da sua cultura.

5) Como situa Portugal neste campo e no contexto internacional? Aliás, como é a criança portuguesa em relação às outras?

Relativamente a Portugal, o ponto anterior responde a essa pergunta. Quanto à criança portuguesa, ela não fica de modo algum atrás das crianças dos outros países; é tão interessada e com as mesmas capacidades intelectuais que qualquer outra criança. O que a pode “castrar” é o meio em que vive. E nesse aspecto as nossas crianças estão em devantagem, o que é lamentavelmente injusto, porque a aprendizagem para aquilo que vamos ser mais tarde, quando adultos, joga-se precisamente nos primeiros anos. Neste aspecto, refiro-me também ao meio familiar, não somente à escola, pois é no seio da família que se dão os primeiros passos. Os níveis educacional e cultural da maioria das famílias portuguesas não são dos mais elevados, e o interesse pela aprendizagem, o conhecimento, numa palavra os interesses culturais, são muito baixos.  
    
6) Qual a sua posição face ao novo acordo ortográfico? Concorda que nos nossos jornais de referência se escreve por vezes muto mal, em especial na construção das frases?

De um modo geral, os Portugueses falam e escrevem muito mal o português, e os jornalistas (mesmo alguns que são igualmente escritores) não são excepção, contribuindo até para que haja uma degradação cada vez maior da língua portuguesa.

Quanto ao “aborto” do acordo ortográfico, dentro de alguns dias tenciono tornar pública a carta que vou enviar ao Parlamento sobre o assunto. Nessa altura; envio-lha para que a publique também, se quiser. Como já deve ter deduzido pelas minhas palavras, sou completamente contra. Foram pressões, especialmente de grandes editoras (algumas brasileiras, aliás) que estão por detrás deste acordo. E como os Portugueses, especialmente aqueles que nos têm governado ultimamente, têm um baixo perfil e se humilham perante qualquer estrangeiro, foi este o resultado...

De todos os países de língua portuguesa, o Brasil é exactamente aquele em que se fala pior e onde a língua portuguesa é mais estropiada. O que se fala no Brasil é já um dialecto português não A língua portuguesa, e por mais acordos que possa haver, mais tarde ou mais cedo seremos obrigados a considerar duas linguagens separadas – mas, entretanto, a língua degradou-se também em Portugal. Fala-se tão mal português no Brasil que as pessoas com mais educação e instrução, como professores universitários, por exemplo, dizem ter de falar e escrever mal, pois de outro modo a maioria dos Brasileiros não os percebe!  Basta falarmos com Brasileiros para nos apercebermos que eles têm dificuldade em nos compreender e que falam uma linguagem que já se distanciou da língua portuguesa, uma das línguas literárias mais antigas da Europa e que está em risco de se tornar um dialecto a curto ou médio prazo se não a salvarmos. 

Aliás, não penso que seja por acaso que a procura do ensino da língua portuguesa tenha descido 26% no estrangeiro. As pessoas aperceberam-se já dessa degradação e perderam interesse em aprendê-la.

Se já o anterior acordo ortográfico (que, curiosamente, os Brasileiros não assinaram...) não devia ter sido posto em prática – e nem sequer devia ter sido pensado – este ainda menos. Ainda o podemos recusar e, de qualquer modo, há uma maneira democraticamente cidadã de o boicoitar: não comprar livro nenhum que seja escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico. Em momento de crise, esta medida terá ainda a vantagem de se poderem adquirir livros mais baratos, em segunda-mão; e não deve ser difícil encontrá-los. Pessoalmente é o que tenciono fazer. E, claro, muito menos devemos escrever ao abrigo do acordo. Excepto as “pobres criancinhas” que serão obrigadas a (des)aprender a língua na escola. 

É fácil eliminar do computador o corrector de português. Aliás, quanto mais as pessoas se habituarem a deixar que as máquinas substituam as suas faculdades mentais, mais vão perdendo capacidades. Um dia, quando precisarem de escrever alguma coisa sem recorrerem ao corrector, não saberão como se escreve. E assim, a língua portuguesa ainda se vai degradando mais. A perda de faculdades, por causa do uso de “máquinas” que substituem o esforço de pensar, é um dos grandes problemas com que vão defrontar-se as gerações mais novas e as futuras, que possivelmente já por volta dos 50 anos sofrerão da doença de Alzheimer e outras do género. Poderemos discutir deste assunto numa outra ocasião.

