quinta-feira, 14 de novembro de 2024

José Feldman (Pafúncio e a Terapia Desastrosa)


Era um dia nebuloso quando Pafúncio, o jornalista da revista “Fuxico & Fofocas”, recebeu um telefonema inesperado de seu editor. 

“Pafúncio, preciso te dizer uma coisa. Você tem se metido em muitas confusões e, talvez, uma terapia possa ajudar.”

Pafúncio, que estava em sua mesa tentando descobrir como fazer uma reportagem sobre o novo café da moda, apenas respondeu: 

“Terapia? Mas eu só preciso de um bom café e um pouco de chocolate!” 

O editor insistiu e, relutante, Pafúncio concordou em se encontrar com a terapeuta.

Ao chegar ao consultório da Dra. Rita Lina, Pafúncio estava nervoso.

“Acho que isso vai dar um toque alegre!” ele pensou sobre sua roupa com desenhos de coelhos, sem imaginar que a psiquiatra tinha um estilo mais sério.

Assim que entrou no consultório, Pafúncio se deparou com o ambiente calmo e organizado, com livros nas prateleiras e poltronas confortáveis. 

A Dra. Rita Lina o recebeu com um sorriso cordial, mas Pafúncio, em seu estilo trapalhão, se sentou em uma poltrona meio desajeitadamente e logo começou a falar sem parar.

“Oi, sou o Pafúncio! Estou aqui porque meu editor acha que eu preciso de terapia. Ele diz que eu sou muito… como posso dizer… desastrado, sabe? Mas acho que ele está exagerando!” Ele riu, mas Dra. Rita apenas levantou uma sobrancelha.

“Vamos nos concentrar, Pafúncio. O que você gostaria de discutir hoje?” perguntou ela, tentando manter a calma.

“Ah, eu tenho tantas histórias! Uma vez, eu entrevistei um gato que pensava que era um cachorro! Foi hilário!” Pafúncio começou, sem esperar pela resposta da psiquiatra. “E outra vez, derrubei um bolo de casamento na cara do noivo! Você deveria ver a expressão dele!”

A Dra. Rita, com um olhar exasperado, tentou redirecionar a conversa. 

“Pafúncio, vamos nos concentrar em você. Como você se sente em relação ao que aconteceu nessas situações?”

“Sinto-me ótimo! Quer dizer, exceto quando as pessoas ficam bravas comigo. Uma vez, um artista me chamou de ‘cabeça de abóbora’ porque eu perguntei se ele pintava com tinta cor de batata! Mas eu só queria saber, sabe? O que tem de tão errado nisso?” Pafúncio continuava, sem perceber que estava desviando do assunto.

A psiquiatra respirou fundo e tentou mais uma vez. 

“Certo, mas como você lida com as críticas que recebe?”

“Ah, eu não lido muito bem! Uma vez, uma crítica me disse que meu estilo era ‘como um furacão em um desfile de moda’! Eu achei isso engraçado!” 

Ele riu, e a Dra. Rita estava começando a perder a paciência.

“Pafúncio, precisamos falar sobre suas reações. Você se sente confortável em expressar seus sentimentos?” perguntou ela, tentando ser paciente.

“Claro! Eu me sinto confortável como um peixe em um aquário! Ou talvez como um pinguim na neve! O que você prefere?” Pafúncio exclamou, fazendo gestos exagerados.

A Dra. Rita decidiu mudar de tática. 

“Vamos tentar uma técnica diferente. Você pode me contar sobre uma situação em que se sentiu realmente triste?”

“Ah, isso é fácil! Uma vez, eu perdi meu cachorro de pelúcia! Foi horrível! Eu procurei por toda parte, mas ele estava escondido atrás do sofá! Uma verdadeira tragédia!” Pafúncio disse, colocando a mão no coração em um gesto dramático.

“Pafúncio, eu me refiro a situações mais sérias. Vamos falar sobre suas emoções em relação ao trabalho e sua vida pessoal,” insistiu Dra. Rita.

“Ah, meu trabalho é uma loucura! Uma vez, escrevi uma matéria sobre ‘Como Ser o Melhor Fuxiqueiro’ e, sem querer, enviei para a revista errada! Eles publicaram com uma foto de um gato vestido de príncipe!” 

Ele explodiu em risadas, enquanto Dra. Rita se perguntava como tinha chegado a este ponto.

“Certo, mas e suas emoções? Como você se sente sobre isso?” a psiquiatra tentou mais uma vez, já sem paciência.

