quinta-feira, 13 de junho de 2024

Newton Sampaio (Inspiração)

Ficaram estateladas com a saída brusca do Damião. Que diabo acontecera ao rapaz?

Corria a prosa tão animada, e eis que ele se levanta e zarpa, sem pedir licença.

— Ora já se viu?...

Ficou furioso o Silvino. Mas Damião caminhou indiferente à fúria do Silvino. Mal sentiu o vento que cortava.

— Eta invernão!

Fechou cuidadosamente a porta. E, ainda de sobretudo, tomou posição.

Maciazinha, a caneta nova! Uma beleza de macia... Compraria meia dúzia delas no dia seguinte.

Imediatamente, porém, expulsou do cérebro em faiscações, essa ideia mesquinha de “compra” e de “meia dúzia”. Urgia encetar a obra.

Escreveu, devagarinho:

“O destino, esse fatal desvelador.”

Botou uma vírgula bem caprichada. E repetiu, em alta voz:

— O destino, esse fatal desvelador...

Era bem esse o começo que idealizara.

— Fatal desvelador. Fatal... Bonito adjetivo. Só que parece um pouco trágico. Mas não. Quem manda no verso é o “desvelador”.

Desvelador vai bem. Vai bem.

Precisava de um complemento para “destino”. O destino tinha de fazer qualquer coisa. Escreveu:

“Que prevalece na paixão e predomina no amor.”

Muito comprida essa linha.

— Pre-va-le-ce... Pre-do-mi-na... Vá lá.
(Pausa).

— Amor... Paixão... Estas palavras significam o mesmo. Será o tal do pleonasmo?

Correu ao dicionário.

“Pleonasmo, s.m. (gr. Pleonasmos)”

— Vem do grego, hein?

O Dicionário Prático Ilustrado falava assim:

“Repetição de ideias ou de palavras que têm o mesmo sentido; viciosa, quando inconsciente ou devida à ignorância: legítima, quando propositada, para dar maior força à frase.”

— Legítima, quando propositada. É esse o meu caso. Eu repeti pra dar maior força à ideia. À ideia... Que ideia? O que eu queria era falar da Ofélia. Comecei com “tudo passa” pra lembrar aquilo que já passou. Qual! O melhor é atacar o assunto, diretamente.

A imagem da Ofélia cresceu dentro de si. Parecia um sonho.

— Ah! Um sonho... Direi que sonhei com ela. Isso mesmo.

A caneta nova trabalhou febrilmente.

Riscou tudo, tudo. Era o seguinte o novo texto:

“Eu te sonhei assim.”

Assim de que jeito?

Catou uma ideia. Catou. Nada. Quase desistiu.

O sobretudo já estava incomodando. Sacou-o fora.

Sem o sobretudo, teve momentos mais livres.

E foi com verdadeiro júbilo que grafou:

“Dama então pra mim desconhecida.”

— Querida... Desconhecida... Boa rima. Será que o primeiro verso pode rimar com o segundo? Acho que pode.

Corria dificílimo o parto. Em todo caso, sempre deu a terminar desse jeito o primeiro quarteto:

“Em cujo olhar todo cheio de candura,
Não lia a causa de minha desventura.”

— Candura... Desventura... Está rimado. A candura é dela. A desventura é minha.

Trabalhou mais duas horas e meia.

— Pronto, felizmente!

Não parecia mau o verso final:

“Foi assim que te sonhei, Ofélia.
Foi assim... Foi assim...”

Só então ele notou o cansaço. Doíam os rins.

Releu toda a obra, em voz alta, passeando no quarto, em diagonal.

Depois escreveu o título a lápis vermelho, letra de forma:

EU TE SONHEI ASSIM...

Nessa noite, Damião dormiu como um bem-aventurado.

(Publicado originalmente em O Dia. Curitiba, 8/11/1936.)

Fonte> Newton Sampaio. Ficções. Secretaria de Estado da Cultura: Biblioteca Pública do Paraná, 2014.

Vereda da Poesia = 32 = ARRUMANDO POESIAS





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Soneto de São Paulo/SP

FILEMON FRANCISCO MARTINS

MORTE DA ÁRVORE
(Lendo o soneto ÁRVORE MORTA, do Padre Saturnino de Freitas)

Árvore triste, que ontem foi bonita,
Não tens mais ramos, frutos e nem flores,
Dos pássaros não és mais favorita
E não abrigas mais tantos amores.

Neste teu tronco já ninguém habita,
Sequer amantes loucos, sonhadores,
Que outrora segredavam na mesquita
De suas folhas vivas, multicores...

Quantas vezes ouviste namorados
Em carinhos e beijos, descuidados,
Como se o tempo não fosse passar.

Hoje, teus galhos secos, ressequidos,
São lembranças de sonhos esquecidos,
Que nunca mais, na vida, vão voltar!
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Glosa de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

MOTE:
Numa espera doce e mansa, 
qual zelosa tecelã 
bordo rendas de esperança 
pra enfeitar nosso amanhã!
Jeanete de Cnop 
Maringá/PR

GLOSA:
Numa espera doce e mansa, 
tecendo a minha saudade, 
cada segundo que avança 
parece uma eternidade! 

