sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Mário de Carvalho (O Binóculo Russo)


(Foi mantida a grafia original)

Matilde deixou cair o dossier com estardalhaço no lajedo do patamar. Aquela porta ficara má de abrir, depois de uma reparação caríssima, que sucedera a uma tentativa de assalto. Vinha, como sempre, muito carregada. Teve que equilibrar a pasta entre os joelhos, ajeitar os sacos de plástico nos pulsos, puxar ligeiramente a chave para si, depois de a ter feito deslizar no buraco da fechadura; e aplicar-lhe uma torção lenta, sábia, até convencer a lingueta a saltar. Não havia mãos e joelhos que chegassem para todos os volumes. Estrondeou o dossier no chão, estrondeou a fechadura nas ferragens, estrondearam as latas do supermercado na madeira da porta, e a vizinha do lado logo a aparecer, de braços cruzados e viso furibundo. Não disse nada, porque tudo estava já ralhado, cara a cara, pelo menos de há um ano a esta parte. 

O homem dela fazia turnos de noite, tinha o sono leve e aqueles rumores causavam-lhe uns sobressaltos e um mal-estar que ela designava modernamente por stress, mas que em interpretações mais rigorosas e menos científicas poderia ser traduzido por «vontade de embirrar». Seguir-se-iam remoques e apartes ditos da varanda, para que Matilde os ouvisse bem e, talvez, umas vassouradas na parede para que ela se compenetrasse de que não se incomodava impunemente um capataz a turnos, moído de chatices.
Com alívio, Matilde fechou a porta atrás de si - devagarinho, para não reincidir nos estrondos - e refugiou-se nas suas duas assoalhadas, impecáveis de arrumação. Saltou o gato do sofá e veio cumprimentar, roçando-se-lhe pelas pernas. Interesseiro, o bicho.

Queria comida, a dona era a garante das refeições. Mas Matilde tomou para si os cumprimentos como se fossem afeições de gato.

Só depois de distribuir géneros e vitualhas, pasta e dossiers, pelos sítios destinados, Matilde se aproximou, a medo, da marquise das traseiras. Não podia evitar aquele baque e a tremura nas mãos sempre que, pelo fim da tarde, espreitava pelos vidros. Ele estaria lá? Se estivesse, o baque tornar-se-ia mais forte e sentiria na face aquela tepidez da pele a rosear-lha. Se não estivesse, sobreviria um desalento melancólico. Era, em qualquer dos casos, um padecimento.

De maneira que Matilde se foi chegando à janela devagar, retardando até ao último momento a ocasião de olhar para fora, por detrás do cortinado de cassa, porque não ousava mostrar-se.

A marquise deitava para a negrura dum saguão fundo, ainda mais ensombrado por uma velha nespereira que não parava de crescer e que ninguém se dava ao trabalho de podar. Mais para além, atrás de um muro alto, dormitava um quintalório meio abandonado, com ervas altas e anárquicas a quererem trepar por um pombal em ruínas; do outro lado duma vedação de cedros, a meia altura, resplandecia o pátio dele. Chamar-lhe quintal seria desmerecedor, porque exibia uma espécie de fonte em que um peixe beiçudo deveria verter água para uma tina, se estivesse ligada à canalização, no meio duma relva bem aparada, a rasar um canteiro pintado de branco com uma roseira que preponderava sobre floritas roxas, misteriosas.

Ele estaria? Não estaria? O olhar de Matilde hesitou pelos telhados de prédios altos, nas lonjuras. Depois decidiu-se, fitou o jardim e perscrutou entre as heras do caramanchão, correu a sebe e os muros, admirou uma vez mais a imaculada fonte do peixe, pousou na mesita de plástico branco, esquadrinhou os quatro cantos, subiu pela ferrugenta escada de salvação. Nada. Matilde suspirou e abafou um pigarro brando nas costas da mão. Tomou-a a tal tristeza lassa, desanimada. Na sala, sobre a mesa, o medonho dossier amarelo com prospecções de vendas já clamava por ela.

De súbito, um alvoroço. Um vulto branco por entre as folhas do caramanchão. Um homem avançou, expôs-se ao olhar, cruzou os dedos de ambas as mãos em frente do peito e estendeu os braços. O «claque» seco dos ossos distendidos chegou aos ouvidos de Matilde. Se não chegou, foi como se chegasse. Meu Deus, era ele. O dossier podia esperar! O homem deu uns passos pela relva, sentou-se à mesita e foi folheando um livro que - Matilde não tinha reparado - já lá estava. Matilde cruzou os braços com força e fincou as mãos nos ombros. Distinguia agora nitidamente o perfil do homem, atento, concentrado, segurando o livro aberto com uma mão, enquanto com a outra tamborilava, elegantemente, no tampo da mesa. De vez em quando, aquela mão tamborilante levantava-se, suspendia-se um instante no ar, penetrava no livro e virava mais uma página. E Matilde a ver de longe, com enlevo...

Pelas oito horas, o trivial: uma mulher de bata florida e ar desmazelado veio ao patamar da escada de ferro e chamou, muito autoritária, de mão na anca. «Lá está a vaca da mãe», resignou-se Matilde, «vem chamá-lo para jantar...» O homem fechou o livro, decerto contrariado, porque muito melhor ficaria a ser observado secretamente por Matilde, tamborilou por um momento com os dedos de ambas as mãos na mesa, levantou-se, subiu as escadas e entrou. «Pronto», suspirou Matilde, «agora, jantar em frente do televisor e, vista e apreciada a telenovela, o dossier amarelo...»

«É russo, minha senhora, está a ver?

O oculista, muito peremptório, apontava os caracteres cirílicos gravados a verde no binóculo.

«Pesado...»

«Sólido, minha senhora. Os russos, noutras coisas, não sei; mas, agora, na óptica... Ora experimente lá, se faz favor.»

Matilde, timidamente, focou o binóculo, apontou-o à montra: uma confusão. Girou sobre si e distinguiu a cara enorme, deformada, de Maria Eduarda que a olhava com os olhos esbugalhados:

«Não sei... Acho que serve.» «Faz-me um desconto?» «Pois sim, uma atençãozinha...»

Era a hora de almoço, Matilde e a amiga cumpriam a rotina do percurso até à pastelaria do costume (um croissant com fiambre, um copo de leite e uma bica) quando Matilde desviou caminho para o oculista. Maria Eduarda fez perguntas, interessada pelos desarranjos visuais de Matilde, magnífica matéria de conversação, e ficou muito surpreendida por a colega ter pedido para apreçar binóculos.

Matilde deu uma explicação que deixou a outra intrigada: que era por causa do gato. Andava sempre a vadiar pelos quintais e, assim, podia saber onde é que ele parava...

«Ah...»

À mesa, Eduarda, como de costume, tinha muito que contar: a chefe havia-lhe deixado uma nota a vermelho (a vermelho!) avisando-a de que deveria abrir as páginas do Diário da República, coisa que não era da sua competência: o gabinete estava irrespirável desde que o paquete resolvera fumar uma espécie de tabaco-de-onça, mata-ratos ou lá o que era aquilo; iam montar no serviço uma instalação que registava todas as comunicações telefónicas, a fim de debitarem as chamadas pessoais aos empregados; o Ricardo estava a chegar atrasadíssimo aos encontros e deixava o atendedor de chamadas ligado mesmo quando (era óbvio!) estava em casa, mas o que valia era haver mais Ricardos na terra; podia-se ganhar um dinheirão fazendo comida para festas, para casamentos e coisas assim; apesar dos horrores que se diziam, a Igreja Manánão era tão má como isso, tudo muito limpo; a última telenovela brasileira estava muito bem feita.

Nada de novo, naquela hora de almoço... Eduarda ainda quis saber mais sobre os binóculos, mas Matilde conseguiu ser extremamente vaga, embora não insistisse na necessidade de vigiar o gato. E deu mesmo um par de conselhos a propósito do Ricardo e as cautelas apropriadas quando se trata com homens instáveis.

O binóculo era, de facto, pesado. O ruído que fez, quando, dentro da mala de Matilde, embateu com força na porta, despertou no interior da casa da vizinha um rancoroso «Lá chegou a gaja...», perfeitamente audível. Mas Matilde estava tão impaciente para chegar à marquise que, contra o costume e indiferente às consequências, atirou com a porta violentamente. Desprezou o gato, deixou os sacos de plástico em qualquer lado, o dossier esbarrondado, a trouxe-mouxe, em cima do sofá, e ala, para o seu posto de observação, de binóculos em riste.