“Me sinto ótimo! Como um superstar! Ou como um astronauta no espaço! Você sabe, flutuando!” 

Pafúncio começou a gesticular novamente, e Dra. Rita sentiu que estava perdendo o controle da sessão.

“Pafúncio, precisamos ser mais sérios! Você não pode simplesmente transformar tudo em uma piada!” gritou ela, exasperada.

“Mas é isso que sou!” 

Pafúncio respondeu, sem perceber que estava ultrapassando os limites.

Dra. Rita, agora completamente irritada, decidiu que já tinha tido o suficiente. 

“Você sabe o que? Eu realmente não posso ajudá-lo. Eu vou pedir que você saia do meu consultório!”

“Mas eu só estou tentando ser divertido!” Pafúncio protestou, enquanto ela se levantava.

“Divertido? Você está me deixando louca! Por favor, saia!” 

Ela apontou para a porta, e Pafúncio, sem entender, começou a gracejar.

“Você está me expulsando? Isso é uma vitória! Meu terapeuta me expulsou! Isso é ótimo para a coluna! Vou escrever sobre isso!” 

Ele estava tão empolgado que não percebeu que estava sendo levado à porta.

A Dra. Rita, já sem paciência, fez um gesto dramático e disse: “Se você não sair agora, eu vou ter que chamar o segurança!”

Pafúncio, percebendo que a situação estava realmente fora de controle, começou a se afastar lentamente. “Eu vou! Mas isso vai ser uma boa história! Vou dizer que a Dra. Rita Lina não consegue lidar com o humor”

E assim, ele saiu do consultório, enquanto a Dra. Rita se sentava, tentando recuperar a sanidade. Do lado de fora, Pafúncio estava radiante, pensando em como aquela sessão de terapia, que deveria ser séria, se transformou em uma aventura.

“Ah, mais uma aventura para a revista!” ele exclamou, enquanto se afastava, sem saber que a verdadeira loucura estava apenas começando. Afinal, no mundo de Pafúncio, a vida era uma comédia, e ele era o protagonista trapalhão de sua própria história.

Fontes: José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.
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Silmar Bohrer (Croniquinha) 123

Palavra, manifestação verbal ou escrita formada por fonemas ( sons) com um significado. Desempenha papel fundamental na comunicação, sendo essencial para a expressão e compreensão de ideias. 

Falamos tanto de tanta coisa, mas será que é fácil falar daquilo que a gente usa desde que começou a . . . falar? 

Tem gente que fala tanto sem parar, que você pensa numa frase, e virou uma súplica, e virou sentença, e virou parágrafo, e virou uma crônica, mas seguiu... acabou num verdadeiro conto de um fato ou notícia que tinha a mínima importância, quase zero, do bem falante interlocutor. 

E os falantes são tantos, hoje como dantes, enlevando e levando as pessoas. E tantos deles, e mais tantos, chegam, manipulam, invadem, persuadem e comprar muitas e muitas pessoas. 

Então a gente pensa como Carlos Nejar:  "A palavra é semente que não acaba".

Fonte: Texto enviado pelo autor  

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Erigutemberg Meneses (Cascata de versos) 01

 

José Feldman (O Desafio da Garagem)

Era um sábado de manhã, e o sol brilhava intensamente no céu. Pericárdio e Tipoia estavam determinados a tirar o carro da garagem, que estava preso entre caixas e objetos diversos. 

"Vamos lá, é hoje!", disse Pericárdio, animado. 

"Sim, mas como vamos fazer isso?", perguntou Tipoia, olhando para a montanha de coisas que havia se acumulado. 

"Eu tenho um plano", disse Pericárdio, com um sorriso. 

"Qual é?", perguntou Tipoia, curiosa. 

"Vou empurrar, e você vai guiar", disse Pericárdio. 

"É isso?", perguntou Tipoia, incrédula. 

"Sim, é simples", disse Pericárdio. 

Tipoia suspirou e se posicionou ao volante. 

"Pronto, vamos!", gritou Pericárdio. 

Pericárdio começou a empurrar o carro, mas ele não se moveu. 

"Não está funcionando!", gritou Tipoia

"É porque você não está ajudando!", respondeu Pericárdio. 

"Ajudando? Eu estou dirigindo!", disse Tipoia

"Dirigindo? Você está apenas sentada lá!", disse Pericárdio. 

