quarta-feira, 26 de fevereiro de 2025

Vereda da Poesia = 220

 
Soneto de
ANÍBAL BEÇA
Manaus/ AM, 1946 – 2009

ARS POÉTICA

Nesse afago do meu fado afogado
as águas já me sabem nadador.
A rês na travessia marejada
gado da grei de um mar revelador.

Vou e volto lambendo o sal do fardo
língua no labirinto, ardendo em cor
furtiva, enquanto messe temperada,
da tribo das palavras sou cantor.

Procuro em frio exílio tipográfico
o verbo mais sonoro em melodia
o ritmo para a cal de um pasto cáustico.

Sou boi e sou vaqueiro dia a dia
no laço entrelaçado fiz-me prático
catador de capins nas pradarias.
= = = = = = = = =  

Poema de
SILVIAH CARVALHO
Manaus/AM

ETERNO ARGUMENTO

Já foi o refugo em minha mente
Algo ultrapassado em demasia
Que em mim aflorava livremente
Sempre que de mim, eu me perdia

Elevava-o nos pensamentos meus
Que eram Conflitantes e envolventes
Eram tudo que tinha, quando nada era teu!
Nem meu corpo, minha vida ou minha mente.

Cá estou a falar do Amor que eu maldizia
Do fiel argumento do poeta infiel
Que tira um pedaço do inferno e faz um “céu”

Cá estou a falar do que nunca entendia
Não mais o refugo, agora o bom sabor dor
Infiel e eterno argumento do poeta fiel... O amor!
= = = = = = = = =  

Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

O LIVRO ONDE SEPULTE O MEU SOFRER
(Fernandes Valente Sobrinho in "Poemas Escolhidos" p. 93)

O livro onde sepulte a minha dor
Não o lavro com lágrimas de tinta
Pois com medo que invente ou que eu lhe minta
Não achará jamais qualquer leitor.

Seria, com certeza, um fraco autor
E a minha mão de inspiração faminta
Daria, em pouco tempo, por extinta
Essa obra sem ter um editor.

Guardo em pasta de capa dura e preta
Essas folhas que fecho na gaveta
Como os mais crus e tristes documentos.

Um dia, quando o livro estiver feito
Com a pena que usei rasgo o meu peito
E essas páginas rudes solto aos ventos.
= = = = = = = = = 

Soneto de
AFONSO FREDERICO SCHMIDT
Cubatão/ SP, 1890-1964, São Paulo/SP

CARAS SUJAS

Ao longo destas avenidas,
Recordação de velhas lendas,
Cantam as chácaras floridas
Com suas líricas vivendas.

Lá dentro, há risos, jogos, danças,
Crástinas, módulas fanfarras,
Um pandemônio de crianças,
Um zagarreio de cigarras.

Fora, penduram-se na grade
Os pobre, como gafanhotos;
Têm dos outros a mesma idade,

Mas estão pálidos e rotos.
Chora a injustiça da cidade
Na cara suja dos garotos.
= = = = = = 

Poema de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP

AMOR

Amor de minha vida, amor ventura,
vem comigo seguir a nossa estrada,
vamos viver a vida simples, pura,
antes que o sol desfaça a madrugada.

E vou te amar assim com tal doçura,
com tanto amor serás a minha amada,
que meus versos repletos de ternura
vão se espalhar em tua caminhada.

Terei em minha vida o teu carinho
e nunca mais me sentirei sozinho
e tu terás o amor mais verdadeiro.

Quando o tempo passar, calmo e sereno,
verás que fui e sou, mesmo pequeno,
teu homem, teu poeta e seresteiro.
= = = = = = = = =  

Poetrix de
THOMAZ RAMALHO
Luanda/Angola

MELANCOLIA

Os cotovelos no parapeito da sacada
e o pensamento apoiado
na linha do horizonte.
= = = = = = 

Poema de
MÁRIO A. J. ZAMATARO
Curitiba/PR

IMPOSTO

Amigo imposto?
Isso é conversa!
- de pronto, digo.
Dá até desgosto,
qual vice-versa:
imposto amigo...
= = = = = = 

Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

A VERDADE

Ó querida, quem sabe neste dia
Encontrarei u’ amor que me fascine!
E talvez uma estrela que ilumine
Esta vida cruel que me iludia.

Só tu podes me dar tanta euforia,
Sem impedir, também, que raciocine,
E com meu sentimento me destine
A dor de ser um velho, mas queria...

Coragem pra buscar esta verdade
E talvez, a esperança sem vaidade
De poder te encontrar sem levar foras.

Esperando que agora possas rir
Sem  ilusão, embora possas vir
Com essa liberdade, por quem choras.
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Cantiga Infantil de Roda
SERENO DA MEIA-NOITE 

É uma uma roda de crianças, com uma no centro. Cantam as da roda:

Sereno da meia-noite }
Sereno da madrugada } bis

Eu caio, eu caio }
Eu caio. sereno, eu caio } bis

Responde a menina do centro:

Das filhas de minha mãe }
Sou eu a mais estimada } bis

Eu não m'importo, }
Que da amiguinha, }
Eu seja a mais desprezada } bis
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Coração de sapo morto,
banana não tem caroço.
Garrafão tem fundo largo,
botija não tem pescoço.
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

PANDORA

Do escuro da caixa
Voam lágrimas...
Diáfana solidão,
Silencia-se
A Esperança.
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Célio Simões ("O nosso português de cada dia") "Sem eira nem beira"

 
“Eira” é um terreno de chão batido ou rusticamente cimentado onde, em Portugal, os grãos da colheita ficavam ao ar livre para secar. A palavra “eira” vem do latim "área", significando um espaço de terra batida, lajeada ou cimentada, próximo às casas, nas aldeias portuguesas, onde se malhavam, trilhavam, limpavam e secavam cereais. Depois da colheita, os cereais ficavam ao ar livre expostos ao sol, a fim de serem preparados para a alimentação ou para serem armazenados. Quem possuía uma eira era considerado proprietário e produtor, com terras, casa, bens, riqueza, poder e influência social.

