sábado, 13 de agosto de 2011

Antonio Candido, Anatol Rosenfeld, Decio de Almeida Prado e Paulo Emílio Sales Gomes (A Personagem de Ficção) Parte III – O Problema Epistemológico (a


3) O problema epistemológico (a personagem). É porém a personagem que com mais nitidez torna patente a ficção, e através dela a camada imaginária se adensa e se cristaliza. Isto é pouco evidente na poesia lírica, em que não parece haver personagem. Todavia, expresso ou não, costuma manifestar-se no poema um “Eu lírico” que não deve ser confundido com o Eu empírico do autor. Sem dúvida, houve no decurso da história grandes variações neste campo. Não se devem aplicar os mesmos padrões e conceitos a poemas da Grécia antiga, a poemas românticos e a poemas atuais. Parece, contudo, que se pode negar em geral a opinião de que nas orações de poemas líricos se trata de juízos, de “enunciados existenciais” acerca de determinada realidade psíquica do poeta ou qualquer realidade exterior a êle. É precisamente no poema que são mobilizadas todas as virtualidades expressivas da língua e toda a energia imaginativa.

No caso de versos como estes:
A chuva de outono molha
O pêso da minha altura
E tal rosa que desfolha
Tenho pétalas na figura
(Lupe Cotrlm Garaude, Raiz Comum.)

seria absurdo falar de juízos, mesmo subjetivos, referentes, passo a passo, a estados psíquicos reais da poetisa (4). É perfeitamente possível que haja referência indireta a vivências reais; estas, porém, foram transfiguradas pela energia da imaginação e da linguagem poética que visam a uma expressão “mais verdadeira”, mais definitiva e mais absoluta do que outros textos.

O poema não é uma “foto” e nem sequer um “retrato artístico” de estados psíquicos; exprime uma visão estilizada, altamente simbólica, de certas experiências.

Mesmo em versos aparentemente confessionais como estes de Safo: “A lua se pôs e as Plêiades, pelo meio anda a noite, esvai-se a juventude, mas eu estou deitada, sozinha” — não se deve confundir o Eu lírico dentro do poema com o Eu empírico fora dele. Este último se desdobra e objetiva, através das categorias estéticas, constituindo-se na personagem universal da mulher ansiosa por amor. Até um poeta como Goethe que, na sua fase romântica, considerava a poesia a mais poderosa expressão da verdade, como “revelação” da intimidade, chegou, já aos vinte anos, à conclusão de Fernando Pessoa (o poeta finge mesmo a dor que deveras sente), porque o poema é, antes de tudo, Gestalt, forma viva, beleza. Variando concepções de Platão, declara que a beleza “não é luz e não é noite; é crepúsculo; é resultado da verdade e não-verdade. Coisa intermediária”. São quase os termos com que Sartre descreve a ficção.

Contudo, a personagem do poema lírico não se define nitidamente. Antes de tudo pelo fato de o Eu lírico manifestar-se apenas no monólogo, fundido com o mundo (“A chuva de outono molha / O pêso da minha altura”), de modo que não adquire contornos marcantes; depois, porque exprime em geral apenas estados enquanto a personagem se define com nitidez somente na distensão temporal do evento ou da ação.

Como indicadora mais manifesta da ficção é por isso bem mais marcante a função da personagem na literatura narrativa (épica). Há numerosos romances que se iniciam com a descrição de um ambiente ou paisagem. Como tal poderiam possivelmente constar de uma carta, um diário, uma obra histórica. É geralmente com o surgir de um ser humano que se declara o caráter fictício (ou não-fictício) do texto, por resultar daí a totalidade de uma situação concreta em que o acréscimo de qualquer detalhe pode revelar a elaboração imaginária.

No nosso exemplo de Mário seria possível que as orações “Mário estava de pijama. ele batia uma carta na máquina de escrever” constassem de um relato policial que prosseguisse assim: “. . . quando entrou o ladrão. . .“ Se o texto, porém, prosseguir assim: “Sem dúvida ainda iria alcançá-la. Afinal, Lúcia decerto não podia partir depois-de-amanhã”, sabemos que se trata de ficção. Notamos, talvez sem reconhecer as causas, que Mário não é urna pessoa e sim uma personagem. Certas palavras sem importância aparente nos colocam dentro da consciência de Mário, fazem-nos participar de sua intimidade: “sem dúvida”, “afinal”, “decerto”, “depois-de-amanhã”. Tais palavras indicam que se verificou uma espécie de identificação com Mário, de modo que o leitor é levado, sutilmente, a viver a experiência dele.

Mais evidentes seriam verbos definidores de processos psíquicos, como “pensava”, ‘duvidava”, “receava”, os quais, quando referidos à experiência temporalmente determinada de uma pessoa, não podem, por razões epistemológicas, surgir num escrito histórico ou psicológico. Numa obra histórica pode constar que Napoleão acreditava poder conquistar a Rússia; mas não que, naquele momento, cogitava desta possibilidade. Só com o surgir da personagem tornam-se possíveis orações categorialmente diversas de qualquer enunciado em situações reais ou em textos não-fictícios: “Bem cedo ela começava a enfeitar a árvore. Amanhã era Natal” (Alice Berend, Os Noivos de Babette Bomberling); ... and of course he was coming to her party to-night” (Virgínia Woolf, Mrs. Dallowcry); “A revolta veio acabar daí a dias” (Lima Barreto, Triste Fim de Policarpo Quaresma); “Daí a pouco vieram chegando da direita muitas caleças. . .“ (Machado de Assis, Quincas BOrba).

É altamente improvável que um historiador recorra jamais a tais orações. Advérbios de tempo (e em menor grau de lugar) como “amanhã”, “hoje”, “ontem”, “daí a pouco”, “daí a dias”, ‘aqui”, “ali”, têm sentido somente a partir do ponto zero do sistema de coordenadas espaço-temporal de quem está falando ou pensando. Se surgem num escrito, são possíveis somente a partir do narrador fictício, ou do foco narrativo colocado dentro da personagem, ou onisciente, ou de algum modo identificado com ela. O “amanhã” do primeiro exemplo citado põe o foco dentro da personagem, cujo pensamento é expresso através do estilo indireto livre:

No caso, os pensamentos são reproduzidos a partir da perspectiva da própria personagem, mas a manutenção da terceira pessoa e do imperfeito “finge” o relato impessoal do narrador. Seriam possíveis outros recursos:

“Ela pensava: Amanhã será Natal”; “Ela pensava que no dia seguinte seria Natal”; mas nenhum como o indicado (aliás já usado na literatura latina, na literatura francesa desde o século XII e com bem mais freqüência no romance do século XIX, desde Jane Austen e Flaubert) revela o caráter categorialmente singular do discurso fictício. Em nenhuma situação real o amanhã” poderia ser ligado ao “era”; e o historiador teria de dizer “no dia seguinte” já que não pode identificar-se com a perspectiva de uma pessoa, sob pena de transformá-la em personagem.

Embora tais formas não surjam nem na poesia lírica, nem na dramaturgia, e não necessariamente na literatura narrativa, o fenômeno como tal é extremamente revelador para todos os tipos de ficção, já que a análise deste “sintoma” da ficção indica, ao que parece, estruturas inerentes a todos os textos fictícios, mesmo nos casos em que o sintoma não se manifesta. O sintoma lingüístico evidentemente só pode surgir no gênero épico (narrativo), porque é nele que o narrador em geral finge distinguir-se das personagens, ao passo que no gênero lírico e dramático, ou está identificado com o Eu do monólogo ou, aparentemente, ausente do mundo dramático das personagens. Assim, somente no. gênero narrativo podem surgir formas de discurso ambíguas, projetadas ao mesmo tempo de duas perspectivas: a da personagem e a do narrador fictício. Mas a estrutura básica do discurso fictício parece ser a mesma também nos outros gêneros.

O “sintoma” linguístico, óbvio nos exemplos apresentados, revela, precisamente através da personagem, que o narrar épico é estruturalmente de outra ordem que o enunciar do historiador, do correspondente de um jornal ou de outros autores de enunciados reais. A diferença fundamental é que o historiador se situa, como enunciador real das orações, no ponto zero do sistema de coordenadas espaço-temporal, por exemplo, no ano de 1963 (e na cidade de São Paulo), projetando a partir deste ponto zero, através do pretérito plenamente real, o mundo do passado histórico igualmente real de que ele, naturalmente, não faz parte. Ao sujeito real (empírico) dos enunciados corresponde a realidade dos objetos projetados pelos enunciados (e só neste contexto é possível falar de mentira, fraude, erro etc.).

Na ficção narrativa desaparece o enunciador real. Constitui-se um narrador fictício que passa a fazer parte do mundo narrado, identificando-se por vezes (ou sempre) com uma ou outra das personagens, ou tornando-se onisciente etc. Nota-se também que o pretérito perde a sua função real (histórica) de pretérito, já que o leitor, junto com o narrador fictício, “presencia” os eventos. O pretérito é mantido com a função do “era uma vez”, mero substrato fictício da narração, o qual, contudo, preserva a sua função de “posição existencial”, de grande vigor individualizador, e continua “fingindo” a distância épica de quem narra coisas há muito acontecidas.

A modificação do discurso indica que na ficção (e isso se refere também à poesia e dramaturgia) não há um narrador real em face de um campo de seres autônomos. Este campo existe somente graças ao ato narrativo (ou ao enunciar lírico, dramático). O narrador fictício não é sujeito real de orações, como o historiador ou o químico; desdobra-se imaginariamente e torna-se manipulador da função narrativa (dramática, lírica), como o pintor manipula o pincel e a cor; não narra de pessoas, eventos ou estados; narra pessoas (personagens), eventos e estados. E isso é verdade mesmo no caso de um romance histórico (5). As pessoas (históricas), ao se tornarem ponto zero de orientação, ou ao serem focalizadas pelo narrador onisciente, passam a ser personagens; deixam de ser objetos e transformam-se em sujeitos, seres que sabem dizer “eu”.

“A rainha se lembrava neste momento das palavras que dissera ao rei” — tal oração não pode ocorrer no, escrito de um historiador, já que êste, nos seus juízos, sòmente pode referirr-se a objetos, apreendendo-os exclusivamente de “fora”, mesmo nos casos da mais sutil compreensão psicológica, baseada em documentos e inferências. Sòmente o “criador” de Napoleão, isto é, o romancista que o narra, em vez de narrar dêle, lhe conhece a intimidade de “dentro”.
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Notas:
(4) Tal é, contudo, a opinião de Kaethe Hamburger em Die Logik der Dichrung (A Lógica da Ficção); segundo a autora, os enunciados de um poema lírico seriam “juízos existenciais”, juízos subjetivos, mas juízos.
(5) Kaethe Hamburger, na obra citada, estuda agudamente os vários problemas envolvidos.

