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sábado, 9 de novembro de 2024
Francisco Gabriel (A última aurora do lobisomem)
Toda minha infância eu vivi na zona rural. Nossa casa possuía um alpendre que sempre atraía visitantes para uma boa conversa. Tinha eu uns sete anos de idade quando, nesse alpendre, chegou um visitante desconhecido para mim. Mas, para minha surpresa, já era bem conhecido da minha mãe e da minha vó. Tratava-se de um andarilho de nome Quinca, que por diversas vezes já havia pousado em nossa casa, especificamente naquele alpendre.
Nesse dia, ele me contou muitas histórias cotidianas e fantásticas. Uma delas eu nunca esqueci. Foi a respeito de um suposto lobisomem que ele havia conhecido.
Disse que, no seu tempo de rapaz, havia morado em lugar um tanto esmo, onde não havia mais do que dez casas. Uma delas era habitada por um velho, chamado Zebebé, que não tinha boa aparência e, entre os moradores da região, corria a Fama de que ele tinha a maldição de se transformar em lobisomem.
Sempre que aparecia um animal sangrando, diziam que havia sido o dito lobisomem quem havia feito tal estrago. Segundo diziam, Zebebé não dormia à noite, ficava no campo contemplando os astros até meia-noite; nesse horário, depois de espojar-se no chão em uma encruzilhada, ele era transfigurado em lobisomem, somente voltando à sua forma humana quando o dia começava a alvorecer. Só ia dormir depois de ver os primeiros raios da aurora, pela qual nutria um verdadeiro fascínio.
Certa noite, de quinta para sexta-feira, saiu para o campo, como sempre fazia e, estando na condição de lobisomem, a noite terminou e ele não conseguiu voltar à sua forma humana. E, sem perceber o ocorrido, ficou esperando o surgimento da aurora, como sempre fazia.
Extasiado, deparou-se com os primeiros raios de Sol, e isso lhe foi fatal.
Na manhã do mesmo dia, os moradores da região encontraram o corpo de uma criatura, meio homem e meio bicho; enterraram no em uma cova rasa, sem um reconhecimento preciso. O certo é que o velho Zebebé nunca mais apareceu no seu casebre. Certamente, foi a última aurora do lobisomem.
= = = = = = =
O autor é de Natal/RN
(Este conto obteve a menção honrosa no Concurso de Contos, adulto nacional, do III Concurso Literário “Foed Castro Chamma”, 2020 – Tema: Aurora)
Fontes: Luiza Fillus/ Bruno Pedro Bitencourt/ Flávio José Dalazona (org.). III Concurso Literário “Foed Castro Chamma 2020”. Ponta Grossa/PR: Texto e Contexto, 2021. Livro enviado por Luiza Fillus.
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Vereda da Poesia = 153 =
GEORGINA RAMALHO
Rio de Janeiro/RJ
Que bela nossa existência
a correr, pipa empinando...
Nossa alma é, na essência,
uma criança brincando.
= = = = = =
Poema de
FERNANDO PESSOA
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935
Todas as cartas de amor…
Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
= = = = = =
Trova de
ERCY MARIA MARQUES DE FARIA
Bauru/SP
Renúncia é uma ponte estreita,
onde das extremidades,
pode-se ouvir sempre à espreita,
chorando duas saudades...
= = = = = =
Soneto de
JOÃO BATISTA XAVIER OLIVEIRA
Bauru/SP
O bem maior
Entre nós uma lança em duas pontas
voltadas bem direto a nosso peito,
porém compreensão com o respeito
são atributos de insondáveis montas.
Na conta permanente do direito
espaços dão às asas, sempre prontas,
os ares das visões do preconceito
e afastam as algemas tão medrontas.
É assim que um grande amor entre pessoas
atrai as vibrações das almas boas
com a esperança de um mundo melhor.
Respeito o teu espaço em todo meio
assim como respeitas meu passeio.
Nosso trabalho ao bem é bem maior!!
= = = = = =
Trova Premiada de
MARIA APARECIDA F. DE VASCONCELOS
Santos/SP
A essência do trovador
está na sua humildade
de lindas trovas compor
com amor e humanidade.
= = = = = =
Soneto de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA
Último Fantasma
Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso,
Que te elevas da noite na orvalhada?
Tens a face nas sombras mergulhada...
Sobre as névoas te libras vaporoso...
Baixas do céu num vôo harmonioso!...
Quem és tu, bela e branca desposada?
Da laranjeira em flor a flor nevada
Cerca-te a fronte, ó ser misterioso!...
Onde nos vimos nós?... És doutra esfera?