Nos bilros, busco consolo; 
qual zelosa tecelã 
vou tecendo, no rebolo, 
minhas rendas com afã! 

Na almofada da lembrança 
com seus tear multicor 
bordo rendas de esperança 
esperando o meu amor! 

De rendeira, fiz a trama, 
minha espera não foi vã, 
hoje a peça cobre a cama 
pra enfeitar nosso amanhã!
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Spina de Belém/PA

ANA MEIRELES

Comigo ninguém pode 

Comigo ninguém pode,
Maria era dessas
sem firulas, falava. 

Sentia, dizia, palavras saíam quentinhas.
O Amigo Moura sabia, presenteou-lhe
com simbólico colar que personificava
uma força interior quase inabalável 
de fragilidade, fortaleza, se temperava.
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Soneto de Porto Velho/RO

VESPASIANO RAMOS
(Joaquim Vespasiano Ramos)
Caxias/MA, 1879 – 1915, Porto Velho/RO

Soneto da Volta

Desde este instante, sem cessar, maldigo,
Aquele instante de felicidade!
Para que tu vieste ter comigo,
Meu amor! Minha luz! Minha saudade?!

Dês que te foste, foram-se contigo
Todos os sonhos desta mocidade...
A tua vinda — fora-me um castigo;
A tua volta — uma fatalidade!

Dês que te foste, dentro em mim plantaste
A ânsia infinita dos desesperados
Porque voltando, nunca mais voltaste...

Correm-me os dias de aflições, cobertos:
Eu entrei para o amor de olhos fechados
E saí para a dor de olhos abertos!
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Simões Lopes Neto (Casos do Romualdo) A Tetéia

Pois sim! Venham-me pra cá com histórias de cachorros bem-ensinados e obedientes! Igual, pode - e ainda duvido! - porém melhor que a minha perdigueira Tetéia não há, nem houve, e talvez até nunca haja!

Contaram-me como grande coisa um caso dum barão alemão, um tal Münchausen, que possuiu uma cadela lebreira, a qual, estando grávida, mesmo assim correu uma lebre que, por coincidência estava também grávida. Correram, correram muito as duas próximas mães... e tão próximas que durante a corrida a lebre teve as lebrinhas e a cachorra os cachorrinhos. E como a raça não nega a traça, os cachorrinhos largaram-se logo a correr atrás das lebrinhas, enquanto que a cachorra recém-mãe continuava a correr atrás da lebre também recém-mãe.

Sim, senhor! Era um bom animal, não nego: mas a Tetéia era melhor.

Escutem e julguem.

Uma manhã saí a caçar perdizes e levei a Tetéia.

Eu não conhecia o campo, e isso foi a causa de um grande desgosto para mim. Mal entramos no matagal, a Tetéia amarrou, toquei-lhe com o joelho na anca, ela andou uns passos: a perdiz levantou-se no voo e flechou! Pum! Tiro dado, perdiz em terra, e Tetéia, trazendo!

E assim, de enfiada, foram-se os cem cartuchos que eu trazia: cem perdizes em meia hora. E note-se que eu errei dois tiros e cinco cartuchos falharam.

Sentei-me e comecei a atar as minhas perdizes, pelas pernas, para pô-las ao ombro e regressar.

E, distraído, esqueci-me da chamar a perdigueira e fazer-lhe compreender que estava findo o divertimento. Esqueci-me; e quando, tudo pronto, ia a marchar, só então lembrei-me da cachorra.

Chamei: Tetéia! Tetéia! assobiei, fiz os sinais de costume, nada! Estranhando o fato arriei o fardo das perdizes, e andei a procurar, sempre chamando, assobiando, e nada, nada de resposta!

Supus então - naturalmente - que a perdigueira, desobedecendo pela primeira vez, tivesse ido para casa, sozinha, antes de mim. Era um procedimento de cachorro, mas vá lá por uma vez! E assim pensando, fui-me embora.

De chegada indaguei. Não, não tinha aparecido. Causou-me espécie aquela demora; depois, quem sabe, algum namoro.

Esperei, chegou a noite, o outro dia; e nada de Tetéia!

Tive então um pressentimento funesto, nem me restava mais dúvida: a honesta perdigueira certamente havia sido picada por cobra, alguma cascavel, alguma viradeira medonha, e a esta hora! Pobre, pobre infeliz bicho! Fiquei realmente paralisado, triste.

Para distrair as mágoas e variar de comida e emoções, andei caçando veados para outro rumo; marrecas, nos banhados; quatis, tatus, etc.; e fiz várias batidas num tigre fugido de gaiola, que não apareceu nunca, talvez assustado da minha fama.

Foi até uma imprudência esta batida ao feroz tigre; eu não tinha cachorros próprios e os companheiros falharam-me à última hora, alegando cada qual a sua razão; um que tinha de arrancar batatas, outro que a mulher estava para cada hora, outro que fincara um estrepe no pé enfim, deixaram-me sozinho, justamente quando ali perto, à vista, o tigre urrava tremendamente, como desafiando!