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continua… A personagem nos vários gêneros literários e no espetáculo teatral e cinematográfico
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Fonte:
Antonio Candido, Anatol Rosenfeld, Decio de Almeida Prado e Paulo Emílio Sales Gomes. A Personagem de Ficção. 2. ed. SP: Perspectiva.
Este livro é digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source com a intenção de facilitar o acesso ao conhecimento a quem não pode pagar e também proporcionar aos Deficientes Visuais a oportunidade de conhecerem novas obras.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 298)


Uma Trova Nacional


Uma Trova Potiguar

No horizonte do poente
o sol deita a fronte langue,
queimando-se em febre ardente,
tingindo as nuvens de sangue.
–IVORY/RN–

Uma Trova Premiada

2002 - Nova Friburgo/RJ
Tema: CERTEZA - M/E

Temos certeza da idade
quando as rugas do sol-posto
passeiam com a saudade
na tarde do nosso rosto.
–HÉRON PATRÍCIO/SP–

Uma Trova de Ademar

É divinamente lindo,
é um momento singular,
ver a luz do sol partindo
com vontade de ficar...
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Sou tão feliz, minha gente,
que nem sei - feliz assim -
se o sol provém do Nascente
ou nasce dentro de mim!
–APRYGIO NOGUEIRA/MG–

Simplesmente Poesia

Só a Natureza é Divina
–FERNANDO PESSOA/PORTUGAL

Só a natureza é divina, e ela não é divina...

Se falo dela como de um ente
É que para falar dela preciso usar da linguagem dos homens
Que dá personalidade às cousas,
E impõe nome às cousas.

Mas as cousas não têm nome nem personalidade:
Existem, e o céu é grande a terra larga,
E o nosso coração do tamanho de um punho fechado...

Bendito seja eu por tudo quanto sei.
Gozo tudo isso como quem sabe que há o sol.

Estrofe do Dia

O sol vai morrendo além,
deixando marcas na serra
e a asa da noite vem
cobrindo a face da terra,
a floresta silencia,
nenhum passarinho pia,
neste quadro sonolento
só o murmúrio das águas,
que propagam suas mágoas
pelos soluços do vento.
–CANÇÃO/PE –

Soneto do Dia

O Espelho do Sol-Posto
–JOSÉ TAVARES DE LIMA/MG–

Ser idoso não é ser dependente,
ou se julgar inútil, inseguro.
É pensar que, por trás de um céu escuro,
pode esconder um sol aurifulgente!...

É, sem perder a crença, ter na mente
planos, ainda, para o seu futuro...
É relevar o desrespeito duro
do jovem zombeteiro e irreverente.

Seja, pois, otimista e, decidido,
para a velhice dê outro sentido,
que não o de queixar-se dos abrolhos...

Mire-se mais no espelho do sol-posto,
que, em seu adeus, pela amplidão, por gosto,
pinta quadros que encantam nossos olhos!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Monteiro Lobato (Viagem ao Céu) XXI – O grito de Dona Benta


Enquanto isso, os meninos lá na Lua contavam a São Jorge como eram as coisas em Saturno.

— Gostosura maior não pode haver! — dizia Narizinho. — A gente boiava, boiava como peixe na lagoa — e aquele saturnino de geléia ali a conversar como se fosse um amigo velho. Eles têm uns crocotós que saem de dentro da gelatina — são os órgãos lá deles.

São Jorge não sabia o significado de “crocotó” e a menina teve de explicar que era uma das melhores palavras do vocabulário da boneca.

— A Emília gosta de usar termos de sua invenção e às vezes saem coisas bem boas. Esse crocotó é ótimo.

— Mas afinal de contas que é crocotó? — indagou o santo.

— Crocotó é uma coisa que a gente não sabe bem o que é. Crocotó é tudo que sai para fora de qualquer coisa lisa. O seu nariz, por exemplo, é um crocotó da sua cara — mas como sabemos que nariz é nariz, não dizemos crocotó. Mas se nunca tivéssemos visto o seu nariz, nem soubéssemos o que é nariz, então poderíamos dizer que o seu nariz era um crocotó... São Jorge franziu a testa no esforço de entender aquilo — e se não entendeu fingiu que entendeu e passou adiante. Pôs-se a contar a história do dragão, nos tempos da sua mocidade na Terra. Falou do rei da Líbia e da bela princesa que o dragão quase havia devorado.

— Mas apareci de repente — disse ele — e dei um grande brado: “Sus! Sus!” O dragão, que já estava com a boca aberta e a língua de fora, entreparou e virou a horrenda cabeça para meu lado — e eu então, zás! Fisguei-o com a lança.

— Esta mesma? — quis saber Emília, apontando para a lança no colo do santo.

— Sim — respondeu São Jorge. — Fisguei-o, e ele, então...

Foi exatamente nesse “então” que o berro de Dona Benta chegou até lá — “Pedrinho! Narizinho! Emília! Desçam já daí, cambada!”

O santo capadócio interrompeu a frase e todos puseram-se de ouvido alerta.

— Lá está vovó nos chamando! — disse Pedrinho. — Como será que descobriu que estamos aqui?

— E temos de voltar já, numa voada — acrescentou a menina. — Mas... e o Doutor Livingstone? — Como deixá-lo perdido por estas imensidades infinitas?...

Pedrinho andava com uma hipótese na cabeça.

— Para mim — disse ele — o Doutor Livingstone está girando em redor da Lua como um satélite. Está na zona neutra — na zona em que a força de atração da Terra equilibra-se com a força de atração da Lua, e por causa disso não cai nem na Terra nem na Lua — fica girando eternamente em redor da Lua. Temos de passar por essa zona e agarrá-lo por uma perna.

Mas como arrancar o Doutor Livingstone de sua órbita? Era um problema dos mais difíceis. No vôo para a Terra eles iriam cortar a órbita do novo satélite da Lua, isso era evidente: mas o satélite podia estar muito distante do ponto da órbita que eles cortariam. Como fazer para cortar a órbita exatamente no ponto em que estivesse o satélite-Livingstone?

— Só fazendo cálculos astronômicos — lembrou a menina. — Os astrônomos descobrem no céu tudo quanto querem por meio de cálculos. Lembra-se do que vovó contou do tal astrônomo Halley?

São Jorge quis saber o que era. Narizinho tentou explicar.

— Pois esse Halley previu que um grande cometa ia passar pelo nosso céu em... em... em que ano mesmo, Pedrinho?

Pedrinho, que sabia aquilo na ponta da língua, gritou:

— Em 1.758! Halley previu isso por meio de cálculos. Mas não pôde ver se seus cálculos deram certo, porque morreu em 1.742.

São Jorge estava de boca aberta, admirado da ciência do menino.

— Pois bem — continuou Pedrinho — dezessete anos depois da morte de Halley o tal cometa apareceu de novo, exatinho no ponto indicado e no ano que ele disse — 1.758. Só que em vez de aparecer em meados de abril, como Halley previra, apareceu a 12 de março — menos de um mês de diferença. Era um errinho insignificante para um cometa que só aparece de setenta e tantos em setenta e tantos anos.

— Mas isso é estupendo! — exclamou São Jorge sacudindo a lança no ar de tanto entusiasmo. — Prever por meio de cálculos que um cometa vai aparecer em tal ponto do céu, em tal mês e tal ano, parece-me o assombro dos assombros!...

— Pois é para ver! — tornou Pedrinho. — A matemática é o que há de batatal, como diz a Emília, e esse Halley era batatalino na matemática. Depois de 1.758 outros astrônomos calcularam que o cometa ia aparecer de novo em 1.834 e a 24 de maio de 1.910.

— E apareceu?

— Apareceu, sim. Vovó o viu muito bem quando apareceu em 1.910, no dia 6 de maio. O erro foi ainda menor — só de dezoito dias. Batatalífero, não?

São Jorge ficava tonto com as batatalidades daquele menino...

— Pois é isso, Pedrinho — disse a menina. — Você também é astrônomo. Faça os cálculos e marque o momento e o ponto em que o Doutor Livingstone vai passar, e nós cheiraremos o pó nesse momento exato.

A boca de São Jorge não se fechava. Aquelas crianças falavam que nem um livro aberto...

Mas Pedrinho, com medo de errar nos cálculos e desmoralizar a astronomia, veio com uma desculpa.

— Não posso fazer os cálculos porque não tenho papel nem lápis.

— Isso é o de menos! — gritou Emília. — Papel eu tenho aqui no bolso — o papelzinho da bala puxa-puxa, e lápis Tia Nastácia tem no fogão — um pedacinho de carvão serve — e correu a buscar o “lápis” depois de entregar ao menino o papel da bala.

O pequeno Flammarion não teve remédio senão fazer todos os cálculos — e foi com base nesses cálculos que marcou o instante da partida, dizendo:

— Neste momento exato o Doutor Livingstone deve estar passando no ponto X de sua órbita. Partiremos então daqui e de passagem o agarraremos por uma perna.

E assim foi. Depois das comoventes despedidas do santo, o qual deu um beijo na Emília e outro no anjinho, os aventureiros celestes sorveram o pó de pirlimpimpim na horinha indicada pelas contas do jovem Flammarion.

Fiunnn!...

Tudo deu certissimamente certo. Eles cruzaram a órbita do satélite-Livingstone no momento exato em que o sabugo de cartola ia passando. Pedrinho agarrou-o pelo pé e lá se foram todos para a Terra.
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Continua … XXII – O Café dos Astronomos
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Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Aparecido Raimundo de Souza (Celulares)


NO ÔNIBUS LOTADO, O CELULAR do passageiro, sentado ao lado da porta da saída, entoa a 9ª Sinfonia de Beethoven.

No terceiro toque o sujeito decide.

-Alô?Alô?Alô?...

Diante da mudez do aparelho, o cidadão espia, meio desconcertado, para um lado e outro, a fim de averiguar se alguém olha para ele. Ninguém parece preocupado, embora todas as atenções estejam discretamente voltadas para sua pessoa. Nova chamada. Dessa vez, espera uns segundos. Atende, ansioso.

-Alô?Alô?Droga!Alôooa?...

Nada.

Uma moça trajando conjunto verde - parece um abacate amarrado pelo meio - viaja logo atrás. O telefone dela, com o “Vamos fugir” também resolve se fazer presente. Ao atender, seu
rosto se ilumina num sorriso mágico.

- Tô chegando, amor...

Há uma pequena pausa.

- Você já está no ponto? Devo pintar aí dentro de uns cinco ou seis minutos...

Novo intervalo.

