segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Antonio Brás Constante (Bicho de pé, um mal emocional)

“De médico e de louco todos nós temos um pouco”, já dizia uma antiga frase popular. Porém, geralmente preferimos (sabiamente) procurar quem tem bastante conhecimento sobre estas especialidades (loucura e sanidade), ao invés de ficarmos nos tratando sozinhos, amparados em nosso pouquíssimo conhecimento no assunto.

Entre os diversos ramos da medicina, um que se destaca por tentar curar um mal invisível que aparentemente não é encontrado fisicamente em nosso corpo, pois fica enterrado nas sombrias alas de nossas mentes, é a psicologia e seus assemelhados.

A psicologia é algo realmente incrível, pois consegue “entrar” na cabeça de alguém (sem necessariamente ter entrado lá), desvendando seus mistérios, elucidando suas dúvidas, melhorando sua forma de viver. Tudo isto por um preço tabelado e feito em doses temporais chamadas de consultas, algumas vezes por semana.

Estes profissionais conseguem promover verdadeiros milagres em nossas mentes. Poderíamos supor que, caso pudessem se comunicar com um bicho-de-pé, por exemplo, fatalmente acabariam convencendo-o a largar do pé das pessoas, fazendo com que assumisse uma nova postura. Quem sabe até tornando-se vegetariano, trocando o pé humano por um pé-de-couve ou por um pé-de-alface.

Pode parecer bobagem, mas existe uma possibilidade mínima de que no passado o bicho-de-pé fosse apenas um bichinho qualquer, sem maiores vínculos com o ser humano, e que talvez de tanto pisarmos nele (literalmente falando), tenha se estressado e resolvido começar a pegar no nosso pé, passando a morar nele.

Os psicólogos conseguem nos explicar o inexplicável. Valendo-se do silêncio, de perguntas simples, ou de frases vagas.  Se quisessem, poderiam ilustrar a origem da vida utilizando uma toalha de crochê como modelo.

Se pensarmos bem, a origem da vida realmente poderia se traduzir em uma toalha de crochê, pois olhamos para ela sem entender como foi feita daquela forma (ao menos eu não entendo), ou pelo simples fato de se criar algo que parece ser extremamente complexo a partir de uma linha e uma pequena agulha que mais parece uma miniatura de arpão.

Talvez se mais e mais pessoas começassem a fazer crochê, conseguiríamos finalmente descobrir porque o mundo é assim, ou ao menos teríamos pessoas mais calmas, já que o crochê também é uma ótima terapia, e com isto acabaríamos causando o desemprego de inúmeros terapeutas (primos dos psicólogos), que se arrependeriam de ter um dia deixado seus parentes tentarem explicar a origem da vida através daquela forma de artesanato.

Eles passariam então a tentar proibir o crochê, insinuando que aquilo seria coisa do demônio (sabendo que as pessoas levam muito a sério estes apelos religiosos), e que poderiam explicar melhor a tal teoria em sessões de terapia pagas (mas com descontos enlouquecedores), ou poderiam eles mesmos começar a fazer crochê e assim ficaria tudo bem.

Enfim o mundo é um lugar estranho, que merece uma analise profunda. Coberto de pessoas estranhas, vivendo vidas estranhas e lendo coisas estranhas. Um lugar ideal para existência desses estranhos e maravilhosos profissionais que exercem a psicologia, psiquiatria, terapia e tantas outras “ias” mais.
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ANTONIO BRÁS CONSTANTE é natural de Porto Alegre. Residente em Canoas RS. Bacharel em computação, bancário e cronista de coração, escreve com naturalidade, descontraída e espontaneamente, sobre suas ideias, seus pontos de vista, sobre o panorama que se descortina diferente a cada instante, a nossa frente: a vida. Membro da ACE (Associação Canoense de Escritores).

Fontes:
Recanto das Letras
https://www.recantodasletras.com.br/humor/804261
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domingo, 26 de janeiro de 2025

Erigutemberg Meneses (Cascata de versos) 08


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JOSÉ ERIGUTEMBERG MENESES DE LIMA nasceu em Fortaleza/CE, radicou-se em Blumenau/SC. Advogado aposentado do Banco do Brasil, com graduação em Ciências Econômicas e Direito pela FURB - Fundação Universidade Regional de Blumenau, dedica-se às letras, escrevendo prosa na forma de crônicas, contos, ensaios, textos jurídicos e poesia, especialmente, sonetos. Publicou “Raptos Líricos” - Sonetos, 2005; Portas da Solidão pela Fundação Cultural de Blumenau, 1996.

André Giusti (O Mais Novo Grande Senhor do Tempo)

Por que resolvera, de repente, a caminho dos 40 anos, usar relógio, era para ele mesmo um mistério daqueles encruados nas cavernas das razões desconhecidas. Em toda a vida tivera um único relógio. Em algum natal bem remoto, talvez no princípio da adolescência, o pai dera-lhe um bem vistoso, a pulseira cromada, o fundo azul perolado, os minutos e os ponteiros amarelos que brilhavam com a luz apagada para que fosse possível olhar as horas até mesmo no escuro. Usou um, dois meses se tanto. Um dia foi jogar futebol no intervalo rápido do recreio na escola, uma pelada daquelas bem improvisadas com bola feita de papelão amassado e grudado com durex. Tomou um toco de um moleque maior e o pulso em que estava o relógio foi beijar a fria dureza do chão de cimento. Sobraram apenas os estilhaços do vidro. O ponteiro das horas pulou longe, jamais foi encontrado.