Quanto aos livros que escrevo, com a evolução que o mercado editorial tem sofrido, em que é possível publicar um livro em qualquer língua em qualquer país, não publicarei certamente em Portugal se me exigirem que seja escrito ao abrigo do novo acordo. O livro infantil que publiquei recentemente em Portugal – Era uma Vez uma Casa – não foi escrito ao abrigo do novo acordo. 
   
7) Projectos para o futuro?

Tenciono continuar a trilhar os mesmos ”caminhos” que até agora:  publicação de livros infanto-juvenis em várias línguas (incluindo peças de teatro, claro) e actividades lúdico-pedagógicas, por um lado; por outro, conferências e fóruns, participação em salões do livro, publicação de livros também para um público adulto. 

Fui contactada há dias por um editor em Paris que disse ter-me conhecido durante o Salão do Livro de Paris de 2011 -- em que participei a convite do editor do meu livro bilingue O Pai Natal está constipado. É possível que se verifique uma colaboração a curto ou médio prazo. Ele disse-me ter adorado o meu livro Il était une fois une Maison, uma estória que recebeu um prémio literário em França em 2004 e que é, na realidade,  a versão original de Era uma Vez uma Casa, o livro recentemente publicado em Portugal. 

Projectos não me faltam, o que me falta é o tempo para poder realizá-los todos, pois já não sou nova...

8) Uma mensagem e tudo o que mais entender

Teria imensas mensagens que gostaria de enviar a todos os Portugueses que lerem esta entrevista. Mas vou tentar condensá-las numa pequena frase que me tem acompanhado ao longo da vida : “Desejo que cada um de nós  procure ver o mundo através do olhar da criança que todos já fomos, e que continua sempre no fundo de nós mesmos. Só uma alma de criança nos fará aproveitar em harmonia e felicidade tudo o que a Vida tem para nos oferecer.”

Fonte:
Colaboração de Lino Mendes

José de Alencar (Ao Correr da Pena) 31 de dezembro de 1854: Conto Fantástico


Antes de tudo, preciso contar-vos um caso singular que me sucedeu há dois dias.

Tinha acabado de ler os contos de Hoffman, sentei-me à mesa, cortei as minhas tiras de papel, e ia principiar o meu artigo, quando chegou-me uma visita inesperada.

Se algum dia fordes jornalista, haveis de compreender como é importuno o homem que vem distrair-vos, justamente no momento em que a primeira idéia, ainda em estado de embrião começa a formar-se no pensamento e quando a pena impaciente espera o primeiro sinal para lançar-se sobre o papel.

Haveis de ver que não há nada neste mundo que se lhe compare; nem mesmo o sujeito que vem interromper-vos precisamente na ocasião em que ides fazer uma declaração de amor, ou o maçante que vos agarra e vos faz perder a hora do ônibus ou da barca.

Por isso, podeis imaginar com que mau humor, e com que terrível disposição de espírito, me prepararei para receber a tal visita, que escolhera uma hora tão imprópria, a menos que não fosse uma mulher bonita, para quem estou persuadido que não se inventaram os relógios.

A porta abriu-se; e entrou-me um homem já idoso, vestido em trajes de pretendente, de calça, casaca e colete preto. Havia naquele carão um não sei que, um certo ar de ministro demitido, de deputado que não foi reeleito, ou de diplomata em disponibilidade.

Trazia debaixo do braço um maço enorme de jornais, de planos de estrada de ferro, de projetos de navegação fluvial e de regulamentos e leis brasileiras. Quando dei com aquela papelada, fiquei horrorizado e com a idéia de que o sujeito se lembrasse de a desenrolar.

Enfim o homem chegou-se, fez as duas cortesias do estilo, temperou a garganta, e dirigiu-me a palavra.

- É ao Sr. Al. que tenho a honra de falar?

- Um se criado.

- Pois, senhor, eu sou o Ano de 1854.

- O quê?

- Eu sou o Ano de 1854.

Desta vez não havia que duvidar; tinha ouvido bem. O tal homem dos papéis ou era um hóspede que se tinha escapado do Hospício de Pedro II, ou então queria caçoar comigo. Em qualquer dos casos, não ganhava nada com zangar-me; por conseguinte, tomei o bom partido de aceitar a minha visita por aquilo que ela se anunciava.

- Muito bem, senhor; respondi-lhe eu, queria ter a bondade de sentar-se, e dizer-me o que me dá a subida honra de ser visitado pelo Ano de 1854.