Pois fui, sozinho: eu e a minha faca de mato; apenas por segurança, para ter o alarme certo, levei um gato num cesto, porque o gato é um animal muito elétrico e de longe já sente a catinga do tigre, e dá logo sinal que não engana, nunca. Se é de dia, fica de pêlo eriçado e duro, como arame, e mia duma forma muito particular; são dois miadinhos curtos e um comprido, dois curtos e um comprido; se é de noite, apenas bufa e lambe as barbas, ficando então o pelo fosforescente, como vaga-lume. É claro, pois, que quem leva gato não corre o risco de ser surpreendido por tigre; muito antes deste aproximar-se, já o caçador está avisado e tem tempo de sobra de preparar-lhe a espera.

Deste fato, creio mesmo que e que nasceu a expressão vulgar de que - quem não tem cão, caça com gato.

Com estas distrações e outros afazeres, passou-se o tempo; de vez em quando e sempre com pesar e saudade, Lembrava-me da desaparecida Tetéia.

Dediquei-me então a ensinar um cachorrinho, filho dela, o seu retrato escrito e escarrado, que me havia ficado.

Há dias - meses passados - levei o cachorrinho ao campo, para exercício. E andando, andando, sem dar por tal, fui ter ao lugar certo daquela malfadada caçada em que se sumiu a minha maravilhosa perdigueira.

E, dum lado para outro, eis senão quando, o cachorrinho para, amarra, levanta a pata, sacudindo a cauda! Chego-me, toco-lhe com o joelho, e quando espero que o totó vai levantar a perdiz, ele volta-se para mim, desarrumado, humilde, com os olhos arrasados de lágrimas... Surpreso, dei três passos, estiquei o pescoço e vi.

Vi, sim, o esqueleto da Tetéia ainda de coleira, firme, correto, na posição de amarrar; adiante, um esqueleto de perdiz, na posição de preparar o voo; ao lado, num ninho quase desfeito, sete esqueletinhos de filhotes, na posição de piar, com fome!

Querem mais claro? E agora, coisa notável, foi ainda o faro filial que guiou o cachorrinho e fê-lo descobrir e chorar perante os ossos da mãe!

Pois, e então?

A cachorra do Münchausen será acaso superior à Tetéia? Só se for porque ele era um barão, e eu sou apenas o Romualdo.

Fonte: João Simões Lopes Neto. Casos do Romualdo. Publicado em 1914. Disponível em Domínio Público 

Recordando Velhas Canções (Tarde em Itapoã)


Compositor: Vinicius de Moraes

Um velho calção de banho
O dia pra vadiar
Um mar que não tem tamanho
E um arco-íris no ar
Depois na praça Caymmi
Sentir preguiça no corpo
E numa esteira de vime
Beber uma água de coco

É bom
Passar uma tarde em Itapuã
Ao sol que arde em Itapuã
Ouvindo o mar de Itapuã
Falar de amor em Itapuã

Enquanto o mar inaugura
Um verde novinho em folha
Argumentar com doçura
Com uma cachaça de rolha
E com o olhar esquecido
No encontro de céu e mar
Bem devagar ir sentindo
A terra toda a rodar

É bom
Passar uma tarde em Itapuã
Ao sol que arde em Itapuã
Ouvindo o mar de Itapuã
Falar de amor em Itapuã

Depois sentir o arrepio
Do vento que a noite traz
E o diz-que-diz-que macio
Que brota dos coqueirais
E nos espaços serenos
Sem ontem nem amanhã
Dormir nos braços morenos
Da lua de Itapuã

É bom
Passar uma tarde em Itapuã
Ao sol que arde em Itapuã
Ouvindo o mar de Itapuã
Falar de amor em Itapuã
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A Poesia de Uma Tarde em Itapoã
A canção 'Tarde Em Itapoã', composta por Vinicius de Moraes, é um retrato poético e sensorial de um dia tranquilo na praia de Itapoã, localizada em Salvador, Bahia. A letra descreve com simplicidade e beleza a experiência de desfrutar de momentos de lazer e contemplação à beira-mar, evocando uma sensação de paz e conexão com a natureza.

O início da música nos apresenta a um cenário de descanso, onde o eu lírico veste um 'velho calção de banho' e se prepara para 'vadiar', ou seja, desfrutar do ócio sem preocupações. A menção ao 'mar que não tem tamanho' e ao 'arco-íris no ar' sugere a vastidão e a beleza do lugar, enquanto a referência à 'praça Caymmi' homenageia o famoso músico baiano Dorival Caymmi, conhecido por suas canções sobre o mar e a vida na Bahia.

A música também aborda a interação harmoniosa com o ambiente, como 'beber uma água de coco' e 'sentir preguiça no corpo', elementos que remetem ao relaxamento e ao prazer simples da vida. O refrão, que se repete ao longo da canção, reforça a ideia de que é bom 'passar uma tarde em Itapuã', destacando a beleza do sol, do mar e do amor que se pode vivenciar nesse lugar. A canção termina com uma imagem noturna, onde o 'arrepio do vento que a noite traz' e o 'diz-que-diz-que macio' dos coqueirais embalam o eu lírico em um sono tranquilo 'nos braços morenos da lua de Itapuã', uma metáfora para a noite acolhedora e misteriosa.