E “beira” é a beirada da eira, é a aba da casa, aquela extensão do telhado que serve para proteger da chuva. Quando uma eira não tem beira, o vento leva os grãos e o proprietário suporta o prejuízo. Há regiões em que este ditado tem o mesmo significado, porém com outra e curiosa explicação. Qual seria? 

Antigamente, como dito acima, as casas dos cidadãos endinheirados tinham esse tipo de telhado triplo: a eira, a beira até mesmo a tribeira, como era chamada a sua parte mais alta. E como a camada pobre da população não tinha condições de fazer tal telhado, rebuscado e dispendioso, se limitavam a construir somente a “tribeira”, ficando, por conseguinte, "sem eira nem beira". 

Por aqui, a expressão surgiu no Brasil Colônia, em referência tanto ao estilo arquitetônico como à condição social das pessoas, incorporando-se à linguagem coloquial, pois até hoje se refere a quem é despido de bens materiais, posses ou dinheiro, que vive na condição de extrema pobreza.

Dizer que determinado indivíduo não tinha “eira nem beira”, significava e ainda significa ser ele economicamente carente, despido de patrimônio pessoal, que não tem onde cair morto, que alguns dizem que “não tem onde cair vivo”, porque morto ele cai em qualquer lugar... A rima contida na expressão tem forte conteúdo discriminatório, pois implícita e jocosamente evidencia a condição de grande parte da população do Brasil que infelizmente é muito pobre, daí ser prudente sua não utilização, mesmo que a título de gracejo.

Na música popular brasileira a expressão marcou presença no DVD “PRA TOMAR CACHAÇA”, do cantor, músico e compositor “Luan Estilizado”, ritmo brega forte e marcante, de sugestiva letra:

“Perdeu o seu cobertor
Não tem mais seu lugar
Tá do lado de fora do meu coração.
Tá no frio e não tem fogueira
No relento, sem eira e nem beira
Sem meus braços pra te aquecer
Sem ninguém pra ficar com você (...)”

O sacerdote, evangelizador, escritor, poeta, compositor e cantor brasileiro, José Fernandes de Oliveira, nacionalmente conhecido como Padre Zezinho, um dos maiores nomes da nossa música cristã, atualmente com mais de três mil músicas em seu extenso repertório, também utilizou a expressão vinda de Portugal em uma de suas composições, que ele denominou “SEM EIRA NEM BEIRA”, cujo texto poético alude à vida despojada de Jesus Cristo: 

“José trabalhava na carpintaria,
cuidando zeloso da sua Maria.
Maria esperava chegar sua hora,
no ventre levava seu filho e Senhor.
Mas eis que um decreto os arranca do teto
que foi testemunha do mais puro amor.
E assim foi que antes de haveres nascido,
te vistes banido pelo imperador.
Por longas estradas que ainda não vias,
sem eira nem beira calado seguias (...)”.

Na literatura, o escritor Jorge Menezes lançou o livro “SEM EIRA, NEM BEIRA” (Editora Jorge Menezes, 92 páginas, ano 2020), no qual, em um momento de fantasia, a personagem Antônio lembra de seu passado, invocando momentos de sua via, tanto os bons, como aqueles marcados pela carência de quem nada tinha para chamar de seu.

Outra escritora, Efigênia Zeferina Costa, também nos legou o excelente livro “MINHA INFÂNCIA SEM EIRA NEM BEIRA” (Editora Efigênia Zeferina Costa, 75 páginas, ano 2020) em que narra com leveza, sem mágoas e de maneira quase poética, as vicissitudes de sua infância e a vida social transcorridas na primeira metade do Século XX em Itapecerica, minúsculo vilarejo no interior de Minas Gerais (hoje município), incursionando numa seara modestamente explorada na literatura, mas com relevante papel na cultura brasileira. 

Pode-se dizer que a expressão “SEM EIRA NEM BEIRA” deixou sua marca indelével na poesia, na música, na literatura, nas rodas de conversas em família ou entre amigos, tantas foram as obras que dela se ocuparam desde que aqui chegou de caravela com os portugueses, e de tão utilizada que continua sendo, acabou “dando panos pras mangas”. Opa! Sem querer, acabamos de mencionar outra expressão idiomática do nosso linguajar de cada dia, que bem poderá vir á lume numa terça-feira qualquer...
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CÉLIO SIMÕES DE SOUZA é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras, em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

Fontes:
Enviado pelo autor
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segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Adega de Versos 126: Carolina Ramos

 

José Feldman (A Caixinha de Música)

Era uma manhã ensolarada nas ruas de uma cidade do interior do Estado do Paraná. Entre os prédios imponentes e as pessoas apressadas, havia uma menina de cabelos desgrenhados e roupas puídas. Seu nome era Bela, e sua casa era a calçada. Apesar da dureza da vida, havia uma luz especial em seus olhos, uma chama que a mantinha viva em meio à escuridão.