Ele já lá estava e lia, à mesa, com aquele desprendimento selecto que tanto a havia impressionado na véspera. Matilde tinha-o agora ao perto, muito nítido, com as cores muito vivas. Podia acompanhar-lhe o perfil, milímetro a milímetro, o azulado da barba na face bem escanhoada, as riscas- da camisa, cuidadosamente arregaçada nos punhos e o livro, manuseado com displicência. Conseguiu ler as letras da capa: Cultive a Sua Vontade de Vencer, por J. D. Rus_ West. Céus, aquilo eram leituras de gestor. Bem se via, de resto, por aquele jardim tão bem cuidado, pelo fontanário, com peixe e tudo. Um gestor, votado ao sucesso, em pleno bairro de Santos, para "além das nespereiras... E captou todos os pormenores, todos os movimentos, até que a mãe (ou, pensando melhor, talvez a criada) veio costumeiramente, muito desmancha-prazeres, chamar o homem para jantar.

Matilde dormiu muito apressadamente nessa noite. Sonhou que circulava a grande velocidade por uma estrada bordejada de nespereiras descomunais. Um Ferrari vermelho ultrapassou-a. Era o vizinho que o conduzia, de camisa desabotoada no pescoço, deixando entrever, por baixo do colarinho, um lenço de seda de ramagens azuis. Matilde seguia num carrinho de feira, mas, prego a fundo, esforçava-se, não deixava que a distância ao Ferrari aumentasse. Eduarda surgiu de repente a seu lado, de cabelos ao vento, e advertiu: «Olha que o gajo é dos que deixam o atendedor de chamadas ligado e fingem que não estão! Além disso, tu não sabes guiar!»

Matilde fez muita batota no serviço, na manhã seguinte. Deu-lhe a impaciência. Pediu que a deixassem sair por uns instantes para ir à Câmara tratar de uma multa e ao banco esclarecer uns problemas de saldo, já que à hora do almoço tinha que passar por casa, porque o canalizador... A chefe não esteve para averiguar mentira a mentira e nem sequer ouviu a do canalizador. Limitou-se a rosnar, como de costume: «depois você compensa!»

Foi direitinha a uma livraria e olhou demoradamente para a montra, num pasmo que contrastava com a pressa de antes. O livro, claro, não estava em exibição. Só havia álbuns caríssimos, sobre cães, palácios e porcelanas da China. Ainda assim, Matilde contemplou a montra com minúcia. Era-lhe difícil entrar numa livraria, assim sem mais nem menos. Tinha a impressão de que aqueles empregados andavam sempre a vigiá-la, desconfiados, e de que os cidadãos sorumbáticos que cirandavam entre as bancadas eram intelectuais peneirentos que a olhavam, com desprezo, como a uma intrusa. A última vez que entrara numa livraria fora para comprar os livros de Maria Roma e, mesmo assim, acompanhada pela Eduarda e de fugida.

Lá se resolveu, enfim. Encaminhou-se com passo firme para o empregado que lhe pareceu ter melhor cara e perguntou pela Vontade de Vencer. O homem estava entretido com um embrulho e quase nem se dignou a olhá-la:
«Veja ali naquela estante os livros de capa verde.»

A tal estante era um tesouro de volumes maravilhosos, de lombadas vistosas, que ensinavam tudo o que era necessário para a felicidade do género humano: Como Fazer Amigos, O Sucesso sem Contrapartidas, Apodere-Se dos Segredos de Machu-Pichu... Na quarta prateleira, lá resplendiam vários exemplares do Cultive a Vontade de Vencer. Matilde ficou com alguma raiva ao livreiro que insistiu em embrulhar o livro, com um papel vulgar. Estava ansiosa por ler. Ainda mal tinha saído e já arrepanhava o papel.

Regressada ao emprego, ainda antes do almoço, pôde, com o volume disfarçado entre resmas de facturas e a lista dos faxes, comungar da prosa que fortalecia o espírito do seu vizinho. Logo na terceira página, leu, extasiada: «O imperador Júlio César, também conhecido por Octávio Augusto, que viveu largos milhares de anos antes de Jesus Cristo, era muito persistente, como todos os vencedores. Ao atravessar o caudaloso rio Rubicão que separa o Egipto de Itália, ordenou aos soldados que seguissem o seu penacho branco e bradou: "Ai dos Vencidos"! Assim conquistou Pompeia e submeteu dezenas e dezenas de cidades gregas.»
Aquilo era o mundo da erudição. No prefácio, o autor assegurava que havia consultado milhares de volumes de várias línguas, efectuado centenas de entrevistas e frequentado as mais longínquas bibliotecas, sem esquecer a do Mosteiro de Lassa, no Tibete. Matilde, ofegante, sentia-se esmagada por tanto saber. E mais se firmou nela a admiração pelo homem que lia aqueles textos, afincadamente, todas as tardes, antes do jantar.

Não almoçou com Eduarda. Refugiou-se numa pastelaria distante e aprendeu alguma coisa sobre imperadores romanos e lamas do Tibete, na versão muito peculiar do autor americano. À tardinha, de binóculo numa mão e livro na outra, espiou o vizinho, numa ansiedade, procurando adivinhar, em vão, que passagem do livro estaria ele a folhear. O gato miava, ao desamparo, esganiçado de fome. Mas não sobrava atenção a Matilde. Nessa noite o animal só comeu depois da telenovela.

No último sábado de cada mês Matilde fazia as suas compras num supermercado do bairro, de acordo com uma lista sempre invariável. Habitualmente trazia pouco dinheiro, por medo dos assaltos. A empregada conhecia-a, aceitava-lhe os cheques sem grandes formalidades.

Mas naquela manhã, de caneta na mão, entre sacos de plástico vazios e talões abandonados, Matilde mostrava-se singularmente perturbada. Atrás dela, na bicha, acompanhado por um sujeito risonho que trazia um capacete de motociclista no braço, tomava garbosamente posição o seu vizinho, supostamente «gestor». Vinha vestido com um fato de treino e balanceava nas mãos, com nervosismo, uma lata de ervilhas. Matilde bem que conhecia aquelas mãos. Dobrada sobre a caixa registadora, a preencher o cheque, sem ousar uma olhadela para o lado, sentia a presença dele muito perto. Querendo, podia mesmo tocar-lhe. Enrubesceu. Os dedos tremiam-lhe. Enganou-se. Teve de rasgar o cheque e procurar outro, atabalhoadamente.

«Há pessoas que não têm respeito nenhum pelos outros, palavra de honra!»

Matilde estremeceu e atreveu-se a olhar para o homem, abismada. De cabeça à banda, ele não se calava:

«Vêm pràqui armar ó pingarelho c'a porcaria dos cheques e só sabem é empatar ou o caraças!!»

«Ela nem sequer sabe preencher a merda do cheque!», respondeu o do capacete de mota, às casquinadas.

«É pra mostrar que tem conta no banco! É finaça, a duquesa!»

Matilde balbuciou qualquer coisa na direcção da empregada. Depois, aterrorizada, ousou encarar o vizinho:

«Mas...»

«Mas, o quê? E não esteja a olhar pra mim qu' eu não sou mostruário.»

E o outro:

«Despache-se lá, senhora! Não vê que nos está a fazer perder tempo? Oh, sorte!»

Rebentou uma grande altercação em volta da caixa registadora. A empregada, como lhe tivesse chegado a mostarda ao nariz, tomou o partido de Matilde, com uma gritaria colorida, adequada à situação. Outros fregueses se interpuseram. Parece que a questão até meteu a segurança. Mas Matilde já não ouvia nada. Muito encolhida, de sacos na mão, olhos no soalho,foi-se encostando à parede e, muito lentamente, com passinhos trôpegos, saiu do supermercado.

No percurso até casa não cumprimentou ninguém nem ouviu ninguém. Ia uma zoada confusa, naquela cabeça. Tumultuosamente, misturavam-se imagens quebradas, pensamentos incompletos e sensações desordenadas. 

Imperativamente, de permeio, com um rebate de urgência, ocorriam-lhe pequenas tarefas que planeara há muito e que, por uma razão ou outra, nunca tinha levado a cabo: encerar o soalho, limpar os bicos do fogão, coser a bainha do cortinado, arrumar a despensa, pôr em ordem alfabética os números telefónicos do bloco-notas...

Ao chegar a casa, completamente indiferente às reacções dos vizinhos, nem reparou se a porta tinha batido ou não. O telefone tocou, não atendeu. Durante todo aquele sábado Matilde girou pelo apartamento, numa actividade frenética de limpar e arrumar objectos. Nem almoçou. Desconfiado do feitio e da movimentação, o gato escondeu-se sob uma estante e optou por passar despercebido.

Ao fim da tarde, enfim, Matilde deixou-se cair no sofá, contemplou a sua obra e suspirou, já tranquila. Não! Faltava ainda um pormenor: o livro da Vontade de Vencer, ali a rebrilhar em cima da mesa, voou descompassadamente para o caixote do lixo. Depois, Matilde tomou um banho de imersão, cantarolou, jantou enquanto via a telenovela e arranjou demoradamente as unhas. Dormiu até muito tarde.