- O senhor não ignora que estou breve a concluir a minha carreira política, e a retirar-me de uma vez dos negócios.

- Não, senhor, não ignoro: depois de amanhã, creio que é dia de São Silvestre, dia em que todos os membros de sua família costumam abdicar.

- É verdade, replicou-me o sujeito com um suspiro; depois de amanhã terei cessado de reinar!

- Mas creio que não foi para me dar esta grande novidade que tomou o incômodo de procurar-me?

- Decerto: o que me trouxe aqui foi especialmente pedir-lhe a sua benevolência.

- Como; a minha benevolência?

- Pois o senhor não é folhetinista?

- Tenho esta honra. 

- Ora, os folhetinistas costumam sempre fazer a despedida ao ano que finda, e emitir o seu juízo a respeito dos seus atos.

- Não me lembrava dessa! Assim...

- Vinha suplicar-lhe toda a indulgência para comigo, visto a boa vontade que sempre manifestei de bem servir, não só a este país, como a toda a humanidade.

- Meu amigo, a boa vontade só não basta. Os homens estão hoje muito positivos; exigem fatos.

- Passo a apresentá-los.

- Então vamos a isso: espere, deixe-me preparar o papel para tomar meus apontamentos. Agora estou às suas ordens.

- Em primeiro lugar, senhor, mencionarei a estrada de Mauá, o primeiro caminho de ferro que se construiu no Brasil. Isto é uma glória que ninguém me pode roubar; um fato pelo qual a posteridade  me abençoará.

- Concordo, sim, senhor; mas que contas me dá das promessas brilhantes da estrada de ferro do Vale do Paraíba, que já se devia estar construindo?

- A culpa não é minha; foi herança que recebi e negócio que já vinha um pouco transtornado. Entretanto, eu organizei a companhia do Juazeiro, e dei começo aos seus primeiros trabalhos.

- Bem, escrevo cá nos meus apontamentos as estradas de ferro; passemos ao mais.

- O senhor lembra-se que fui eu que primeiro empreguei toda a solicitude no asseio e limpeza da cidade...

- Basta, basta!... Por aí advirto-lhe que vai mal. A respeito de limpeza e de asseio da cidade, temos contas a ajustar; o senhor comprometeu-me horrivelmente.

- Eu, senhor! Não é possível!

- Escute-me; quando o senhor começou com as suas azáfamas de asseio das ruas, de regulamentos, etc., eu julguei que o negócio era sério, fiz-lhe o meu elogio, e defendi-o contra aqueles que o atacaram; mas hoje vejo que tudo aquilo quase que não passou de palavras, e que as ruas continuam a ser charcos de lama.

- Mas, senhor...

- Tenha paciência, deixe-me acabar. Há aí uma pretendida rega, que o senhor pôs em voga, e que só serve de enlamear os passeios todas as tardes: ao meio-dia tudo está seco; quando ameaça chover, aí temos as carrocinhas a refrescarem as ruas, provavelmente para que a chuva não as constipe.

- Já vejo que neste ponto o senhor está prevenido contra mim.

- Prevenido, não. O senhor caçoou completamente conosco; não tem desculpas.

- Bem, não insisto mais sobre isso; mas creio que não me poderá negar a iluminação a gás.

- Ah! a iluminação a gás! Não estou bem certo, mas tenho uma lembrança vaga de que já é idéia do 53. Entretanto concedo que seja sua. Como se defende o senhor contra as acusações que se lhe têm feito de nos ter roubado o encanto dos belos  luares, e de haver privado os namorados daquelas noites escuras tão favoráveis a uma conversinha de rótula, ou a um passeio de Rua do Ouvidor?

- Ora, senhor, esses homens não sabem o que dizem: todo o namorado, toda a mocinha – é coisa sabida – precisa de um pouco de gás. Quanto à lua, é já tão antiga que era bem tempo de acabar com ela. Entretanto esses ingratos, que falam de tudo, não se lembram que lhes fiz um grande benefício, livrando-os da lua.

- E esses eclipses não anunciados na folhinha, a má qualidade do gás, o preço exorbitante dos combustores, o cálculo excessivo da quantidade consumida! Como se defende desta e outras censuras graves que lhe têm feito os jornais?

- A falar a verdade, eu carreguei um pouco a mão; mas, além de outras razões, era preciso não desacreditar o gás, vendendo-o muito barato logo em começo.