Tipoia saiu do carro e foi até Pericárdio. 

"Você não entendeu o plano", disse ela. 

"Entendi, sim. Eu empurro, e você guia", disse Pericárdio. 

"Não, não é isso. O plano é nós dois empurrarmos", disse Tipoia

Pericárdio olhou para ela, surpreso. 

"Ah, entendi agora", disse ele. 

Eles começaram a empurrar o carro juntos, mas ele ainda não se moveu. 

"Isso é impossível!", disse Pericárdio. 

"Não é impossível. É apenas difícil", disse Tipoia. 

Eles continuaram a empurrar, suando e gritando. 

"Eu não aguento mais!", disse Pericárdio. 

"Eu também não!", disse Tipoia. 

Mas então, de repente, o carro se moveu. 

"Eu não acredito!", disse Pericárdio. 

"Eu acredito!", disse Tipoia. 

Eles conseguiram tirar o carro da garagem, mas estavam exaustos. 

"Bem, isso foi divertido", disse Pericárdio. 

"Divertido? Você está brincando?", disse Tipoia. 

"Sim, foi divertido. Agora vamos tomar um café merecido", disse Pericárdio. 

Tipoia sorriu. 

"Sim, vamos", disse ela. 

Eles foram para o café, rindo e conversando. 

"Essa foi uma aventura", disse Pericárdio. 

"Sim, foi", disse Tipoia. 

Eles se olharam e sorriram. 

Fontes: José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.
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Vereda da Poesia = 156 =


Trova de
ANGÉLICA VILLELA SANTOS
Guaratinguetá/SP, 1935 – 2017, Taubaté/SP

A mocinha reclamou
mas o ceguinho, no baile,
passando a mão, explicou:
- A minha dança é em braile!!!
= = = = = =

Folclore Português em Versos de
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

A Lenda da Moura Encantada

Na fonte serena, um canto a ecoar,
a Moura Encantada, beleza a brilhar,
com cabelos de seda e olhar de luar,
enfeitiça os corações que a vêm admirar.

Prisioneira do tempo, em magia a dançar,
nos braços da noite está sua alma a vagar,
quem a encontra, um destino a selar,
entre amor e encanto, um eterno par.

Mas há um segredo que a faz suspirar,
um amor que a espera, um sonho a flutuar,
na luz da manhã ela anseia por ser

Moura, a lenda, que não quer perecer,
e em cada sussurro, um lamento a ficar,
na bruma do passado, sua dor a guardar.
= = = = = = 

Trova de
PAULO WALBACH PRESTES
Curitiba/PR, 1945 – 2021

Que saudade dos confetes,
serpentinas e pierrôs,
colombinas, marionetes,
das vovós e dos vovôs.
= = = = = = 

Soneto de
JOÃO BATISTA XAVIER OLIVEIRA
Bauru/SP

Sinais invertidos

Olhando a terra acima dos sentidos
um ar tristonho abate-me na entranha:
sermões abaixo aos ares da montanha
e súplicas em motes de alaridos.

Como esperar que rogação tamanha
venha a elevar as almas dos “ungidos”
pelos sinais, nas mentes, invertidos,
se trechos do alfarrábio mal arranha?

Verter em lágrimas na espera, inerte,
(açoite de cilício não reverte)
na frialdade do silêncio atroz...

é malograr-se às vestes endeusadas;
é recorrer às luzes apagadas
se Deus reside aqui... dentro de nós!!
= = = = = = 

Trova de
ROBERTO TCHEPELENTYKY
São Paulo/SP

A vida é “jangada ao vento”...
  Iço a vela, aperto o laço:
  No mar do meu pensamento,
  o vento... sou eu que faço!
= = = = = = 

Poema de
DANTE MILANO
Rio de Janeiro/RJ (1899 -1991) Petrópolis/RJ

O beco
 
No beco escuro e noturno
Vem um gato rente ao muro.
Os passos são de gatuno.
Os olhos são de assassino.

Esgueirando-se, soturno,
Ele me fita no escuro.
Seus passos são de gatuno.
Seus olhos são de assassino.

Afasta-se, taciturno.
Espanta-o meu vulto obscuro.
Meus passos são de gatuno.
Meus olhos são de assassino.
= = = = = = 

Quadra Popular

Jurei não amar ninguém,
mas eu confesso a fraqueza,
não é tanto minha a culpa
como é da natureza.
= = = = = = 

Poema de
MANUEL BANDEIRA
Recife/PE (1886 – 1968) Rio de Janeiro/RJ

O Anel de Vidro

Aquele pequenino anel que tu me deste,
- Ai de mim - era vidro e logo se quebrou
Assim também o eterno amor que prometeste,
- Eterno! era bem pouco e cedo se acabou.

