quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

José Feldman (Abelardo e Azeitona)

Abelardo sempre foi um homem solitário, mas sua vida ganhou um novo significado quando decidiu adotar um cachorro de rua. Ele o chamou de Azeitona, um nome que refletia tanto a cor do pelo do animal quanto sua personalidade travessa. Desde filhote, Azeitona se tornou o melhor amigo de Abelardo, acompanhando-o em todas as suas aventuras e se tornando parte de sua rotina.

Os dois eram inseparáveis. Todos os dias, ao amanhecer, eles se dirigiam ao parque da cidade, onde Azeitona corria livremente, brincando com outros cães e perseguindo folhas que voavam com o vento. O parque era um refúgio para Abelardo, um lugar onde ele se sentia em paz, cercado pela natureza e pela alegria de seu fiel amigo.

Certa tarde, como de costume, Abelardo decidiu fazer uma pausa em um dos bancos do parque. O dia estava ensolarado e calmo. Ele observou Azeitona brincar com uma bolinha que havia trazido, rindo com a energia do cão. Mas, em um momento de distração, ele fechou os olhos e deixou-se levar pela brisa suave. Quando os abriu, Azeitona havia desaparecido.

O coração de Abelardo disparou. "Azeitona!" ele chamou, mas o silêncio do parque respondeu apenas com o farfalhar das folhas. Ele se levantou rapidamente, o desespero tomando conta de seu peito. Começou a procurar, chamando pelo nome do cachorro, perguntando a todos que encontrava pelo caminho se haviam visto seu amigo. Cada resposta negativa parecia um golpe, e a angústia crescia a cada segundo.

Percorreu o parque em busca de Azeitona, passando por caminhos que nunca havia explorado. Ele se sentia perdido, não apenas em relação ao espaço, mas também em sua própria esperança. Horas se passaram, e a luz do sol começou a se pôr, colorindo o céu com tons de laranja e rosa, mas isso não trazia conforto.

Do outro lado do parque, Azeitona também estava angustiado. Ele havia se afastado, atraído por um grupo de crianças que brincavam com uma bola. Quando percebeu que seu dono havia desaparecido, entrou em pânico. Correu por arbustos e trilhas desconhecidas, chamando por Abelardo, mas não conseguia encontrá-lo. O desespero tomou conta do pequeno cão, que começou a ganir, ecoando sua tristeza.

Finalmente, após horas de busca, Abelardo ouviu um som familiar. Era um ganido fraco, mas cheio de desespero. Seu coração se encheu de esperança. Ele seguiu a direção do som e, ao virar uma esquina, avistou Azeitona, encolhido em um canto, tremendo de medo.

Os olhos de Abelardo se encheram de lágrimas. Ele correu até Azeitona, que o reconheceu instantaneamente. O cachorro saltou para os braços do homem, abanando o rabo com toda a força que tinha, como se quisesse compensar cada segundo em que estiveram separados. Abelardo o abraçou com força, sentindo a suavidade do pelo e o calor do corpo de Azeitona.

"Eu pensei que nunca mais te encontraria, meu amigo!" disse, a voz embargada pela emoção.

Azeitona, aliviado e feliz, lambeu o rosto de Abelardo, expressando toda a sua alegria. O rabo do cachorro balançava freneticamente, quase parecendo um chicote, e Abelardo não pôde deixar de rir.

"Vai devagar com este rabo, parece um chicote!" brincou ele, enquanto algumas pessoas que haviam se juntado à busca também riam e se emocionavam com o reencontro.

O parque, que antes parecia um labirinto de incertezas, agora se enchia de alegria. Abelardo e Azeitona estavam juntos novamente, e isso era tudo o que importava. A amizade entre eles se fortalecia ainda mais naquele momento. Agradecendo a todos que o ajudaram, Abelardo se sentiu grato, não apenas por ter encontrado seu amigo, mas também pela solidariedade que o cercava.

Os anos passaram, e a relação entre Abelardo e Azeitona se aprofundou. O parque, que uma vez foi o cenário de seu reencontro emocionante, tornou-se o palco de muitas memórias: corridas alegres, piqueniques sob a sombra das árvores e longas caminhadas ao pôr do sol. Abelardo observou Azeitona crescer, seu pelo escurecendo e suas patas se tornando mais lentas. No entanto, o brilho nos olhos do cão nunca se apagou.

Com o passar do tempo, Abelardo também sentiu os efeitos da idade. Seus cabelos, antes escuros, agora eram salpicados de grisalhos, e sua energia não era mais a mesma. Mas a presença de Azeitona ao seu lado sempre o animava. O cachorro parecia entender quando Abelardo estava cansado, fazendo questão de parar e descansar um pouco, como se quisesse preservar cada momento juntos.

Certa manhã, enquanto caminhavam pelo parque, Abelardo se sentou em um banco, observando o movimento ao seu redor. As crianças brincavam, os casais passeavam de mãos dadas, e os pássaros cantavam nas árvores. Ele olhou para Azeitona, que se deitou ao seu lado, com a cabeça apoiada nas patas dianteiras. Era um momento simples, mas cheio de significado.

"Azeitona, você sempre esteve comigo, não é?" Abelardo disse, acariciando o pelo macio do cachorro. "Passamos por tantas coisas juntos."

O cão levantou a cabeça, olhando para Abelardo com seus olhos expressivos. Era como se ele entendesse cada palavra, cada sentimento. Azeitona lambeu a mão do homem, como se quisesse confortá-lo.

Com o tempo, as caminhadas se tornaram mais curtas. Azeitona, agora um velho amigo, preferia explorar os pequenos caminhos do parque, cheirando cada cantinho e apreciando a brisa suave. Abelardo, por sua vez, começou a notar que a energia de seu fiel companheiro estava diminuindo. As corridas alegres foram substituídas por caminhadas lentas e contemplativas.