- Te amo. Beijos.

Um terceiro celular começa a encher com a Pantera Cor de Rosa. A colegial com o rosto abarrotado de espinhas emite uns gritinhos estridentes antes de iniciar a conversação.

- Rodriguinho, seu sem vergonha. Isso lá é hora de ligar?

A 9ª Sinfonia de Beethoven volta à baila e se mistura com a voz da adolescente.

-Alô?Alô?Alô?

Desta vez a ligação se completa. O passageiro ao lado da porta da saída consegue, finalmente, manter o diálogo com seu interlocutor.

- Legal, cara. Parabéns!

Gesticula e fala alto o suficiente para irritar um defunto. Sem um pingo de decência, age como se perto dele não houvesse uma leva de pessoas que merecesse, ao menos, respeito e educação.

-Até que enfim. Então você está indo pra Portugal? Faça uma boa viagem, meu amigo. O Pedro te manda um abraço. A Luíza um beijo, o Carlos um puxão de orelhas...

“Vamos fugir” volta a disparar no telefone da moça de verde. Ela prontamente atende:

-Amor, tenha um pouco de paciência. Que loucura! O quê? Fala mais alto...

De repente, a coisa toma proporções descomunais. A colegial pisa em ovos de tão indignada e irritada.

- Vá pro inferno, Rodriguinho. Não me racha a cara!

O sujeito no banco ao lado da porta parece um lunático.

- Seu avião sai a que horas? As 19?De onde? Eu...O quê?

Lado esquerdo do coletivo, um casal assiste a tudo com os olhos arregalados. A certa altura, o rapaz comenta, num cochicho:

- É mole ou quer mais?

-As pessoas – observa a moça igualmente aos murmúrios - perderam o senso do ridículo. A sensatez foi pro brejo. Ninguém respeita mais a individualidade.

-Virou febre esse negócio. Todo mundo agora tem celular. Li, ontem, no jornal, que estão à venda, no mercado, aparelhos celulares de última geração para cachorros.

Risos.

- Fala sério? Qual o quê! Isso é piada!
- Não é não. Agora, além de hospitais, hotéis e restaurantes, os cachorros poderão contar com mais essa vantagem. Celular para cães e gatos.

- Se for verdade o que está me dizendo, minha nossa. Será o cúmulo do absurdo. A que ponto chegamos. Olhe só para essa gente. Parece um bando de alucinados. Ninguém se entende.

Um homenzarrão puxa a campainha. Pessoas se levantam. Outras tantas tomam posição para apear.

- Vá se danar, Ro...

- Olhe, se lá em Portugal não tiver mulher que sirva, volta e leva uma brasileira. As mais bonitas do mundo estão aqui, meu chapa...

- Rodriguinho, eu pensava, até agora, que você fosse do conceito. Me enganei redondamente. Vá pro inferno, ta ligado?

A moça de verde pula do banco ao ver o rapaz que a espera, na calçada defronte à porta de acesso de uma loja de departamentos. Passa a mão no telefone e disca um número da memória.

- Ei, amor, olha euzinha aqui. Cheguei. Já me enxergou? Estou te vendo. Me dê adeusinho!

Nessa hora, então...

-A mãe te manda umabraço. Vá com Deus. Chegando em Lisboa, ligue... Entendeu? Ligue, ligue, ligue, surdo!...

No mesmo clima.

-Rodriguinho, ô, sem noção, o bagulho por aqui tá tenso. Meu namorado não vai gostar. Com certeza levará um “lero” contigo, e, depois, com certeza, te comerá na porrada, meu...

A moça de verde, afoita:

- Com licença, meu senhor... Com licença...

-Calma, senhorita. Vou ficar aqui também. Deixe ao menos o motorista parar e liberar a traseira.

-... De Lisboa? Que droga!!

-... Ro, Ro, cuidado com a tribo, malandro. Quer saber? Estou injuriada. Vá se danar de verde e amarelo...

-...Amor, amor, estou descendo...

Sobra o casal acomodado no lado esquerdo, rindo da galera a mais não poder.

– Odeio celular – pondera a jovem, depois que todos saem - parece que esses trocinhos controlam nossa vida. Aliás, dominam, vivem no nosso pé. Jogaram, definitivamente, para o ralo a nossa intimidade.

- Estou com você – completa o rapaz –O negocio é bom, mas, em certas horas, se torna deselegante, cai no vulgar. Tira a privacidade. Imagine, daqui a algum tempo, como lhe falei, ainda há pouco, a gente cruzando na rua, com essas madames, metidas à besta, atendendo ao telefone. “É pra você, Fifizinha!”. E o animal, posudo: “– Agora não posso, estou ocupada, lendo Os Melhores Contos de Cães e Gatos do meu amigo Flavio Moreira da Costa. Peça para me ligar mais tarde”.

A jovem se abre num sorriso contagiante. Pensa em responder alguma coisa. Entretanto, seu celular estronda Tchaikovsky.

- Desculpe. Meu marido...

Pede licença, baixa a cabeça. Sem tirar o aparelho do ouvido se acomoda num banco lá na frente, ao lado do cobrador.

Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. A Outra Perna do Saci. São Paulo: Ed. Sucesso, 2009.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 297)


Uma Trova Nacional


Uma Trova Potiguar

Na minha infância sofrida,
onde só a fé restava,
descobri na própria vida
que Jesus me acompanhava.
–PAULO ROBERTO/RN–

Uma Trova Premiada

2000 - Niterói/RJ
Tema: DELÍRIO - M/E.

Um delírio estranho imerso,
que um bem suposto revive,
choro a perda, no meu verso,
de amores que eu nunca tive!
–PEDRO ORNELLAS/SP–

Uma Trova de Ademar

De nada eu sinto ciúme,
nem mesmo da mocidade;
pois hoje eu sinto o perfume
da flor da terceira idade!...
ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

De nosso encontro marcado,
não sei o que mais errou:
se quem chegou atrasado,
ou quem nem tarde chegou.
ZENÍLIA PAIXÃO/MG–

Simplesmente Poesia

Versos Idos.
–JOÃO ALFREDO/RN–

Minha poesia torna-se
lenta e triste
quieto,
vejo morrer os versos
a cada passo
que a inspiração me foge.

Estrofe do Dia

As vezes uma camponesa
tão pobre que até faz pena,
se transforma em Madalena
devido a sua pobreza;
tentada pela riqueza
esquece o seu coração;
entrega-se a sedução
e termina prostituída,
as madalenas da vida
também merecem perdão.
–JOÃO FURIBA/PE–

Soneto do Dia

A Lua e o Sol
–SÁ DE FREITAS/SP–

“Fazes pouco de mil, sol!” – Diz a lua
escondes-te de mim quando apareço,
será que nem de ti um olhar mereço,
eu que há milênios sonho em ser só tua?

O sol noutro hemisfério, com amargura,
escuta a sua amada, mas opresso
responde: “meu amor, desapareço,
por ser fadado à triste desventura

de nunca me encontrar com quem almejo,
que és tu, ó lua, que nem mesmo vejo
no inicio de um eclipse ou depois.

Mas te conformes, pois na terra moram,
pessoas que se amam e se adoram,
que tem a mesma sina de nós dois”.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor
Montagemda Trova Nacional sobre imagem enviada por Ademar

Hermoclydes S. Franco (Livro de Trovas)


A bengala cor da paz,
que o homem cego conduz,
tem um mistério que faz
o som transformar-se em luz!

A fraqueza é um artifício
que leva alguém, sem escalas,
a abrir as portas do vício
e não saber mais fechá-las!...

Ante a maçã do pecado
na dúvida, vou sofrendo:
- Se como... sou castigado;
se não como... me arrependo!

Às vezes, troféus de glória
e incensos de aduladores
podem fazer da vitória
o ocaso dos vencedores!...

A vida é dura batalha
que não aceita um "talvez"
e nem outorga medalha
aos filhos da timidez!

Com talhadeira e martelo,
finas madeiras entalho...
E esse trabalho é tão belo
que já nem sei se é trabalho!

Da guerra, entre os seus horrores,
não há glória que compense,
para os Pracinhas, as dores
de quem perde ou de quem vence!...

Dizem que todo baixinho
tem mania de grandeza...
Por isso é que o meu vizinho
só chama a mulher de... "alteza"!...

Era uma vez... A saudade
da meiga MÃE que ensinava,
na minha infância, a verdade
nas histórias que contava!…

Eu, no rumo das gaivotas
no mar rendado de espumas,
dentre centenas de rotas,
busco o roteiro em que rumas…

Maravilha em resplendor,
onde Deus sempre é louvado,
o RIO guarda o Senhor
no Cristo do Corcovado!

Minha MÃE, frases serenas,
seus conselhos e bondades
tornaram bem mais amenas
minhas sofridas saudades!…

Minhas mãos, barcos sem velas,
em carinhosos desvelos,
navegam, quais caravelas
na noite dos teus cabelos!

Minhas mãos, cheias de anseios,
são barcos que, em águas turvas,
deslizando em mil passeios,
se perdem nas tuas curvas...

Na distância, ao teu aceno,
quanta tristeza me invade....
O trem, ficando pequeno
e, em mim, crescendo a saudade!

Não pode haver raciocínio
quando a miséria, sem nome,
invade qualquer domínio
e o domina pela FOME!...

Numa paixão imortal
Minhas tristezas eu venço,
Beijando o sabor de sal
que deixaste no meu lenço!

O grau de felicidade
que tenho e me faz risonho
resulta da minha idade
ter a idade do meu sonho!

Sem preconceito ou pudor,
mas, de emoções verdadeiras,
grandes momentos de amor
não delimitam FRONTEIRAS!

Ser MÃE é trabalho insano
que tal carinho irradia
e te faz, por todo o ano,
ser a MÃE de cada dia!…

Teu orgulho, em doce imagem,
nesse amor que pontifica,
um dia cria coragem
atravesa a PONTE…E fica!

Hermoclydes Siqueira Franco (1929)


Nasceu em 26 de maio de 1929, em Niterói, Rio de Janeiro.

É aposentado. É advogado e administrador formado, respectivamente, pela Faculdade de Direito de Niterói e pela Universidade Gama Filho.

Começou a escrever literariamente em 1980, quando a preocupação com o que fazer após a aposentadoria, para preencher a mente com algo que pudesse trazer satisfação e impedir que a falta do trabalho pudesse trazer qualquer tipo de isolamento ou insatisfação. Na verdade sempre gostou de literatura, desde a mocidade, de maneira que não houve uma influência direta para que começasse a escrever. A preocupação com a futura aposentadoria levou-o a esse caminho.