Frágil penhor que foi do amor que me tiveste,
Símbolo da afeição que o tempo aniquilou, -
Aquele pequenino anel que tu me deste,
- Ai de mim - era vidro e logo se quebrou

Não me turbou, porém, o despeito que investe
Gritando maldições contra aquilo que amou.
De ti conservo no peito a saudade celeste
Como também guardei o pó que me ficou
Daquele pequenino anel que tu me deste
= = = = = = 

Trova de
APARÍCIO FERNANDES
Acari/RN, 1934 – 1996, Rio de Janeiro/RJ

À noite, ó rua, constatas,
em teus silêncios tristonhos,
que, enquanto um cão vira latas,
eu vou virando os meus sonhos!
= = = = = = 

Poema de
DINAIR LEITE
Paranavaí/PR

Acordei

Hoje acordei...
Então vi há quanto tempo dormia
e não via a vida fluir...

Os momentos perdidos de viver
outro amor, outra vida, amores...

Eu me achava condensada
em paixão. Respirando você
que não olha e não vê esse amor
que envolve meu ser
me fazendo sofrer em anseios
de ter o meu corpo em seus braços
e sua boca, a minha, a beijar.

Acordei e deixei você ir.
Esvaziei o meu ser de você.
O meu ventre e o meu coração
nunca mais sofreram a carência
ilusão do sonhar...preencher
um vazio com ar.
= = = = = = = = = 

Trova de
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Itabira/MG (1902– 1987) Rio de Janeiro/RJ

O meu tempo e o teu, amada,
transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada:
amor é o sumo da vida.
= = = = = = 

Soneto de 
ALFREDO SANTOS MENDES
Lisboa/Portugal

Agradecimento

Eu agradeço a Deus tanta ventura,
que orna a minha vida, o meu caminho!
Não deixar que em meus pés, um só espinho,
os façam fraquejar pela tortura!

Enfeitar os meus dias, de ternura,
rechear minhas horas de carinho!
Nunca deixar, que ficasse sozinho,
em triste solidão, torpe amargura!

Obrigado meu Deus, pelos amigos,
que me abraçam, me livram dos perigos,
e que por Ti, estão ao meu dispor!

A todos que me dão tanta amizade,
eu desejo a maior felicidade,
muitas graças de Deus, e muito amor!
= = = = = = 

Trova de
PROF. GARCIA
Caicó/RN

Nesta longa caminhada
que fazemos sempre a sós...
Nem o silêncio da estrada
quebra o silêncio entre nós!
= = = = = = 

Soneto de 
VANDA FAGUNDES QUEIROZ
Curitiba/PR

Policromia

Nesta profusão oculta de sentires
que aconchego e acalento com ardor,
não estranhes quando acaso descobrires,
misturada a tanta cor, a tua cor.

Se entre as ânsias de minha alma um dia ouvires
um som que possa a um lamento enfim se opor,
é tua a voz! E feliz quando me vires,
da alegria que eu sentir serás credor.

No cinzento do meu peito, mil nuanças,
cor de rosa e de esperança, tentas pôr.
Com teus olhos, as tormentas são bonanças;

por tua mão, o agudo espinho é fina flor,
A mistura policroma já não cansa
quando, em meio a tanta cor, há a tua cor…
= = = = = = 

Trova de
DALMIR PENA
Volta Redonda/RJ

Já fui comilão outrora!
Hoje, ao lembrar-me, acho graça:
vontade ainda tenho agora,
mas, como vem, logo passa!!!
= = = = = = 

Spina de 
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP

Loucura e Lucidez 

Nuances do tempo 
podem ser carícias, 
matizes do instável 

medo das lamúrias do vento,
ou apenas respostas da vida,
onde a lucidez é insuportável.
Tons do mesmo lado daquela 
moeda, o vil desdém imutável. 
= = = = = = 

Trova de 
RUI CARDOSO NUNES
Porto Alegre/RS

Por berço tive a montanha!
Sou camponês, trovador!
No universo da campanha,
meu estro virou condor!
= = = = = = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Sinal de amor

Você é o sinal do amor de Deus por mim!
A pessoa mais doce já nascida!
Sua fragrância excede a do jasmim
e eu amo o seu sorrir, minha querida!