Irmãos Grimm (O Rei “Bico de Tordo")

Um rei tinha  uma filha lindíssima, mas tão orgulhosa que não encontrava nenhum pretendente a seu gosto. Rejeitava todos e ainda por cima se divertia à custa deles.

Certo dia, o rei deu uma festa muito grande e convidou todos os rapazes casadouros, de longe e da redondeza. Pediu que se colocassem em fila, por ordem de categoria: primeiro os reis, depois os duques, os príncipes, os condes e barões e, finalmente os cavaleiros. 

A princesa passou-os em revista, encontrando, em cada um, algo a criticar: O primeiro era gordo demais. "Parece um barril!" - exclamou. O segundo, pelo contrário, alto e magro demais. "Muito desengonçado!" O terceiro, muito baixinho: "Um fracasso! " O quarto, excessivamente pálido. " Até parece a morte!" O quinto, corado demais. " É que nem uma crista de galo! " O sexto não lhe parecia bastante aprumado. "Lenha verde, secada atrás da estufa!" E assim descobriu em todos um defeito. Porém, de quem mais ela riu foi um bondoso rei, cujo queixo era um pouco saliente.

- Ah! - exclamou a princesa às gargalhadas. - Esse tem um queixo que parece o bico de um tordo!

E, por isso, daí por diante dera-lhe o apelido de "Bico de Tordo".

O velho rei, porém, vendo que sua filha não fazia outra coisa senão ridicularizar e humilhar a todos os pretendentes, irritou-se de tal maneira que jurou casar a princesa com o primeiro mendigo que chegasse à sua porta.

Decorridos alguns dias, apareceu um músico ambulante, que se pôs a cantar debaixo das janelas do palácio, para conseguir uma esmola. O rei, quando soube disso, ordenou:

- Tragam-me esse homem!

O músico apresentou-se, sujo e esfarrapado, e foi cantar perante o rei e a princesa. Quando terminou sua canção, pediu uma recompensa. Disse-lhe o rei:

- Gostei tanto de tua canção que vou dar-te minha filha por esposa.

A princesa assustou-se, mas o rei insistiu:

- Jurei casar-te com o primeiro mendigo que se apresentasse e vou cumprir meu juramento.

Não adiantaram súplicas. O padre foi chamado e a moça, quisesse ou não, teve de casar com o músico. Terminada a cerimônia, disse o rei:

- Não é justo que, sendo a mulher de um mendigo, continues vivendo em meu palácio. Vai-te com o teu marido.

O mendigo tomou-a pela mão e os dois saíram andando. Quando passaram por um belo bosque, ela perguntou ao marido:

- A quem pertence este bosque tão maravilhoso?

- Ao Rei Bico de Tordo que quis ser teu esposo. Se o tivesse aceito, agora seria teu!

- Ai, pobre de mim, por que não me casei com tão rico e poderoso rei?

Logo depois passaram por um  vasto prado e ela tornou a perguntar:

- A quem pertence este grande e belo prado?

- Ao Rei Bico de Tordo, que por ti foi desprezado! Se o tivesse aceito, agora seria teu!

- Ai, pobre de mim, por que não me casei com tão rico e poderoso rei?

  E ao chegarem a uma cidade  muito grande, perguntou ela de novo:

- A quem pertence esta cidade tão bela e populosa?

- Ao Rei Bico de Tordo que quis por esposa. Se o tivesse aceito, agora seria tua.

- Ai, pobre de mim, por que não me casei com tão rico e poderoso rei?

- Não me agrada - resmungou o mendigo - que estejas sempre desejando a outro homem para esposo. Não basto eu?

Por fim chegaram a uma casa, bem pequenina, e ela perguntou:

- Santo Deus, que casinha estranha! A quem pertence esta cabana?

- É a minha casa e a tua, onde viveremos.

A princesinha foi obrigada a curvar-se para entrar na porta, tão pequena era.

- Onde estão os criados? - perguntou.

- Criados ? - replicou o mendigo. - Tu mesma terás de fazer os serviços de que precisares. Acende o fogo, põe água a ferver e prepara a comida, que eu estou cansado.

Mas  a filha do rei nada entendia de cozinha, nem sabia como acender o fogo. E o mendigo não teve outro remédio senão ajudar para que as coisas saíssem mais ou menos. Depois da parca refeição foram dormir e de manhã ele a obrigou a levantar-se muito cedo, pois devia atender aos afazeres da casa. Assim viveram por alguns dias, consumindo todas as suas provisões e, então, disse o homem:

- Mulher, não podemos continuar deste jeito, gastando sem ganhar coisa alguma. Terás de trançar cestas.

E saiu a cortar vimes, que trouxe para casa. A jovem começou a trança-las . Mas os vimes eram duros e acabaram lhe pisando as delicadas mãos.

- Bem vejo que não dás para isso! - disse o marido. - Se tu puseres a fiar. 

Mas o fio duro não tardou a ferir-lhe os dedos, fazendo brotar o sangue.

   - Estás vendo?! - disse-lhe o homem. - Não serves para trabalho algum. Mau negócio fiz eu contigo. Tentamos negociar com panelas e potes de barro. Irás sentar-te no mercado e oferecer a mercadoria.