Em 1985, iniciou preparativos para ingressar no meio trovadoresco, através da União Brasileira de Trovadores (UBT), o que veio a mostrar-se uma positiva decisão, ocorrendo a filiação à seção do Rio de Janeiro no 2º semestre daquele ano. A aposentadoria viria a concretizar-se em 1991, após 40 anos de trabalho em apenas duas empresas brasileiras: a Cia. Aços Especiais Itabira (ACESITA), de l95l a l973, e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 1973 a 1991.

Os seus primeiros trabalhos literários de algum valor foram uma versão em quadras da ORAÇÃO DE S. FRANCISCO DE ASSIS (1985), posteriormente musicada pela trovadora -musicista GLORINHA VELLOSO, e o poema “PARQUE ITATIAIA (A Natureza, o Poeta e o Insensato) – 1º premio em Concurso Comemorativo do cinqüentenário dos parques Nacionais Brasileiros (1987).

Não possui livros editados. Apenas diversas plaquetes em edições restritas feitas artesanalmente e distribuídas gratuitamente a amigos. Destes o mais importante é a série “TROVAS, SIMPLESMENTE TROVAS”: 1º VOL/1993; 2º VOL/1998; 3º VOL/2003; o VOL. IV, a em 1998, seguindo o mesmo processo.

Como escritor conhece perfeitamente suas limitações, mas procura manter acesa a chama da esperança e jamais deixar de sonhar, apanágio maior dos poetas.

Ao longo de 20 anos de participação em concursos de trovas e de poesias, é natural que possua cerca de 400 premiações nesses certames. Grande é a alegria por ter obtido o 1º prémio em quadras no I Concurso Algarve/Brasil (1997) e Menção Honrosa no II (1998) e duas Menções Honrosas no Grande Concurso de Quadras de S. João (1993) do Jornal de Noticias do PORTO. Algumas poesias (sonetos e poemas) premiadas em vários estados brasileiros.

A quem começasse a escrever agora, o único conselho que daria seria no sentido de que estude permanentemente todos os meandros de nossa Língua Portuguesa, para não se permitir cometer erros crassos em seus escritos, como ocorre comumente com tantos pseudo-escritores.

Fontes:
Portal CEN
Macae News

Os Vampiros na Literatura


Histórias de vampiros existem desde sempre. Mesopotâmia, Roma, Grécia… Todas as culturas antigas já apresentavam contos sobre os seres sobrenaturais que se alimentavam de sangue e tinham vida eterna. Mas o primeiro registro literário relacionado às criaturas trata-se de um poema alemão escrito em 1748 por Heinrich August Ossenfelder: Der Vampir. A partir disso temos várias obras com pelo menos alguma menção ao mito vampírico, entre elas The Bride of Corinth (1797) de Goethe e Christabel de Samuel Taylor Coleridge.

Anos e anos depois várias personagens desfilaram pela galeria dos vampiros literários, e mesmo atualmente o tema ainda rende obras variadas (e agora adaptações para o cinema também). E pensando justamente nessas obras que faço aqui uma lista de sugestões para você que gosta de histórias de vampiros, mas não quer ler Crepúsculo.

A hora do vampiro (Stephen King) – Publicado pela primeira vez em 1975, o livro conhecido como Salem’s Lot lá fora infelizmente foi traduzido desse jeito no Brasil. Uma pena, porque acaba estragando a surpresa da história, já que a pessoa que compra uma obra assim obviamente já sabe que trata-se de uma história de vampiros. A questão é que Salem’s Lot começa narrando a volta do escritor Ben para a cidade onde viveu na infância, decidido a escrever um livro sobre uma mansão horripilante que preencheu seus pesadelos desde a infância. É em um momento bem adiantado do livro que o leitor tem a revelação de que a cidade está sendo tomada por vampiros – e a partir daqui a história pega fogo, sendo uma daquelas que você até pensa em dormir de luz ligada “só para garantir”.

Eu sou a Lenda (Richard Matheson) – Publicado em 1954, esse livro chegava com a idéia do vampirismo com um vírus. Por favor, esqueçam do filme que saiu com Will Smith. Em nada ele conseguiu captar o clima claustrofóbico e assustador dessa novela de Richard Matheson. Neville é aparentemente o único sobrevivente da epidemia de “vampirismo”, até porque ele é imune ao vírus. À noite ele se esconde, pela manhã ele sai para matar vampiros. O final está entre um dos meus favoritos não só das histórias de vampiros (e eu não vou contar aqui, ainda mais de dar um puxão de orelha nos tradutores de Salem’s Lot, ehehe).

Entrevista com o Vampiro (Anne Rice) – A obra de 1976 conta com a tradução aqui no Brasil de ninguém mais, ninguém menos do que Clarice Lispector. Louis, o vampiro “entrevistado”, narra em sua história como tornou-se vampiro, sua vida com Lestat (o vampiro que o transformou) e com a pequena Claudia. Apesar de tender ao clichê do vampiro melancólico, o fato de apresentar Lestat como um predador que reconhece a abraça sua verdadeira natureza acaba equilibrando um pouco a história, que certamente vale a pena conferir. Sobre as continuações, considero todas de fracas para mais ou menos.

Prazeres Malditos (Laurell K. Hamilton) – em 1993 a escritora Laurell K. Hamilton deu um chega para lá na idéia do vampiro tristonho e da mocinha indefesa e criou Anita Blake, uma caçadora de vampiros bastante atípica. A narrativa toda é em primeira pessoa, e Anita tem um senso de humor ácido, o que diverte muito. A série fez tanto sucesso que já está no 17º livro (isso mesmo), embora aqui no Brasil por enquanto a editora Rocco só tenha lançado o primeiro título. O fato de Anita Blake também ser o que eles chamam de “animator” (levanta mortos e controla zumbis) faz com que as histórias não sejam só sobre vampiros, o que também é bem interessante.

Morto até o Anoitecer (Charlaine Harris) – o livro foi publicado em 2001, mas sete anos depois, com a adaptação para a TV feita pela HBO (True Blood, começa dia 18 de janeiro aqui no Brasil) o título ficou mais “conhecido” aqui no Brasil, inclusive com traduções dos outros títulos previstas ainda para esse ano (pelo menos o segundo e o terceiro livro). Bastante sexo e muita ação, não é a toa que escolheram esse livro para transformar em série de tv. Dos oito livros já publicados estou começando o sexto agora e dá para dizer que a série é até bem regular, não tem caso de um livro horrível e outro imperdível. São todos divertidos da mesma maneira.

Curiosidades sobre Vampiros

1 -Lord Ruthven, o primeiro dos vampiros na literatura foi criado por John Polidori, na mesma noite e na mesma casa em que Mary Shelley iniciava Frankeinstein, numa singela brincadeira na casa de Lord Byron;

2 -O ex vice-presidente da república Marco Maciel já foi vampiro, num dos livros pioneiros em terras brasileiras sobre vampiros, na obra O vampiro que descobriu o Brasil, de Ivan Jaf; [Aliás, já li o livro, e é bem legal]

3 -Drácula, só recebeu este nome quando o livro estava quase pronto. Até então, ele se chamaria Wampyr;

4 - O inglês Kim Newman escreveu um livro [Anno Dracula] sob uma ótica em que Dracula não foi derrotado, e que nesse mesmo livro estão Dr. Jekyll e o Inspetor Lestrade;

5 - Dacre Stocker, tatarassobrinho de Bram lançou em 2009 uma seqüencia para o romance do Conde Dracula;

6 - Paulo Coelho não pode sequer ouvir falar em vampiros, e ele mesmo autocensurou seu livro escrito com Nelson Liano Jr., o Manual Prático do Vampirismo fazendo recolher todos os exemplares

7 - Anne Rice foi a primeira autora a por os vampiros de frente aos espelhos, que por segundo a autora, se eles habitam o mundo dos homens, devem respeitar as leis da física deste mundo;

8 - Que muito provavelmente, sem os vampiros de Rice, como Lestat e Louis, não existiriam os "vampiros fofinhos" da saga Crepúsculo, já que foi na obra de Rice que os vampiros começaram a ser tratados como figuras poéticas e trágicas;

9 - A cidade de Forks, onde se passa a saga Crepúsculo realmente existe, e Stephenie Meyer a encontrou no google.

10 - O personagem Conde Drácula, é o segundo mais interpretado no cinema e na televisão, ficando atrás apenas de Sherlock Holmes, cuja unica vez que sai a cata de uma vampira, nada tem a ver com vampirismo;

DEZ DOS MAIS FAMOSOS VAMPIROS (AS) DA LITERATURA

1 - Drácula, de Bram Stoker:
É disparado de longe o mais famoso dentre os sugadores de sangue. Se não o pai de todos os vampiros, ele foi o responsável pela popularização do mito. A criação do Irlandês em 1897 ganhou diversas adaptações para teatro e cinema, numa época em que vampiros metiam medo, sem virar purpurina;

2 - Lestat de Lioncourt, criado por Anne Rice em Crônicas vampirescas:
Lestat, é uma das mais populares criações de Anne Rice, e no narrador de Crônicas vampirescas o vampiro revela seu lado sedutor, outra das qualidades desde seres eternos.

3 - Varney, o vampiro de James malcolm Rymer:
Criado antes mesmo de Drácula, a grande arma desta criatura era a feiúra, de face pálida e mórbidos olhos de lata e o poder de hipnotizar.

4 - Edward Cullen, em Crepúsculo de Stephenie Meyer:
Discussões a parte, não dá pra negar que o vampiro de Meyer é diferente de tudo que se construiu sobre estes seres, e é famoso pra caramba, entre a galera jovem que não esta nem aí se ele não morre com a luz do dia.

5 - Carmilla, criação de Joseph Sheridan Le Fanu:
Eita. Aqui está o vampirismo do bom. Carmilla precede o Conde Drácula, e esta deliciosa vampira cria de Le Fanu nos longínquos anos de 1872, com seus toques de lesbianismo sem dúvida era algo muito revolucionário para a época, e que até hoje mexe com a cabeça de marmanjos, como nós.

6 - Sétimo, de André Vianco:
Dentre os vampiros brazucas é o mais famoso, estando presente em Os Sete, obra que iniciou o autor nas sagas vampirescas, e no homônimo em que Sétimo acorda para gerar suas crias com o intuito de dominar o Brasil.

7 - Damon Salvatore, de Diários de um Vampiro de L. J. Smith:
Bem antes de Meyer, em 1991, surgia mais um vampiro que não tomava sangue humano,: Stefan Salvatore, irmão de Damon, este sim um clássico senhor das trevas venerador de sangue e sem pudores ao matar. A saga dos livros se tranformou na série de grande sucesso na TV americana.