Bela possuía apenas uma caixinha de música, um objeto simples, mas que guardava todo o seu mundo. Quando a abria, uma bailarina de porcelana começava a rodopiar, enquanto uma melodia suave preenchia o ar. Aquela presença delicada era seu refúgio, o escape de uma realidade dura. Ela sonhava acordada, imaginando-se girando sob os holofotes, vestida com um vestido brilhante, dançando como as estrelas que via à noite.

A cada dia, Bela se sentava em um canto da praça, onde o som das risadas e das conversas se misturava à música da sua caixinha. As pessoas passavam, algumas lançavam olhares de compaixão, outras ignoravam. Mas para ela, nada disso importava. A bailarina dançava, e ela sonhava.

Certa tarde, enquanto o sol começava a se pôr, tingindo o céu de laranja e rosa, ela decidiu que era hora de mostrar sua caixinha a um grupo de crianças que brincavam nas proximidades. Com um sorriso radiante, abriu a caixinha, e a música começou a tocar. As crianças pararam, fascinadas pela dança da bailarina, e ela se deixou levar pela melodia, girando e rodopiando junto com sua criação.

Mas, em um momento de distração, a caixinha escorregou de suas mãos. O tempo pareceu se desacelerar enquanto ela via o objeto precioso cair. O som do impacto foi como um trovão em sua mente. A música parou abruptamente, e a bailarina ficou imóvel, como se tivesse perdido a vida.

Bela sentiu uma onda de desespero invadi-la. As lágrimas escorriam pelo seu rosto, misturando-se com a poeira da calçada. O que era ela sem sua música? O que era seu sonho sem a bailarina girando? O mundo ao seu redor parecia escurecer, e a tristeza a envolveu como um manto pesado.

Neste momento de dor, um senhor idoso, que sempre passava por ali com sua bengala, notou a cena. Ele se aproximou, agachou-se lentamente e pegou a caixinha do chão. Suas mãos, envelhecidas mas firmes, examinavam o pequeno objeto com cuidado. Ela o observava, a respiração entrecortada pela ansiedade, sem saber o que esperar.

Com um toque suave, o velho abriu a caixinha. Ele olhou para Bela e sorriu, um sorriso que parecia carregar a sabedoria de uma vida inteira. Então, com um gesto habilidoso começou a ajustar a engrenagem. Para a surpresa dela, a música começou a tocar novamente. A bailarina, como por encanto, voltou a girar e a melodia encheu o ar.

— Aqui está, menina — disse o velho, entregando a caixinha de volta a ela. Sua voz era doce, como a brisa suave que soprava entre as árvores. — A verdadeira mágica, menina, é nunca deixar de sonhar.

Ela, com os olhos brilhando de gratidão, segurou a caixinha contra o peito. O senhor a observava, e em seu olhar havia algo que a fez sentir que ele entendia a profundidade de seu sonho. Naquele instante, a tristeza se dissipou, e a esperança floresceu novamente dentro dela.

— Obrigada! — sussurrou, com a voz embargada.

Ele sorriu novamente, e antes de se afastar, acrescentou:

— Lembre-se, os sonhos são como esta música. Às vezes, podem parar, mas sempre podem voltar a tocar. Basta acreditar.

Com o coração renovado, Bela observou o homem se afastar, enquanto a música continuava a tocar. A bailarina girava, e com ela, seus sonhos voltavam a dançar. A caixinha de música não era apenas um objeto, era um símbolo de que mesmo nas sombras da vida, a luz da esperança nunca se extingue.

E assim, todos os dias, ela se sentava na praça abrindo sua caixinha e dançando com a bailarina, sonhando e acreditando  que as dificuldades são passageiras e nunca deixaria que apagassem a música de sua vida.

Os dias passaram e Bela continuava a visitar a praça, sempre com sua caixinha de música. A cada manhã, o velho senhor a encontrava ali, assistindo-a dançar e sonhar. Em uma dessas manhãs, enquanto a música ecoava suavemente, ele se aproximou e se sentou ao seu lado.

— Menina — começou ele, com um olhar gentil —, eu percebo que você ama dançar. O que você sonha em ser quando crescer?

Ela hesitou por um momento, mas a confiança que aquele homem lhe proporcionara a encorajou a abrir seu coração.

— Eu quero ser bailarina, como a da minha caixinha — disse ela, com os olhos brilhando de emoção. — Quero dançar para o mundo todo ver.

O velho sorriu amplamente, seus olhos se iluminando com a determinação da menina. Então, ele decidiu que era hora de transformar aquele sonho em realidade.

— Venha, querida — disse ele, estendendo a mão para ela. — Tenho algo especial para você.

Com um misto de curiosidade e excitação, Ela segurou a mão dele, que era firme e calorosa. O caminho que seguiram levou-os a uma escola de dança, um lugar onde a música preenchia o ar e as crianças se moviam com graça e alegria. Ela ficou maravilhada ao entrar, seus olhos se arregalando ao ver as bailarinas rodopiando e se alongando.

— É aqui que você vai aprender a dançar — disse o senhor, olhando para ela com ternura. — Eu quero que você faça parte deste mundo.

Ela não conseguia acreditar. Olhou para o homem, seu coração acelerado de felicidade. Ele se dirigiu à diretora da escola, e com um tom firme e respeitoso, pediu que aceitassem Bela como aluna. A diretora, tocada pela história do senhor e pela paixão da menina, concordou.

Quando o senhor se virou para Bela, ela estava tão emocionada que lágrimas de alegria escorriam pelo seu rosto. Ela correu até ele e o abraçou com força, sentindo a segurança e o carinho que ele lhe oferecia.