- Bela teoria! Mas, como eu não possuo ações da companhia do gás, há de permitir que tome uma nota nos meus apontamentos: “iluminação à gás, ainda não satisfatória e muito cara”.

- Porém...

- É negócio decidido: que mais temos?

- A Rua do Cano.

- Isto é, o projeto da Rua do Cano.

- Eu não tenho culpa que o tempo não me chegasse para leva-lo a efeito.

- Mas tem culpa de haver demorado perto de quatro meses a incorporação da companhia; durante este tempo, se o senhor não se andasse divertido com questões de prerrogativas municipais, podia ter ao menos dado começo àquela obra importante.

- De maneira que o senhor não me concede nem a Rua do Cano?

- Concedo-lhe o projeto, e nada mais: a idéia creio que foi de 53.

- Pois bem, passemos agora a uma outra ordem de coisas. Fui eu que iniciei na Câmara dos Deputados diversos projetos importantes; que efetuei a reforma da instrução pública e reorganizei a Academia das Belas-Artes. Parece-me que esses fatos são títulos à estima pública.

- Certamente, sou o primeiro a confessar; é verdade que eu tenho minhas dúvidas sobre alguns desses melhoramentos; mas isto são coisas que eu tratarei de deslindar com o seu sucessor, que amanhã deve-se mandar o seu bilhete de faire part.

- É preciso não esquecer as condecorações do dia dois...

- O quê? O senhor toma-me por algum oficial da secretaria do Império?

- Como! O senhor mesmo já não me elogiou por ter tido a idéia deste fato?

- Está enganado; elogiei-o  por ter cumprido o legado dos cinco anos passados; e, de mais, isto é uma coisa que pode dar glória a um dia como o 2 de dezembro, mas nunca a um ano como o senhor.

- Finalmente esta cidade não pode deixar de agradecer-me o não ter querido imitar aquele  malvado 1850.

- Parece sepultis, meu caro.

- Perdão, senhor: não quero falar mal de ninguém; mas, à vista daquele ano, acho que se deve levar-me em conta a ausência da febre amarela e de outra qualquer epidemia.

- Ora, é boa! Nisso não fez o senhor mais do que cumprir o seu dever.

- Entretanto...

- Espere... espere... lembra-me agora; e aquele grande medo que o senhor nos meteu com o cólera!

- Ora, senhor! Retorquiu-me o sujeito com um risozinho malicioso!

- Explique-se.

- Aqui em segredo; aquilo foi um negócio com os médicos.

- Não se zangue, senhor; lembre-se do que eu fiz pelos advogados com a questão das sociedades comanditárias; do que fiz pelos jornalistas, à quem presenteei com uma boa quantidade de pufs; lembre-se, finalmente, que esse mesmo receio do cólera deu-lhe matéria para um folhetim em ocasião em que o senhor estava bem apertado.

- Bem; o dito por não dito. A respeito da salubridade pública pode ficar descansado.

- Agradeço infinitamente a V. S.

- Não se apresse tanto; talvez no fim tenha muito que agradecer-me. Até aqui tem o senhor alegado os seus direitos; agora há de permitir-me que capitule as minhas queixas. Trate, portanto, de defender-se, bem.

- Farei o que puder.

Havia algum tempo que me parecia que o tal sujeito ia emagrecendo de uma maneira espantosa, e tornando-se delgado como um varapau; mas, como era alta a noite, atribuí isto à alucinação da vista, efeito talvez da fadiga e dos raios amortecidos da luz, que mal esclarecia o vasto aposento. Não fiz, portanto, muito caso disto, e tratei de continuar a minha singular conversação.

- Meu caro senhor, sinto dizer-lhe que o senhor, embora me desse alguns momentos de prazer, contudo fez-me muitos males, e um principalmente que eu não lhe posso por maneira alguma perdoar.

- Qual, senhor?

- O ter-me feito mais velho um ano.

O homem ficou fulminado. Eu continuei:

- Roubou-me uma boa parte daquelas ilusões dos primeiros anos da mocidade; desfolhou-me algumas dessas flores que nascem nos seios d’alma, orvalhadas com as primeiras lágrimas do coração, e que perfumam os sonhos mais belos desta vida.

Cada dia, cada hora, cada momento que passa, rouba-nos um pouco dessa poesia sublime, que embeleza os nossos prazeres e consola as nossas dores. Lá vem tempo em que a alma perde as suas asas de ouro, asas que Deus lhe deu para voar ao céu.