"Meu Deus ! - pensou ela. - Se por acaso passarem pelo mercado pessoas do reino de meu pai e me virem ali sentada, vendendo potes, como irão rir de mim!"

Mas não houve remédio. Teve de conformar-se, para não morrer de fome. Da primeira vez a coisa foi bem, pois a beleza da jovem atraía pessoas que lhe pagavam o preço exigido, sendo que alguns até lhe davam o dinheiro sem levar a mercadoria. O casal viveu algum tempo desses ganhos e, ao terminar o dinheiro, o homem comprou outra partida de potes e panelas. A princesa foi sentar-se numa esquina do mercado, com os objetos em seu redor. 

De repente, aproximou-se um oficial, a cavalo, e que parecia embriagado. Passou a galope por entre os potes e, num instante, os reduziu a cacos. A jovem começou a chorar amargamente e, de tão angustiada, não sabia o que fazer.

- Que será de mim? - exclamou .- Que dirá meu marido?

Correu para casa e lhe contou a desgraça.

- Também, que ideia é essa de ir sentar-se numa esquina do mercado, com potes de barro para vender? - zangou-se o marido.- Bem, deixa-te de lágrimas, pois vejo que não serves para realizar um trabalho decente. Hoje estive no palácio de nosso rei, indagando se precisavam de uma criada de cozinha e me prometeram dar-te o emprego. Assim terás comida de graça.

E a princesa, então, passou a ser uma criada de cozinha, ajudando o cozinheiro e fazendo os trabalhos mais rudes. Meteu umas vasilhas nos bolsos e nelas ia guardando o que lhe davam das sobras. Levava aquilo  para casa e os dois viviam disso.

Aconteceu que um dia celebraram o casamento do filho mais velho de rei, e a pobre mulher, desejosa de presenciar a festa, colocou-se na porta do salão.

Depois de acesas as luzes, começaram a entrar os convidados em ricos trajes, cada qual mais belo que o outro. Ela, ao ver tanta pompa e magnificência, lembrou-se, com amargura, do seu destino e maldisse seu orgulho e petulância, que a tinha levado a  humilhação e a miséria. Dos pratos, tão apetitosos que eram trazidos e levados pelos camareiros, e cujo aroma chegava até ela, os criados lhe atirava, de vez em quando, alguns bocados. Ela, então, os guardava em suas vasilhas, afim de levá-los para casa.

Entrou o príncipe, vestido de veludo e seda, com correntes de ouro ao redor do peito. Ao ver a linda mulher de pé junto a porta, tomou-a pela mão para dançar com ela. 

A princesa, porém resistiu assustada, pois reconheceu no jovem o Rei "Bico de Tordo", que fora seu pretendente e a quem recusara e ofendera com suas ironias. De nada lhe adiantou a resistência, pois ele a obrigou a entrar no salão. Nisto o cinto da moça, onde estavam presas as vasilhas, rompeu-se e estas caíram no chão, despejando o seu conteúdo pela sala. Todos os presentes romperam em gargalhadas e dichotes, deixando-a  profundamente envergonhada. A pobre princesa desejou que a terra se abrisse para tragá-la. Correu para a porta tentando fugir, mas na escada um homem a alcançou, obrigando-a a retroceder. Quando ela o olhou, viu que era o rei "Bico de Tordo", que lhe disse afetuosamente:

- Nada temas: Eu e o músico com quem estás vivendo na cabana somos o mesmo homem. Foi por amor a ti que me disfarcei assim. O cavaleiro que te partiu os potes também fui eu. Tudo isso fiz para quebrar o teu orgulho e castigar tua altivez, que te fizeram rir de mim.

A princesa, chorando amargamente, disse:

- Fui muito injusta e não mereço ser tua esposa.

Mas ele retrucou:

- Tranquiliza-te; teus dias maus passaram e agora celebraremos devidamente o nosso casamento.

E entraram as camareiras e lhe vestiram um lindo traje; seu pai compareceu com toda a corte e felicitou-a por seu casamento, foi tudo satisfação e alegria. 

É uma pena que nós dois não estivéssemos na festa.

Fonte: Contos de Grimm. Publicados de 1812 a 1819. Disponível em Domínio Público.

quarta-feira, 12 de junho de 2024

Simões Lopes Neto (Casos do Romualdo) Entre bugios

Quando, no norte do país, houve uma seca espantosa, que durou um par de anos e alarmou o governo e o povo todo, a farinha de mandioca encareceu, porque quanta se fabricava toda ia para aqueles infelizes flagelados.

Por essa época andava eu caçando antas nas serras do Paraná, e aí tive notícia da seca e da necessidade de mantimentos para os socorros.

Eu estava dentro dos pinheirais: tive uma ideia, isto é, tive uma pilha de ideias, porém uma prevaleceu: em três tempos montei um engenho e comecei a fabricar farinha de pinhão.

Pinhões, havia, às centenas de carretas; o que dava trabalho era descascá-los.

Ora, mas também havia muito bugio.