— Obrigada, vovô! — exclamou, a palavra saindo de seus lábios como um sussurro mágico. Ela nunca havia conhecido um avô, mas sentia que aquele homem havia preenchido um espaço vazio em seu coração.

O velho, que sempre vivera sozinho, sentiu uma onda de emoção. Ele nunca imaginou que poderia ter uma neta, alguém para cuidar e amar. A partir daquele dia, Bela tornou-se a luz da sua vida. Ele a acompanhava nas aulas, a incentivava em cada passo e a congratulava por cada conquista.

Os anos se passaram, e Bela cresceu, transformando-se em uma bela jovem com um talento excepcional para a dança. Ela subia ao palco com a mesma alegria que sentia ao rodopiar com sua caixinha de música. Cada apresentação era uma homenagem a sua infância, àquela bailarina que sempre dançava para ela.

Apesar de seu sucesso, ela nunca abandonou sua caixinha. Ela a mantinha em um lugar especial de seu coração. Às vezes, em momentos de dúvida ou cansaço, abria a caixinha e deixava a melodia envolver seu ser. Era um lembrete constante das suas raízes e da importância de acreditar.

Em uma noite especial, quando Bela se preparava para uma grande apresentação, ela olhou nos olhos do seu "vovô", que estava sentado na primeira fila, orgulhoso e emocionado. Ele sempre dizia:

— Lembre-se, os sonhos são como esta música. Às vezes, podem parar, mas sempre podem voltar a tocar. Basta acreditar.

Com essas palavras ecoando em sua mente, subiu ao palco. A luz a abraçou, e a música começou. Ela dançou como nunca antes, cada movimento uma celebração de sua jornada, do amor que a cercava e da mágica que existia em nunca deixar de sonhar.

E no fundo de seu coração, sabia que, independentemente do que acontecesse, sua caixinha de música sempre tocaria, guiando-a por toda a vida.
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JOSÉ FELDMAN nasceu na capital de São Paulo. Formado em técnico de patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais; membro da Casa do Poeta “Lampião de Gás”. Foi amigo pessoal de literatos de renome (falecidos), como Artur da Távola, André Carneiro, Eunice Arruda, Izo Goldman, Ademar Macedo, e outros. Casado com a escritora, poetisa, tradutora e atualmente professora pós-doutorada da UEM, mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, morando atualmente em Maringá/PR em 2011. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Academia de Letras de Teófilo Otoni, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia Virtual Brasileira de Trovadores, etc, possui o blog Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria. Assina seus escritos por Floresta/PR. Publicou mais de 500 e-books. Premiações em poesias no Brasil e exterior.

Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
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Bento Serrano (O castelo encantado ou o monte do castelo das fadas)

(Tradição prussiana)

Ao pé do rio Memer, e não longe da cidade de Tilsit, levanta-se um monte alto e redondo que se chama  “Monte do Castelo”. Há muitos e muitos anos houve ali um grande castelo, como ainda hoje se pode ver pelas ruínas das paredes, e por um fosso muito fundo e duas linhas de muralhas que estão ao redor. A quem pertence e quem agora lá mora, é coisa que ninguém sabe dar notícia, mas corre na terra uma tradição que reza que ele se aluiu de repente, e ainda hoje se mostra no cume do monte, mesmo no meio dele, um largo e escuro boqueirão, cujo fundo ainda ninguém pôde achar com cordas: diz-se que deve ter sido a chaminé do antigo castelo. Nesses muros tombados reza a mesma tradição que é guardado um tesouro imenso por um porteiro, velhinho de cabelos brancos, que já tem sido visto muitas vezes pelos viajantes que sobem ao monte, e que ninguém até hoje tem podido ir aproveitar-se dele.

Um dia andavam muitos rapazes de uma aldeia próxima de Tilsit a pastorear o gado no monte do castelo. Já era mais de meio do dia, o sol queimava e os rapazes deitaram-se à sombra de um roseiral bravo e puseram-se a contar histórias. Entre outras coisas falaram no muito ouro que estava no monte por debaixo deles, e mostraram desejos de que lhes aparecesse o porteiro do castelo para irem atrás dele e deitarem mão no tesouro. Mas mostravam esse ânimo por ser dia claro, porque nenhum deles era capaz de se deixar ficar só no monte do castelo depois de escurecer.

— Sim, dizia o mais novo, fazia-me boa conta o ouro, e ainda mais a minha mãe que está velha, corcunda e trôpega e ainda se assenta à roda de fiar, ganhando assim com muito trabalho mas honestamente o escasso pão de cada dia; que alegria não seria a dela se eu pudesse levar-lhe para casa uma boa mão cheia de dinheiro! Mas eu não quero nada com o tal fantasma do homem pequenino.

— Tolo! – disseram os outros – Ele não faz mal a ninguém, provavelmente descansaria e não lhe seria preciso andar a vaguear pelo monte, se alguém achasse o tesouro, porque então não teria mais que guardar.

Assim palravam eles até que um se lembrou de irem todos ao boqueirão e atirarem pedras para baixo. Mas por maiores que fossem as pedras que arrastassem até ao buraco e lançassem dentro, não ouviam cair nenhuma no fundo.

— Se houvesse uma corda bem comprida, disse Fernando que era o mais velho, e rapaz forte e animado, poderia um de nós descer um bom pedaço, e ver se acharia alguma porta ou coisa semelhante que fosse dar onde está o ouro.