És o ser que eu busquei do sul ao norte...
Por quem meu peito em sonhos desespera?...
Quem és tu? Quem és tu? — És minha sorte!
És talvez o ideal que est'alma espera!
És a glória talvez! Talvez a morte!...
= = = = = =
Trova Popular
Eu quero bem, mas não digo
a quem é que quero bem;
quero que saibam que eu quero,
mas que não saibam a quem!
= = = = = =
Soneto de
JERSON BRITO
Porto Velho/RO
Alforria!
Os meus devaneios perfumas, adoças
Fervente desejo se alastra, domina
Persigo no sonho essa boca ferina
Procuro o sabor das carícias tão nossas
Não deixes sedentas de amor belas taças
Permitas que o mel do prazer entre em cena
Não prives de luz e esplendor minha pena
Injusto é manter nestes versos mordaças
Aflige-me tanto esperar outra chance
De ver vicejando o gostoso romance
Repleto de cores, fulgor, alegria
Revolta-se o canto sem ter alimento
Em vão é conter tal impulso... Nem tento!
As letras suplicam sem pejo: "alforria!"
= = = = = =
Trova de
JOSÉ KALIL SALLES
Barbacena/MG
Amor é brasa vibrante
no peito dos sonhadores,
dos poetas, dos amantes
e também dos trovadores.
= = = = = =
Folclore Brasileiro em Versos de
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR
O Boto cor de rosa
Em um rio profundo, um encanto a surgir,
é o Boto, o sedutor nas noites de luar,
com seu corpo elegante e brilhante olhar,
transforma-se em homem… com o amor a emergir.
As moças encantadas ao som do seu cantar,
sentem seu perfume, a volúpia despertando,
mas ao amanhecer é um mistério pairando,
o Boto desaparece deixando a saudade a flutuar.
Ele é o amante das águas serenas,
com segredos guardados, e histórias amenas.
Na dança das marés, um sonho a vagar,
e enquanto a lua reflete no rio,
os corações pulsando um doce desafio,
na lenda do boto, a vida a se propagar.
= = = = = =
Trova de
JANSKE NIEMANN
Curitiba/PR
Minha tristeza é tão linda
(não dói e não me angustia).
Uma tristeza bem-vinda
quando se torna Poesia!
= = = = = =
Soneto de
ALFREDO SANTOS MENDES
Lisboa/Portugal
Plagiadores
Há poetas que sabem enganar.
Pois nasceram eternos fingidores!
E fingem serem grandes escritores,
Mas palavras de outros, vão buscar!
Já dissera Pessoa, a versejar:
Que chegava a fingir que suas dores,
Das quais ia sentindo seus horrores,
Eram dores, que fingia acreditar!
Por isso muita gente anda a fingir,
Que escreve nos poemas seu sentir,
E orgulhoso os lê, à descarada!
O seu fingir é forte, tem poder!
Que consegue a si próprio fazer crer,
Que não é poesia plagiada!
= = = = = =
Trova de
ROZA DE OLIVEIRA
Curitiba/PR
Quando o infortúnio surgir,
tenha calma, muita calma!
Que gigante há de ferir
esse Davi de sua alma?
= = = = = =
Soneto de
FREI AGOSTINHO DA CRUZ
Ponte da Barca/Portugal, 1540 – 1619, Setúbal/Portugal
À coroa de espinhos
A que vindes, Senhor do Céu à terra,
Terra que sendo vossa vos enjeita,
E que tanto vos honra e vos respeita,
Que em não vos receber insiste e emperra?
Ah! Quanta ingratidão nela s’encerra!
Quão mal de vossa vinda se aproveita!
Pois se põe a tomar-vos conta estreita,
Mais brada contra vós, quanto mais erra.
E vós de vosso amor puro forçado
Os malditos espinhos lhe pisais,
Dos quais ainda sendo coroado,
A maldição antiga lhe trocais
Na bênção, que lhe dais crucificado,
Quando morto d’amor, d’amor matais.
= = = = = =
Trova de
ROBERTO TCHEPELENTYKY
São Paulo/SP
À noite, em frente á TV,
a vovó e o manto dela...
Ela dorme e nada vê,
o manto assiste à novela...
= = = = = =
Spina de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo / SP
Ode a São Paulo
Cidade de encantos
em cantos boêmios
ou versos cantados
pelo poeta, em teus anseios.
Em tuas esquinas há poesia,
em teus becos, ecos falados
em rimas. Teus nobres tons,
eternizam a vida em legados.