Preparei a minha gente e fiz algumas batidas, apanhando uma caterva de bugios, que são uns macacões ruivos, fortes e muito práticos de comer pinhões.

Estão querendo perceber?

Colhíamos os pinhões e os entregávamos aos bugios, amarrados em volta do terreiro - homens a um lado, mulheres a outro, para evitar rusgas - por imitação do que nós fazíamos, os bichos aprenderam a pelar os pinhões, atirando as cascas para um monte e as amêndoas limpas para dentro de cestos.

É verdade que eles comiam muito: mas o pinhão sobrava!

Eu tinha mais de duzentos macacos - bugios e bugias - mestres de pelar pinhão, e tudo gente moça, porque os velhos não tinham metido a mão na cumbuca, e lá andavam no mato, passando vida de cachorro.

Ora, pois, não é nada, mas cada dia preparava minhas sete arrobas, mais ou menos, de farinha de pinhão, que era logo ensacada e mandada para a comissão da fome da seca.

Fabricada, ensacada e mandada de graça! Confesso a minha verdade: eu esperava ser recompensado com uma comendazinha... Era o meu fraco: poder um dia enfrentar uma onça, de comenda no peito!

Cada um com a sua fraqueza.

Nesse meio tempo apareceu o gafanhoto, uma praga monstruosa, que derrotou tudo quanto era pinhão que havia na serra: não se encontrava um, para remédio.

Vi-me então obrigado a licenciar os bugios e soltei-os, dando-lhes conselhos e recomendando-lhes juízo.

Foi um grande dia para aqueles bichos.

Estou convencido que se durasse mais tempo o serviço, muitos deles, os mais inteligentes, acabariam, não digo - falando - porém - mastigando - alguma coisinha que se entendesse.

Por exemplo: havia um, que com alguns exercícios já dizia - mual! mual! - o que parece-me que seria - Romualdo -, que era o nome que ele mais ouvia na roda do dia.

Pouco antes de retirar-me daqueles lugares, andava eu no mato, aborrecido por não encontrar caça alguma que me satisfizesse.

Embrenhado num cerrado, encostei-me a uma árvore, à espera do que aparecesse.

Nisto senti ali por perto um - hã, hã, hã! - muito compassado e "monátono" (sic). Hã! hã! hã! Lembrei-me da cantoria das amas, embalando crianças.

Por instinto de caçador, apurei o ouvido e percebi donde vinha o som; olhei, e por entre as ramarias lobriguei um vulto amarelo-vermelho; levei a arma à cara, fiz pontaria, e ia desfechar.

Quando senti que puxavam-me pela aba do casaco voltei-me, e qual o meu espanto, dando de cara com um bugio, que ria-se e dizia - Mual! Mual!

Abaixei a arma; ele e não, sempre puxando-me pela aba do casaco, foi-me levando em direção ao vulto que eu descobrira; mais perto vi então que era uma macaca, sentada, com um macaquinho ao colo, dando-lhe de mamar!

O lugar onde ela estava era uma espécie de rancho, mal feito, é verdade, mas mostrando já alguma civilização, havia um porongo d'água pendurado num galho, e, numa forquilha, espetado, um ninho de sabiá cheio de guabijus, parecendo uma fruteira.

O bugio pôs uma mão no ombro da bugia, a outra sobre a cabeça do macaquinho e com a outra bateu no peito, como a dizer:

- Minha mulher! Meu filho!

Oh! senti toda a poesia daquela felicidade!

Tirei do bolso o meu lenço de ramagens e dei-o de presente à bugia, dizendo:

- Toma! Faze fraldas para o pequeno!

O Iadrãozinho parece que entendeu e engraçando com a corrente do meu relógio, pôs-se a brincar com ela; e eu, para divertir-me, ainda encostei-lhe a "cebola" ao ouvido, para ele apreciar o tique-taque da máquina.

O casal saltou de contente, berrou -mual! mual! - umas quantas vezes, e quando me despedi, veio acompanhar-me até a beira do mato. Nunca mais os vi.

Quem nos diz a nós que, com tempo e paciência e pinhões, os bugios.

Ah! antes que esqueça: da minha farinha e da tal comissão também nunca mais tive notícias.

E da comenda, menos!

Fonte: João Simões Lopes Neto. Casos do Romualdo. Publicado em 1914. Disponível em Domínio Público 

Vereda da Poesia = 31 =


Trova Humorística de São Paulo/SP

EDUARDO DOMINGOS BOTTALLO

Um corpo espetacular
do jeito que um cara quer,
só faltou, pra completar,
a garota ser mulher...
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Soneto de Sorocaba/SP

DOROTHY JANSSON MORETTI
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

Poeta

… reconheceram a canção que cantariam,
se soubessem cantar .
Helena Kolody

Nunca lhe falta a sensibilidade,
a sutileza, o dom de transferir
às palavras toda a expressividade
na alegria ou na mágoa do sentir.

O poeta é assim, é versatilidade…
Seja o que for que intente traduzir,
mergulha em vida, em sonho, em realidade,
faz de uma noite a aurora reflorir.

Transcende as dores de um mundo sofrido,
pisa os mistérios do desconhecido,
traz as estrelas para o nosso chão.