8 - Kurt Barlow, em A hora do vampiro, de Stephen King:
Nem só de fantasmas e carros envenenados vive o mestre do terror. Em seu segundo livro King adentrou o mundo dos sanguessugas influenciado nas obras de Bram Stoker, Barlow não temia fazer o trabalho sujo, e pilhar novas vítimas aterrorizando para variar, o Maine.

9 - Lord Ruthven, de John Polidori:
Nasceu num desafio enre grandes mestres como Lord Byron e Mary Shelley e do próprio Polidori para escreverem uma história de terror. O enredo inclusive foi projetado e abandonado por Byron, no qual Polidori acabou dando continuidade, nascendo ao vampiro mais inglês de todos os sugadores de sangue;.

10 - Antonio Brás, o vampiro que descobriu o Brasil, de Ivan Jaf:
Impossível nominar este carismático vampiro - não tão cruel como deveria ser é verdade - que perdeu-se em Portugal ainda como Antonio Bras, e que na nova terra assumiu diferentes identidades, sempre muito próximo dos principais acontecimentos nacionais, entre ele, a descoberta, é claro.

Fontes:
Meia Palavra
LinkListas Literárias – curiosidades
Listas Literárias – os mais famosos

Ialmar Pio Schneider (Mensagem aos Jovens)


“Apresentaram-lhe umas crianças para que as tocasse, porém os discípulos os repreendiam. Vendo-o Jesus, indignou-se e lhes disse: Deixai vir a mim as criancinhas, e não as estorveis, porque delas é o reino de Deus. Em verdade vos digo, quem não receber o reino de Deus como uma criança, não entrará nele. E abraçando-as, abençoou-as, impondo-lhes as mãos”. Marcos 10-13 a 16

De minhas leituras da adolescência, uma me ficou ao longo do tempo na memória. Trata-se da história de um menino, que após haver sido enjeitado pelos pais, foi entregue a um apresentador de espetáculos públicos e passou a viver as mais difíceis situações para sobrevivência. Levavam com eles três cachorros e um macaquinho com que divertiam os assistentes. O titulo do livro é Sem Família, cujo autor Heitor Henrique Malot, foi premiado pela Academia Francesa, 1878. Estou agora relendo-o e descobrindo passagens que já permaneciam esquecidas, mas não de todo, pois relatos deste jaez sempre ficam.

Quantas crianças andam por aí abandonadas pelas ruas, se perdendo no consumo das drogas, sem perspectivas favoráveis de uma vida digna, em total abandono ! Todavia, temos visto algumas pessoas altruístas que também surgindo da pobreza, como é o caso daquela gari da Restinga, que está abrigando inúmeras crianças e ainda continua a construir mais acomodações para proporcionar estudo aos carentes necessitados.

Nesta data desejo transcrever meus versos Mensagem ao poeta, que escrevi no ano de 1981 e publiquei no livro Poesias Esparsas Reunidas, antes, porém, no O Timoneiro de 20.11.81, que assim dizem:

Vai em frente, segue a estrada
sem muito esperar da glória,
vida simples, devotada…
Se alguém ouvir tua estória
nostálgica e merencória,
canta sempre, até por nada !…

Faze como o passarinho
que saúda a natureza,
enquanto busca um raminho,
com afã e singeleza,
pra construir o seu ninho:
- maior prova de beleza !

Sejam teus versos cantigas
que a gente escuta na rua,
pobres canções, mas amigas
como as estrelas e a lua;
pois a terra será tua
longe de dor e fadigas…

Não temas crítica austera
e nem te afastes do tema,
sempre alcança quem espera;
prosseguir seja teu lema
e verás a primavera
coroar-te com seu diadema !

Esta é uma simples homenagem que dedico às crianças com o poema e à primavera que estamos vivendo.

Outrossim, desejo registrar que li com muito proveito o livro cheio de dinamismo, altruísmo e humanismo, da consagrada preletora da Seicho-No-Ie, Norma Maria Varani, cujo título Uma Vida Dedicada a Servir, já por si diz tudo o que contém de trabalho à uma causa nobre, quais sejam à APAE, ao Asilo Padre Cacique, e outras atividades filantrópicas ao bem-estar da coletividade.

Por fim, com nostalgia dos meus jovens tempos, quero transcrever este soneto antológico de Júlio Salusse, poeta romântico do Rio: “VISÃO

– Vi passar num corcel a toda brida,
Nuvens de poeira erguendo pela estrada,
Um gigante, impassível como o nada,
Indiferente a tudo – à morte e à vida !

Tinha nos braços, como adormecida,
Deusa de olhos azuis, Quimera ou Fada:
Seria, acaso, uma ilusão dourada,
Ou, porventura, uma ilusão perdida?

Assombrado, gritei para o Gigante:
- Quem és tu? Essa deusa é tua amante?
E o cavaleiro – o Tempo – respondeu:

- Eu sou tudo e sou nada nos espaços
E a Quimera, que levo nos meus braços,
É a tua mocidade, que morreu...” –
Rio 27-9-926 ( De “O Cruzeiro”) – Revista.

Lendo-o, atualmente, deixo um recado à juventude, que aproveitem esta quadra da vida para sua formação intelectual e ética a fim de realizarem as obras necessárias ao desenvolvimento deste imenso País, com mais paz e justiça social. Até mais e obrigado pela atenção...

Fonte:
Texto enviado pelo autor
Imagem = por Carla Neli Neto

Dari Pereira (Sopa Poética)


TROVAS

Ouvi conselho de um monge
achei-o mais do que certo:
Quem quiser chegar ao longe
tenha sempre Deus por perto!

Poeta não faz escolha,
desafia qualquer tema,
desdobra folha por folha
e compõe o seu poema.

Recordando a mocidade
e o meu tempo de criança,
faço trova da saudade
e poema da lembrança.

Longe, longe, na campina,
na hora em que a noite desce,
o céu, fechando a cortina,
reza conosco uma prece...

Contendo idéia completa
e pregando o bem geral,
um só verso de um poeta
pode torná-lo imortal.

Quem quiser boa acolhida
pela graça do perdão,
não pode negar, na vida,
um abraço para o irmão.

Descortinar horizontes,
buscar a estrada florida,
cruzar os vales e os montes,
eis a viagem da vida…

Quem é de Deus não padece
no caminho dos ateus…
e a cada dia, na prece,
tem novo encontro com Deus.

DISTANTE

Distante da minha terra,
longe de tudo o que amo,
eu sou um vate que erra,
sinto saudade e reclamo…

Aqui, tão triste e sozinho,
distante do berço amado,
sinto a falta de carinho
e meu viver é magoado.

Distante dos meus amigos,
da festiva serenata,
já não encontro os abrigos
que a noite na alma desata.

Lá na terra pura e santa,
é tão lindo o fim do dia,
na hora em que o sino canta
as preces da Ave-Maria…

A serra, os rios e o vale,
o verde lá da campanha,
temem que um dia se cale
o canto na terra estranha.

Toda carta que eu recebo
só me fala do regresso
e em cada linha, percebo
que nada vale o sucesso.

Se aqui distante, reclamo,
eu deixo tudo, por fim:
- Longe das coisas que amo,
estou distante de mim.

Fontes:
Academia de Letras de Maringá
UBT Nacional

Dari Pereira (1940)


Nasceu na cidade de São Simão, no Estado de São Paulo, dia 22 de Janeiro de 1940. Filho de João Pereira e Nica Gasparini Pereira.

Graduou-se pela Universidade Estadual de Maringá e especializou-se no Magistério tendo sido professor, por vinte e oito anos consecutivos, da rede oficial de ensino do Estado do Paraná.

É poeta e já escreveu quinze livros.

Pertence à Academia de Letras de Maringá e à União Brasileira de Trovadores-UBT desde 1966, sendo presidente da seção de Maringá

Foi presidente da União dos Escritores de Maringá e vice-presidente da Sociedade Cultura Latina do Paraná.

Além de trovador é compositor de músicas, autor do maior sucesso "Jardim Florido" uma valsa que marcou época na cenário da música sertanejo de toda a região.

Primeiro escritor rnaringaense a gravar um CD com poemas teológicos, bíblicos. O lançamento foi feito pela UBT e a TV "Terceiro Milênio "da Arquidiocese de Maringá.

Fonte:
UBT Nacional

Antonio Candido, Anatol Rosenfeld, Decio de Almeida Prado e Paulo Emílio Sales Gomes (A Personagem de Ficção) Parte II - O Problema Lógico


2) O problema lógico. Os enunciados de uma obra científica e, na maioria dos casos, de notícias, reportagens, cartas, diários etc., constituem juízos, isto é, as objectualidades puramente intencionais pretendem corresponder, adequar-se exatamente aos seres reais (ou ideais, quando se trata de objetos matemáticos, valores, essências, leis etc.) referidos. Fala-se então de adequatio orationis ad rem. Há nestes enunciados a intenção séria de verdade. Precisamente por isso pode-se falar, nestes casos, de enunciados errados ou falsos e mesmo de mentira e fraude, quando se trata de uma notícia ou reportagem em que se pressupõe intenção séria.

O termo “verdade”, quando usado com referência a obras de arte ou de ficção, tem significado diverso. Designa com freqüência qualquer coisa como a genuinidade, sinceridade ou autenticidade (termos que em geral visam à atitude subjetiva do autor); ou a verossimilhança, isto é, na expressão de Aristóteles, não a adequação àquilo que aconteceu, mas àquilo que poderia ter acontecido; ou a coerência interna no que tange ao mundo imaginário das personagens e situações miméticas; ou mesmo a visão profunda — de ordem filosófica, psicológica ou sociológica — da realidade.

Até neste último caso, porém, não se pode falar de juízos no sentido preciso. Seria incorreto aplicar aos enunciados fictícios critérios de veracidade cognoscitiva. Sentimos que a obra de Kafka nos apresenta certa visão profunda da realidade humana, sem que, contudo, seja possível “verificar” a maioria dos enunciados individuais ou todos eles em conjunto, quer em termos empíricos, quer puramente lógicos. Na obra de Knut Hamsun há uma visão profunda inteiramente diversa da realidade, mas seria impossível chamar a maioria dos enunciados ou o conjunto deles de “falsos”. Quando chamamos “falsos” um romance trivial ou uma fita medíocre, fazemo-lo, por exemplo, porque percebemos que neles se aplicam padrões do conto de carochinha a situações que pretendem representar a realidade cotidiana. Os mesmos padrões que funcionam muito bem no mundo mágico-demoníaco do conto de fadas revelam-se falsos e caricatos quando aplicados à representação do universo profano da nossa sociedade atual (a não ser que esta própria aplicação se torne temática). “Falso” seria também um prédio com portal e átrio de mármore que encobrissem apartamentos miseráveis. É esta incoerência que é “falsa”. Mas ninguém pensaria em chamar de falso um autêntico conto de fadas, apesar de o seu mundo imaginário corresponder muito menos à realidade empírica do que o de qualquer romance de entretenimento.
Ainda assim a estrutura das orações ficcionais parece ser em geral a mesma daquela de outros textos. Parece tratar-se de juízos. O que os diferencia dos verdadeiros é a intenção diversa — isto é, a intenção que se detém nas objectualidades puramente intencionais (e nos significados mais profundos por elas sugeridos), sem atravessá-las, diretamente, em direção a quaisquer objetos autônomos, como ocorre, no nosso exemplo, na visão do moço real. É essa intenção diversa — não necessariamente visível na estrutura dos enunciados— que transforma as orações de uma obra ficcional em “quase-juízos”(1). A sua intenção não é “séria”(2).