Nunca mais, nunca mais te dou outro, o pai sentenciou sem raiva, embora não disfarçasse a pequena mágoa pelo descaso com o presente. Se aquilo foi trauma de infância, acabou virando peculiaridade bem resolvida de adulto: cresceu com os pulsos livres, vazios daquele peso, aprendendo a calcular as horas pelo sol, feito um índio urbano. Nos dias de chuva, perguntava as horas aos apressados que perseguiam o tempo. As vitrines das joalherias nunca roubaram seus olhos. Com o passar dos anos, não usar relógio afigurou-se como um ato reservado de rebeldia. Enquanto amigos erguiam modelos caros e robustos a prova d’água, a prova de choque, a prova de tudo, ele levantava o braço, deslizava as mãos pelo cabelo, indicava com o dedo um ponto distante, enfim, fazia qualquer movimento que permitisse aos curiosos reparar em seu pulso vazio. De vez em quando pendurava ali um elástico desses de embrulho. Fazia isso para debochar não sabia exatamente do quê. Quando um primo da namorada, sujeito com quem ele não ia muito, apareceu ostentando um modelo dourado desses que valem um carro semi-novo, comprou uma fita do Senhor do Bonfim e usou-a até que praticamente virasse pó.

Portanto, qual não foi o impacto de ver e sentir aquele peso sobre o pulso que julgava fino, que em tempo algum combinou com uma pulseira ateada a uma forma esférica de metal e vidro. Por um instante teve a impressão de que não era dele o próprio braço, e sim que o membro de outra pessoa fora-lhe enxertado às pressas, trazendo de brinde o elegante modelo suíço de pulseira de couro marrom e algarismos romanos. Presente da mulher, que pousava nele uns olhos amorosos, e que no fundo eram também os olhos doces do pai, concedendo-lhe uma segunda chance. Enquanto a esposa risonha estendia-lhe a mão para que saíssem da joalheria, o ponteiro veloz dos segundos deixava cada vez mais longe o rapaz que gastava o dinheiro apenas em livros de sebo e discos de rock. Ficara sozinho - cismado em um mundo triste e apressado - o adulto que adquirira a mania de chegar na hora, encurralado pelo horário de entrar no trabalho e deixar o filho na escola.

Quarenta, cinquenta minutos andaram pelas galerias do shopping. Ele sentindo-se um comunista aceitando ideias liberais, um ateu que tenha recebido provas da existência de Deus. Ia a passos lentos e medrosos ao lado da esposa. Disfarçadamente, sem que ela percebesse, tirou o relógio do pulso esquerdo e colocou no direito para que mesmo dentro do enquadramento social pudesse ainda existir um resto de transgressão. Estranho objeto o relógio, que para ser contrário ao padrão comum precisa estar na direita.

O senhor pode me dizer que horas são? Uma gorduchinha de seus vinte e poucos anos perguntou quando encostaram em um balcão para tomar café. Olhou-a e a princípio pensou que havia engano. Deu-se conta, afinal, e disse as horas sem muita certeza do que via nos ponteiros. Quando saíram dali, ele conferiu as horas, mais calmo, reparando melhor no mostrador, no brilho dos metais e do vidro, e caminhou um pouco mais depressa como um perfeito e grande senhor do tempo.
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ANDRÉ LUIS DE ALMEIDA GIUSTI nasceu em 1968 no subúrbio carioca de Cascadura. Passou a infância, a adolescência e boa parte da vida adulta no eixo subúrbios/zona norte do Rio de Janeiro, universo que levou para seus contos, criando personagens quase sempre filhos da classe média de bairros dessa área da cidade. No começo dos anos 90, começou a escrever contos, o que veio exatamente ao encontro de seus anseios literários. Entre 1992 e 1994, escreveu os contos de seu primeiro livro, Voando Pela Noite (até de manhã). No ano seguinte, o livro foi indicado ao Prêmio Jabuti. Em 1998 mudou-se para Brasília. Impregnado de saudades do Rio, escreveu Eu nunca fecharei a porta da geladeira com o pé em Brasília, uma novela quase autobiográfica de seus primeiros meses na capital do país. Em 2009 seu quarto livro: A liberdade é amarela e conversível. Também é jornalista, com passagens por diversas rádios e TVs do Rio e de Brasília.

Fontes:
http://www.andregiusti.com.br/ . Acesso 01 fevereiro 2010
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Francisco de Morais Mendes (O Homem que Recolhia o Tempo)

Numa velha sacola de feira, ele recolhia o tempo deixado pelos outros. Como fazia isso, não se sabe. Para ele, homem solitário, que vivia entre a casa e o serviço, a palavra “repartição” não designava apenas o local de trabalho. Cabia-lhe, como servidor público, cuidar das horas, repartir o tempo entre os colegas. Havia quinze anos executava com diligência a mesma tarefa: zelar pelo ponto, abonar as faltas justificadas, converter o excedente de horas em pagamento. O tempo era público.

Contudo, sofria de um mal sem remédio. Pressentia o correr dos dias, dos meses, dos anos, como uma subtração da vida. O tempo escapava-lhe enquanto acumulavam-se coisas por fazer. A perda do tempo é individual, lamentava.

À noite, em casa, recostado à velha poltrona de couro, sentia o peso de dois mil livros não lidos. E lia metodicamente. Olhando à esquerda, um infatigável atlas oferecia-lhe países por visitar. E ele mal saíra da cidade. À direita, centenas de obras aguardavam releitura.