Passaram-se uns dias, antes que Matilde se acercasse da marquise. Foi por tentativas, devagar, pé ante pé, forçando-se muito. Com um papel adesivo, translúcido, forrou o vidro até meio, de maneira a não ser surpreendida, sem querer, pela vista do jardim relvado e do seu possuidor.

Mas havia mais mundos, acima do papel translúcido. Numa certa varanda, lá ao longe, todos os dias, à mesma hora, um senhor calvo, de pijama, vinha tranquilamente regar as flores. De vez em quando, voltava-se para dentro e falava com alguém. Aquela distância parecia a Matilde que o homem estava triste e abatido. Não podia ser má pessoa quem gostasse tanto de
flores. Falava com a mulher, uma megera tirânica, decerto, que passava a vida a atenazá-lo com recriminações e pequenas maldades, que um amante de plantas estava longe de merecer. O ar carinhoso com que o homem acariciava as flores... Falava-lhes?

Matilde trepou a um banco, vasculhou num armário alto e tirou de lá o binóculo.

Fonte:
Mário de Carvalho. Contos Vagabundos. Lisboa: Editorial Caminho, 2000.

Teatro de Ontem e de Hoje (Brincante)


Espetáculo concebido a partir da pesquisa pessoal de Antonio Nóbrega, estruturado sobre a recriação de narrativas do romanceiro popular nordestino, tendo como personagem condutora da ação o brincante Tonheta, um herói picaresco do Brasil. 

O termo brincante designa, no Nordeste, os artistas populares dedicados aos folguedos tradicionais; onde podem cantar, dançar, tocar instrumentos, etc. Após a idealização de Tonheta, Antônio Nóbrega o explora em alguns espetáculos, mostrando toda sua versatilidade como artista multifacetado.

A realização de Brincante é de 1992, após Figural e O Reino do Meio Dia, espetáculos solos que catapultam o intérprete no Brasil e no exterior. Nele, Nóbrega e sua mulher Rosane Almeida interpretam dois atores ambulantes. Em meio às histórias nas quais se enreda a extrovertida personagem, o casal encontra tempo e espaço para cenas de idílio, briga, desafio, podendo explorar longamente o canto, as habilidades com diversos instrumentos, as danças, a comicidade peculiar das ruas e praças.

A direção de Romero de Andrade Lima é fiel à poética "armorial" de Ariano Suassuna, seu tio, mantendo o ritmo inquieto e pulsante da realização. A cenografia é concebida a partir de uma carroça, coberta de panos, objetos, fotografias, adereços múltiplos, possibilitando a criação dos diversos ambientes exigidos pela fábula. O texto de Bráulio Tavares, juntando histórias e propiciando entreatos variados, ajusta-se como uma luva à expressividade dos artistas. 

Nos comentários do jornalista Álvaro Machado, "a carreira de Antônio Nóbrega como continuador de uma expressão teatral autenticamente brasileira toma contornos exemplares com Brincante, seu último espetáculo. [...] Agora empresta a mesma importância à parte plástica do espetáculo, com cenários e figurinos do artista Romero de Andrade Lima, 'cria', como Nóbrega, do Movimento Armorial de Ariano Suassuna. A beleza e informação contidas em objetos iconográficos como a carroça de andarilho do anti-herói Tonheta são um dos trunfos da montagem. [...] Tonheta, personagem picaresco que alcança a indagação metafísica, emociona ainda por recuperar para a cena paulista uma tradição de teatro de alma brasileira quase sepultada depois da década de 70".[1] 

O espetáculo, ao longo de sua temporada paulista, abre as portas de um importante espaço teatral paulistano, o Teatro Brincante, lugar e ambiente de criação e apresentações da família Nóbrega, como também escola para formadores - brincantes, e centro cultural promotor de Encontros e Mostras voltados para a difusão e fomento da cultura brasileira. 

Notas
[1] MACHADO, Álvaro. Brincante retoma alma do teatro brasileiro. Folha de S.Paulo, São Paulo, 31 ago. 1992. Ilustrada, p. 5-4.

Fonte:

José de Alencar (Ao Correr da Pena) Rio, 14 de janeiro: As Sociedades em Comandita


As sociedades em comandita, eis a questão do dia. O abecedário inteiro tem saído a campo; e cada letra é um novo campeão que desce à liça do combate.

Todas as armas têm sido tomadas. A lógica, o estudo profundo do objeto, a dialética de uma argumentação vigorosa, ressaltam nos primeiros artigos, publicados no Jornal do Comércio e assinados por duas iniciais, que, como todos sabem, denunciam uma das nossas capacidades, um dos espíritos mais bem organizados em matéria de jurisprudência.

Abrangendo a questão num ponto de vista largo e profundo, aqueles artigos desenvolveram a questão comanditária desde a sua verdadeira base até as últimas conseqüências do decreto de 13 de dezembro de 1850.

Há poucos dias um dos advogados mais distintos do nosso foro nos dizia, a respeito destes artigos, que poderiam ter sido escritos por ele: Não é um artigo de jornal, é um tratado.

No Correio Mercantil a questão tomou outra face; mas foi habilmente tratada. A pena que defendeu o ano passado o projeto de reforma judiciária, que se discutia na câmara, veio de novo à imprensa para sustentar o decreto do governo, com os conhecimentos, com o estilo claro e fluente de que já havia dado provas.

Infelizmente, porém a questão não se manteve na altura a que a tinham elevado os dois ilustres membros da magistratura e da classe dos advogados.

Insinuações pessoais, alusões injustas e deslocadas, vieram tomar o lugar de argumentos, e responder àquilo que o direito, a justiça e os princípios de razão haviam estabelecido no desenvolvimento da questão.

Por ora a discussão tem sido unicamente entre as consoantes; as vogais conservam-se neutras, e esperam talvez o resultado da luta para emitirem, com verdadeiro conhecimento de causa, uma opinião conscienciosa.

Se os espíritos graves se preocupam com esta questão interessante, com as últimas notícias do Oriente, e com o resultado provável da nossa Guerra do Paraguai, os outros pensam no carnaval, que o seu cortejo de folias e extravagâncias.

O carnaval!... Enquanto ele está longe, enquanto ele não vem transtornar o juízo com os seus momos grotescos e suas voluptuosas bacantes, aproveitemos a ocasião, e falemos sério a seu respeito.

Creio que são inteiramente infundados alguns receios que há de  vermos reviver ainda este ano o jogo grosseiro e indecente de entrudo, que por muito tempo fez as delícias de certa gente. Além das boas disposições do público desta corte, devemos contar que a polícia desenvolverá toda a vigilância e atividade.

Depois que o Sr. Desembargador Siqueira, entre tantos outros benefícios que nos fez, conseguiu extinguir esse antigo costume português, a polícia carrega com uma responsabilidade muito maior do que nos anos anteriores. Outrora era um uso arraigado com o tempo, e por conseguinte difícil de extirpar; hoje seria um abuso, que só a negligência poderia deixar que se renovasse.

Muitas coisas se preparam ente ano para os três dias de carnaval. Uma sociedade criada o ano passado, e que conta já perto de oitenta sócios, todos pessoas de boa companhia, deve fazer no domingo a sua grande promenade pelas ruas da cidade.

A riqueza e luxo dos trajes, uma banda de música, as flores, o aspecto original desses grupos alegres, hão de tornar interessante esse passeio dos máscaras, o primeiro que se realizará nesta corte com toda a ordem e regularidade.

Quando se concluir a obra da Rua do Cano, poderemos então imitar, ainda mesmo de longe, as belas tardes do Corso em Roma.

Entretanto a sociedade teve já este ano uma boa lembrança. Na tarde de segunda-feira, em vez do passeio pelas ruas da cidade, os máscaras se reunirão no Passeio Público, e ai passarão a tarde, como se passa uma tarde de carnaval na Itália, distribuindo flores, confete, e intrigando os conhecidos e amigos.

Naturalmente, logo que a autoridade competente souber disto, ordenará que a banda de música que costuma tocar ao domingo guarde-se para a segunda, e que em vez de uma, sejam duas ou três.

Confesso que esta idéia me sorri. Uma espécie de baile mascarado, às últimas horas do dia, à fresca da tarde, num belo e vasto terraço, com todo o desafogo, deve ser encantador.

O que resta é que as nossas patrícias, todas mimosas e aristocráticas como são, não se deixam levar de velhos prejuízos, e continuem a temer a simples vista de uma máscara como de uma coisa perigosa.

Todos os membros da sociedade são pessoas delicadas e do mais fino trato; e por conseguinte podem ter certeza que quaisquer palavras, qualquer galantaria, não serão capazes de ofender nem sequer uma suscetibilidade.