Você é a luz do sol em meu jardim;
a minha paz sonhada e apetecida,
você é a esposa amiga e é tudo, enfim,
que eu desejava ter em minha vida!

Se você sai de perto eu entristeço,
se não me dá notícia, eu desespero,
e até quando se cala, eu endoideço...

Mas quando você volta, eu a venero,
e se me diz “amor”, eu tudo esqueço,
e só me lembro o tanto que eu a quero!
= = = = = = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Bem cedinho o galo canta, 
molhado ainda de orvalho. 
A roça, ouvindo-o, levanta, 
e um hino entoa ao trabalho!
= = = = = = 

Poema de
SYLVIA PLATH
Boston/EUA (1932 – 1963) Londres/Grã-Bretanha

Espelho

Sou prata e exato. Eu não prejulgo.
O que vejo engulo de imediato
Tal qual é, sem me embaçar de amor ou desgosto.
Não sou cruel, tão somente veraz —
O olho de um deusinho, de quatro cantos.
O tempo todo reflito sobre a parede em frente.
É rosa, com manchas. Fitei-a tanto
Que a sinto parte de meu coração. Mas vacila.
Faces e escuridão insistem em nos separar.

Agora sou um lago. Uma mulher se inclina para mim,
Buscando em domínios meus o que realmente é.
Mas logo se volta para aqueles farsantes, o lustre e a lua.
Vejo suas costas e as reflito fielmente.
Ela me paga em choro e agitação de mãos.
Sou importante para ela. Ela vai e vem.
A cada manhã sua face reveza com a escuridão.
Em mim afogou uma menina, e em mim uma velha
Salta sobre ela dia após dia como um peixe horrendo.
(Tradução de Vinicius Dantas)
= = = = = = 

Triverso de
CARLOS SEABRA
São Paulo/SP

chuva lá fora –
os pássaros, molhados,
foram embora
= = = = = = 

Poema de
MIFORI
(Maria Inez Fontes Rico)
São José dos Campos/SP

A luz dos olhos seus

Que todas as manhãs, 
por mais frio que se faça, 
nos sejam aquecidas 
por nosso respeito e amor!

Sem deixar lembranças vãs
que toda neblina se desfaça, 
nas carícias despendidas, 
com muito, muito ardor!

Que a confiança que nos enlaça, 
na fé e esperança, mantidas, 
fortaleça nossa auto-estima, 
abençoada pelo nosso amor!

Que cada um de nós veja bem, 
por si próprio, suas atitudes,
mas, saiba enxergar também
com magnitude, 
a luz dos olhos seus...
= = = = = = 

Trova de
NILTON MANOEL TEIXEIRA
Ribeirão Preto/SP, 1945 – 2024

Meu filho só dá trabalho…
diz, na escola, o pai irado!
e o mestre olhando o pirralho…
por isto estou empregado!
= = = = = = 

Soneto de 
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ (1865 – 1918)

Ao Coração que Sofre

Ao coração que sofre, separado
Do teu, no exílio em que a chorar me vejo,
Não basta o afeto simples e sagrado
Com que das desventuras me protejo.

Não me basta saber que sou amado,
Nem só desejo o teu amor: desejo
Ter nos braços teu corpo delicado,
Ter na boca a doçura de teu beijo.

E as justas ambições que me consomem
Não me envergonham: pois maior baixeza
Não há que a terra pelo céu trocar;

E mais eleva o coração de um homem
Ser de homem sempre e, na maior pureza,
Ficar na terra e humanamente amar.
= = = = = = 

Trova Humorística de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP

Melhor sorrir na pobreza
que ser rico na apatia,
pois fartura sobre a mesa
não enche a vida vazia!
= = = = = = 

Hino de 
MONTES CLAROS/MG

Nas manhãs gloriosas das Bandeiras,
Nascestes protegida pela Cruz,
Plantada pela fibra de Figueira,
Ao pé dos montes, refletindo luz.
No sertão ressequido das Gerais,
O pranto inaugural dos filhos teus
Rasgou teu solo, para nunca mais
Perderes lutas nem perderes Deus.

Salve, Montes Claros! És nortestrela!
Crescendo arrojada e altaneira,
História vais fluindo de bravuras
Com o orgulho de seres brasileira.