E quem o escuta, exclama, fascinado:
“Era assim que eu queria ter cantado,
se soubesse escrever minha canção!”
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Aldravia de Porto Alegre/RS

ZÉLIA DENDENA SAMPAIO

virtude
o
perfume
da
veraz
solidariedade
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Soneto de Poços de Caldas/MG

LAÉRCIO BORSATO

Meu sublime motivo

Eu, que na vida, sempre fui tão inconstante,
Agora me detenho num tema exclusivo:
A cordas dessa lira, fortes vibrantes,
Fazem parte do mundo belo em que vivo...

É como uma mensagem de paz. Num instante,
Vem à minha alma como um doce lenitivo.
Nesse agito, o meu ser torna-se redundante:
Desejo escrever... É meu sublime motivo!

Nessa jornada, no campo imenso da poesia,
Encontro essa beleza que antes não sentia...
São simples temas - nobres joias esquecidas!...

Em cada verso, doo um pouco de mim mesmo.
Nesse jardim inerte, no abandono, a esmo,
Cultivo meu canteiro de belas margaridas!...
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Trova Premiada  em São Paulo/SP, 1997

EDUARDO A. O. TOLEDO 
Pouso Alegre/MG

O amor se faz infinito,
longe do bem e do mal,
quando brota do granito
e se transforma em cristal!
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Poema de Amsterdam/Holanda

ANNA ENQUIST 

Cena Campestre

A casa esperou por nós,
pensamos. O duplo renque de árvores
acena-nos que nos cheguemos. Num sussurro,
o rio vai escorregando cheio
entre as margens.

 À hora exacta, o sol vai esconder-se
por trás dos campos. A escuridão
envolve a casa que nos protege.
Acendemos o fogo, bebemos
entre as paredes.

 Vendi-me inteira à
segurança e debruço-me da janela.
Dormem cavalos e galos, a água
pisca o olho à lua, e eu a pagar,
sempre a pagar.

(tradução: Catherine Bare)
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QUADRA POPULAR

Lambari está pelejando
pra nadar n’água parada;
eu também estou pelejando
pra arranjar a namorada.
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Soneto de Alcantarilha/ Silves/ Portugal

MANUEL NETO DOS SANTOS

Primavera Esperada

Vem amor, quando chegar a Primavera, 
Fazer com que floresça o meu sorrir, 
Prender-me com os teus braços de hera 
E amar-me no regaço do devir. 

Vem amor, quando a terra florescer 
E o ar, almiscarado de perfume, 
Em brisas de ternura te disser 
Que acendas no meu corpo esse teu lume. 

Vem amor, quando a greda revolvida 
Florir, numa aquarela aveludada; 
Boninas, lírios brancos, açucenas… 

Vem, amor! Quando o dia, a alvorada, 
Florir as flores, mesmo as mais pequenas 
E traz-me, então, de volta a própria vida.
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Trova de Mogi-Guaçu/SP

OLIVALDO JÚNIOR

No miolo de um livrinho,
sufocado por mim mesmo,
nosso amor está sozinho,
decorando o tempo a esmo.
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Poema de Viana/Portugal

JOSÉ AUGUSTO DE CARVALHO

Poema para Maria

 Os longes da memória, o tempo e o modo
renascem, inventados, água e lodo...

 Rasgando a treva, a chama de um farol,
por montes, vales, plainos, surge o trilho...

 O múrmuro trinar do rouxinol
poisou no choro brando do teu filho.

 E de montante, o rio rumoreja,
espreguiçando a doce melodia.

 P'los campos, o olivedo que esbraceja
candeia que há-de ser já anuncia...

 Na calma santa e mítica de luz,
a vida sonha e quer-se imaginário...

 O tudo e o nada, o todo se reduz
ao berço do infinito planetário...
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Haicai de Campo Mourão/PR

JOSÉ FELDMAN

Amor

Suspira o corvo,
Evoca rios de ternura
Musgo do amanhã
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Sextilha Agalopada de São Simão/SP

THALMA TAVARES

Tenho medo da “essência” da carteira,
e do “status” que o ouro nos empresta.
Vale mais hoje um rico sem caráter
que o talento de alguém de vida honesta.
A lisura, o saber e a inteligência
são valores aos quais não se faz festa.
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Não chamem de mundo-cão
o feio mundo do mal.
No cão pulsa um coração
melhor que o nosso, em geral.
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Glosa de Porto Alegre/RS

GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

Manhã menina

MOTE:
Madrugada... e a luz da aurora,
banindo a noite que finda,
conquista o tempo que mora
no dia que dorme ainda.
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

GLOSA:
Madrugada... e a luz da aurora,
colorida, cintilante,
tingindo o céu nessa hora
torna tudo alucinante!

A linda policromia
banindo a noite que finda,
canta um hino de alegria
com uma harmonia infinda.

O pranto que a noite chora
sabendo que vai morrer,
conquista o tempo que mora
no dia que vai nascer!