Assim, pois, cessem estes escrúpulos. Quando vos oferecem com tanta amabilidade uma bela ocasião de gozar de algumas horas de prazer, não está bem da vossa parte uma recusa e um completo desdém. Ao contrário, mostrai que lhe dais algum apreço, porque isto nos animará a fazer uma outra coisa que ainda está em muito segredo, mas que eu vos conto em confidenza, com a condição de que ficará entre nós unicamente.

Lembram-se alguns amigos, a conversar a respeito do carnaval, que era possível dar-se um baile de máscaras no qual vós pudésseis tomar parte, e não ser simples espectadores, como nos teatros.

Querem ver que já estais a fazer algum muxoxo de desdém, e a pensar que todos os anos se fala nisto e que nunca se chega a efetuar. Paciência! Tanto se há de falar que um dia a coisa se há de realizar. Mais vale tarde do que nunca.

Entretanto suponde que a diretoria do Cassino toma a peito esta idéia, e que com os mesmos sócios do Cassino, e com algumas outras pessoas aprovadas por ela, forma uma nova sociedade filial para dar todos os anos um baile mascarado, começando por este carnaval.

Feito isto, ainda duvidareis do bom êxito da nossa lembrança? Estou certo que não. Vós conheceis os diretores do Cassino, e vos lembrais dos bailes magníficos que nos tem dado o seu amável presidente. Assim, pois, a dificuldade está em convence-lo. Pedi-lhe; e não se me dá de apostar que é coisa feita.

Como já deveis estar aborrecida da prosa chã e rasteira deste artigo, dou-vos uns lindos versinhos que li num álbum um destes dias. Se os quereis achar ainda mais bonitos do que eles realmente são, suponde que vos foram dedicados.

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 735)



Uma Trova de Ademar  

Uma fé que não se abala, 
dai-me, Senhor, sem medida, 
para eu poder semeá-la 
pelos roçados da vida. 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Se a vida, em seus embaraços, 
faz minha vida ser triste, 
busco prazer em teus braços... 
... e esqueço que a vida existe! 
–Pedro Mello/SP– 

Uma Trova Potiguar  

Com amor e com carinho, 
repletos de intenções boas, 
a gente faz cada ninho 
no coração das pessoas. 
–Marcos Medeiros/RN– 

Uma Trova Premiada  

2010   -   Nova Friburgo/RJ 
Tema   -   PRAZER   -   M/E 

Em algo simples se encerra 
raro prazer e emoção: 
- O cheiro que emana a terra 
quando a chuva cai no chão. 
Olga Agulhon/PR– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Há na vida muita gente, 
que segue, qual peregrino, 
suportando heroicamente 
as pedradas do destino. 
–Carolina A. de Castro/PE– 

U m a P o e s i a  

O que mais me admira 
é ver um sapo inocente 
que gosta de lama fria 
mas detesta a terra quente; 
vendo da cobra o pescoço, 
pinota dentro do poço 
pra se livrar da serpente. 
–João Paraibano/PB– 

Soneto do Dia  

RESSURGIMENTO. 
–Divenei Boseli/SP– 

Quando voltares - mesmo de repente -
não te farei cobranças. Meus dois braços 
transformarei em dois singelos laços 
para envolver-te doce e ternamente.

Se eu vir em ti as marcas de fracassos 
desviarei o olhar, discretamente… 
Discretamente, se me vens contente,
não pedirei relato dos teus passos…

Ressurgirei das cinzas negras, frias 
que me cobriram por milhões de dias 
enquanto andavas por jardins (ou lodos…)

E mais que o antigo amor, o amor de agora 
me levará enquanto tarda a aurora, 
por sobre as nuvens, entre os astros todos!

Jornais e Revistas do Brasil (Breviário: revista de arte)


Período disponível: 1900 a 1900 
Local: Curitiba, PR 

Fundado e dirigido por Romário Martins e Alfredo Coelho, Breviario foi um periódico mensal de arte e cultura, com ênfase em literatura simbolista. Lançado em Curitiba (PR) em agosto de 1900, com o subtítulo “Revista de arte”, tinha Aluízio França como gerente e redação no nº 13 da rua Borges de Macedo. Era impresso pela Typographia Impressora Paranaense, em formato pequeno.

Julgando-se apenas pelos seus números 1 e 2, respectivamente de agosto e setembro de 1900, cada edição de Breviario girava em torno da obra de duas importantes figuras do Simbolismo paranaense, com versos, prosa, excertos de obras, ensaios, homenagens e perfis dos literatos, entre outras coisas. Na primeira edição, publicaram-se Emiliano Pernetta e Emílio de Menezes; na segunda, Nestor de Castro e Sebastião Paraná.

Além de textos de Romário Martins, Adolfo Coelho e dos quatro intelectuais homenageados nas duas edições iniciais, Breviario publicou ainda “Emancipação da mulher”, de Marianna Coelho; “D. João d’Amor” e “Do paiz dos Lyrios”, de Domingos Nascimento; “Prece” e “Turris Eburnea”, de Silveira Netto; “Supliciado” e “Fallando”, de Euclides Bandeira; “Livro de Job”, de Júlio Pernetta; e “Deslumbramento” e “Magnos olhos”, de Ricardo de Lemos.

Apesar de não ser propriamente uma revista aguerrida, na penúltima página do segundo número, Breviario felicitava o lançamento de dois periódicos combativos: Epistola, de Júlio Pernetta, e Tartufos, de Ismael Martins, ambos voltados para a questão anticlerical.

Na edição de lançamento, Breviario informava que só aceitava textos de seus próprios colaboradores, convidados especialmente, e que cada edição traria “finas photogravuras”. Informava também que “não tem numero determinado de paginas, que não serão, entretanto, inferiores a 20” (a primeira edição vinha com 25 páginas e a segunda, 18). Exemplares avulsos podiam ser comprados a 1$000 e assinaturas semestrais podiam ser feitas a 5$000.

É provável que esta publicação tenha tido somente essas duas edições. O periódico fundiu-se logo depois, em novembro de 1900, com a revista cultural Pallium, para o nascimento de outro periódico de arte, Turris Eburnea. A nova publicação era responsabilidade da chamada “Ordem da Turris Eburnea”, formada por intelectuais engajados na libertação do espírito do século XIX no homem.

Fonte:
http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/breviário-revista-de-arte

Geraldo Majela Bernardino Silva (Funções da Mensagem Literária) Parte 3


2. FUNÇÃO EMOTIVA, EXPRESSIVA ou DE EXPRESSÃO DO EU: 

A palavra como “exteriorização”.

Se o propósito do emissor é revelar, por  meio da linguagem verbal, aquilo que sente relativamente a um objeto, a uma pessoa ou situação, as palavras funcionarão como instrumentos de “exteriorização” desses sentimentos, dessa emoção.

É a exteriorização das emoções e atitudes interiores de quem fala, sem se preocupar com as reações do ouvinte. É a afirmação do seu “eu”. O importante não é o conteúdo da mensagem, mas a sua carga emocional. Centrada no emissor, informa o que ele sente, muitas vezes com o auxílio das interjeições, das exclamações, gritos de medo, de dor, raiva, alegria (funções instintivas fundamentais), ou mesmo insultos e palavrões. O mais comum, porém, é carregar-se o enunciado lingüístico dessa função através da entonação e dos diminutivos afetivos. Funciona também como informação suplementar pois adiciona à função referencial um sentimento íntimo.

Imagine, por exemplo, que você diga, ao receber a notícia de que um colega foi aprovado em um concurso:

“Pôxa, que legal! Ele bem que merecia!”

Você usou a linguagem (oral, no caso) para expressar, para exteriorizar sua satisfação com o sucesso do colega.

Leia agora este pequeno poema:

Madrigal tão engraçadinho - (BANDEIRA, Manuel.)
Teresa, você é a coisa mais bonita que eu já vi até hoje na minha vida, inclusive o porquinho-da-índia que me deram quando eu tinha seis anos.

Também aqui é fácil perceber que as palavras se empregaram como “exteriorização” de uma emoção, de um sentimento: a ternura do emissor por uma pessoa.

As letras de música são, muitas vezes, a “exteriorização” da emoção do emissor. Veja um exemplo:

“O que será que me dá
  que bole por dentro, será que me dá
  que brota à flor da pele, será que me dá
  e que me sobe às faces e me faz corar
  e que me salta aos olhos a me atraiçoar
  e que me aperta o peito e me faz confessar
  o que não tem mais jeito de dissimular”
  ...................................................................
 ( HOLLANDA, Chico Buarque - “À flor da pele”).

Alguns linguistas denominam essa função da linguagem de “expressiva” (ou emotiva) e, do que comentamos e observamos nos exemplos, podemos concluir que:

a função da linguagem será EXPRESSIVA, quando as palavras forem utilizadas como EXTERIORIZAÇÃO da emoção do EMISSOR relativamente a uma realidade.