= = = = = =
Trova de
RODOLPHO ABBUD
Nova Friburgo/RJ (1926 – 2013)
Contemplo o céu para vê-las
com um respeito profundo,
pois na raiz das estrelas
eu vejo o dono do mundo.
= = = = = =
Soneto de
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP
Meu anjo amigo
Quando voltar a minha inspiração,
que tirou férias longas, pelo jeito,
vou ter o que preciso bem à mão,
para acabar com a dor deste meu peito!
Em versos vou dizer da ingratidão
que suporto calado e contrafeito,
dês que meu bem negou-me o seu perdão,
com enfado deste amor não tão perfeito!
Hoje a tristeza é dona de minha alma...
Roubou-me a voz e a minha velha calma!
E fez o amor virar meu inimigo!
Se agora, então, também meu estro falha,
com quê me salvarei nesta batalha?
- Volta, ó poesia, ó vem, meu anjo amigo!
= = = = = =
Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR
A mais bonita homenagem,
concede-a Deus, qual troféu,
a quem completa a viagem,
sem mancha, do berço ao céu!
= = = = = =
Poema de
YOLANDA MARAZZO
São Vicente/Cabo Verde
Derrocada
A asa de um morcego transparente
e no canto um olho descaído
de pestanas longas espreitando
o ácido viscoso da loucura
escorrendo pelos telhados do mundo
Viajante incansável do pasmo
no silêncio das órbitas vagabundas
dos mares-mortos delírio-espasmo
do cansaço mole das brisas vazias
que do nada se afirmam nas florestas
do ódio de gigantes e anões liliputianos
Blocos monolíticos tristes quedos
imagens-desespero cancerosos
miasmas-visco cobras moribundas
agonizando em convulsões de magma
lanças setas envenenadas dirigidas
ao coração das virgens e crianças
Sombra parda pálida acutilante
teu vulto de insônia transparente
bóia nas trevas flutuantes
da noite dos espiões pelas estradas
das feras que matam as ovelhas
e apunhalam pastores no caminho
Sombra feroz invernal medonha
destroços e cadáveres pútridos
sugando o seio das madonas
e acalentando monstros nas cavernas
pelas horas taciturnas do medo dos teus passos.
= = = = = =
Haicai de
GUILHERME DE ALMEIDA
Campinas/SP, 1890-1969, São Paulo/SP+
Pescaria
Cochilo. Na linha
eu ponho a isca de um sonho.
Pesco uma estrelinha.
= = = = = =
Soneto de
JERÓNIMO BAÍA
Coimbra/Portugal, 1620/30 – 1688, Neiva/Portugal)
Falando com Deus
Só vos conhece, amor, quem se conhece;
Só vos entende bem quem bem se entende;
Só quem se ofende a si, não vos ofende,
E só vos pode amar quem se aborrece.
Só quem se mortifica em vós floresce;
Só é senhor de si quem se vos rende;
Só sabe pretender quem vos pretende,
E só sobe por vós quem por vós desce.
Quem tudo por vós perde, tudo ganha,
Pois tudo quanto há, tudo em vós cabe.
Ditoso quem no vosso amor se inflama,
Pois faz troca tão alta e tão estranha.
Mas só vos pode amar o que vos sabe,
Só vos pode saber o que vos ama.
= = = = = =
Trova de
RENATO ALVES
Rio de Janeiro/RJ
Quem não tem medo da morte,
quem nunca faz nada em vão,
quem, antes de tudo é um forte...
Este é o homem do sertão!
= = = = = =
Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro/RJ, 1901 – 1964
Dia de chuva
As espumas desmanchadas
sobem-me pela janela,
correndo em jogos selvagens
de corça e estrela.
Pastam nuvens no ar cinzento:
bois aereos, calmos, tristes,
que lavram esquecimento.
Velhos telhados limosos
cobrem palavras, armários,
enfermidades, heroísmos...
quem passa é como um funâmbulo,
equilibrado na lama,
metendo os pés por abísmos...
Dia tão sem claridade!
só se conhece que existes
pelo pulso dos relógios...
Se um morto agora chegasse
àquela porta, e batesse,
com um guarda-chuva escorrendo,
e com limo pela face,
ali ficasse batendo
- ali ficasse batendo
àquela porta esquecida
sua mão de eternidade...
Tão frenético anda o mar
que não se ouviria o morto
bater à porta e chamar...
E o pobre ali ficaria
como debaixo da terra,
exposto à surdez do dia.
Pastam nuvens no ar cinzento.
Bois aéreos que trabalham
no arado do esquecimento.
= = = = = =
Trova Humorística de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP
Brancas, rubras, amarelas,
de rosas colho um balaio!
Mas te ofereço as mais belas,
as rosas rosas de maio!