Certa tarde, enquanto se sentavam juntos em seu banco favorito, Abelardo sentiu uma pontada de tristeza. Ele sabia que o tempo era implacável e que cada dia que passava era precioso. Olhando Azeitona, ele percebeu que o cachorro havia se tornado mais do que um amigo; era uma parte de sua alma.

"Eu prometo que vou cuidar de você para sempre, Azeitona," ele disse, a voz embargada. "Você é a melhor parte da minha vida."

Nos meses seguintes, Abelardo fez tudo o que pôde para tornar os dias de Azeitona confortáveis. Ele comprou cobertores macios e petiscos especiais, e sempre que possível, tentava levar o cachorro ao parque. A amizade deles era uma fonte de força, e mesmo nos dias mais difíceis, o amor que compartilhavam iluminava suas vidas.

Certa manhã, enquanto o sol nascia, Abelardo acordou e percebeu que Azeitona não estava ao seu lado. Um frio na barriga tomou conta dele. Ele se levantou e procurou por toda a casa, até que encontrou seu querido cão deitado em sua cama, respirando calmamente, mas com um olhar distante. Abelardo se ajoelhou ao lado dele, acariciando sua cabeça.

"Oi, meu velho amigo," disse Abelardo, a voz trêmula. "Eu estou aqui."

Azeitona levantou a cabeça lentamente, reconhecendo a presença de seu dono. Abelardo sentiu uma onda de nostalgia ao recordar todos os momentos que compartilharam. Ele se lembrou das corridas no parque, das risadas, e da profunda conexão que formaram ao longo dos anos.

Naquele instante, Abelardo decidiu que faria daquele dia um dia especial. Ele preparou um piquenique com os petiscos favoritos de Azeitona e os levou para o parque. Sentaram-se juntos sob a sombra de uma árvore, e Abelardo compartilhou histórias de suas aventuras, como se o tempo tivesse parado.

"Você sempre foi meu melhor amigo, Azeitona," ele disse, olhando nos olhos do cachorro. "E sempre será."

Enquanto o sol se punha, Abelardo percebeu que a luz nos olhos de Azeitona estava começando a se apagar. O amor que compartilhavam era eterno, e ele sabia que, não importava o que acontecesse, Azeitona sempre estaria em seu coração.

Uma onda de tristeza envolveu Abelardo. O peso do tempo, das memórias e da iminente perda o atingiu como um soco no estômago. O amor que sentia por aquele cachorro era tão profundo que parecia quase insuportável.

"Eu não sei o que vou fazer sem você," ele murmurou, a voz tremendo. "Você é tudo para mim."

A tristeza começou a se transformar em um nó apertado no peito, e Abelardo sentiu seu coração disparar. Ele tentou ignorar, mas a sensação era esmagadora. O desespero de perder Azeitona era tão intenso que ele se viu lutando para respirar. 

"Por favor, não me deixe," implorou, enquanto as lágrimas escorriam por seu rosto. 

Nesse momento, a dor se intensificou, e, de repente, Abelardo caiu para trás, o coração não suportou a carga emocional. Ele caiu no chão, ainda segurando Azeitona em seus braços, o cachorro imediatamente percebendo a mudança. Azeitona lambeu o rosto de Abelardo, como se tentasse acordá-lo, mas o homem não respondeu.

Naquela entardecer, enquanto a lua começava a iluminar o céu, Azeitona fechou os olhos pela última vez, com a cabeça apoiada no colo de Abelardo.

O parque, antes cheio de vida, silenciou. As risadas e os sons da natureza se tornaram um eco distante. As pessoas que passavam notaram a cena e correram em direção a Abelardo, mas era tarde demais. O amor incondicional que unia os dois havia se tornado um laço eterno, selado naquele último abraço.

As lágrimas começaram a cair dos rostos dos que assistiam à cena, muitos lembrando-se de seus próprios amores e perdas. Era um momento de profunda conexão, uma lembrança de que, mesmo em sua fragilidade, o amor pode ser uma força poderosa e transformadora.

Para aqueles que testemunharam a cena, nada seria igual. A história de Abelardo e Azeitona se tornaria uma lenda local, um exemplo de amor puro e incondicional que transcendeu a barreira entre o homem e o animal, mostrando que, mesmo em sua diferença, eles eram iguais na profundidade de seus sentimentos.

E assim, juntos, eles deixaram este mundo — um em um último suspiro em um amor que nunca morreria. O parque, repleto de memórias, agora guardaria para sempre a essência daquele amor imenso, imortalizado no coração de todos que tiveram a sorte de conhecer a história de Abelardo e Azeitona.
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José Feldman nasceu na capital de São Paulo. Formado técnico de patologia clínica, não conseguiu concluir o curso superior de psicologia. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais; trovador da UBT São Paulo e membro da Casa do Poeta “Lampião de Gás”. Foi amigo pessoal de literatos de renome (falecidos), como Artur da Távola, André Carneiro, Eunice Arruda, Izo Goldman, Ademar Macedo, Hermoclydes S. Franco, e outros. Casado com a escritora, poetisa e tradutora professora Alba Krishna mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, radicou-se definitivamente em Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras e de trovas, fundador da Confraria Brasileira de Letras e Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, possui o blog Singrando Horizontes desde 2007, com cerca de 20 mil publicações. Atualmente assina seus escritos por Campo Mourão/PR. Publicou mais de 500 e-books. Em literatura, organizador de concursos de trovas, gestor cultural, poeta, escritor e trovador. Dezenas de premiações em trovas e poesias.

Fonte: José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

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