Observando certos recursos lingüísticos utilizados pelo emissor, podemos, como recebedores, determinar a função expressiva na mensagem enunciada. Esses recursos são os seguintes:

= na língua oral:       - a entonação no enunciado da frase (de exclamação, tristeza, surpresa, etc.)
                              - o uso de expressões de gíria e da linguagem popular,
                              - o uso da linguagem figurada;
= na língua escrita:  - a pontuação;
                             - a seleção vocabular, ou seja, a escolha mais cuidadosa de palavras que
                                expressem o tipo de emoção que se pretende comunicar,
                             - o uso do verbo na 1a  pessoa do singular.

Continua...

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Carlos Drummond de Andrade (Amar)


1º Prêmio de Trovas "Chico Anísio 2012 – UBT/Maranguape (Resultado Nacional/Internacional e Estadual) Parte 2: Humoristicas – Tema: Humor


NACIONAL/INTERNACIONAL

VENCEDORES (1º ao 5º lugares):

1º. Lugar:

 Dei à sogra, com amor,
 uma vassoura importada
 mas a velha, sem humor,
 me sentou a vassourada.
 Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho 
Juiz de Fora/MG

2º. Lugar:

 Escrevo e bebo cachaça.
 Fazer humor é meu fim.
 Se a trova não leva graça
 acabam rindo de mim.
Abílio Kac 
Rio de Janeiro/RJ

3º. Lugar:

 Papagaio falastrão
 de mau humor, irritado,
 repetia: “hei patrão,
 você já foi descartado!”
 Therezinha Tavares 
Nova Friburgo/RJ

4º. Lugar:

 Por vê-lo em farras constantes,
 com humor, fez a surpresa:
 - Querido, se chegar antes,
 deixa a luz, de fora, acesa.
 Therezinha Dieguez Brisolla 
São Paulo/SP

5º. Lugar:

 Tem gente cuja risada,
 em vez de alegrar, dá medo.
 – Até pra contar piada
 faz cara de humor azedo...
A. A. de Assis 
Maringá/PR

MENÇÕES HONROSAS (6º ao 10º lugares):

6º. Lugar:

 Um xodó com outro alguém,
 causa humor, dá euforia,
 mas dá nó cego também,
 se a patroa desconfia.
 Fabiano de Cristo Magalhães Wanderley 
Natal/RN

7º. Lugar:

 Com muito humor, o gabola
 insiste numa cantada,
 mas hoje tanto se enrola,
 que apenas canta... e mais nada!!!
 Ercy Maria Marques de Faria 
Bauru/SP

8º. Lugar:

 Achando que faz humor,
 aquele “cara de pau”
 diz à sogra, sem temor:
 - Sonhei com seu funeral!
 Glória Tabet Marson 
São José dos Campos/SP

9º. Lugar:

 Parece humor, ou piada,
 mas é vero o conteúdo,
 pobre diz que não tem nada,
 mas, se chove, perde tudo...
 Fabiano de Cristo Magalhães Wanderley 
Natal/RN.

10º. Lugar:

 Tendo patroa gostosa,
 com bom humor o chofer,
 de folga, relaxa e goza,
 todo dia que ela quer!...
 Marisa Rodrigues Fontalva 
São Paulo/SP

MENÇÕES ESPECIAIS (11º ao 15º lugares):

11º. Lugar:

 Traído por seu amor,
 o marido da Manuela,
 ficou de tão mau humor
 que deu uma chifrada nela!
 Adalberto Prado 
Maringá/PR

12º. Lugar:

 − Suspende a cachaça ou morre!
 – Com humor, Zé, no boteco,
 agora só toma porre
 suspendendo seu caneco!
 Wanda de Paula Mourthé 
Belo Horizonte/MG

13º. Lugar:

 Seu péssimo humor é tal,
 e é tal seu jeito ranzinza,
 que curte, do carnaval,
 somente a quarta de cinza...
 A. A. de Assis 
Maringá/PR

14º. Lugar:

 Com humor fica o velhinho
 se a tua saia rodada,
 de comprimento curtinho
 lhe acende a vela apagada.
 Victor Manuel Capela Batista 
Barreiro/Portugal

15º. Lugar:

 Minha sogra vive rindo,
 gosta de fazer humor...
 falsamente vou sorrindo:
 cada piada, um horror!
 Abílio Kac 
Rio de Janeiro/RJ

DESTAQUES (16º ao 20º lugares):

16º. Lugar:

 Com humor à citadina,
 trabalhando cá e lá,
 sendo esperta cafetina,
 a tal “coisa” ela não dá!...
 Marisa Rodrigues Fontalva 
São Paulo/SP

17º. Lugar:

 Num ambiente animado
 só reinavam paz e amor,
 surgiu a sogra ao meu lado
 e acabou com meu humor.
 Argemira F. Marcondes 
Taubaté/SP

18º. Lugar:

 Um mestre da natação
 gosta de contar piada...
 Em seu humor campeão,
 ele ri, e o povo... nada!
 Renata Paccola 
São Paulo/SP

19º. Lugar:

 Foi humorista de fato
 Chico Anísio o piadista,
 que, na vida, em qualquer ato,
 pôs seu “humor” sempre à vista.
 Zeni de Barros Lana 
Belo Horizonte/MG

20º. Lugar:

 Com falso senso de humor
 mas só por bajulação,
 chamava até de senhor
 o cachorro do patrão!
 Josafá Sobreira da Silva 
Rio de Janeiro/RJ

ÂMBITO: ESTADUAL 

TEMA: HUMOR 

VENCEDORES (1º ao 5º lugares): 

1º. Lugar: 

Quem quiser fazer humor 
faça do jeito que eu faço 
simule ser um ator 
pinte a cara de palhaço. 
Raimundo Rodrigues de Araújo 
Maranguape/CE 

2º. Lugar: 

Diz o obeso a certa amiga 
com humor e voz profunda: 
Hoje estou com mais barriga 
e amanhã, com menos bunda. 
Deusdedit Rocha 
Fortaleza/CE 

3º. Lugar: 

Uma velha desfrutável 
que detinha grande humor 
com seu amante imprestável 
perdeu todo o seu pudor. 
Ana Maria Nascimento 
Aracoiaba/CE 

4º. Lugar: 

Para um travesti gostoso, 
sem ousar fazer humor 
disse o velhote fanhoso: 
Necessito de um amor! 
Ana Maria Nascimento 
Aracoiaba/CE 

5º. Lugar: 

Foi não foi se descasava 
para um novo compromisso, 
e no humor vaticinava: 
“eu ainda morro disso”! 
Deusdedit Rocha 

MENÇÕES HONROSAS (6º ao 10º lugares): 

6º. Lugar: 

Munido de grande humor 
um juvenil bem dotado 
disfarçava com primor 
o seu lado afeminado. 
Ana Maria Nascimento 
Aracoiaba/CE. 

7º. Lugar: 

Com “Penetrato de Amor”, 
à noite, sempre ao deitar; 
garanto que o mau Humor 
não terá vez no seu lar! 
Nemésio Prata Crisóstomo 
Fortaleza/CE 

8º. Lugar: 

Se é para fazer humor 
é melhor chamar aquela, 
que tem cara de terror 
e a venta tipo moela. 
Raimundo Rodrigues de Araújo 
Maranguape/CE 

9º. Lugar:

O teu humor não tem graça 
sou mais um bode berrando 
é um porre de cachaça 
uma ressaca chegando. 
Luiz Carlos de Abreu Brandão 
Maranguape/CE 

10º. Lugar:

Na Farmácia da Alegria 
remédio para tristeza 
tem nome de fantasia: 
Bom Humor. É uma beleza! 
Nemésio Prata Crisóstomo 
Fortaleza/CE 

MENÇÕES ESPECIAIS  (11º ao 15º lugares): 

11º. Lugar: 

Quando o humor vem da arte pura 
trazendo riso e mensagem, 
não tem laivos de frescura 
e sequer de baitolagem. 
Deusdedit Rocha 
Fortaleza/CE 

12º. Lugar: 

Bom Humor em injeção 
comprimidos, ou xarope, 
é a melhor prescrição 
para tristeza a galope! 
Nemésio Prata Crisóstomo 
Fortaleza/CE 

13º. Lugar: 

Rir é o melhor remédio 
vai no festival de humor, 
você não terá mais tédio 
complete fazendo amor. 
José Aureilson Cordeiro Abreu 
Maranguape/CE 

14º. Lugar: 

Melhor do que o teu humor 
é se sentar na calçada 
é ir dormir com calor 
e acordar sem dormir nada. 
Maria Ruth Bastos de Abreu Brandão 
Maranguape/CE. 