O que há neste mundo que valha os nossos sonhos cor-de-rosa, as nossas noites de plácida contemplação, os idílios suaves de nossa imaginação a conversar com alguma estrela solitária que brilha no céu, semelhante a essas amizades santas.

Qui se cachent parfois em nos heures d’azur,
Et reviennent à nous em entendant nos plaintes?

Quando todas essas flores murcham, que resta para encher o vácuo que fica em nossa alma? Nada: o tempo foge rapidamente, e apenas deixa uma ruga na face, alguns cabelos brancos na cabeça, e um número de mais à soma dos nossos dias.

- Não, Com os anos aí vem os pensamentos sérios, as grandes coisas, a glória, a ambição, a política, as honras, os estudos graves. Confesse que isto vale mais do que todas estas frivolidades que preocupam o espírito da mocidade, e com as quais se gasta o tempo inutilmente.

Chama a isso frivolidades? O que é então que há neste mundo de sério e de real? A glória, porventura? É interessante; trata-se de bagatela o amor, as verdadeiras afeições, as mais belas expansões de nossa alma, zomba-se do homem que segue por toda parte em vestidinho de uma certa cor, que se mataria por um sorriso, e que guardaria preciosamente uma flor murcha que caísse de um buquê.

Entretanto vós, homem sério e grave, que calculas refletidamente, que do alto da vossa importância lançais um olhar de desprezo para essas futilidades do mundo, que fazeis vós?

Sacrificais a vida, a preguiça, o prazer, como diz Alfonse Karr, para um dia atar à gola da casaca uma fita de uma certa cor. Enquanto nós suplicamos um sorriso de uma bela mulher, vós daríeis um dedo da mão pelo sorriso do ministro ou do conselheiro de Estado.

Desprezais a moda; é uma coisa ridícula, mas sonhais noite e dia com a farda bordada. Se nós esquecemos tudo para, em um momento de expansão, colher numa linda boquinha rosada duas palavras que nos abrem o céu, vós renegais os amigos, prostituís a consciência unicamente para ter o prazer de ouvir (qu glória!) um passante dizer-vos – Sr.Barão.

Oh! se tudo é ilusão e quimera neste mundo, meu Deus, deixai-me os lindos sonhos da mocidade, deixai-me as visões poéticas de meus vinte anos, as minhas horas de cismar, deixai-me todas estas futilidades, e reservai para outros as coisas sérias, calmas e refletidas. Mas isto é um vão desejo. Daqui mais a alguns anos tudo terá passado, e também entraremos, como os outros, na luta dos homens graves e sisudos, e, como eles, lançaremos um olhar de desdém para essas páginas douradas da nossa vida. Apenas, nas horas da solidão, nos virá encantar a doce recordação desses belos dias em que tínhamos, como diz Lamartine:

     Um flot calme, um vent dans as voile;
     Toujours sur as tête une étoile,
      Une espérance devant lui.

Não sei se dizia, ou se unicamente pensava todas estas coisas. Tinha-me esquecido do meu hóspede.

Deu meia-noite. Senti um estalar de juntas. Voltei os olhos para o sujeito. À última pancada do relógio, um outro homem se destacou do primeiro e desapareceu.

Obstupui, steteruntque comae, et vox faucibus hoesit. Fiquei pasmo. Decididamente passava-se naquele momento alguma coisa de fantástico e de sobrenatural.

Entretanto o sujeito, calmo, mas repentinamente emagrecido, olhava-me  com um semblante tranqüilo, um pouco melancólico.Compreendeu o meu espanto, e respondeu à pergunta muda que lhe fazia o meu olhar espantado:

- É o dia 29 que acabou, e que se foi embora. Só me restam agora dois dias de vida.

Esta resposta ainda mais me atordoou. Mas afinal, como o meu companheiro esperava pacientemente a continuação da conversa, tomei uma resolução; acendi o meu charuto na vela que estava quase a apagar-se, e fui por diante, disposto a não me admirar de mais coisa alguma.

Palestramos muito tempo. Dissertamos sobre a guerra do Oriente, sobre a Europa, e mais largamente sobre os futuros destinos do Brasil. Contou-me algumas crônicas escandalosas, que presenciou, referiu-me muita anedota engraçada e muita história galante.