— Na casa de meu amo, disse outro, há um poço, e está uma corda no guindaste que com certeza é duas vezes tão comprida como este monte. Querem que a vá buscar? Em casa não está agora ninguém porque meu amo e minha ama saíram para longe para um batizado.

A proposta foi bem recebida por todos, menos pelo pequeno Teófilo.

— Nós, disse Fernando com os olhos afogueados (ardentes), podemos talvez ser ricos com pouco custo, não precisando mais guardar gado pelo ardor do sol, podemos mesmo comprar casa e campos e ter rapazes para o gado, se enchermos bem os bolsos lá em baixo. Vai buscar a corda, depois tiraremos à sorte quem há de descer à cova, os outros ficarão a segurar a corda em cima, e o que descer será içado logo que dê sinal puxando por ela.

Todos estavam muito contentes, menos o pequeno Teófilo, que sendo medroso, se opunha àquela resolução, mas foi ludibriado pelos camaradas. Quando chegou a corda e foram lançadas as sortes, a quem tocou a vez foi justamente ao timorato Teófilo, que bem fugiria dali para longe se os camaradas não o segurassem e não o atassem à força com a corda. 

Gritando e bracejando, com grandes risadas dos companheiros foi lançado no boqueirão redondo e descido devagar. A ponta da corda foi atada com muita segurança ao tronco de uma árvore, e pouco a pouco foram os rapazes deixando ir cada vez mais para o fundo o seu pequeno camarada. 

Passados alguns minutos curvaram-se na borda do buraco e disseram: “Que vês lá embaixo, Teófilo?” Mas Teófilo só pedia que o puxassem para fora.

Afinal já não se entendia o que ele dizia: a corda, que era mais comprida do que a altura da torre da igreja de Tilsit, estava já a chegar ao fim, e ainda se sentia retesada e pesada, sinal certo de que Teófilo ainda não tinha chegado ao fundo. 

Mas de repente sentiu-se que estava bamba. Os moços do gado deram gritos de alegria, vendo que por fim estava Teófilo em terra firme: estenderam meio corpo por sobre a borda do boqueirão, chamaram e puseram-se a escutar, mas o silêncio era de mortos. Assim esperaram muito tempo, uma hora e ainda mais. 

Agora, diziam eles, já Teófilo tem tido tempo de ver tudo e de encher os bolsos com ouro e prata. 

Puxaram a corda para cima, mas a corda não trazia nada. Como esperassem ainda uma hora e outra hora sem que a corda trouxesse alguma coisa acima, começaram a afligir-se e a inquietar-se. Depois correram muito pesarosos à aldeia, e com medo de castigo disseram à velha mãe doente do seu camarada perdido, que Teófilo tinha trepado sozinho às ruínas do monte do castelo e de repente tinha desaparecido.

Foi grande a angústia da pobre mãe do rapaz, cuja alegria única era o seu Teófilo. Chorou e gemeu toda a noite, não houve sono que lhe fechasse os olhos, e bem quisera ela morrer para ir ter com seu filho ao céu, porque ele decerto tinha caído no fundo do boqueirão do monte do castelo, e lá estava despedaçado e morto.

Quando na manhã seguinte Fernando e os outros moços do gado levavam outra vez os rebanhos para o pasto da véspera, ainda aflitos pelo que tinha acontecido, correu Teófilo ao encontro deles na raiz do monte. Todos os seus bolsos, e o barrete, e mesmo as mãos, estavam cheias de ouro, e ele com grande alegria contou aos camaradas como tudo lhe tinha corrido bem. Disse ele:

— Logo que me senti em chão firme e que me desatei da corda, vi uma porta diante de mim e por ela entrei em uma cozinha muito grande. Ardia no lar uma grande fogueira que não fazia fogo nenhum, e em toda a parte não se via senão coisas de ouro e de prata. De repente, veio direto a mim um velhinho pequeno, pegou-me na mão com muito bons modos e me disse que não tivesse medo porque me assegurava que não havia ali ninguém que me fizesse mal. Então perdi o medo e atravessei com o bom velho muitas salas cada vez mais bonitas, onde havia montes de ouro. Então deu-me o castelão diferentes iguarias muito boas para comer, e mostrou-me uma cama em que eu podia dormir. O vinho muito doce que bebi pesou-me na cabeça, e eu dormi como um morto até que o mesmo velhinho foi me acordar. Então encheu-me de ouro o barrete e os bolsos tanto quanto podiam levar, e disse-me: “Guarda isto como lembrança do porteiro do castelo e trata de tua velha mãe.” E pegando-me uma mão, abriu uma porta pequena, e quando pus os pés fora, vi o céu azul e o sol da manhã, e ouvi o sino da aldeia que tocava as ave-marias. Ele não saiu, disse-me adeus com a mão, e desapareceu. A porta por onde tinha saído não a tornei a ver. Graças a Deus, tudo foi bem até o fim. Como minha mãe vai ficar contente!

E Teófilo correu logo à aldeia, sem dar mais ouvidos aos seus camaradas que bem queriam ouvir contar mais alguma coisa.

— Agora, disseram eles uns para os outros quando viram as grandes riquezas com que Teófilo apareceu, devemos ir também ao bom porteiro velho e trazer alguma coisa do seu tesouro. Vamos ver a quem por sorte caberá a vez de ir lá abaixo.

— Para que há de ser à sorte? disse Fernando, eu sou o mais velho de todos e hei de ser o primeiro a descer. A quem não concordar com o que digo, provarei que está ao meu lado o direito do mais forte.