15º. Lugar: 

Deu adeus, o meu humor. 
ninguém quer mais semear 
em meus olhos, um ardor 
é só fumaceira no ar. 
Olga Rosália Silva Pedrosa 
Maranguape/CE 

DESTAQUES (16º ao 20º lugares): 

16º. Lugar: 

Teu humor é aplaudido 
vi muita gente sorrindo, 
mas eu, sou mais um grunido 
de uma cachorra parindo. 
Maria Ruth Bastos de Abreu Brandão 
Maranguape/CE 

17º. Lugar: 

Tamanha foi a gargalhada, 
pois o humor era fremente 
a calça ficou molhada 
por dilatar a vertente. 
José Aureilson Cordeiro Abreu 
Maranguape/CE 

18º. Lugar: 

Coceira da bacurin 
é igual ao meu humor 
se você não quer assim 
fique longe por favor. 
Luiz Carlos de Abreu Brandão 
Maranguape/CE 

19º. Lugar: 

Só faltei morrer de rir. 
foi quando o artista Agenor 
fingiu roncar e grunir 
em um festival de humor. 
Olga Rosália Silva Pedrosa 
Maranguape/CE 

20º. Lugar: 

O teu humor é um porre 
falta de ar, até goteira 
vem, me acode, me socorre 
tu és pior que frieira. 
Luiz Carlos de Abreu Brandão 
Maranguape/CE 

Fonte:
Moreira Lopes, da UBT/Maranguape

Érico Veríssimo (Uma entrevista, 2 anos antes de sua morte)


Pintura de Tânia Hanauer
*Esta entrevista foi publicada originalmente no jornal Opinião (SP), de 05/02/1973, com o título: Sou contra a censura, e republicada em VERÍSSIMO, Érico. A liberdade de escrever: entrevistas sobre literatura e política. São Paulo: Globo, 1999, de onde foi extraída. 

 Porto Alegre, Érico Veríssimo falando ao Opinião:

"Quero começar com um elogio (...). Agora vem a reclamação. Quase todas as perguntas que vocês me fazem na realidade exigem como resposta um longo ensaio. Ora, não sou ensaísta. Um romancista é antes de mais nada um intuitivo. Quando ele se aventura a analisar seus próprios livros, a fazer a sua exegese, mete os pés pela mãos. Se há uma coisa que não me preocupa nem me ocupa agora é a interpretação dos livros que já escrevi e publiquei. Dados esses esclarecimentos, vamos às respostas".

- A História é a matéria básica da sua ficção em pelo menos dois livros seus: O tempo e o vento e Incidente em Antares. Qual a importância da realidade histórica para a sua literatura? 

Ninguém pode fugir à História... e lá se foi o primeiro lugar-comum. Clara ou oculta, essa "senhora", está presente em todos os meus romances. Sempre considerei importante. Não só ela mas também esse cavalheiro, mais misterioso ainda, sem o qual ela não poderia existir: o Tempo. Como é possível desenvolver, fazer viver um personagem, um grupo social, fora do tempo e da História? Como se poderia contar uma fábula num vácuo temporal e espacial? Claro, com artifícios de linguagem, com refinamento de técnica, é possível dar ao leitor a impressão de que o romance não tem quando nem onde. Acho que qualquer autor tem o direito de escrever o que entende, o que sabe, esquivando-se do que lhe pode confundir o espírito. O importante é que o livro seja bom. É preciso não esquecer que a História não é sinônimo perfeito de Política ou que a política não pode ou deve ser sempre partidária. No meu caso particular, tenho sido naturalmente levado em minhas ficções para problemas políticos que vivi, em geral, como espectador. Graças aos meios de comunicação modernos, hoje em dia os acontecimentos nos chegam de todos os quadrantes do mundo com mais rapidez e força.

- No Prefácio de O reino deste mundo, Alejo Carpentier postula para o romancista latino-americano a necessidade de incorporar à sua ficção a "realidade mágica". O senhor o faz, em certa medida, em Incidente em Antares. Acha que esse também é um caminho para a nossa ficção?

Conheci Alejo Carpentier em 1954, quando ele estava exilado na Venezuela por causa da ditadura do sargento Batista. É um grande romancista (Alejo, não Batista). Concordo com ele quanto à fatalidade, digamos assim, que nos impeliu para o "realismo mágico". Note-se que o adjetivo "mágico" aqui significa também "absurdo". Nossa América Latina é um território de prodígios, de maravilhas e misérias, de sustos e êxtases. Nela tudo pode acontecer. Seu tamanho, suas selvas e cordilheiras, sua gente sofrida e estranha, sua História nos induzem a uma realidade que pouco tem a ver com o "normal" cotidiano. Principalmente a América espanhola. Todos os "impossíveis" que nos narra o incomparável Gabriel Garcia Márquez em "Cem anos de solidão" tornam-se uma realidade que o leitor aceita. Não creio que tenha feito propriamente "realismo mágico" em "Incidente em Antares". O realismo mágico verdadeiro é o desses romancistas hispano-americanos (Cortázar, Carpentier, Borges...e quantos outros mais?). É todo um clima que pervaga o romance ou o conto do princípio ao fim. Se acredito que esse "realismo mágico" pode ser um caminho para a nossa ficção? Ora, todos os caminhos nos estão aberto. É muito perigoso traçar roteiros definitivos para qualquer literatura. Pensemos, por exemplo, no Rio Grande do Sul, na nossa paisagem verde e desafogada, na nossa população de origem européia, na nossa pobreza folclórica, na nossa quase ausência de "mistério à flor da terra" e havemos de concluir que o realismo mágico aqui seria algo postiço. Mas está claro que temos muitos assuntos ainda inexplorados no nosso Estado. Josué Guimarães acaba de atirar-se corajosamente a um deles em "A ferro e fogo", primeira parte de uma trilogia sobre a colonização alemã no R.G. do Sul, e da qual nos deu recentemente o primeiro volume: "Tempo de solidão". Recorrendo aos que me leem, esse romance é feito com grande economia verbal, eu diria mesmo escrito em preto e branco, Josué Guimarães consegue nele criar uma atmosfera, o que me parece das coisas mais difíceis em ficção.

- De Clarissa a Incidente em Antares haverá, certamente, uma evolução na sua literatura. Quais as linhas-mestras dessa evolução?

Eu lhe pediria que eliminasse, de saída, a expressão linhas-mestras, que me assusta um pouco e pode me embrulhar o espírito. Usando de uma simplificação que os psicólogos não aprovam, direi que tenho dentro de mim um poeta, um romântico em turras permanentes com um realista dotado de veia satírica. Em Clarissa predominou o poeta, ou se preferirem, o pintor aquarelista. Logo depois o satirista chutou o poeta e escreveu Caminhos cruzados. A seguir, ambos se uniram e produziram Um lugar ao Sol. Pode-se passar a vida escrevendo novelinhas-poemas como Clarissa se fecharmos os olhos a certos aspectos sórdidos e negativos da vida. Gosto muito do ditado anglo-saxão segundo o qual " é preciso um pouco de tudo para fazer-se um mundo". É preciso saber que as condições econômicas de minha vida pessoal, particular, influenciaram muito os romances que escrevi entre 1933 e 1940. Observe-se como meus personagens dos livros dessa época preocupavam-se com as contas a pagar no fim do mês. Eu trabalhava longa e duramente durante mais de 12 horas por dia. Traduzia livros de várias línguas para o português (mais de 40), inventava histórias para programas de rádio para a infância, armava páginas femininas para o Correio do Povo, tudo isso enquanto trabalhava na revista e na editora da Livraria do Globo. Isso explica a pressa com que escrevi meus próprios romances naquela década de 30. Considero essa fase de minha carreira um período de exercícios em que me preparei, consciente ou inconscientemente, para a obra com que comecei a sonhar depois de 1935 e que acabou sendo publicada a partir de 1949 sob o título geral de O tempo e o vento. Depois de Olhai os lírios do campo, romance cheio de defeitos, mas com grande carga emocional, comecei a ganhar royalties que melhoraram minha situação econômica. Pude trabalhar mais devagar e tive mais tempo para ler... e para me ver e julgar.

- Na publicidade de Incidente em Antares usou-se a frase: "Num país totalitário este livro seria proibido". O senhor submeteria um livro seu à censura? Por que?

Já disse muitas vezes que jamais submeterei um livro meu à censura prévia. Acho isso degradante, além de absurdo. Se André Gide, que leu a grande obra de Marcel Proust ainda em originais, não recomendou a sua publicação à editora Gallimard, que esperança podemos ter num comité de críticos literários improvisados e composto de membros da polícia federal ou de qualquer outra polícia, ou mesmo da Academia Brasileira de Letras. Repito que sou contra a censura, mas devo qualificar essa minha posição. Só merece liberdade quem tem consciência de sua responsabilidade profissional.