O autor convida o leitor a deter o raio de intenção na imagem de Mário, sem buscar correspondências exatas com qualquer pessoa real deste mesmo nome(3).

Todavia, os textos ficcionais, apesar de seus enunciados costumarem ostentar o hábito exterior de juízos, revelam nitidamente a intenção ficcional, mesmo quando esta intenção não é objetivada na capa do livro, através da indicação “romance”, “novela” etc. Ainda que a obra não se distinga pela energia expressiva da linguagem ou por qualquer valor específico, notar-se-á o esfôrço de particularizar, concretizar e individualizar os contextos objectuais, mediante a preparação de aspectos esquematizados e uma multiplicidade de pormenores circunstanciais, que visam a dar aparência real à situação imaginária. É paradoxalmente esta intensa “aparência” de realidade que revela a intenção ficcional ou mimética. Graças ao vigor dos detalhes, à “veracidade” de dados insignificantes, à coerência interna, à lógica das motivações, à causalidade dos eventos etc., tende a constituir-se a verossimilhança do mundo imaginário. Mesmo sem alguns destes elementos o texto pode alcançar tamanha fôrça de convicção que até estórias fantásticas se impõem como quase-reais. Todavia, a aparência da realidade não renega o seu caráter de aparência. Não se produzirá, na “verdadeira ficção”, a decepção da mentira ou da fraude. Trata-se de um “verdadeiro ser aparencial” (Julian Matias), baseado na conivência entre autor e leitor. O leitor, parceiro da empresa lúdica, entra no jogo e participa da “não -seriedade dos quase-juízos e do “fazer de conta”.

Uma oração como esta: “Enquanto falava, a mulherzinha deitava sobre o marechal os grande olhos que despediam chispas. Floriano parecia incomodado com aquele chamejar; era como se temesse derreter-se ao calor daquele olhar. . .“ (Lima Barreto, Triste Fim de Policarpo Quaresma) revela de imediato, apesar do contexto histórico, a intenção ficcional. O autor parece convidar o leitor a permanecer na camada imaginária que se sobrepõe e encobre a realidade histórica.
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NOTAS
(1) A expressão é usada por Roman Ingarden em Das literarische Kunstwerk. J.-P. Sartre, em L’Imagination, formula: “Il y a lá un type d’affirmation, un type d’existence intermédiaire entre les assertions fausses du rêve et les certitudes de la veille: et ce type d’existence est évidemment celui des créations imaginaires. Faire de celles-ci des actes judicatifs, c’est leur donner trop” (p.137).

(2) Quando da publicação de seus Buddenbrooks, Th. Mann foi violentamente atacado devido ao retratamenso de pessoas e aspectos da cidade de Lübeck. Tais incidentes são freqüentes na história da literatura. Num ensaio sobre o caso (“Bilse und ich”), Th. Mann declarou: “Quando faço de uma coisa uma oração — que tem que ver esta coisa com a oração?” O fato é que mesmo uma cidade realmente existente torna-se ficção no contexto fictício, já que representa determinado papel no mundo imaginário. Isso se refere também às imagens de filmes tomadas no ambiente real correspondente ao enredo: o ambiente, embora em si real, situa-se agora num espaço fictício e torna-se igualmente fictício. Um enunciado como “dois e dois são quatro” é sempre verídico; mas quando preferido por uma personagem, com intenção séria, esta intenção séria é, por sua vez, fictícia; e quando ocorre na própria narração, a intenção fictícia transforma o enunciado em quase-juízo, embora em si certo. Quando, em Á Lição, de Ionesco, o professor e a aluna se debatem com multiplicações astronômicas, ninguém pensaria em verificar os resultados. A função dos juízos aritméticos, no contexto fictício, não é esta.

(3) A consciência do caráter ficcional não tem sido sempre nítida. Wolfgang Kayser (em: Die Wahrheit der Dlchter — A verdade dos Poetas) demonstra que no século XVI os leitores de romance não tinham a noção nítida de que os enunciados respectivos eram fictícios.

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continua… O problema epistemológico (a personagem)
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Fonte:
Antonio Candido, Anatol Rosenfeld, Decio de Almeida Prado e Paulo Emílio Sales Gomes. A Personagem de Ficção. 2. ed. SP: Perspectiva.
Este livro é digitalizado e distribuído GRATUITAMENTE pela equipe Digital Source com a intenção de facilitar o acesso ao conhecimento a quem não pode pagar e também proporcionar aos Deficientes Visuais a oportunidade de conhecerem novas obras.

Monteiro Lobato (Viagem ao Céu) XX – A aflição dos astrônomos


Certa vez, lá no sítio, Dona Benta explicou aos meninos o que era “sistema planetário”. Parecia um bicho-de-sete-cabeças, mas a boa velha costumava explicar as coisas mais difíceis de um modo que até um gato entendia.

— Sistema — disse ela — é um conjunto de coisas ligadas entre si. E sistema planetário é um conjunto de planetas ligados entre si e o Sol, em torno do qual giram. Este sítio, por exemplo, é um pequeno sistema...

— Sistema de quê? — perguntou Pedrinho. — Planetário não é, porque nós não somos planetas.

— Não somos aqui no sítio um sistema planetário, mas somos um sistema de gentes e coisas. Eu sou o centro, a dona das terras e da casa e das coisas que há por aqui. Vocês são meus netos. Tia Nastácia é minha cozinheira. O Tio Barnabé é meu agregado, isto é, mora em minhas terras com meu consentimento. Há aqui estes objetos caseiros — a mesa, as cadeiras, as camas, o relógio da parede...

— O guarda-chuva grande, os travesseiros de paina, o pote d’água — ajudou Emília.

— Sim, há todos os objetos que nos rodeiam. E lá fora há os animais, a Vaca Mocha, o Burro Falante, o Senhor Marquês de Rabicó, o pangaré de Pedrinho. São entes vivos e coisas inanimadas que giram em redor de mim. São os meus planetas. Eu sou o Sol de tudo isso. Se eu morrer, tudo isso se dispersa. Um vai para cá e outro para lá. Os objetos mudam de dono. Alguém é até capaz de comer o Rabicó assado e de botar o Burro Falante numa carroça. Mas enquanto eu estiver viva e aqui no meu posto de dona, tudo permanece como está e me obedece. Isto quer dizer que formamos aqui um “sistema familial”, em que todas as pessoas e coisas se relacionam à minha pessoa.

— Compreendo, vovó — disse Pedrinho. — As cadeiras e o pote do seu compadre Teodorico, a negra velha que cozinha para ele, as vacas e cavalos da fazenda dele, tudo que há lá não pertence ao nosso sistema aqui — pertence ao outro sistema — ao sistema familial do Coronel Teodorico — não é isso?

Dona Benta sorriu de gosto diante da esperteza do neto.

— Exatamente, meu filho. Gosto de ver como você compreende depressa.

— E eu também não compreendo depressa? — reclamou a menina em tom queixoso.

Dona Benta abraçou-a e botou-a no colo.

— Sim, Narizinho. Em matéria de inteligência você é em tudo igual a Pedrinho. Eu tenho a honra de ser avó de dois netos que são dois amores.

Foi a vez de Emília enciumar-se.

— E eu? E eu? — gritou ela.

— Você também, está claro, porque nunca houve no mundo uma boneca mais viva, mais esperta e inteligente.

Emília derreteu-se toda.

— Pois é isso — volveu a boa senhora retornando ao assunto. — Formamos aqui no sítio o nosso “sistema de pessoas, animais e coisas”. Ali adiante o Coronel Teodorico é o centro de outro sistema do mesmo gênero. O Elias Turco é centro dum terceiro sistema. O próprio Tio Barnabé, que faz parte do nosso sistema, também é centro dum sistemazinho lá dele, composto da mulher, dos filhos e dos cacarecos que possui no casebre — aquele pote d’água, aquelas esteiras, aquelas panelas de barro tão velhas...

— E aquele cachorro sarnento também, o Merimbico — lembrou Emília.

— Sim, tudo isso forma um sistemazinho ligado ao nosso sistema familial. Pois com os astros do céu se dá a mesma coisa. Há pelo éter infinito milhões de sistemas planetários em que certo número de astros giram em redor dum sol, como vocês giram em redor de mim. Vem daí o nome de “sistema planetário”, porque os astros que giram em redor de um sol são os planetas desse sol.

— Já sei — gritou Pedrinho. — E dentro desse sistema planetário do sol, há outros sistemazinhos menores, como aqui o do Tio Barnabé. Os satélites.

— Exatamente — concordou a velha. — Temos o nosso Sol como a Dona Benta celeste. Em redor do Sol giram os planetas Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Netuno e também grande número de planetóides.

— Se a senhora é o Sol — lembrou a menina — Emília é Mercúrio — o planeta menor. E eu sou Vênus, o mais bonito.

— Olha a gabola!

— E você, Pedrinho, é Marte, o mais valente. E Tia Nastácia é Júpiter — o mais gordo de todos. E Saturno é a Vaca Mocha — sempre lá fora, já mais longe aqui do centro...

— E Urano, que é longíssimo? — perguntou Pedrinho.

— Urano é aquele cedrão do pasto. E Netuno é o Tio Barnabé que mora nas divisas do sítio.

— Muito bem — aprovou Dona Benta. — Nós moramos no sistema planetário do Sol. Mas cada estrelinha do céu visível a olho nu ou graças ao telescópio, é também um sol com, talvez, o seu sistema planetário.

Emília interrompeu-a com uma das suas.

— Dona Benta, olho nu não é indecente? — perguntou ela com a maior simplicidade, fazendo que todos rissem.