Os camaradas resmungaram, mas não se atreveram a resistir ao rapaz robusto, e por isso foi Fernando descido ao boqueirão, depois de ter primeiro tirado o seu pão da sacola pastoril, para ter onde deitar muito ouro que esperava receber do porteiro do castelo em ruínas. 

De novo se mostrou a corda retesada quase até ao fim, e os outros a colheram sem que trouxesse nada, mas não esperaram que o camarada saísse para fora naquele mesmo dia, porque sabiam que ele tinha lá embaixo boas coisas para comer e uma cama bem fofa para passar a noite, e que lhes apareceria de manhã muito alegre, como o pequeno Teófilo, ao pé do monte. A ausência de Fernando foi pouco notada na aldeia, os companheiros levaram-lhe a casa o gado e ele não tinha uma mãe que o chorasse.

Na manhã seguinte todos os outros cheios de impaciência saíram com o gado mais cedo do que costumavam, mas não encontraram Fernando. Esperaram um pouco, depois correram ao alto do monte, deitaram a corda ao boqueirão, e inquietos chamaram o camarada pelo nome. Mas não houve resposta. Depois ninguém tornou a ver Fernando, nem apareceu ninguém que tivesse ânimo para descer ao fundo do monte do castelo, e apanhar o tesouro que lá está enterrado.
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BENTO SERRANO nasceu em Portugal, em meados do século XIX e faleceu em 1939) foi um astrólogo, escritor e ativista republicano. Ferrenho defensor do republicanismo, produzindo diversos periódicos publicados pela Editora Livraria Portuguesa em prol da república e contra a monarquia em seu país. Retirou-se para uma gruta na região de Serra da Estrela em Portugal, onde montou seu improvisado gabinete de estudos astronômicos e astrológicos, dedicando grande parte da sua vida ao estudo dos astros e à recolha da sabedoria tradicional e popular portuguesa. É autor de diversos livros esotéricos e de sabedoria popular, tendo publicado diversos almanaques e outros periódicos a partir de 1883 até o ano de sua morte em 1939. Conhecido por sua habilidade em misturar elementos de mistério e fantasia com uma narrativa envolvente. Oráculo do passado, do presente e do futuro, é uma das mais completas obras sobre "o verdadeiro modo de aprender no passado a prevenir o presente, e a adivinhar o futuro".

Fonte:
Bento Serrano. Oráculo do Passado, Presente e Futuro. vol. VII: O oráculo da mágica. Publicado originalmente em 1883. Disponível em Domínio Público.  
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domingo, 23 de fevereiro de 2025

José Feldman (Guirlanda de Versos) * 21 *

 

Humberto de Campos (Laura Praxedes)

Aqueles últimos cinco anos de vida matrimonial haviam sido para Joaquim Praxedes Monteiro uma tortura contínua. Certo, nada lhe demonstrava de modo seguro, positivo, irrecusável, o procedimento incorreto da esposa; uma voz interior dizia-lhe, porém, a todo instante, que ele estava sendo traído, enganado, ludibriado e, por onde andava - na rua, no cinema, na repartição, - parecia ver em cada rosto, em cada olhar, em cada cumprimento, um sorriso de mofa um sorriso de mofa pelo conhecimento da sua desgraça. Com o surto dessa suspeita morrera a sua alegria. Tinha vontade, ímpeto desejo de sacudir a mulher pelo braço e perguntar-lhe a verdade, mas temia ser injusto, e calava-se. Até que um dia, diante de seu leito mortuário, vendo-a desenganada pelos médicos, resolveu explodir e tranquilizar de uma vez o seu pobre coração despedaçado.

— Laura! - pediu, segurando-lhe as mãos pálidas, e cobrindo-as de lágrimas - Laura, dize-me, pelo amor de Deus: tu nunca me enganaste?

O peito opresso, a testa coberta por um suor frio, prenúncio seguro da morte, a moça olhou-o nos olhos:

— Não, Praxedes, nunca!

E para tranquilizá-lo:

— Eu quero que meu corpo fique dando voltas no espaço se eu alguma vez te enganei!

E, soltando um suspiro fundo, morreu.

Passou-se o tempo. Oito anos viveu ainda Joaquim Praxedes na terra, com a alma a oscilar, aflita, entre um arrependimento e uma saudade. Até que, por sua vez, após um acesso do coração, abandonou o seu invólucro terreno e foi bater às portas de ouro do Paraíso.

Ao penetrar na mansão dos bem-aventurados, olhou em torno e foi logo perguntando a São Pedro:

— Meu santo, diga-me uma coisa: a Laura anda por aqui?

— Laura? - fez o santo, semicerrando os olhinhos espertos, como para lembrar-se melhor. - Que Laura? Nós, aqui, temos milhares de Lauras.

— Essa a que me refiro é minha mulher... Laura Praxedes Monteiro...

O chaveiro pensou um instante, como quem procura recordar-se. E como se não lembrasse, chamou um anjo, que passava, as asas muito grandes e muito cândidas.

— Gisael!

O anjo acorreu.

— Existe aqui alguma Laura Praxedes Monteiro?

— Sim, mestre, existe.