Pensando constantemente no tempo, observava que boa parte do que se fala contém essa palavra vaga, sem peso, sem consistência. Certo dia, num corredor da repartição, ouviu de uma grávida que faltavam quatro meses para o bebê nascer. Então ocorreu-lhe que, durante a gravidez, ela deixava sem uso um outro tempo. O que primeiro pareceu-lhe uma brincadeira, uma anedota, tomou a forma de idéia. Depois de algumas noites em que se pegava pensando na grávida, supondo que estivesse assaltado por uma paixão em todos os sentidos inoportuna, o assunto passou de idéia a teoria. Não era a grávida que o atormentava. Era o tempo.

Formulou, então, a teoria dos tempos laterais, que correm simultaneamente na vida das pessoas. Pela última vez voltou a pensar na grávida, para explicar a si mesmo sua teoria. A vida segue num tempo que ele, como todo mundo, chamava de normal, mas qualquer alteração ou acidente põe em funcionamento um tempo dos que correm lateralmente àquele, que ele chamava de tempo outro. Durante o período da gravidez, tomado como uma alteração, o tempo normal continua a passar, mas em desuso, um cão sem dono vagando por aí.

Durante alguns dias, observou o que classificou de amostras da sua teoria. Há um tempo largado aqui fora pelas pessoas que baixam ao hospital. Há um tempo de ócio enquanto trabalham. Esse tempo ocioso fica com unhas e engrenagens à espreita, aguardando que a pessoa deixe o trabalho; acompanha-a até o ponto do ônibus, e enquanto, após um banho quente, a pessoa decide se liga a tevê ou coloca um disco para tocar, ele está pronto para seguir. Em outra circunstância, enquanto a pessoa mergulha a atenção no noticiário do rádio, fica desocupado o tempo da distração. Nenhum deles deixa de correr.

Certa noite, acomodado na poltrona, voltou a refletir. Era preciso recolher o cão sem dono. A outro, não iria fazer falta. A ele, o livraria da aflição.

Na manhã seguinte, mexendo no quarto de coisas abandonadas, encontrou a sacola que passou a carregar. Das grávidas, subtraía o tempo da não gravidez. Dos colegiais em algazarra à saída da escola, recolhia variadas espécies de tempo. Do sujeito que lia no ônibus, tomava o tempo de olhar pela janela. O mais surpreendente eram aquelas pessoas que parecem pensar em coisa alguma, absolutamente desligadas. Dessas, fluíam, ou melhor, jorravam tempos em profusão. E recolhia, recolhia, recolhia.

Voltara a ler sem ansiedade, sabendo que acumulava considerável reserva de tempo. Em pelo menos um momento, levantou os olhos do livro e pensou na imortalidade. Deu um breve sorriso, sem precisar recorrer ao espelho para encontrar o que supunha um rosto rejuvenescido. Voltou a concentrar-se na leitura. O tempo, agora, não passava; vinha até ele. O cão encontrara o dono.

Certa manhã, depois de ler no jornal sobre um sujeito condenado a muitos anos de prisão, foi tomado de grande ansiedade. Ocupado em juntar os tempos dispersos no presente, não lhe ocorrera tocar num tempo futuro. Nem sequer havia pensado nisso. No entanto, vislumbrava que aquele tempo podia ser recolhido de uma única vez. Tenho que capturar o tempo que ele deixa aqui fora, mas onde estará?, pensou, quase faltando-lhe o ar. Saindo às pressas com a sacola, sem saber exatamente onde buscar aquela fatia esplêndida de tempo, distraiu-se numa travessia e, atropelado por um caminhão de mudanças, teve morte instantânea.

Corroída pelo tempo e pelo uso, ficou a sacola jogada num canto da rua. Os que olhavam em seu interior, de algum modo sabiam que vazia não estava; era um engano dos olhos. Afastavam-se ao sentir uma espécie de sufocação. A que não sabiam nomear. 
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FRANCISCO DE MORAIS MENDES é jornalista e escritor de Belo Horizonte/MG. Publicou os livros de contos “Escreva, querida” (Mazza Edições, 1996) e “A razão selvagem” (Ciência do Acidente, 2003). Vencedor dos prêmios “Guimarães Rosa”, do governo do Estado de Minas Gerais, “Cidade de Belo Horizonte”, da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, e “Luiz Vilela”, da Fundação Cultural de Ituiutaba.

Fontes:
Letras e Ponto. Acesso 28 nov 2011.
http://www.letraseponto.com.br/textos_listar.php?id=23
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Vereda da Poesia = 206


Trova de
MARIA THEREZA CAVALHEIRO
São Paulo/SP , 1929 – 2018

De meu peito arranquei tudo
que de ilusão ainda houvesse,
e ela então, mato miúdo,
com o tempo de novo cresce! 
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Poema de
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

Velho Teatro

Velho teatro abandonado,
que tantos sucessos houve,
palco de um tempo passado…

Hoje só restam cadeiras vazias,
quebradas, num canto jogadas,
memórias daqueles dias
de glórias conquistadas.

A parede carcomida
com cartazes, página rasgada
no livro de uma outra vida,
num passado condenada.

Na estação da saudade
cinzas de um fado,
testemunhas da verdade.
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Quadra de
PAULO LEMINSKI
Curitiba/PR, 1944 – 1989

Tem horas que é caco de vidro 
Meses que é feito um grito 
Tem horas que eu nem duvido 
Tem dias que eu acredito.
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Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964

De que são feitos os dias?
- De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.

Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inatuais esperanças.

De loucuras, de crimes,
de pecados, de glórias
- do medo que encadeia
todas essas mudanças.

Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces
e em sinistras alianças...
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Trova de
AMARYLLIS SCHLOENBACH
São Paulo/SP

Contra a angústia e o contratempo,
eu vivo de sobreaviso...
Pelos meandros do tempo,
perdeu-se meu pobre riso!
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Poema de
FERNANDO PESSOA
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935

Há um tempo

Há um tempo em que é preciso
abandonar as roupas usadas ...
Que já têm a forma do nosso corpo ...
E esquecer os nossos caminhos que
nos levam sempre aos mesmos lugares …
É o tempo da travessia ...
E se não ousarmos fazê-la ...
Teremos ficado ... para sempre ...
À margem de nós mesmos...
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Trova de
ALBA HELENA CORRÊA
Niterói/RJ

Foi bem triste a descoberta:
o tempo, descontrolado,
me trouxe a pessoa certa,
porém, no momento errado!
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Poema de
VANDA FAGUNDES QUEIROZ
Curitiba/PR

Dois Tempos

Eu ficava à janela olhando o trem.
Qual seria o seu destino?…
Era um fascínio imaginar, em fantasia,
quanta gente que partia,
enquanto eu ficava à janela 
olhando o trem.

Hoje voltei. Quis rever meu mundo antigo.
Talvez o anseio de buscar abrigo,
ou a esperança de encontrar comigo,
ou simplesmente ver o trem passar.
Daquela antiga estação,
do meu velho casarão…
nada encontrei, porém.
Onde está a vida que eu achava linda?
Afinal, o que será que resta ainda
de quem ficava à janela olhando o trem?… 
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Trova de 
EDMAR JAPIASSÚ MAIA
Miguel Couto/RJ

Os vincos nas faces nuas
o tempo jamais refreia,
pois são rugosas as ruas
onde a velhice passeia!
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Poema de
EMILY DICKINSON
Amherst/EUA, 1830 – 1886

Dizem que o tempo...

Dizem que o tempo ameniza
Isto é faltar com a verdade
Dor real se fortalece
Como os músculos, com a idade

É um teste no sofrimento
Mas não o debelaria
Se o tempo fosse remédio
Nenhum mal existiria
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Trova de
DOMITILLA BORGES BELTRAME
São Paulo/SP

Envelheço!... E o tempo agora,
parece um menino arteiro,
no relógio, a toda hora,
acelerando o ponteiro...
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Soneto de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS

Recordo Ainda

Recordo ainda... e nada mais me importa...
Aqueles dias de uma luz tão mansa
Que me deixavam, sempre, de lembrança,
Algum brinquedo novo à minha porta...

Mas veio um vento de Desesperança
Soprando cinzas pela noite morta!
E eu pendurei na galharia torta
Todos os meus brinquedos de criança...

Estrada afora após segui... Mas, aí,
Embora idade e senso eu aparente
Não vos iludais o velho que aqui vai:

Eu quero os meus brinquedos novamente!
Sou um pobre menino... acreditai!...
Que envelheceu, um dia, de repente!...
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Trova de
JESSÉ F. NASCIMENTO
Angra dos Reis/RJ

Tempo em louca disparada,
- isso me causa terror -
a vida na autoestrada
pisa no acelerador.
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Soneto de
FRANCISCO MIGUEL DE MOURA
Teresina/PI

Se

Se o tempo é sentinela lá nos cimos,
e permite a acumulação de dores,
sem fazer festas nem sequer rumores,
quando em adeuses todos nós partimos...

Se o tempo é o rei dos sentenciadores
e assim nos vê (mas creio que não vimos),
por que é que dele, embora assim, não rimos
como quem ri dos campos e das flores?

Se o tempo não pensa... Nem conforma,
do nascimento à morte a um bom destino,
a vida - onde o sofrer é sempre norma...

Só enxergo um caminho que conforte:
- Voltar ao nosso tempo de menino,
que foi quando tivemos melhor sorte.
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Trova de
ADACY DE O. NETTO VALADÃO
Barra do Piraí/RJ

Só meu coração escuto
quando, na volta, demoras:
cada segundo é um minuto
e os minutos viram horas
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Poema de
CARLOS LÚCIO GONTIJO
Santo Antonio do Monte/MG

Tempo Rei

Meus pés não encontram rastros no caminho
Minha rua não é mais cadinho de meus passos
Calçada nua que trocou
paralelepípedo por asfalto
Na casa em que morei não há mais samambaias
Dando saias verdes ao alpendre que me recebia
Onde logo eu via o rosto redondo de minha mãe
A vida vai compondo gosto novo para as gerações
Porções de desgosto agora moram em mim
O tempo realmente é invencível rei
Tudo o que eu pensei um dia dominar ou saber
O tempo cuidou de me provar que nada sei!
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Trova de
MARA MELINNI GARCIA
Caicó/RN

Segue o tempo, indiferente,
pela idade, em despedida...
Passa, mas deixa presente
o doce encanto da vida!
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Poema de
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Itabira/MG, 1902 - 1987, Rio de Janeiro/RJ

Os ombros suportam o mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.
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Marcia Tiburi (O Desejo do Tempo)

Os antigos gregos tinham em Chronos, deus do tempo, a imagem do pai todo poderoso devorador dos filhos. Ele criava, ele mesmo aniquilava. O tempo cronológico é apenas o tempo que passa. Mas a experiência do tempo não passa tão simplesmente, somos nós que passamos por ela. Nos constituímos, em nossa interioridade, a partir dela. Como dizia Santo Agostinho, o tempo é algo complexo demais, sendo muito difícil para cada um explicá-lo. Tanto quanto é fácil de entender, pois estamos nele desde sempre. O tempo nos possui e não o contrário.