= = = = = =
Hino de
CARAUARI/ AM
Carauari, és brasileira
terra de minhas razões
que teus filhos altaneiros
sejam sempre soberanos
no progresso e na união.
O teu sacado sereno
caprichos do rio Juruá
criação da natureza
em momentos singular.
No verão, tuas vazantes,
que se mostram prazenteiras,
desafiam tuas barrancas
com promessas alvissareiras.
Carauari, rio Juruá,
terra boa para se cantar
a nossa voz no meio da floresta,
em nossa volta a natureza em festa.
Carauari, no Amazonas,
és beco de tradições,
para tantos que te amam,
nordestinos os teus filhos,
tem raízes no teu chão.
Batata vinda do céu,
teu nativo te chamou,
com sua sabedoria
o teu solo abençoou.
Carauari, és brasileira,
terra de minhas razões,
que teus filhos altaneiros
sejam sempre soberanos
no progresso e na união.
O teu sacado sereno,
caprichos do rio Juruá,
criação da natureza
em momentos singular.
No verão tuas vazantes,
que se mostram prazenteiras,
desafiam tuas barrancas
com promessas alvissareiras.
Carauari, rio Juruá,
terra boa para se cantar,
a nossa voz no meio da floresta,
em nossa volta a natureza em festa.
Carauari, no Amazonas,
és beco de tradições,
para tantos que te amam,
nordestinos os teus filhos,
tem raízes no teu chão.
Batata vinda do céu,
teu nativo te chamou,
com sua sabedoria
o teu solo abençoou.
Enquanto tuas terras firmes
envolvem na vastidão
vestígios de ouro negro,
o tesouro desta nação (2x)
= = = = = =
Trova de
RAYMUNDO DE SALES BRASIL
Santo Amaro/BA
A cor dos teus olhos faz
o que só fazem os vinhos:
Me embriaga e é bem capaz
de embriagar os vizinhos.
= = = = = =
Soneto de
MARTINS FONTES
Santos/SP, 1884 – 1937
Ser Paulista
Ser paulista! é ser grande no passado
E inda maior nas glórias do presente!
É ser a imagem do Brasil sonhado,
E, ao mesmo tempo, do Brasil nascente.
Ser paulista! é morrer sacrificado
Por nossa terra e pela nossa gente!
É ter dó das fraquezas do soldado
Tendo horror à filáucia do tenente.
Ser paulista! é rezar pelo Evangelho
De Rui Barbosa - o sacrossanto velho
Civilista imortal de nossa fé.
Ser paulista em brasão e em pergaminho
É ser traído e pelejar sozinho,
É ser vencido, mas cair de pé!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
Trova Premiada de
RITA MARCIANO MOURÃO
Ribeirão Preto/SP
Para ter felicidade,
ao buscá-la eu pressuponho,
que seja qual for a idade
felicidade é ter sonho.
= = = = = =
Recordando Velhas Canções
O TROVADOR
(marcha-rancho, 1965)
Sonhei que eu era um dia um trovador
Dos velhos tempos que não voltam mais
Cantava assim a toda hora
As mais lindas modinhas
De meu tempo de outrora
Sinhá mocinha de olhar fugaz
Se encantava com meus versos de rapaz
Qual seresteiro ou menestrel do amor
A suspirar sob os balcões em flor
Na noite antiga do meu Rio
Pelas ruas do Rio
Eu passava a cantar novas trovas
Em provas de amor ao luar
E via então de um lampião de gás
Na janela a flor mais bela em tristes ais
= = = = = = = = = = = = =
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Universos Di Versos,
Vereda da Poesia
José Feldman (Visita dos Urbanos na Zona Rural)
Era uma manhã ensolarada quando a fazenda de Seu Zé Capim se preparou para receber uma visita muito especial: um grupo de amigos da cidade, aqueles que acham que a vida no campo é feita apenas de vacas pastando e pôr do sol cinematográfico. A expectativa era alta, mas a realidade seria ainda mais divertida.
Os visitantes chegaram em uma van, todos com suas roupas de grife, óculos escuros e uma expressão que misturava curiosidade e um ar de superioridade. Assim que desembarcaram, a primeira coisa que fizeram foi puxar os celulares para registrar o momento, como se estivessem em um safári.
"Olha, o campo!" exclamou uma delas, enquanto apontava para um touro que, sinceramente, parecia estar mais interessado em comer capim do que em ser o foco de um ensaio fotográfico.
Seu Zé Capim, com seu chapéu de palha e sorriso no rosto, fez questão de dar as boas-vindas.