A manhã chega graciosa
feito uma menina linda,
se espreguiçando formosa
no dia que dorme ainda.
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Aldravia do Rio de Janeiro/RJ

MESSODY RAMIRO BENOLIEL

Após
nossos
corpos
entrelaçados
anoiteceu
silenciosamente
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

VINÍCIUS DE MORAES
1913 – 1980

Soneto de Meditação I

Mas o instante passou. A carne nova
Sente a primeira fibra enrijecer
E o seu sonho infinito de morrer
Passa a caber no berço de uma cova.

Outra carne virá. A primavera
É carne, o amor é seiva eterna e forte
Quando o ser que viveu unir-se à morte
No mundo uma criança nascerá.

Importará jamais por quê? Adiante
O poema é translúcido, e distante
A palavra que vem do pensamento

Sem saudade. Não ter contentamento.
Ser simples como o grão de poesia.
E íntimo como a melancolia.
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Trova Premiada  no Rio de Janeiro, 2005

WANDIRA FAGUNDES QUEIROZ 
Curitiba/PR

Defender a Ecologia
de forma séria e decente,
é preservar a harmonia
da própria casa da gente.
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Spina de Ponte Nova/MG

BETH IACOMINI

Cenário campestre

Árvores têm casa
cercadas de aves, 
telhados de sapê.

As portas de cor amarela 
brilham ao nascer do Sol.
Vista mágica: pés de Ipê... 
Flor do campo no entorno
amor reina, juntos eu, você.
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Trova de Caicó/RN

PROFESSOR GARCIA

Trago uma lição comigo
que aprendi desde criança:
Quem tem um cachorro amigo,
não perde nunca a esperança!
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Pantum da Flórida/Estados Unidos

ANGELA BRETAS

O sabiá que sabia tanto...

O sabiá que sabia tanto,
sabia que encantava sim,
seu canto, som de encanto,
soava como harpas dos querubins.

Sabia que encantava sim,
seu som de pássaro liberto
soava como harpas dos querubins
em manhãs de sonos despertos.

Seu som de pássaro liberto
ecoava nas matas distantes
em manhãs de sonos despertos,
melodias em formas tocantes.

Ecoava nas matas distantes
a música que adocicava a alma.
Melodias em formas tocantes
chamadas de paz e calma.

A música que adocicava a alma
tornava o pássaro alvo cativo.
Chamadas de paz e calma
atraía o inimigo.

Tornava o pássaro alvo cativo
cobiça em forma de canto.
Atraía o inimigo
enfeitiçado por seu encanto.

Cobiça em forma de canto
sufocou o sabiá, coitado.
Enfeitiçado por seu encanto
deixou-se prender, morreu calado.

Sufocou o sabiá coitado,
armadilha do destino calou o canto.
Deixou-se prender, morreu calado
o sabiá que sabia tanto...
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Poetrix de Salvador/BA

GOULART GOMES

Menina de Rua

o homem dormia, em seu ninho
e o coração dela
esmolando um carinho
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Soneto do Rio Grande do Sul

ALCEU WAMOSY
Uruguaiana/RS, 1895 — 1923, Santana do Livramento/RS

Duas almas

Ó tu que vens de longe, ó tu que vens cansada,
entra, e sob este teto encontrarás carinho:
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho.
Vives sozinha sempre e nunca foste amada...

A neve anda a branquear lividamente a estrada,
e a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
se banhem no esplendor nascente da alvorada.

E amanhã quando a luz do sol dourar radiosa
essa estrada sem fim, deserta, horrenda e nua,
podes partir de novo, ó nômade formosa!

Já não serei tão só, nem irás tão sozinha:
Há de ficar comigo uma saudade tua...
Hás de levar contigo uma saudade minha...
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Trova de Ribeirão Preto/SP

NILTON MANOEL
1945 – 2024

Sonhando de trova em trova
pela estrada da poesia,
minha vida se renova
no correr de cada dia.
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Poema de Autoria Anônima

Desabafo de um Cão

Não pense tão indiferente
só porque não sou gente,
só porque não sei falar.
Também sou um ser vivente,
sinto as dores que você sente,
mas não posso me expressar.

Sou um bicho abandonado,
pela vida maltratado,
sempre escorraçado
e até mesmo apedrejado.
Vivo sedento e faminto,
ninguém quer saber o que sinto.

Se fico doente e triste,
vejo logo um dedo em riste,
e vem a sentença fatal:
"Melhor matar esse animal!
Ele deve estar raivoso!"
Para sua comodidade
vive dizendo inverdade,
fazendo muita maldade,
seu mentiroso!

Mesmo que eu esteja raivoso,
já foi descoberta a vacina.
Mas para a sua raça humana
ainda não existe remédio.
Você mata o próprio irmão,
assalta,
faz guerra.
Mata com ou sem razão,
as vezes só por ambição.
É bem pior que eu
que chamam de vira-lata!

Estou triste, apavorado,
pois a qualquer instante
posso ser sacrificado.
Mas você não se importa
nem com o seu semelhante.
Você sim está doente:
egoísta, indiferente,
mas se algo ruim acontece
logo lembra que há Deus,
chora, reza e faz prece,
mas Deus só ajuda aquele
que de todos se compadece!

Lembre-se do que escreveu
São Francisco de Assis:
"Quem maltrata um animal
JAMAIS PODERÁ SER FELIZ!" 
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