UM DIA DE CADA VEZ

É melhor viver um dia de cada vez? É provável que ouçamos ou pronunciemos esta frase em vários momentos da vida. Quando incertezas e desesperanças se põem em cena é a reflexão sobre o tempo (seja ele dito na forma dos dias, das horas, do tempo ao tempo) que sustenta nossas ponderações. Ou na básica ansiedade que move o cotidiano, quando não compreendemos as próprias direções, quando, sem perspectiva ou foco, parece que não buscamos nada. Ansiosos quando queremos muito, nem sempre sabemos bem o que queremos. E nos angustiamos porque estamos no tempo, medido, e não na eternidade, desmedida. A vida exige solução, mas o tempo é o limite de toda vontade. Por isso, ele também é possibilidade.

A frase traz uma sabedoria básica na forma de um conselho sobre o uso e a compreensão do tempo, do qual depende o desejo, nome que se dá ao modo de nos relacionarmos ao futuro, o nosso e o que compomos junto de outros. A frase nos diz sobre um modo de tratar com a frustração comum na sociedade de hoje: a da ausência do desejo que diz respeito a uma incapacidade de criar projeto de vida. Ou seja, o que fazer da vida dentro de seu limite. “Um dia de cada vez” significa: “vá com calma, aproveite o tempo presente”, mas por outro lado, também diz “esqueça a totalidade da vida”. Aí conhecemos o conflito com a “temporalidade” sobre o qual vivemos cegos. Se pensarmos em termos de vantagens, talvez não seja frutífero ter em mente a vida inteira, o todo do que podemos fazer com o tempo que dispomos, pois não há certeza sobre o que virá. Porém, sem pensar no todo da vida, que é o tempo que temos para viver, talvez fique difícil orientar-se dentro dela. Sem sabermos do nosso tempo, estamos perdidos de nós mesmos, sem futuro. A dimensão do tempo é mais que psicológica e metafísica, ela é também prática. Põe-nos diante de nossa liberdade de decisão, define o destino, ou o tempo, que devemos construir.

 A experiência do tempo pode ser uma experiência de angústia, de que algo desconhecido nos espreita. Só o desejo é a cura desta sensação de opacidade da vida. O desejo não é tormento, mas o caminho para sair dele. Ela não vem do nada. Nasce do tempo experimentado em seu limite, do fato de que há a consciência perturbadora da existência que é a morte. Enquanto esperamos seguimos a “viver um dia de cada vez”. No tempo que é sempre medida, a soma dos dias, compõe o sentido da vida, o valor da eternidade.

OS LIMITES DA EXPERIÊNCIA

Assim como damos “limites” às crianças para que possam orientar seus desejos, seus quereres e poderes, nós, mesmo adultos, deveríamos nos reorientar no nosso limite com a vida, a que chamamos tempo. O tempo, todavia, não é a mera duração da vida. A duração é só o tempo do relógio, ela se parece mais com o espaço que percorrem os ponteiros no mostrador. Nosso modo de compreender o tempo é o que nos orienta na vida: o tempo do trabalho, o tempo do lazer, o tempo do conhecimento, do amor, o tempo interior, o tempo domesticado pela vida orientada e administrada que vivemos. O tempo é um radar que nos ensina aonde ir, nossas urgências, os caminhos que precisamos escolher diante da impossibilidade de seguir todos.

 A frase sobre o dia a dia a ser vivido de um em um, nos serve de antídoto quando vivemos esta frustração tão específica que é a do tempo que não aprendemos a experimentar em seus dois polos, o do todo fora de nós (a família, a sociedade, a história, o planeta) e o do que se elabora em nossa interioridade. De um lado, vivemos o nosso tempo pessoal, o tempo de cada individualidade, de cada um que experimenta seu corpo, seu sentimento, medos, anseios, possibilidades, e sua noção de morte. O tempo individual é sempre o tempo da insegurança. Buscamos os outros: filhos, maridos, amigos, trabalho, para participarmos do tempo coletivo onde, ao partilharmos a insegurança com as demais individualidades, a eliminamos. Para tudo isso é preciso sempre muita atenção sobre o que estamos vivendo.

A AVAREZA DO TEMPO

Por outro lado, todos aqueles que sabem o valor do tempo, costumam pensá-lo em analogia com o dinheiro: tempo é dinheiro. Quem dispensa tempo, dispensa dinheiro ou, em termos mais técnicos, dispensa lucro. Mas o que é o lucro senão a vantagem que temos em relação aos outros, ao trabalho, à vida? O lucro é um “a mais”, mas a vida não vai nos dar mais tempo. Logo, tempo não é necessariamente dinheiro, mas justamente o que nos logra se a vida não foi bem vivida. Se o avaro economiza dinheiro, quem economizar tempo não poderá ser avarento, a rigor, o tempo é algo que sempre se multiplica. O tempo se multiplica na generosidade. É uma questão de organização. O desejo só surge como mensagem na garrafa àquele que entendeu a função de seu tempo próprio no tempo coletivo.

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MÁRCIA ANGELITA TIBURI nasceu em Vacaria/RS, em 1970. Graduada em filosofia (1990), e em artes plásticas (1996); mestre em Filosofia (1994) e doutora em Filosofia (1999) com ênfase em Filosofia Contemporânea. Publicou diversos livros de filosofia, entre elas as antologias As Mulheres e a Filosofia,  O Corpo Torturado, e Mulheres, Filosofia ou Coisas do Gênero, Seis Leituras sobre a Dialética do Esclarecimento. Em 2008 publicou Filosofia em Comum - para ler junto. Em 2010 publicou o infantil Filosofia Brincante e Diálogo/Desenho, em 2011 Olho de Vidro, a televisão e o estado de exceção da imagem , também os romances Magnólia em 2005 indicado em 2006 ao Jabuti de melhor romance e o segundo volume da série Trilogia Íntima chamado A Mulher de Costas em 2006. Em 2009 finalizou com o romance O Manto, a série intitulada Trilogia Íntima. Escreveu para várias revistas e jornais e desde 2008 é colunista da Revista Cult. Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Mackenzie, professora convidada da Fundação Dom Cabral. Realiza palestras sobre filosofia, ética e educação e temas relacionados.