"Bem-vindos à fazenda! Aqui, a gente vive na tranquilidade."
Mas, a tranquilidade logo se tornaria um conceito relativo.
A primeira atividade programada era a ordenha das vacas. Ao ouvir isso, os citadinos trocaram olhares de perplexidade.
"Ordenha? Como assim? Não é só apertar um botão?" perguntou um deles, enquanto sua amiga tentava entender a diferença entre a vaca e o boi.
"É tudo a mesma coisa, né?"
A risada de Seu Zé foi tão alta que até as galinhas pararam de ciscar para ver o que estava acontecendo.
Com um pouco de paciência — e algumas demonstrações de como se faz — os visitantes finalmente se aproximaram das vacas.
A cena era digna de uma comédia: um deles, armado com um balde, se aproximou da vaca com uma cautela que mais parecia estar tentando conquistar uma celebridade do que fazer uma simples ordenha.
"E se ela correr atrás de mim?", ele sussurrou, quase em pânico.
A vaca, claro, estava mais preocupada com o seu lanche do que com a presença de um humano nervoso.
Depois de algum tempo e muitas risadas, a primeira ordenha foi realizada.
"Olha, saiu leite! Como se faz para embalar isso?"
Um outro amigo, que estava mais interessado em saber como o leite virava queijo, já estava desenhando planos de um negócio de laticínios.
"Podemos fazer um delivery de queijo artesanal na cidade! O que vocês acham?"
A ideia de colocar queijo de fazenda em uma embalagem causou gargalhadas na turma.
A próxima parada foi na horta.
"Como assim, você planta as coisas aqui? E o supermercado, não faz nada disso?", perguntou uma moça, enquanto segurava um tomate como se fosse um artefato raro. "E se a gente não tiver água? Como as plantas vão crescer?"
Seu Zé, já acostumado com a curiosidade dos urbanos, respondeu: "A gente rega, minha filha! Aqui a gente não tem água da torneira, mas a gente faz acontecer!"
A expressão dela ao ouvir "água da torneira" era como se tivesse descoberto que o mundo não é plano.
A tarde avançou com uma trilha pela mata.
"Aqui é tudo muito verde!", exclamou um dos rapazes, enquanto outro já tentava identificar se o som que ouvira era uma onça ou apenas um sapo.
"É só um sapo, amigo! Para de ser medroso!", gritou um dos outros, que já começava a se sentir como um verdadeiro desbravador. A verdade é que a natureza, com suas folhas e barulhos, parecia tanto um mistério quanto um parque temático para eles.
Para completar a experiência rural, Seu Zé decidiu preparar um autêntico almoço caipira.
"Vocês vão adorar a comida da roça!", disse, enquanto começava a fritar um frango.
A expectativa era alta, mas quando os pratos chegaram à mesa, um dos amigos olhou para a farofa e perguntou: "E isso, é o que? Um acompanhamento ou um novo tipo de arroz?"
A confusão era tanta que a farofa quase foi confundida com um novo prato gourmet. A refeição, por sua vez, acabou se tornando um concurso de quem conseguia comer mais, sem saber o que estava colocando na boca.
Os amigos até tentaram ajudar na cozinha, mas a situação rapidamente saiu do controle. Um deles, ao tentar fazer um suco de limão, acabou espremendo mais limão na roupa do que no copo.
“É uma nova técnica de tempero!” gritou, enquanto todos riam e o limão escorria por suas mãos.
À medida que o dia chegava ao fim, as risadas e as histórias compartilhadas se tornaram o verdadeiro espírito do encontro. O campo, com suas simplicidades e suas complexidades, havia mostrado aos visitantes que a vida rural era muito mais do que eles imaginavam. As dificuldades do dia a dia, as alegrias simples e as risadas ao redor da mesa criaram uma conexão que superou qualquer preconceito que eles pudessem ter.
No final do dia, enquanto se preparavam para voltar à cidade, um dos amigos olhou para Seu Zé e disse: "Sabe, acho que vou começar a plantar um pé de alface na varanda."
E Seu Zé, com um sorriso cúmplice, apenas respondeu: "É um bom começo! Mas não esquece de regar, tá?"
E assim, a visita dos urbanos à fazenda se tornou uma lembrança hilária e inesquecível, um lembrete de que, às vezes, é preciso sair da zona de conforto para descobrir que a vida, com suas simplicidades e desafios, é muito mais divertida do que parece — mesmo que isso signifique lidar com vacas e farofas!
Fontes: José Feldman. Peripécias de um jornalista de fofocas & outros contos. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul, 2024.
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sexta-feira, 8 de novembro de 2024
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