- Ao escrever Incidente em Antares o senhor se apoiou, naturalmente, numa certa interpretação histórica da realidade brasileira contemporânea. A seu ver, quais os fatos decisivo que conduziram ao movimento militar de 1964?

A revolução de 1964 de certo modo começou nos tempos em que se tentou impedir que Juscelino Kubitschek, legalmente eleito, tomasse posse. Atingiu um momento de alta periculosidade quando Jânio Quadros renunciou. Desse momento em diante, os dados estavami irremediavelmente lançados: o resto era questão de oportunidade, e essa oportunidade foi fornecida pela inabiidade de políticos da situação como, por exemplo, Leonel Brizola, que dizia muitas coisas certas, mas com a entonação errada e de maneira estabanada e inoportuna. Os políticos profissionais têm - não esqueçam - sua grande dose de culpa em todo esse processo que levou à revolução de 1964 e que começou pouco antes da proclamação da Repúbica. Nos anos que se seguiram, o Exército foi tantas vezes chamado a intervir nas revoluções tramadas pelo políticos (que mandavam soldados para a caserna mal conquistavam o poder) que, como era de se esperar, um dia arraigou-se a idéia na cabeça dos militares.

- Vargas é personagem de Incidente em Antares. A seu ver, o varguismo como ideologia e estilo político está completamente morto?

O varguismo está em "artigo de morte", como diria Manuel Bernardes. (Não confundir com o Presidente Arthur Bernardes). Isso não quer dizer que a imagem de Getúlio esteja apagada de todas as mentes. Mas não creio nem desejo que o varguismo como estilo político volte a vigorar entre nós. Digo isso sem rancor, pois gostava pessoalmente do homem Getúlio, embora reconhecendo os erros que cometeu. Acho que foi dos personagens mais dramáticos da Hsitória do Brasil em todos os tempos. Sinto ainda uma ponta de tristeza quando o imagino (como fazia Dona Quita Campolargo, em Incidente em Antares) em sua última noite de solidão e abandono no Palácio do Catete.

- A última cena de Incidente em Antares é um estudante que vai escrever a palavra "liberdade" num muro e é baleado pela polícia. De que maneira o senhor encara as restrições atuais à participação política da classe estudantil?

Pensei que essa cena tivesse deixado bem claro o meu pensamento a respeito do assunto. Sou favorável à participação, não só da classe estudantil, como também de todas as outras classes do Brasil na nossa vida política, através do sufrágio universal e da possibilidade de candidatar-se a um cargo público. Nunca fui partidário do terrorismo, que não leva a nada de construtivo, mas por outro lado, sempre repudiei a tortura cmo método (ou como esporte) e sou positivamente contrário à condenação de quem quer que seja por "delitos de opinião". Ninguém é criminoso por ter idéias... a não ser que se trate de idéias que levem deliberadamente ao niilismo, ao crime, ao caos.

- O seu estilo sempre foi dos mais despojados da literatura brasileira, aproximando-se bastante do jornalístico. O senhor considera isso uma fórmula peculiar sua ou uma normativa a ser seguida por todos os escritores que buscam maior comunicação com o público?

É a minha maneira de ser. Mas acho que cada escritor deve ser o que é, escrever como entende, usar mais ou menos adjetivos, frases mais curtas ou mais longas. Acredito também que às vezes é o assunto de um livro que dita o seu estilo. Comunicar-se a gente com o público é muito importante. Há em literatura duas coisas igualmente perniciosas e nem sei qual a pior. Uma é tornar-se vulgar, chulo, chão, sensacionalista para conquistar um público mais vasto. A outra é fazer-se hermético para ser entendido somente pelas elites, pelos eleitos. Mas repito que os escritores são como são. Cada qual deve ser dono de seu nariz: errar ou acertar por conta própria.

- Um balanço da cultura brasileira em 1972 demonstra que esse não é um momento particularmente criador, seja na música popular, no cinema, no teatro e na ficção, terrenos em que nos mostrávamos férteis há dez anos. A seu ver, a que se deve essa inibição generalizada?

Não sei com certeza se em matéria de criatividade estamos atravessando um período pobre na música popular, no cinema, no teatro e na ficção. Mas o que posso dizer claramente é que a censura não ajuda em nada o criador, e que a pior censura é aquela que acaba infiltrando-se aos poucos nas nossas cabeças, como um cavalo, ou melhor, um burro de Tróia. A criação é um ato de amor e de liberdade. Houve na História, eu sei, escravos que produziram obras de arte, mas isso não quer dizer que se possa trabalhar num ambiente de "não pode", "é proibido", "dá cadeia". Olhem para os países que têm censura e me digam o que aconteceu à sua arte e à sua literatura. Vejam o que se está fazendo na Rússia com Soljenitzyn e outros escritores. É uma indignidade. E quem faz isso são os homens que cresceram, tornaram-se adultos durante os regime stalinista de terror e obscurantismo, isto é, gente que nunca conheceu a liberdade de pensar e de criar. E a extrema direita é tão má quanto a extrema esquerda. Sim, vocês têm razão, a inibição que perturba nossos artistas plásticos e nossos escritores, compositores, pensadores, jornalistas é causada pelo clima criado pela censura. Pessoalmente não fui ainda censurado, mas isso não me faz feliz, pois não quero, como meia dúzia de outros escritores, ser exceção num país de quase cem milhões de habitantes.

- Mais ou menos a partir de 1968 vivemos em clima de euforia, "em ritmo de Brasil grande", na fórmula oficial. A seu ver, se justifica esse clima de otimismo?

Acho que se justifica. Nesses últimos anos, o Brasil tem crescido e em alguns setores as melhoras são visíveis a olho nu. Está claro que só temos estatísticas oficiais e nunca sabemos ao certo do que se passa nos bastidores da política. Não posso negar a Transamazônica, a melhor qualidade dos serviços postais e muitos outros empreendimentos. O que eu acho é que tudo isso se poderia fazer num regime democrático, dentro da velha Constituição, contanto que ela fosse realmente cumprida a rigor.

- O primeiro livro da trilogia O tempo e o vento descreve a incorporação do índio à civilização luso-brasileira. A seu ver, através de que formas se deu essa integração?

Não sei. Desculpe-me. Não sei. Façam essa pergunta a um especialista.

- O gaúcho valente e altivo parece historicamente desaparecido há muito tempo, embora o rio-grandense de hoje tenha herdado alguma coisa dele. Quais os traços dominantes na psicologia e no comportamento do rio-grandense médio em 1972?

O gaúcho altivo, valente, varonil, nobre, bom amigo, generoso é um arquétipo. Hoje em dia alguns (ou muitos?) rio-grandenses procuram viver de acordo com essa imagem idealizada. Ouço de turistas que o gaúcho é hospitaleiro, simpático, serviçal. Os Centros de Tradições Gaúchas deviam procurar estimular essas qualidades, dando menos atenção ao aspecto da indumentária gauchesca. A mistura de sangue é muito grande entre o nosso povo. O contingente de sangue italiano e alemão é considerável nos habitantes deste Estado. A incidência do tipo humano de pele e cabelo claros é grande entre nós. E não preciso dizer que nossa maneira de falar é inconfundível: quadrada, escandida, meio seca. Linguagem de carnívoro.

- O Rio Grande do Sul sempre foi um dos Estados mais politizados do Brasil. A que se deve isso?

Nunca tinha pensado nisso. Talvez essa politização se deva a nossa condição de fronteira (influências do Prata) e ao fato de termos sido durante mais de um século o campo de batalha do Brasil. Ocorre-me que temos sido um viveiro de líderes políticos. (nem todos bons) A figura de Castilhos, sobre quem Sérgio da Costa Franco escreveu um magnífico ensaio biográfico, é ímpar. Borges de Medeiros foi a encarnação da política positivista. Castilhos foi pai espiritual de Borges, e Borges pai de Getúlio, de Flores da Cunha, de Oswaldo Aranha e João Neves da Fontoura. Não esqueçamos o vulto interessantíssimo de Pinheiro Machado. E o de Luiz Carlos Prestes. É, parece que vocês têm razão. O Rio Grande é (ou era) um Estado altamente politizado.

- Esta politização está aumentando ou diminuindo?

Creio que está diminuindo.

- Qual a grande epopeia do Brasil atual (o acontecimento grandioso, significativo e de projeção para o futuro)?

Faça esta pergunta ao meu filho daqui a trinta anos. Minha tendência no momento é dizer que o grande herói desta hora é o povo, o homem comum, que, se continua vivo, é de teimoso. 

Fonte:
(este site está atualmente desativado)

Stella Carr (Segredo de Cientista)


Lino vinha todo dia espiar pra ver se crescia de novo o rabo do bicho que ele tinha prendido na porta, sem querer. 