Viemos a falar do teatro; e ele confessou-me francamente que, a princípio, tentou deita-lo a baixo com o negócio das tesouras, e mesmo com algumas chuvas e  com a grande ventania do mês passado. Que infelizmente não o conseguiu; e por isso assentou de torna-lo a coisa mais ruim e a mais desenxabida, para ver se assim se resolvem cuidar da ópera lírica, e a construir um edifício digno desta corte.

Por fim, já pela madrugada, comecei a fechar os olhos insensivelmente, e não sei o que mais se passou.

Agora, meu leitor, se vos destes ao trabalho de ler o que ai ficou escrito, talvez desejeis saber a explicação disto. É muito simples. Tinha, como vos disse, acabado de ler alguns contos de Hoffman. Suponde que, como eu, folheais uma daquelas páginas, e segui a regra da antiga sabedoria – Nihil admirari.

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.

Ana Maria Machado (Lenda grega recontada: A Tapeçaria de Aracne)


Há muito, muito tempo, na Grécia Antiga, contavam que Palas, a deusa da sabedoria (que mais tarde os romanos chamariam de Minerva), ensinava todos os segredos de fiação e tecelagem a uma moça chamada Aracne. 

Aracne era de origem humilde, mas se tornou tão habilidosa com fios e tramas que até as ninfas dos bosques e dos rios vinham vê-la trabalhar. Não só porque os tecidos que fazia eram incomparáveis, mas até porque a graça de seus movimentos tinha a beleza de uma arte, desde que puxava os chumaços de lã ou cânhamo até quando fazia novelos e meadas. E, principalmente, depois, quando a linha macia e longa se convertia em belos panos num tear ou era ricamente bordada em desenhos divinos. Divinos, sim. Pois todos os que viam o trabalho de Aracne logo concluíam que ela aprendera seu ofício com Palas, e cobriam a deusa de louvores.

Ora, quanto mais atenção atraía, mais Aracne se ofendia com os elogios a Palas e negava qualquer mérito à deusa. Até que certo dia acabou exclamando:

Sou muito melhor tecelã que Palas! Se ela viesse competir comigo, todos iam ver isso. E, se me vencesse, poderia fazer comigo o que quisesse. 

Antes de aceitar o desafio, a deusa se disfarçou e veio visitar Aracne sob a forma de uma velha, aconselhando-a a respeitar a experiência e a sabedoria dos anciãos e a reconhecer a superioridade dos deuses.

— Se você se arrepender de suas palavras e pedir perdão, tenho certeza de que Palas a perdoará — disse.

— Você está é de miolo mole, sua velha. Quer dar conselho? Vá procurar suas netas... Eu me defendo sozinha. Palas tem medo de mim. Se não tivesse, já teria vindo me enterrar.

A velha deixou cair o disfarce e se revelou em todo o seu esplendor:

— Pois Palas veio, sua tonta!

As ninfas e todas as mulheres se prostraram diante da deusa, mas Aracne manteve seu desafio. 

Sem perder tempo, cada uma das duas foi para um canto do enorme salão, com seus novelos, meadas, fios e seu tear. 

Durante muito tempo, uma belíssima tapeçaria foi surgindo em cada tear. Palas fez questão de ilustrar em seu bordado todas as histórias de mortais que tinham desafiado os deuses e os terríveis preços que tiveram de pagar por isso. Aracne, por outro lado, mostrou em sua tapeçaria os inúmeros crimes que os deuses já tinham cometido, recriados com exatidão e minúcia de detalhes. Cada uma, ao final, rematou seu trabalho com uma preciosa moldura tecida.

Ninguém se surpreendeu com a perfeição da obra de Palas. Mas quem ficou surpresa foi a deusa, pois, por mais que procurasse o mínimo defeito na obra de Aracne, não conseguiu encontrar uma única falha. Com raiva, bateu várias vezes com seu bastão na testa da tecelã. 

Não suportando a dor, Aracne passou um fio no pescoço para se enforcar. Mas Palas teve pena e a segurou, suspensa no ar, dizendo:

— Você tem má índole e é vaidosa, mas tenho que respeitar sua arte. Não admito que morra. Porém, você e seus descendentes viverão sempre assim, suspensos o tempo todo.

E, ao partir, borrifou-lhe uma poção que fez o cabelo da moça cair, a cabeça e o corpo encolherem, os dedos crescerem, e a transformou para sempre numa aranha, condenada a fabricar fio e teia até o final dos tempos. Sempre com perfeição incomparável. 

Fonte:
Revista Nova Escola