E como quem estranha aquele desconhecimento de pessoa tão conhecida:

— Não é aquela que está servindo de ventilador?
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HUMBERTO DE CAMPOS VERAS nasceu em Miritiba/MA (hoje Humberto de Campos) em 1886 e faleceu no Rio de Janeiro, em 1934. Jornalista, político e escritor brasileiro. Aos dezessete anos muda-se para o Pará, onde começa a exercer atividade jornalística na Folha do Norte e n'A Província do Pará. Em 1910, publica seu primeiro livro de versos, intitulado "Poeira" (1.ª série), que lhe dá razoável reconhecimento. Dois anos depois, muda-se para o Rio de Janeiro, onde prossegue sua carreira jornalística e passa a ganhar destaque no meio literário da Capital Federal, angariando a amizade de escritores como Coelho Neto, Emílio de Menezes e Olavo Bilac. Trabalhou no jornal "O Imparcial", ao lado de Rui Barbosa, José Veríssimo, Vicente de Carvalho e João Ribeiro. Torna-se cada vez mais conhecido em âmbito nacional por suas crônicas, publicadas em diversos jornais do Rio de Janeiro, São Paulo e outras capitais brasileiras, inclusive sob o pseudônimo "Conselheiro XX". Em 1919 ingressa na Academia Brasileira de Letras. Em 1933, com a saúde já debilitada, Humberto de Campos publicou suas Memórias (1886-1900), na qual descreve suas lembranças dos tempos da infância e juventude. Após vários anos de enfermidade, que lhe provocou a perda quase total da visão e graves problemas no sistema urinário, Humberto de Campos faleceu no Rio de Janeiro, em 1934, aos 48 anos, por uma síncope ocorrida durante uma cirurgia. Além do Conselheiro XX, Campos usou os pseudônimos de Almirante Justino Ribas, Luís Phoca, João Caetano, Giovani Morelli, Batu-Allah, Micromegas e Hélios. Algumas publicações são Da seara de Booz, crônicas (1918); Tonel de Diógenes, contos (1920); A serpente de bronze, contos (1921); A bacia de Pilatos, contos (1924); Pombos de Maomé, contos (1925); Antologia dos humoristas galantes (1926); O Brasil anedótico, anedotas (1927); O monstro e outros contos (1932); Poesias completas (1933); À sombra das tamareiras, contos (1934) etc.

Fontes:
Humberto de Campos. Grãos de Mostarda. Publicado originalmente em 1926. Disponível em Domínio Público. 
Imagem criada por Jfeldman com Meta IA

Vereda da Poesia = 219

Soneto de
ANÍBAL BEÇA
Manaus/ AM, 1946 – 2009

SONETO QUEBRADIÇO

Mão minha com maminha movediça
traçando vai na limpa areia branca
versos cambaios, frouxos, na liça
língua caçanje, claudicante, manca.

No pé quebrado o ritmo se atiça
para dançar com rimas pobres, franca
trança de cambalhota tão cediça,
que me corrompe o salto e que me estanca.

Queda de braço nas quebradas quebras
vou me quebrando como um bardo gauche:
pelas savanas sou mais uma zebra.

Mas consciente desse torto approuch
já me socorre a gíria de alma treta
para solar meu solo nos ouvidos moucos. 
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Poema de
SILVIAH CARVALHO
Manaus/AM

SEU AMOR É TUDO

Antes que seja aprisionada pelo seu sorriso,
E sinta que a vida não fará mais sentido sem você
Antes que tenha certeza que você é tudo que preciso
Antes que eu perca a razão e no amor volte a crer

Antes que sua solidão misture com minha carência
E suas mãos toquem novamente as minhas
Antes que eu seja vencida por minha impaciência
E passe a crer que perto de você eu não esteja sozinha

Eu voarei rumo aos pinheiros, perto da tristeza
Onde as noites são frias, os dias são longos
Eu estarei a meditar na sua simplicidade e pureza

Na paz que emana de você, na sua doçura e nobreza
Eu irei pensar no silêncio da minha incompreensão
Não diga nada, talvez eu não resista à dor de um sincero não

Eu cheguei no tempo que é para ti a alto-reconstrução
Em que preferes a solidão latente no seu meigo olhar
Eu irei antes que, seja dominada pelo desejo de ficar

E quando este papel envelhecer,
Saiba que esta poetisa que hoje te escreve apesar
De nada ser, desejou ter tudo, e este tudo é você.  
= = = = = = = = =  

Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

NÃO DAREI UM SÓ PASSO ONDE ME PRENDA
(Fernandes Valente Sobrinho in "Poemas Escolhidos", p. 101)

Não darei um só passo onde me prenda
O espectro de um amor que já passou
E o resto de um sorriso que raiou
Que fazem com que agora eu me arrependa.

Mas este coração não tem emenda
E sonha com o que ainda não achou
E de todos os gostos que provou
Elege o teu beijar de que faz lenda.

Procuro outros caminhos onde passe
Sem ver em cada rosto a tua face
Trazendo o que a teu lado eu já vivi.

É falsa a tentativa dos meus passos
Que lembrando o calor dos teus abraços
Simplesmente me levam para ti.
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Poema de
AFONSO FREDERICO SCHMIDT
Cubatão/ SP, 1890-1964, São Paulo/SP

SIMPATIA

Numa tarde longa e mansa,
os dois pela estrada vão:
o cão estima a criança,
e a criança estima o cão.

Que delicada aliança
dos seres da criação:
uma risonha criança,
um robustíssimo cão.

Deus percebeu a lembrança
e sorriu lá na amplidão:
ele gosta da criança,
que trata bem o seu cão.

Por isso, na tarde mansa,
os dois felizes lá vão:
a delicada criança
e o robustíssimo cão.
= = = = = = 

Poema de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP

MEU VERSO

Meu verso vem do Nordeste, 
vem do roçado, vem do Sertão, 
vem das veredas lá do agreste, 
vem das cacimbas e dos grotões. 