Então descobriu: lagartixa bota ovo! Encontrou no racho do muro, onde o animalzinho fora se esconder fugindo dele, os ovos moles e esbranquiçados. Pegou, curioso, um pouco enojado. 
Depois esmagou um a um contra a parede pra ver o que tinha dentro.

Daí começou a reparar nos bichos pequenos. Desenterrava minhocas. Prendia moscas no copo e ficava olhando.

– Não põe porcaria no copo onde se bebe – a mãe bronqueava.

Então descobriu as formigas. Com um pau, cutucava o formigueiro.

Um dia entrou em casa gritando, os insetinhos subindo pelas pernas. A avó botou um ungüento (remédio de gente velha, que ela guardava em potes na gaveta da mesa de cabeceira). Então Lino aprendeu a abrir o formigueiro com cuidado, sem pisar em cima. Tirava os ovos brancos de dentro, olhava, examinava.

– É curiosidade científica dele! – o pai dizia. E deu-lhe uma lente.

Contava pra todo mundo que o filho ia ser cientista.

A mãe, barriga imensa, vivia carregando o tricô pela casa. Ela e a avó estavam sempre ocupadas, entretidas com as receitas de mais uma roupinha. Agora, com a lente, Lino passava os dias observando lagartas e caracóis; aprisionava grilos e borboletas, abria casulos.

Mas foi depois que descobriu os ovos de aranha que o jeito do menino mudou.

Dos ovos da aranha tinham saído vivas dezenas de minúsculas aranhinhas, que se espalharam correndo por todo lado. Então ele quebrou todos os ovos da geladeira, pra ver se tinha bicho vivo dentro. Dessa vez levou bronca, que isso já era demais. Tinha virado mania. Ficou triste, emburrado, não falou mais com a mãe, nem com a avó. E olhava pra mãe desconfiado...

"Onde será que ela guarda?" – pensava. E toca a procurar. Mexia em tudo, abria os armários, olhava debaixo das roupas, nas gavetas.

– Não mexe aí, menino. São meus guardados. Que mania! – a avó reclamava.

Nas coisas da avó, não estavam. Olhou no cesto de lãs, na caixa de agulhas... Quem sabe estavam nos potes de remédio? Se ao menos ele soubesse como eles eram...

Começou a curiosidade pelos livros nas estantes. Olhava as figuras, tinha livros com mapas, índios, um montão de números. Pior: tinha livros sem figuras.

Subiu numa cadeira para alcançar mais em cima. Um dia Lino achou o que queria: a figura mostrava um feto pequenino, todo encolhidinho dentro da barriga de uma mulher, como as formiguinhas dos ovos brancos. Só que era avermelhado.

"Então são assim os ovos da mãe? E se eu encontrasse e quebrasse todos?" Voltou a procurar adoidado.

Foi quando a mãe disse que ia para a maternidade.

– Só por uns dias, pra buscar seu irmãozinho.

E a vovó foi junto.

"Então os ovos... Aquele barrigão... Foi por isso que não achei em casa!"

Lino estava triste, confuso. Sentia falta da mamãe e da vovó, e tinha uma coisa ruim dentro dele, que apertava.

À noite o pai chegou e quis saber por que ele tinha chorado. ("Como é que o pai sabia?")

– Menino de quatro anos não chora assim à toa. Ainda mais quando vai ser cientista! – o pai falou: – Ainda mais agora, que vem um irmãozinho pra brincar com ele.

Então Lino achou que devia contar pro pai. Só ele podia ajudar! Lembrou dos ovos de aranha, com todas aquelas aranhinhas saindo de dentro, de uma só vez. E contou pro pai. Falou tudo.

Naquela noite, Lino e o pai tiveram uma longa conversa, de "homem para homem". 

Fontes:
Revista Nova Escola
Imagem = http://www.eb1-monte-caparica-n2.rcts.pt/prog1per.htm

Teatro de Ontem e de Hoje (Bar Doce Bar)


O espetáculo, de linguagem cômica e despretensiosa, inicia com sucesso a moda do chamado besteirol, tendência teatral carioca própria dos anos 80.

Escrito, dirigido e interpretado por Pedro Cardoso e Felipe Pinheiro, o texto usa como ponto de partida, para as cenas independentes que encadeia, o ambiente de um botequim onde os músicos, os atores e até o iluminador bebem e contam as piadas que os dois atores interpretam. Esse mote libera o espetáculo de qualquer preocupação com a relação entre os quadros. Quando as portas do teatro se abrem, o grupo já está em cena, esperando o público no bar, onde há vinho branco e vodka. E eles explicam de saída: "É um espetáculo que só se agüenta de cara cheia". A partir daí, nada escapa da gozação. 

Há o striptease de um bêbado, a aparição de uma cantora anã, o quadro de um tiete inveterado, uma furtiva interrupção do humor para um tímido que tenta se aproximar de uma moça. A cena mais antológica do espetáculo apresenta Felipe Pinheiro pedindo um suco num balcão para um hipotético vendedor que atende uma hipotética aglomeração de fregueses. O texto é uma única frase - "moço, me dá um suco" - que passa pelas mais variadas intenções, acompanhando a persistente tentativa do jovem.

O espetáculo começa a temporada ocupando o horário de meia-noite, às sextas e aos sábados. O público, que começa muito reduzido, se amplia e o grupo termina fazendo cinco sessões semanais. O espetáculo vira moda. Pedro Cardoso recebe o Prêmio Mambembe de ator revelação. Segundo o crítico Flávio Marinho, Felipe Pinheiro e ele são os grandes responsáveis pelo sucesso do espetáculo. "O primeiro, transpirando malícia, é capaz de arrancar uma gargalhada com um monossílabo ou um olhar. O segundo, uma grata revelação de ator, tem recursos vocais e corporais que compõem um leque multicolorido de possibilidades. Olho nele: ainda vai dar o que falar".[1]

Os jovens atores contam ao crítico Yan Michalski que a idéia do espetáculo surge quando eles se apresentam com o Pessoal do Cabaré em São Paulo: "Só tínhamos trabalho à noite, e como ao lado da casa onde morávamos havia uma obra barulhenta, acordávamos cedo, com um longo dia pela frente sem nenhum compromisso. Para matar o tempo, procurávamos divertir um ao outro contando piadas. Contando e representando. Aos poucos, começamos a pensar como essas piadas ficariam no palco".[2]

Notas
1. MARINHO, Flávio. Acertos em cena. Visão, Rio de Janeiro, n. 28, p. 50, 12 jul. 1982. 
2. PESSOAL do Cabaré. Citado por MICHALSKI, Yan. Quatro festas para o enterro de um bar. Jornal do Brasil, 1 maio 1983.

Fonte:

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 734)


 Uma Trova de Ademar  

Na floresta, a “derrubada” 
deixa em minha alma sequela, 
pois a dor da machadada 
dói mais em mim do que nela. 
–Ademar Macedo/RN– 

 Uma Trova Nacional  

A pena, que escreve a trova, 
e alegra a gente, na Terra, 
Dá pena, pois, como prova, 
Também declara uma guerra!... 
–Hélio de Castro/PR– 

 Uma Trova Potiguar  

Pela dor da decepção 
eu já me recuperei, 
só falta a devolução 
de um amor que eu te entreguei! 
–Manoel Cavalcante/RN– 

 Uma Trova Premiada  

2008- Nova Friburgo/RJ 
Tema: ESCOLHA- 4º Lugar 

O amor que escolhi um dia
expõe-me à língua do povo?
Dane-se o povo! Eu faria
a mesma escolha, de novo!
–Newton Vieira/MG– 

 ...E Suas Trovas Ficaram  

Amanhece...O Sol se inclina 
para a serra e, sem pudor, 
tira-lhe o véu da neblina, 
beijando-a...cheio de ardor! 
–João Freire Filho/RJ– 

 U m a P o e s i a  

Deus fez a relva sombria, 
fez o tatu à burguesa, 
o campo da natureza 
a mais bela ecologia, 
mas o homem de hoje em dia 
não lhe procura zelar, 
está poluindo o ar 
pondo resíduo no leito; 
Deus fez tudo tão bem feito 
e o homem quer desmanchar. 
–Raimundo Caetano/PB– 

 Soneto do Dia  

ARCO-ÍRIS. 
–Hermoclydes S. Franco/RJ– 

Ao regar, em meu lar, plantas e flores 
numa linda manhã primaveril, 
a esquecer-me os percalços que, entre dores, 
dão à vida, de fato, um cunho hostil, 

eis que um raio de sol, suave e gentil, 
colore o jato d’água em sete cores, 
de mutantes matizes, qual sutil 
arco-íris – encanto dos pintores!... 

Que alegria! Que orgulho tão profundo! 
Sentir tal maravilha, num segundo, 
no milagre ocorrido em meu jardim! 

Os mistérios sem fim da natureza, 
insondáveis sabemos, com certeza, 
só acontecem... Se Deus quiser assim!…