A boa velha achou que não valia a pena responder e prosseguiu:

— Deve haver milhões de sistemas planetários por esse universo infinito. Nós vivemos num deles. O Sol é o pai de todos nós aqui — nós planetas; nós plantas; nós bichões ou bichinhos. Se o Sol desaparecer, todos nós levaremos a breca. Os planetas rolarão pelo espaço, desgovernados e tontos, até se escangalharem, e nós aqui, bichinhos da Terra, morreremos de frio e horror...

Essa conversa fora dias antes do passeio dos meninos pelo céu e muito contribuíra para que eles se animassem a tentar a grande aventura, com o fim de ver com os próprios olhos como eram as coisas por lá.

Mas o sistema planetário do Sol é uma coisa muito bem arranjadinha, tal qual o.maquinismo dum relógio. Um relógio só funciona bem quando tudo está em seu lugar — todas as rodinhas e pecinhas. Se alguma delas se desarranja, ou se cai entre elas um grão de poeira, o relógio pára, ou começa a “reinar” — a atrasar-se ou adiantar-se.

Foi o que se deu com o sistema planetário do Sol durante a reinação celeste dos meninos. Esse sistema sempre vivera quieto, bem arrumadinho, sem perturbações, até o dia em que eles começaram a atrapalhar tudo. E tais coisas fizeram lá por cima, que até produziram um satélite novo: lá estava o Doutor Livingstone girando em redor da Lua como um satelitezinho pernudo!...

Ora, os astrônomos são uns sábios admiráveis aos quais não escapa coisa nenhuma do céu. Sempre a espiarem pelos seus telescópios, vão vendo tudo, tomando nota de tudo e fazendo cálculos. Logo que os meninos chegaram à Lua, começaram os astrônomos a observar “perturbações inexplicáveis”, e de repente perceberam um satélite da Lua, coisa que nunca tinham visto antes — e um satélite diferente de todos os satélites conhecidos — em vez de redondo, tinha perninhas, braços e chapéu de explorador africano, com fitinha atrás! Em seguida observaram uma grande perturbação na cauda do cometa de Halley, como se um burro andasse pastando por lá. E depois deram com manchas nos anéis de Saturno, como se alguém andasse patinando por lá.

Essas perturbações, jamais observadas, causaram a maior sensação no mundo da ciência. Numerosos artigos foram publicados na imprensa, e o povo ignorante tremeu de medo, julgando que fossem sinais de “fim do mundo”.

Infelizmente os telescópios ainda não eram bastante poderosos para que os sábios pudessem ver os meninos reinando no espaço; eles verificavam as perturbações, mas não descobriam a causa — e começaram a formular hipóteses. E ainda estavam nisso, quando foi inaugurado o gigantesco telescópio de Palomar, na Califórnia, que custou 6 milhões de dólares e tinha uma lente de 5 metros e meio de diâmetro. Por meio desse potentíssimo óculo de alcance puderam eles descobrir o mistério das perturbações celestes: os famosos netos de Dona Benta andavam reinando por lá!

E enquanto isso, a pobre vovó suspirava sentidamente lá em sua redinha da sala de jantar. Seus amados netos haviam desaparecido misteriosamente, e Tia Nastácia também, e o Burro Falante e o Doutor Livingstone. Por onde andariam? Dona Benta mandou procurá-los por toda parte, pelos vizinhos e pela vida — chegou até a dar parte à polícia e pôr aviso nos jornais. Tudo inútil. Ninguém dava a menor notícia das crianças — e ela suspirava tristemente em sua redinha da sala de jantar.

Mas assim que os astrônomos descobriram a causa das perturbações celestes, trataram imediatamente de pedir providências à avó dos “perturbadores” e vieram em comissão ao sítio de Dona Benta.

Isso foi por uma linda tarde de abril. Dona Benta havia acabado de dar um profundo suspiro quando ouviu barulho na porteira. Estavam batendo palmas e gritando, “ó de casa!” Ela ergueu-se da redinha e foi espiar.

— Que será, meu Deus do céu! — murmurou, vendo parados na porteira uma porção de homens esquisitíssimos, de cartola, grandes barbas e óculos.

— Dá licença? — gritou o maioral do grupo assim que a avistou.

— Entrem! — respondeu a boa velha. — A casa é de Vossas Excelências.

Mas notou que os tais homens vacilavam, como se estivessem com medo de entrar e gritou de novo: “Entrem. Não façam cerimônias”.

Os homens barbudos e cartoludos pareciam sem ânimo de abrir a porteira — e Dona Benta percebeu a razão: a Vaca Mocha estava deitada no caminho, mascando umas palhas de milho. Tamanhos homens com medo de vaca, imaginem!

— Entrem sem susto! — gritou ela de novo. — A Mocha é mansíssima. Nunca chifrou ninguém.

Criando coragem, os sábios abriram a porteira e, arrepanhando as sobrecasacas como se fossem saias, deram uma cautelosa volta por trás da Mocha, a qual nem se mexeu. O pacífico bovino não ligava a menor importância a astrônomos.

Aproximaram-se todos da varanda e pararam, com o maioral à frente. Era o mais barbudo e de óculos mais fortes que os outros.

— Minha senhora — disse ele tirando o chapéu — viemos aqui em comissão pedir o apoio de Vossa Excelência num caso que muito nos está preocupando. Somos astrônomos.

Dona Benta estremeceu. Astrônomos? Que queriam com ela aqueles astrônomos tão importantes? E convidou-os a subir. Os astrônomos subiram os sete degraus da varanda e apertaram a mão da boa velha, um depois do outro. O maioral tossiu o pigarro e disse:

— Minha senhora, as perturbações que temos observado em nosso sistema planetário nos induziram a vir aqui em comissão pedir enérgicas providências...

Dona Benta estranhou aquelas palavras. Se havia perturbações no sistema planetário, que tinha ela com isso? E como também fosse uma excelente astrônoma, interrompeu o discurso do maioral para dizer:

— Se tem havido perturbações em nosso sistema planetário, com certeza será devido a alguma nova mancha do Sol recentemente aparecida. Tenho aqui a obra do Padre Secchi sobre o Sol, e sei das terríveis influências que tais manchas exercem sobre o nosso planeta.

Os sábios entreolharam-se. Ouvir aquela velhinha, ali naquele sítio, falar em manchas do Sol e no Padre Secchi, era um estranho fenômeno. Mas aceitaram o estranho fenômeno e o chefe prosseguiu:

— Não, minha senhora. Desta vez a causa das perturbações não decorre das manchas do Sol e sim de dois meninos, uma boneca, um burro e um sabugo de cartola que andam a fazer estrepolias no éter. Foi o que o telescópio de Palomar nos fez ver — e aqui estamos para pedir a preciosa intervenção de Vossa Excelência.

— Será possível? — exclamou Dona Benta tirando os óculos. — Será possível que meus netos andem pelo éter?... Há já vários dias que desapareceram daqui, e também a minha cozinheira, o Burro Falante e o Doutor Livingstone — mas nem por sombras me passou pela cabeça que tivessem ido para o céu. Parece incrível!...

— A nós também, minha senhora. Muita dor de cabeça tivemos para decifrar o enigma, mas hoje estamos seguros do que afirmamos. A causa de vários transtornos observados na “harmonia universal” são as reinações de seus netos lá em cima.

— Meus senhores — respondeu Dona Benta botando de novo os óculos — muito sinto o que está acontecendo, e quando eles aparecerem hei de passar-lhes um bom pito. Podem ficar sossegados que outra não acontecerá. Vou chamá-los.

Os astrônomos abriram a boca diante daquele “Vou chamá-los”.

— Mas... mas como vai Vossa Excelência comunicar-se com eles? — perguntou o maioral.

— Nada mais simples. Desde que sei onde estão, é só chamá-los com um bom berro.

Disse e, chegando ao gradil da varanda, levou à boca as mãos em forma de concha e com toda a força dos pulmões gritou:

— Pedrinho! Narizinho! Emília! Desçam já daí, cambada!

E voltando-se para os astrônomos:

— Pronto, meus senhores. Posso garantir a Vossas Excelências que daqui a pouco estão de volta — e mortinhos de fome, como sempre acontece no fim de cada aventura.

Em seguida ofereceu-lhes café.

— Estou sem cozinheira. Sentem-se por aqui enquanto vou eu mesma preparar um café com bolinhos. Não façam cerimônias.

Os astrônomos sentaram-se por ali e a boa senhora foi para a cozinha preparar o café. O maioral, que era um sueco de mais de dois metros de altura, ocupou justamente a banquetinha de pernas serradas de Dona Benta — e ficou um perfeito N invertido — assim: И — com os joelhos à altura do queixo...
____________
Continua … XXI – O Grito de Dona Benta
–––––––––––-
Fonte:
LOBATO, Monteiro. Viagem ao Céu & O Saci. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. II. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 296)


Uma Trova Nacional

Uma Trova Potiguar

Todo ele, já se consagra,
um baita, bicho-papão,
mas, às vezes, só viagra,
reanima, o cinquentão...
–FABIANO WANDERLEY/RN–

Uma Trova Premiada

2000 - Nova Friburgo/RJ
Tema: CALOR - 2º Lugar

Se queixando do calor,
no consultório a gatinha,
- Ponho onde a roupa doutor?
- Deixa ali perto da minha...
–CAMPOS SALLES/SP–

Uma Trova de Ademar


Minha dívida eu não nego,
mas eu não posso pagar;
e vou deixá-la no prego
até você perdoar.
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Há três coisas que a mulher
consegue fazer de um nada:
uma intriguinha qualquer,
um chapéu e uma salada!...
–CAROLINA A. DE CASTRO/PE–

Simplesmente Poesia

Resolvi cantar de galo
na porta de um galinheiro;
subi no ponto mais alto,
vi o território inteiro;
findei levando uma "manga",
pois não encontrei a franga
para brincar no terreiro.
–DJALMA MOTA/RN–

Estrofe do Dia

São Pedro foi bailarino,
Homero, caminhoneiro,
Sansão guardava dinheiro
no banco de Virgulino.
Pilatos tinha um cassino
na cidade de Teixeira,
num circo de catingueira
Garrincha foi o palhaço;
eu querendo também faço
igualzinho a Zé Limeira.
–JOMACÍ DANTAS/PB–

Soneto do Dia

Meu Orgulho
–PEDRO TORQUATO MACIELSP–

Muito cedo morreu, infelizmente,
o grande Rui, o mestre consagrado,
a quem prestei auxílio eficiente
na sua profissão de advogado.

No escritório, à Rua do Senado,
nós dois a trabalhar conjuntamente,
íamos dando conta do recado,
a contento, aliás, de toda gente.

Obedecendo às normas do Direito,
o meu trabalho, rápido, perfeito,
em pouco tempo lá ficou notório.

Tanto assim que, no meio de doutores,
não poucas vezes mereci louvores
por ter varrido bem o escritório!