Meu verso vem dos garimpos, 
das catras dos garimpeiros, 
da coragem dos vaqueiros 
vestidos no seu gibão, 
vem do sereno da noite 
do perfume do Sertão. 

Meu verso simples, sem medo, 
vem do sítio, do rochedo, 
vem do povo do Sertão, 
que com a luz do arrebol 
trabalha de sol a sol 
para ganhar o seu pão. 

Vem da Serra do Carranca 
onde a beleza não manca, 
e a onça faz sentinela. 
Da Serra da Mangabeira 
onde a Lua vem brejeira 
tecer a renda mais bela. 

Meu verso vem da goiaba, 
do puçá e da mangaba, 
da seriguela e do mamão. 
Da pinha e da acerola, 
da atemóia e graviola 
plantadas no roçadão. 

Nasceu na bela Umbaúba, 
Boa Vista, Bela Sombra, 
na Lagoa de Prudente, 
na Chiquita e no Vanique, 
onde há muito xique-xique 
e o sol parece mais quente. 

Brejões, Lagoa do Barro, 
Santo Antonio, Traçadal, 
Olho D´Água, Rio Verde, 
Baixa dos Marques, Coxim, 
Ibipetum, depois Pintada, 
onde passa a velha estrada, 
Zequinha e Lamarca morreram. 

Sodrelândia, Deus me Livre, 
Pé de Serra, Poço da Areia, 
Riacho das Telhas também. 
Poço do Cavalo, Matinha, 
Mata do Evaristo e Veríssimo, 
Olhodaguinha e Ipupiara. 

Meu verso nasceu no mato, 
não tem brilho, nem ornato, 
vem do Morro do Mocó, 
da Serra do Sincorá, 
vem do morro do Araçá, 
nasceu pobre e vive só...
= = = = = = = = =  

Pecador arrependido,
que o seja, mas de verdade,
terá sempre garantido
do bom Deus a piedade!
= = = = = = 

Poetrix de
VALQUÍRIA CARDARELLI
São Paulo/SP

MUNDO DA LUA

Nos olhos
Nada de mim:
Apenas sonho(s)
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Soneto de
AUTA DE SOUZA
Macaíba/RN, 1876 – 1901, Natal/RN+

CAMINHO DO SERTÃO 
(a meu irmão João Câncio)

Tão longe a casa! Nem sequer alcanço
Vê-la através da mata. Nos caminhos
A sombra desce; e, sem achar descanso,
Vamos nós dois, meu pobre irmão, sozinhos!

É noite já. Como em feliz remanso,
Dormem as aves nos pequenos ninhos...
Vamos mais devagar... de manso e manso,
Para não assustar os passarinhos.

Brilham estrelas. Todo o céu parece
Rezar de joelhos a chorosa prece
Que a noite ensina ao desespero e à dor...

Ao longe, a Lua vem dourando a treva...
Turíbulo imenso para Deus eleva
O incenso agreste da jurema em flor.
= = = = = = 

Hino de 
AÇUCENA/ MG

Salve Açucena, terra querida!
Jubilosos te dedicamos um hino!
Repletos de encanto e de vida,
Muito promissor é o teu destino!

(Refrão)
Recebe o afeto, que sincero parte.
De cada peito de um filho teu.
Este procura, com espontânea arte,
Dar-te um brilho como sendo seu.

As tuas montanhas, sempre verdejantes,
Apontam mui risonhas, o teu porvir.
As tuas brisas puras, refrigerantes,
Calcam o viajor ao teu seio vir.

A ti, com perfeita serenidade,
Que faz lembrar noite de luar amena,
Os teus filhos, com felicidade,
Bendizem, unânimos, ó Açucena.
= = = = = = = = =  

Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

TEMPO DE ESCOLA (ABRINDO O BAÚ)

Logo quando amanhecia!
Mamãe entrava a chamar:
- Vamos crianças levantem!
Está na hora de estudar.

Levantava-me com pressa,
No meu rio ia banhar
Mas antes de alguém sair,
Tinha de a cama arrumar.

Quando tudo terminava...
Mamãe da mesa chamava:
- Venha tomar seu café!

Pra não chegar atrasada,
Corria naquela estrada,
Porque ia mesmo a pé.
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Cantiga Infantil de Roda
CADÊ?

Cadê o toucinho que tava aqui? 
O gato comeu.
Cadê o gato? 
Foi pro mato.
Cadê o mato? 
O fogo queimou.
Cadê o fogo? 
A água apagou.
Cadê a água? 
O boi bebeu.
Cadê o boi? 
Tá amassando o trigo.
Cadê o trigo? 
A galinha ciscou.
Cadê a galinha? 
Tá botando o ovo.
Cadê o ovo? 
O padre comeu.
Cadê o padre? 
Tá rezando a missa.
Cadê a missa? 
Tá dentro do livrinho.
Cadê o livrinho? 
Foi pelo rio abaixo.
Vamos procurar o livrinho?
= = = = = = = = =  

Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Teus vestidos eu não acho
muito decentes, minha prima:
são altos demais por baixo
e baixos demais por cima.
= = = = = = = = =  

Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

O TOQUE DO TEU VENTO

Os sons dos sinos de vento
Embalam a solidão
Que fragmenta a ampulheta,
E refugia-se no vitral
Da janela antiga,
Trincada com o toque
Do  teu vento,
As cores voam,
E pousam na taça de cristal.
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