Fontes:
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sábado, 25 de janeiro de 2025

José Feldman (Guirlanda de Versos) * 15 *

 

Renato Frata (Tintas da felicidade)

A Natureza como mãe zelosa, deixou que suas crianças brincassem como se deve: livres, leves, soltas e belas, pelo imenso céu. Eram vários os seus filhos: o Crepúsculo orgulhoso, o Sol majestoso e uma renca de Nuvens multiformes que se espalhavam pelo quintal infinito, pois naquele dia que se ia para a tarde, aproveitaram do acaso que pendia para o ocaso, deixaram de brincar de pega-pega e se puseram, em conjunto, matutar qual seria a próxima brincadeira, quando o Sol sugeriu:

- Vamos brincar de búricas?

- Não, - disse o Crepúsculo - já o fizemos. O tempo está especial para outra brincadeira.

– Que tal se nós - disse a Nuvem próxima do Sol - nos enfeitássemos como a num baile de gala? O Crepúsculo que é sensível, poderá servir de costureiro e o irmão Sol, com sua majestade, poderá nos maquiar... dando-nos aspectos especiais como as mulheres fazem em dia de festa – e riu...

– Eu topo – respondeu o Sol e imediatamente, pegou seu grande estojo de guache, ajeitou a paleta e pincéis e danou a pintar, uma a uma as irmãs Nuvens. 

Ele usou de sua arte genial com pinceladas que só ele, o Sol, com sua potência conseguiria, e colocou em umas a tonalidade sombria do azul. Em outras agindo com o mesmo capricho concedeu um esverdeado incomum, resplandecente; àquelas do canto, ele tratou de pintar com um amarelo chamativo esplendoroso e a as que estavam meio espalhadas, aqui e ali, conseguiu avermelhá-las do claro e do escuro puxado para o marrom, deixando-as tão belas, mas tão belas, que se não as olhassem bem, não as reconheceria como as próprias irmãs. E foi tão rápido e tão certeiro com seus pincéis que elas modificadas em sua concepção de nuvens, nunca imaginariam que um dia poderiam se vestir de cores tão lindas. 

– Sol, - disseram em coro - você fez maravilha, é um artista, burila as cores como exímio pintor! Obrigada e parabéns, conseguiu nos fazer felizes. Olha, veja como você nos fez belíssimas!

O Crepúsculo, entusiasmado, raspou a garganta limpando-a de um pigarro, e falou: - Concordo. Vocês estão lindas, maravilhosas com a pintura do Sol, mas gostaria de dar um retoque aqui se me deixarem. Posso? 

– Claro, - responderam - para melhorar, vale tudo!

Ele então as espalhou pelo céu sem as distanciar do Sol e disse: umas ficarão na parte superior, outras no horizonte e as demais à esquerda e à direita a se perderem de vista na amplidão do céu compondo um conjunto simétrico e constante. Sabem para quê? – antes de que alguém respondesse, continuou: – Assim dispostas ao redor do sol poente darão para quem as olhar um visual tão lindo e espetacular que descobrirão sem o perceber, o significado mágico da palavrinha MARAVILHA, muitas vezes despercebida pelos humanos.

– Que lindo, irmão, - disse o Sol - então daremos a essa brincadeira o nome de Crepúsculo Outonal, e ficaremos por instantes à mercê de olhos que se dispostos a nos olhar, conceberão o conjunto que nós, seres celestes, conseguimos quando bem usamos as tintas da felicidade.
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Renato Benvindo Frata nasceu em Bauru/SP, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Professor da rede pública, aposentado do magistério. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs:  Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil.

Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

Humberto de Campos (O Rio Purús)

(De uma frase de Dumas Filho)

À pequenina mesa de chá que Mme. Peixoto Leroux me reservara naquela primeira reunião dos seus íntimos, sentavam-se, à sombra das mangueiras seculares da sua linda chácara da Tijuca, o desembargador Abelardo, a jovem Mme. Costa Retore e, mais alegre que todos nós reunidos, a encantadora baronesa de São Bonifácio, recentemente chegada de Londres. Risonha, graciosa, inteligente, a loura titular tomou conta, logo, de todos nós, guiando a palestra com a habilidade com que dirige, às vezes, à tarde, pelas estradas da Gávea, o seu grande automóvel de seis lugares. Ligando os assuntos como quem liga, uma a uma, e continuamente, as pérolas do mesmo colar, a baronesa indagou, de repente:

- É verdade, que noticias me dão vocês da Lilita Wilson?

O desembargador, que é entendidíssimo em novidades de salão, alcova e cozinha, acudiu, pronto:

- Casou-se, outra vez. Logo que lhe morreu o primeiro marido, casou-se com o Alberto Manzoni, de São Paulo. Com a morte deste, na guerra, contraiu terceiras núpcias aqui mesmo.

- Com o Alexandre?

- Não; com o Viana Moreira, do Rio Grande do Sul.

A baronesa, sem mostrar espanto, sorriu, e, após um gole de chá e de uma torradinha minúscula, que lhe encheu toda a boca, lamentou, penalizada:

- Coitadinha! Até parece, já, o rio Purús, descrito por Euclides da Cunha!

- O rio Purús? - estranhei, pousando a chávena.

E a minha amiga, perversa.

- Então? Ela tem mudado tanto de leito!...

Uma folha amarela que se despregara da mangueira pôs termo à conversa, caindo, certeira, aos rodopios, como uma flecha vegetal, na xícara vazia da baronesa...
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Humberto de Campos Veras nasceu em Miritiba/MA (hoje Humberto de Campos) em 1886 e faleceu no Rio de Janeiro, em 1934. Jornalista, político e escritor brasileiro. Aos dezessete anos muda-se para o Pará, onde começa a exercer atividade jornalística na Folha do Norte e n'A Província do Pará. Em 1910, publica seu primeiro livro de versos, intitulado "Poeira" (1.ª série), que lhe dá razoável reconhecimento. Dois anos depois, muda-se para o Rio de Janeiro, onde prossegue sua carreira jornalística e passa a ganhar destaque no meio literário da Capital Federal, angariando a amizade de escritores como Coelho Neto, Emílio de Menezes e Olavo Bilac. Trabalhou no jornal "O Imparcial", ao lado de Rui Barbosa, José Veríssimo, Vicente de Carvalho e João Ribeiro. Torna-se cada vez mais conhecido em âmbito nacional por suas crônicas, publicadas em diversos jornais do Rio de Janeiro, São Paulo e outras capitais brasileiras, inclusive sob o pseudônimo "Conselheiro XX". Em 1919 ingressa na Academia Brasileira de Letras. Em 1933, com a saúde já debilitada, Humberto de Campos publicou suas Memórias (1886-1900), na qual descreve suas lembranças dos tempos da infância e juventude. Após vários anos de enfermidade, que lhe provocou a perda quase total da visão e graves problemas no sistema urinário, Humberto de Campos faleceu no Rio de Janeiro, em 1934, aos 48 anos, por uma síncope ocorrida durante uma cirurgia. Além do Conselheiro XX, Campos usou os pseudônimos de Almirante Justino Ribas, Luís Phoca, João Caetano, Giovani Morelli, Batu-Allah, Micromegas e Hélios. Algumas publicações são Da seara de Booz, crônicas (1918); Tonel de Diógenes, contos (1920); A serpente de bronze, contos (1921); A bacia de Pilatos, contos (1924); Pombos de Maomé, contos (1925); Antologia dos humoristas galantes (1926); O Brasil anedótico, anedotas (1927); O monstro e outros contos (1932); Poesias completas (1933); À sombra das tamareiras, contos (1934) etc.

Fontes:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925. Disponível em Domínio Público.  
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

Vereda da Poesia = 205


Trova de
JOSÉ LUCAS DE BARROS
Serra Negra do Norte/RN, 1934 – 2015, Natal/RN

Nada mais belo, decerto,
no cenário da esperança,
que a imagem de um livro aberto
sob o olhar de uma criança!
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Poema de
MACHADO DE ASSIS 
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908

Alencar

Hão de os anos volver, — não como as neves
De alheios climas, de geladas cores;
Hão de os anos volver, mas como as flores,
Sobre o teu nome, vívidos e leves...

Tu, cearense musa, que os amores
Meigos e tristes, rústicos e breves,
Da indiana escreveste, — ora os escreves
No volume dos pátrios esplendores.

E ao tornar este sol, que te há levado,
Já não acha a tristeza. Extinto é o dia
Da nossa dor, do nosso amargo espanto.

Porque o tempo implacável e pausado,
Que o homem consumiu na terra fria,
Não consumiu o engenho, a flor, o encanto...
= = = = = = = = =  

Trova de
CAROLINA RAMOS
Santos/ SP

Quando a noite se desata
e o véu de sombras descerra,
a lua derrama prata
sobre as misérias da terra.
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Prelúdio do anoitecer

Esmaece o fim de tarde
Quase, posso tocar
As nuvens, em degrade
Ah, esse silêncio encantado
Do outono em gotas
À beira do lago beijando as folhas,
Sussurrando às flores
Um poema de amor,
Enquanto  embala
A despedida do dia
Na cadeira de balanço
E nesse amenizar da respiração
Da saudade tão intensa,
Mas calada - disfarçada - lágrima
Deixo as lembranças
De cada detalhe
Do teu corpo junto ao meu
Mesclarem-se, unificando-nos
Nesse terno e apaixonante
Prelúdio do anoitecer...
= = = = = = 

Haicai de
ÁLVARO POSSELT
Curitiba/PR

Faz eco na rua –
O grito dos quero-queros
sob o nevoeiro
= = = = = = 

Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Sobre a margem tranquila de um açude
(Mário Quintana, in “Rua dos Cataventos”)

Sobre a margem tranquila de um fresco açude
Fez uma pausa longa o Tempo, a acalmar
Exausto de correr sempre a vindimar
Risos, vontades, crenças e juventude.

Também eu me detive nessa atitude
De conceder a mim mesmo esse vagar
Vergando-me ante mim, não sendo eu altar
Num gesto de humildade que me desnude.

Temos andado os dois sempre de mãos dadas
Desperdiçando as horas, que são sagradas
Em correrias loucas e sem sentido.

Vejo agora que me expus ao grave risco
De fazer desta vida um pequeno cisco
E chegar ao fim sem nunca ter vivido.
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Trova de
DOROTHY JANSSON MORETTI 
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Bem outro seria o clima
se em tantos gritos cruzados,
fosse ouvida, lá de cima,
a prece dos desgraçados!
= = = = = = 

Soneto de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Maldição

Se por vinte anos, nesta furna escura,
Deixei dormir a minha maldição,
- Hoje, velha e cansada da amargura,
Minh’alma se abrirá como um vulcão.

E, em torrentes de cólera e loucura,
Sobre a tua cabeça ferverão
Vinte anos de silêncio e de tortura,
Vinte anos de agonia e solidão...

Maldita sejas pelo Ideal perdido!
Pelo mal que fizeste sem querer!
Pelo amor que morreu sem ter nascido!

Pelas horas vividas sem prazer!
Pela tristeza do que eu tenho sido!
Pelo esplendor do que eu deixei de ser!...
= = = = = = 

Trova de 
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

É nos momentos tristonhos 
que eu peço à minha lembrança 
que traga de volta os sonhos, 
no aconchego da esperança…
= = = = = = 

Soneto de
AUTA DE SOUZA
Macaíba/RN, 1876 – 1901, Natal/RN+

À memória de uma ave

Quando morre uma criança,
Diz-se que o pálido anjinho
Voou como uma esperança,
Foi para o Céu direitinho.

Mas nossa mente se cansa
A voar de ninho em ninho,
Interrogando a lembrança,
Quando morre um passarinho.

Só eu, se alguém diz que a vida
De uma avezinha querida
Se extingue como um clarão,

Ponho-me a rir, pois, divina,
Ouço cantar, em surdina,
Tu' alma em meu coração.
= = = = = = 

Haicai de
GUILHERME DE ALMEIDA
Campinas/SP 1890 – 1969 São Paulo/SP

Interior

Havia uma rosa
no vaso. Veio do ocaso
a hora silenciosa.
= = = = = = 

Soneto de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS

Imemorial

À noite pervaguei pelo Beco do Império
que há cinquenta anos não existe mais
e as horríveis mulheres, nos portais,
estavam belas de eu sonhar com elas.

Um bêbado me olhava, muito sério.
"Ó meu velho Condessa, como vais?"
Porém, agora — eu é que era o velho
e ele nem me conhecia mais...

Tolice!... Ele, afinal, disse o meu nome!
Ah, sempre que se sonha alguma coisa
tem-se a idade do tempo em que as sonhamos:

Me esqueci do futuro... e lá nos fomos
e a luz da Lua — eterna, intemporal —
juntava numa as duas sombras gêmeas.
= = = = = = 

Trova de
ALZIRA DAL’AGNOLL
Itapema/SC

Nestas ondas espumantes,
onde pesquei meu sonhar,
eu sou pescador de instantes,
nos encantos que encontrar.
= = = = = = 

Hino de 
ITABUNA/ BA

I
Lá na mata, o ouro fruto,
O seu brilho atraiu
Homens bravos, corajosos,
A natureza... O desafio!
Com o machado, o homem na mata
Ressoa o grito voraz da vitória!
Tabocas! Tabocas! Tabocas...
Itabuna tu és agora!

Refrão:
Na madeira, o machado taboca!
E a vila de Ferradas vem surgindo!
O fruto ouro nos olhos, na alma!
Do Cachoeira, a cidade se expandindo!
Amada cidade grapiúna,
Sua glória; sua história
São orgulhos ao coração!

II
Com muralhas, em seu rio,
Grande espelho se formou!
Pedra preta refletindo
Sua gente, seu progresso, seu valor!
Nas praças, seus contos na memória!
Os compêndios enaltecem sua história!
Amada cidade grapiúna:
Itabuna tu és agora!

III
Hoje és linda, hoje és forte!
Sua fauna é conhecida!
Há riquezas nessa terra!
Nessa flora mãe amiga!
No comércio, na indústria... Sua força!
Esse aroma de cacau no coração
São braços fortes, que acolhem o seu povo.
Outra terra não há igual!

Obs : Repetir no final do último coro:
Itabuna, sua glória, sua história
São orgulhos ao coração! 
= = = = = = = = =  

Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

Teu retrato

Em frente ao teu retrato jovem, belo,
Chegado há pouco tempo nesta terra,
Cheio de sonhos bons, encontra a guerra
Pela sobrevivência, e busca um elo.

O sorriso confiante nela encerra
Uma esperança no porvir, no anelo,
buscavas inquietante,  sem libelo,
o  apoio certo, então sobes a serra.

Desiludido já não  ris, na foto
Da carteira social, anos depois.
Sério, parece preocupado e noto,

Que não foi tão feliz a decisão
De deixares a amada terra, pois,
Choravas de saudade à volição.
= = = = = = = = =  = = = = 

Trova de
DERCY DE FREITAS
Amparo/SP

Ah! tantas vezes suponho
quando a noite, enfim, se aquieta
que existe um reino de sonho
na inspiração do poeta!
= = = = = = = = = 

Uma Lengalenga de Portugal
MENINA BONITA

 Menina bonita
Não sobe à janela
Porque o bicho mau
Carrega com ela.
 
Se quer alvos ovos
Arroz com canela
Menina bonita
Não sobe à janela.
 
Não sobe à janela
Não sobe à varanda
Porque lá está posta
Uma fita de ganga.
 
E dentro da panela
Uma fita amarela
E dentro do poço
A casca de tremoço
E lá no telhado
Um gato molhado
= = = = = = = = =  

Trova Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Se eu pensara quem tu eras,
 quem tu havias de ser,
não dava meu coração
para tão cedo sofrer.
= = = = = = = = =  

Poema de
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba / PR

Palavra é ave
Às vezes suave
Às vezes arredia
Entre um pouso e outro
Escolhe um coração
Como ancoradouro
Pra nele fazer
O seu seguro ninho.
= = = = = = = = =