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Celito Medeiros (Estou partindo...)


Fonte:
Poema e pinturas de autoria de Celito Medeiros, enviadas pelo autor

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 295)


Uma Trova Nacional


Uma Trova Potiguar

Porque é que todo mundo
acha-se mais sofredor,
se o sofrimento é profundo
e ninguém afere a dor?
–MARCOS MEDEIROS/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - Curitiba/PR
Tema: IMAGEM - Venc.

Não julgue alguém pela imagem,
pois muitos fazem de tudo
para esconder na “embalagem”
a falta de conteúdo.
GERSON CÉSAR SOUZA/PR–

Uma Trova de Ademar

A foto da escravidão
revelou-se no Brasil,
nos filmes de exploração
deste trabalho infantil!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Poeta mau não conheço,
mau poeta ah, isto sim!
Conheço e digo onde mora:
bem aqui... dentro de mim.
–OCTÁVIO BABO FILHO/RJ–

Simplesmente Poesia

–JOSÉ LUCAS DE BARROS/RN–
Morte Prévia

Muita gente
sai do mundo
antes de morrer,
porque não luta,
não sonha,
não ama.

Estrofe do Dia

Esta mulher que foi minha,
zomba de mim quando passa;
construiu minha desgraça,
destruiu tudo que eu tinha;
dá-lhe um título de rainha
era o que eu mais pretendia,
mas ela não merecia
viver ao lado de um rei;
a boca que eu mais beijei
hoje me nega um bom dia.
–SEBASTIÃO DA SILVA/PB–

Soneto do Dia

Soneto
–MARIA NASCIMENTO/RJ–

Em minha vida simples, malograda,
de filha de modesto agricultor,
faltava tudo e não faltava nada,
porque nasci num lar cheio de amor !

E, cedo, minha luta foi travada,
pois calcada em meu pai, um lutador,
não quis ser ave presa, engaiolada,
e sonhei altos vôos de condor.

Não pude ter infância e juventude,
nem mesmo DEUS nos dando amor, saúde
e a régia proteção da Deusa CERES ...

Mas, para compensar a imensa lida,
Deus, pondo poesia em minha vida,
me fez a mais ditosa das mulheres ! ...

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Viviane Colin (O Dia da Fuga na Chuva)


O dia amanheceu chuvoso. Jandira espiou pela janela e sentiu um arrepio forte na sua nuca:

- Será que terei coragem? - questionou-se.

Mal tinha dormido naquela noite. Acordou de hora em hora, ansiosa pelo início da manhã. Pensava no que lhe esperava ao longo do dia:

- Se conseguir, será o dia mais importante da minha vida - pensava.

Estava assim, dispersa, vendo a chuva cair na rua, quando escutou os sons comuns das suas manhãs: a descarga e o marido limpando a garganta, a filha ligando o chuveiro, o despertador seguido de rock vindo do quarto do caçula.

Assustou-se e correu para a cozinha:

- Vou fazer logo esse café! - decidiu.

Sentiu um certo alívio quando se viu sozinha em casa. Podia se trocar com calma e seguir com o seu plano.

Colocou algumas roupas dentro de uma pequena bolsa de viagem, vestiu uma saia cinza, uma cacharrel vermelha, uma bota de couro preta e um lenço amarelo na cabeça. Por cima, uma grossa capa azul-marinho. Odiava os guarda-chuvas.

Também tirou da gaveta o velho óculos escuro, que não usava havia pelo menos cinco anos:

- Nunca mais Ernesto nos levou à praia no verão - lembrou, com certa amargura.

Saiu de casa, trancou a porta e não olhou para trás.

A chuva havia dado uma trégua e ela caminhou tranquila até o ponto, onde pegou o ônibus para o Centro.

Andou pelos calçadões cheios de poças, olhou as vitrines com um prazer de mulher livre e, na hora do almoço, comeu um lanche barato num fast-food comum.

Depois, tomou outro ônibus para a Zona Norte. Ainda não eram duas da tarde quando chegou. Haviam marcado às cinco na frente do portão principal do Horto.

A chuva voltava a ficar forte e o céu, agora, transformava-se: estava assustador.

Jandira não se intimidou. Olhou em volta, as pessoas correndo para se proteger da tempestade. Mas ela iria esperar até a hora que fosse. Não compreendia como tinha tido coragem de chegar até ali, mas, já que havia ido tão longe, atravessou a rua e se postou sob o orelhão, bem em frente ao portão do parque.

A gotas caiam com cada vez mais força e ela, sozinha, começou a ter dúvidas.

Quis ir embora, mas acreditava que precisava ficar.

Estava paralisada e confusa. Sua cabeça girava, o coração batia apressado e os olhos, marejados de lágrimas que não caiam, não viam mais nada. Nem sabe ao certo quanto tempo ficou lá.

A tempestade foi se dissipando, o ar ficou fresco e, de repente, percebeu que a noite se aproximava. Sentiu medo e, só então, conseguiu se mexer, sair da imobilidade que tomou conta dela e correr para pegar um ônibus de volta para casa, para a sua vida.

Cinco minutos depois, chegaria um carro e pararia bem em frente ao portão do parque. Cleber desceria e veria o orelhão vazio. Onde ela estaria?

O homem ficou lá alguns minutos, a chuva voltou a cair e ele logo percebeu: nunca mais saberia dela.

Fonte:
Diário Dez. Jornal O Diario de São Paulo de 24 a 30 de julho de 2011. ano 4. n. 197.

Celso Corrêa de Freitas (Retirantes)


Retirantes é dedicada a Antonio Corrêa Branco – Meu avô


Quando lhes tiraram a lavoura,
e o sistema se voltou para os pastos,
eles partiram deixando para traz,
naquelas terras tão somente os rastros.
que apontavam para as cidades grandes,
gado humano em procissão,
brancos escravos e negros servis
tangidos para longe do seu chão.

E se a juriti abandonou o campo,
com medo do gavião,
quem ficou o fez por não ver,
vida longe da plantação.
Nas cidades cresceram as favelas,
e os bois engordaram nas invernadas,
as riquezas do País foram ficando,
nas mãos de poucos... Concentradas.

Depois vieram as indústrias,
como vaga-lumes iluminando o apogeu,
mas o País continuou injusto,
com a sorte dos filhos seu.
que em desatino elegem a esperança,
como forma de punir maus governantes,
afinal ela trazia na sua pele,
as chagas dos retirantes.

E o destino que teceu a trama,
daquele que assumiu o seu papel,
se pos como um enorme vazio,
tal como uma nuvem no céu.
E esperando pelo incerto
num tempo que está a passar,
quando a Asa-Pau se faz ouvir,
esse povo se põe a rezar.

E olha que nem seria preciso
essas preces levadas a Deus,
se no planalto se ouvisse
a voz rouca dos votantes ateus.
gente de todos os matizes
que não encontram a saída,
que os faça retornar pela estrada
que lhes pareceu ser um caminho de vida.

E se o gado agora geme no curral
alguém está sofrendo no cativeiro,
o mau feitor no conforto da sua cela
com segurança aplica nosso dinheiro.
O que pode esperar esse povo?
Feito galinha solta no terreiro,
cada um com um galo de plantão
a lhe fustigar o traseiro.

Como bicho solto na seca
busca salvar-se procurando emprego,
vive com um pé no ócio
e o outro no desapego.
Andam cobras pelas esquinas
a encantar passarinhos
suas bocas quando agarram não soltam
e os meninos deixam de ser anjinhos.

Ninguém mais é o mesmo
e hoje já não é como antes,
somos todos nesse caminho do medo
apenas e tão somente...Retirantes!
Em busca do melhor da vida
quando essa é feita de instantes,
falta-nos aquele rancor cívico
que sufoca os governantes.

Ainda tem gente minha por lá,
E para lá estou querendo voltar
Já não me vejo mais aqui
Pois lá sempre foi o meu lugar.

Será um reencontro com tudo
Que passou a florescer,
Tão somente nos sonhos
De quem cresceu sem esquecer,
Quem eu sou,
De onde vim,
Para onde vou,
Esperar o fim.

As margens do grande rio
que sempre correu em mim,
A sombra das mangueiras
que adocicaram o meu jardim.
Tem gente minha por cá
também querendo voltar.
tem gente minha morrendo
sem esse sonho realizar.

Preciso me apressar
Para que eu não morra também assim,
Preciso voltar para a minha terra
O melhor lugar de mim.

Fonte:
Texto e imagem do autor

Celso Corrêa de Freitas (1954)


Poeta e Articulista, nascido em Itaperuna-RJ, aos 26 de Agosto de 1954.

Presidente (O sexto) da Casa do Poeta Brasileiro de Praia Grande-SP até 2010. Membro dessa Associação desde 26/08/2004 (...Entrei no dia do meu aniversário, foi um presente que me dei...).

Reside em Praia Grande, onde ampliou sua família desde Fevereiro de 1996.

Colaborador ativo nos jornais e demais meios de comunicação (Blogs e Sites), através dos seus artigos e inserções.

Sua classificação honrosa no primeiro concurso de Poesias Fernando Pessoa lhe permitiu participar da Antologia “Poesia e Liberdade” que lhe abriu as portas para sua segunda antologia “Poesia e Amor” e sedimentou a sua posição no cenário poético Nacional com o livro “Poeta-Profissão Homem!”, “Destino em Transição(Livro solo)”, e a antologia “São Paulo-450 anos em Prosa e Verso”.

É autor também dos livretos “Sitio do Campo em Cordel”, “Os Portais de Mim”, e colaborou ativamente no projeto educacional da Escola Carlos Roberto Dias que gerou o livreto “OS POETAS DA EJA”.

Sites:
www.portalpoeticoccf.blogspot.com-
www.casadopoetapg.com.br-
www.cappaz.com.br

Fonte:
Slideshare

Joseph E. de Souza (Trovas de Amor)


Esta menina querida
é meu pé, é minha mão
minha alegria na vida
meu arroz e meu feijão

ela é meu rio, meu lago
meu riacho, meu açude
ela é meu beijo e afago
não quero que ela mude

ela é meu dedo e anel
minha camisa de linho
minha garrafa de mel
meu consolo, meu carinho

se a carne mata a fome
o beijo mata a saudade
a tristeza me consome
eu quero é felicidade

me abraça bem abraçado
quero todo o teu carinho
sem teu abraço apertado
vou me perder no caminho

és água que mata a sede
és chuva no meu roçado
és punho na minha rede
és rima neste recado

essa menina adorada
essa menina querida
que alegria danada
ter ela na minha vida.

Fontes:
Trovas obtidas no SlideshareLink
Imagem = Scrapsfacil