Tu és uma cidade consagrada
Pela vez dos teus bardos e cantores,
Que centelhas de ouro, na alvorada,
Semearam, exaltando os teus primores.
Os dois irmãos alertas, lucilantes
Louvam o teu progresso, tua grandeza,
E em sintonia, nos teus horizontes,
A Liberdade brilha em realeza.

Salve, Montes Claros! És nortestrela!
Crescendo arrojada e altaneira,
Histórias vais fluindo de bravuras
Com o orgulho de seres brasileira.
= = = = = = 

Trova de
LAVÍNIO GOMES DE ALMEIDA
Barra do Piraí/RJ, ?? – 2009

Na inquietação que se aguça,
carrego na alma dorida,
a grande montanha russa
do sobe-e-desce da vida!
= = = = = = 

Poema de
GILSON FAUSTINO MAIA
Petrópolis/RJ

Final de serenata 

Guarda, meu coração, o teu segredo. 
Para que revelá-lo se termina 
a canção que sufoca, que alucina, 
que me lançou, pra sempre, no degredo? 

Ao novo seresteiro, oculte o enredo. 
Não mostre essa verdade cristalina: 
é a lei da paixão quem determina 
o qual será feliz, contado aos dedos. 

Eu cansei de cantar pra minha amada. 
Eu cansei de penar na caminhada… 
A canção foi cruel, incrível, ingrata. 

A riqueza do mundo é um problema, 
a vida, uma canção, o amor o tema, 
o tempo em que vivemos, serenata.
= = = = = =

Trova Premiada de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Se a porta é larga, desvio,
sem luta não tem vitória.
Porta estreita é o desafio
de quem vence e faz história!
= = = = = = 

Recordando Velhas Canções
CAIXINHA, OBRIGADO 
(samba, 1960) 
Juca Chaves

A mediocridade é um fato consumado
na sociedade onde o ar é depravado
marido rico, burguesão despreocupado
que foi casado com mulher burra mas bela
o filho dela é político ou tarado
Caixinha, obrigado!

A situação do brasil vai muito mal;
Qualquer ladrão é patente nacional;
Um policial, quase sempre, é uma ilusão
E a condução é artigo racionado.
Porém, ladrão... isso tem pra todo o lado!
Caixinha, obrigado!

O rock'n'roll, nesta terra é uma doença,
e o futebol, é o ganha pão da imprensa
vença ou não vença, o Brasil é o maioral
e até da bola, nós já temos general
que hoje é nome de estádio municipal
Caixinha, nacional!

a medicina está desacreditada
penicilina, já é coisa superada
tem curandeiro nesta terra pra chuchu
Rio de Janeiro tá pior que Tambaú
e de outro lado, onde está o delegado
Caixinha, obrigado!

Dramalhão, reunião de deputado
é palavrão que só sai pra todo lado
Se um deputado abre a boca, é um
atentado
E a mãe de alguém é quem sofre toda vez
No fim do mês... cento e vinte de ordenado.
Caixinha, obrigado!
= = = = = = = = = = = = = 

Mensagem na Garrafa = 137 =


ARTHUR THOMAZ
Campinas/SP

CUMPLICIDADE

Pequeno preito de gratidão à lua.

Tu me seduzias com tua inebriante claridade.

E eu, cativo, não resistia aos teus insistentes apelos.

Sob o manto da noite, me guiaste, soberana, quando percorri caminhos improváveis e situações inusitadas.

Me ajudaste em paixões, exibindo tuas companheiras estrelas, para que eu as contasse quando estivesse nos braços de alguém.

Sou-lhe grato também pelas inúmeras vezes, que para conter meus excessos, tu me indicavas estar indo embora, e que a intensa luz do dia não mais encobriria minha conduta.

Tu, recatada, por vezes se escondia atrás das nuvens para não presenciar minha desvairada boemia. Fostes testemunha e cúmplice de minhas aventuras em amores proibidos.

Ocultaste-me em tuas sombras quando eu corria perigo em minhas descuidadas andanças.

Certa vez, talvez para exibir-me perante os companheiros de copo, ousei afirmar que tu não passavas de matéria que se deslocara da Terra após o choque com o planeta Theia.

Ao sair, olhei para o céu, e tu, tristonha, estavas minguante. Voltei então à mesa e desdisse tudo o que antes afirmara de ti. Ao sair novamente, tu estavas crescente a sorrir para mim. 

Foi o sinal para nossa eterna cumplicidade.

Fonte: Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor