sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 378)


Uma Trova Nacional

A folha seca do galho
promove a sabedoria,
tece a colcha de retalho
no vagar do dia a dia.
–DÁGUIMA VERÔNICA/MG–

Uma Trova Potiguar

Este poeta deduz,
e a nossa fé corrobora:
disse Deus: “Faça-se a luz”!
e eis nossa primeira aurora.
–FRANCISCO MACÊDO/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - CTS-Caicó/RN
Tema: OCASO - 9º Lugar

Desculpe, Amor, se me atraso
na volta ao lar... – Acontece
que eu me perco, olhando o ocaso,
enquanto o sol adormece!!!
–MARIA MADALENA FERREIRA/RJ–

Uma Trova de Ademar

Meu “currículo” é comum,
digo com toda alegria...
Não tenho curso nenhum
mas sou formado em poesia!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Estes teus olhos brejeiros!
- ah! se eu pudesse, meu Deus!
por noites, dias inteiros,
ver os meus olhos nos teus!
–ANIS MURAD/RJ–

Simplesmente Poesia

Casa
–LUIZ OTÁVIO OLIANI/RJ–

faço do silêncio
a morada do ser

não lhe digo
palavras duras
nem amorteço quedas

apenas guardo
a concha
em que abrigo
a solidão dos homens.

Estrofe do Dia

Assim como tem alguém
Que quando perde alguém chora,
Também tem alguém que age
Quando um amor vai embora
Com a mesma simplicidade
Que um pingo d‘água se tora.
–MANOEL FILÓ/PE–

Soneto do Dia

Serenidade
–ADELMAR TAVARES/PE–

Nunca de mim se ouviu um só protesto
de maldição, de cólera aturdida,
sequer uma palavra, ou mesmo um gesto
de malquerer a quem mais quis na vida.

Arrasto como a um fardo, a alma ferida,
e a dor que me crucia, manifesto,
sem jamais inculpar de fementida,
aquela que em meu sonho amo, e requesto.

Em perdendo-a, perdi toda a alegria
do coração que em mágoas apunhalo.
Perdi a luz!... Fechou-se o sol que eu via!...

Tudo abateu com a queda desse amor,
tão forte, que ainda sinto o seu abalo,
tão grande, que ainda escuto o seu fragor.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Júlia Lopes de Almeida (Amuletos)


Foi numa das sextas-feiras da Matilde Abranches, que o seu médico, rapaz aliás simpático, afirmou que os homens são maus por culpa das mulheres...

Os dedos de Cecília desfolhavam as notas levíssimas de Ma barque légère e a meu lado Lídia sorvia o aroma de um botão de rosa. Bem comparado, fez-me lembrar um quadro ideal de Diana Cid; Lídia também estava de azul, como a formosa do "Perfume".

— Por culpa das mulheres?! Perguntou a voz empapada de uma mãe de família, que tem por hábito tomar a sério todas as conversas.

— Como desde o princípio do mundo. Agora então a influência da mulher é nefasta. A nossa sociedade cai rapidamente da sua modesta franqueza, que a fazia encantadora, para um esnobismo que a torna ridícula. A preocupação do chic estraga tudo. As portas já se não abrem como antigamente, e procuramos termos para as conversas mais simples!

Não há naturalidade nem há simplicidade. A virtude das mulheres, que era para as nossas culpas, como um tronco profundamente enraizado é para as lianas frágeis — um sustentáculo que as eleva e ampara, sente-se abalada e já não nos inspira a confiança de outrora.

Como para Bruto, para mim a Virtude não é mais que uma palavra. Bebemos todos do veneno. Agora só o dilúvio.

— Que mal lhe teriam feito as mulheres, sempre gostaria de saber...

— Estragam tudo com a sua imprudência, a sua coquetterie e o seu fanatismo. Basta olhar para uma mulherzinha moderna para a gente perceber que se preocupa com feitiços e é supersticiosa. A quantidade de figas e de amuletos que
traz ao pescoço, bem o prova. Em vez de nos ensinarem a sermos simples e cordatos, tornam a vida cada vez mais complexa e difícil.

— Exemplo?

— Nas mínimas coisas ele aparece. Vá o exemplo: convidam-nos para um jantar familiar e dão-nos um banquete em que vagueiam perfumes de flores caras e cheiros de molhos complicados. Aquilo não é o trivial: logo, aquele não é o jantar familiar. Quem ordenou e determinou o menu, não foi certamente o dono, mas a dona da casa. Portanto a atmosfera de falsidade que se respira naquela casa amiga, foi criada pela mulher.

— Ora aí está! São os nossos maridos que trazem dos hotéis e das festas a que assistem a exigência desses molhos complicados, dessas floreiras odoríferas do champagne ruinoso e dos cristais variegados das mesas ricas. São eles que nos sugerem novidades de serviço; e vêm os senhores depois pôr a ridículo a nossa pretensão! Geralmente não somos nós que compramos a prataria e as porcelanas.

Que sabemos nós, as mulheres?

— O que adivinham. Oh! E o que as mulheres adivinham! Conheço uma que, sem ter ouvido uma única confidência, sabe que uma certa pessoa evita encontrá-la, porque é vê-la e logo nessa noite perder ao jogo!

— Esse alguém é o senhor. Vê? São os homens que jogam, que ficam amáveis se ganham ou mal humorados se perdem, que tem estragado a nossa alegria. Mas sempre quero agora que me explique: o senhor, que se ri das quatro folhas de trevo e dos corcundinhas de coral que trazemos ao peito, porque foge de cumprimentar uma senhora amiga só pelo receio de que esse encontro fortuito e rápido lhe traga o azar da fortuna?

— Males de raça, minha senhora, coisas que ficam da infância. De algum modo precisamos mostrar que já fomos crianças. Creia que eu até adoro essa senhora!

— Adora-a e evita-a!

— Mas se ela tem jetattura!

— Use então de um expediente: Quando a vir, pegue em qualquer objeto de ferro. Uma chave, por exemplo. Não traz uma chave consigo?

— É bom?

— É magnífico!

— Não sabia!

A conversa embarafustava por um terreno amável.

D. Matilde confessou que deixara de se vestir de azul, porque essa cor lhe trazia infelicidade. D. Joana citou uma amiga que usava uma liga de cada cor, como portebonheur. Quase todos os presentes tinham a sua mania... Voltou-se então alguém para o velho e sério dr. Braga e perguntou com um rasinho de dúvida:

— O senhor também usa dessas coisas?

Ele tirou do bolso um caquinho de vidro azulado e disse com seriedade:

— Isto. Podem examinar.

O pedacinho de vidro andou de mão em mão; olharam todos por ele para a luz e concordaram em que não seria fácil encontrar outro tão ordinário!

Dr. Braga explicou:

— Pois, minhas senhoras e senhores, isto não é um simples amuleto, mas um talismã.

— Ainda há disso?!

— Há. Este chama-se o olho da tolerância. Infelizmente, para se ver bem por ele é preciso ter-se passado dos quarenta anos, ter-se gasto o bestunto em muitas observações e curvado a cabeça a duras exigências da sorte... O olho da tolerância, antes de censurar ou de punir a culpa, penetra-lhe a causa, mais disposto a absolve-la que a castigá-la... Tem a consciência da fragilidade da alma. Antigamente eu sentia como um romancista filósofo que disse: "plus j'aime l'humanité, plus je déteste l'individu." Hoje não; o indivíduo delinqüente é para mim um irmão fraco que devo amar de preferência, porque todas as suas impurezas são conseqüentes de males, de cuja origem não é só ele o responsável. O olho da tolerância acalma o sistema nervoso e exercita o coração na prática do bem. Quando me sinto arrastar pela indignação ou a cólera contra alguém, respiro com força, saco deste caquinho, domino-me, e, para abater o ímpeto, olho através do vidro, reflito, e uma grande piedade vem substituir o meu primeiro movimento de fúria. Ah! Minhas senhoras, é que não há nada como a tolerância para dar repouso à inquietação das almas!

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).

Neiva Fernandes (Primavera Colorida)


Primavera vem chegando,
com ela novos amores;
as rosas desabrochando
no jardim cheio de flores.

Quando chega a primavera,
o jardim fica florido;
encanto de uma quimera
deixa tudo colorido.

Primavera é estação
de temperatura amena;
enriquece o coração
com inspiração serena.

Primavera dos amores,
das poesias e do canto;
recanto dos trovadores
que fazem da vida o encanto.

Primavera sempre amiga
antes do verão chegar;
com ternura e com cantiga,
nos convida a passear.

Fonte:
Antonio Manoel Abreu Sardenberg (Poesias em Quatro Estações III)
http://www.sardenbergpoesias.com.br/aniversario_2008/primavera/primavera.htm

Jane Tutikian (Helena)


Eu queria querer-te e amar o amor, construirmos
dulcíssima prisão
E encontrar a mais justa adequação, tudo métrica
e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés, e vê só que cilada o
amor me armou
E te quero e não queres como sou, não te quero e
não queres como és
Ah, bruta flor do querer, ah, bruta flor, bruta flor.
Caetano Veloso

Acordei abstrata e acordar abstrata é sempre mau sinal. Um sentimento de nada e de tudo. De cores e de sombras. De formas e de insinuações. Acordei abstrata como um quadro atirado em qualquer canto de uma parede qualquer. E nova, tão nova como a reprodução vulgar de um velho quadro de Kandinski.

Acordei abstrata, esta é a questão. E, acordar abstrata é estar num meio do caminho e ficar deformando tudo, tornando muito mais grave e muito mais solene o que nem é tanto assim, mas. Também rindo meio boba de que, afinal, o que é nem é tanto assim.

É que depois do vinho barato de ontem e da náusea de hoje, percebi o que há muito sei: que não sei jogar e que não vou jogar este teu jogo maluco de quero não quero, porque simplesmente quero e não sei jogar.

Afasto as cobertas com os pés, sento na borda da cama e olho pela janela do quarto do hotel, lá embaixo, um pedaço de mar azul sob um céu azul e um sol quente. Vez que outra, passa um vulto, às vezes um vulto, uma sombra e um cachorro. Olho e não olho. Sinto e não sinto. É a recaída, penso.

O telefone te coloca ao meu alcance, mas o gosto do vinho barato de ontem e o mormaço do dia, e o quadro do Kandinski encostado na parede, e o jogo, sempre o jogo... Já disse que acordei abstrata e acordar abstrata é também um simples não. Um não querer um vazio assim: seco, indolor, um baço assim: meio cego, meio mórbido, cercado pela idéia modorrenta de um dia modorrento numa vida modorrenta.

Da janela do quarto de hotel, neste dia que seria outro, se não tivesse acordado abstrata, penso que acordar abstrata é.

Talvez aceitar.

Voilà! Penso com certo desprezo de mim que, de novo, Helena começa a ceder.

- Mas, se hei de ceder, que seja com elegância e, sobretudo, que seja com muito humor! - Digo com o resto de dignidade que resta em mim.

Sentada na cama, em frente à janela do quarto de hotel, neste dia em que acordei abstrata, desejo, profundamente, desejo, feito vingança mesquinha, desejo que estejas sofrendo a minha ausência, e quero que doa. Ah! Como quero que doa! E acendo um cigarro, na náusea do vinho barato de ontem e, vil, da vileza mais torpe e mais faceira, quero que minha ausência, em ti, doa.

Não! Não é por cobrar nada, não é por pagar nada, é apenas porque, querendo ou não, eu aprendi que com dor se aprende. Queria apenas te mostrar que o momento-agora é inadiável, porque ele é único e sagrado, e que o infinito é cercado de finitude por todos os lados, de pequenas finitudes de que somos feitos, tu, eu, nós, nossas expectativas, nossos sucessos e nossos fracassos.

Queria que pudesses sentir como eu, agora, a brevidade da fumaça do meu cigarro contra a janela do mundo modorrento do quarto de hotel. É assim, eu te diria, a brevidade da fumaça que somos.

Queria te mostrar, como nos vincos de um origami, os nossos ritos imperfeitos, quase imperceptíveis, de passagem, as nossas pequenas e quotidianas perdas, os nossos pequenos e quotidianos ganhos. Era outra quando acordei abstrata. Serei outra quando daqui-a-pouco-agora, abstrata, tomar consciência de que sou também passado.

Não vou mais aceitar quando me disseres que o teu amor é eterno e o meu é passageiro. É que a eternidade é em si. E eu queria que tu pensasses que a eternidade é em si. Que eterno é o momento do vulto que passou ainda há pouco na beira da praia e, depois, eternos o vulto, a sombra e o cachorro. Eterno é eu olhar pela janela, é esta tragada de cigarro, é esta fumaça jogada no nada. Isso é eterno!, porque a eternidade habita cada isso, cada tudo, cada alguém.

Meu amor é eterno e urgente.

O teu?

O teu é coisa escondida atrás da eternidade. Não! O teu é coisa que te esconde atrás da eternidade.

Pois então, eu me digo despeitada e impotente:

- Que a minha ausência te doa! Que a eternidade te queime! Mas. Que o teu amor me procure. - E fecho os olhos e cruzo os dedos e tivesse mesa neste quarto tão pequeno de hotel e eu me meteria embaixo dela, feito criança teimosa, e feito criança teimosa bateria com a cabeça três vezes e pediria e imploraria e choraria que o teu amor me procure que o teu amor me procure que o teu amor me procure e.

Pensas que vais me encontrar largada num quarto qualquer de um hotel qualquer, dormindo de meias verdes quaisquer e de abrigo cinza qualquer?

Não!

Vou estar l-i-n-d-a quando chegares. vou ficar em dúvida sobre a cor da camisola, talvez vermelha, talvez preta, e vou deixar os cabelos presos à nuca, repartidos do lado para dar um ar de mocinha, ainda que depassée, e, vagabunda fina, vou perfumar o pescoço, os seios, os pulsos, as coxas e o sexo com Paloma Picasso. E vou usar um batom bordô bordel. E vou estar vampiresca, carnavalesca, rocambolesca e rindo muito e rindo alto, bêbada de um vinho barato e cheirando a cigarro barato, só para te assustar.

Tens medo de mi-iiiiiiiiiiiiiiiiimmmmmmmmmmmmm!!! Ah! Mas que maior medo terias se me visses assim: tão abstrata. Beeeeeeeeeemmmmmmmmmmm feito que tens medo de mim! Bem feito! Bem feito que tens medo de mim e me recusas.

Olha, mas olha me vendo: é que sou ar e não és mais do que raiz. É que sou fogo e não és mais do que chão pisado. É que sou penhasco e és apenas fenda. É que sou fronteira e tu, continuação. Ad infinitum: empobrecedora e repetitiva continuação empobrecedora e repetitiva continuação empobrecedora e.

Tens medo de mim?

Eu tenho pena de ti, que olhas e não vês. Que vives e não sentes. Que mentes e acreditas. Que amas e não sabes.

Tens pena de mim?

Eu tenho medo de ti, feito Carolina na janela, a deixar que a minha vida e que a tua vida passem e caiam no vácuo do nada.

Está bem...

É que acordei abstrata e, quando acordo abstrata, num quarto de hotel, com uma reprodução vulgar de um quadro de Kandinski atirada ao chão, quando acordo abstrata num quarto barato de um hotel barato, gosto amargo na boca, quero minha cabeça no teu colo, tua boca nos meus cabelos, teu abraço me fazendo berço, teu silêncio me dizendo que estás aqui, que sempre estiveste, que sempre estarás, quero tua maior mentira: a que sou eu.

- Voilà! Helena em processo de sujeição - me digo irônica e dolorida. De puro medo de te magoar, fico sempre tão delicadamente imóvel e leve que penso ser capaz de pousar no peito de uma borboleta branca. - Voilà, apenas voilà! - quando não há mais palavras possíveis: - Voilà!

Abstrata, neste dia modorrento, numa janela de mar, de sol e de vultos, descubro que, a despeito de tudo, quero a paz suave e generosa de um pouso feito acolhida numa borboleta branca. Fecho os olhos, vejo, cheiro, toco, ouço, quero ficar assim:

apenas sentindo:
eupousadaemti,tupousadoemmim.

E porque quero, pego o telefone que te coloca ao meu alcance, e ligo. Ouço o sinal de ocupado. Tento de novo, de novo, de novo.

Fonte:
http://www.janetutikian.com/?pg=4108

Jane Tutikian (1952)


Pós-doutora em Literatura, professora de Literatura e Diretora do Instituto de Letras da UFRGS. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras e tem participação em dezenas de antologias e livros organizados e traduzidos para o inglês e o espanhol.

1952
• Maio, 05, nasce Jane Tutikian, filha de José Trindade Fraga e Doralice da Silva Fraga, em Porto Alegre.

1959
• Frequenta o Instituto de Educação General Flores da Cunha, onde cursa o primário e o ginásio.

1962
• Escreve seus primeiros textos: poesias.

1968
• Matricula-se no clássico, no Colégio Júlio de Castilhos.

1970
• Eleita Miss Porto Alegre e Primeira Princesa do Rio Grande do Sul.
• Ingressa no Curso de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
• Participa do "I Laboratório de Criatividade Literária da UFRGS", coordenado por Lígia Averbuck.
• Recebe a cidadania do Estado de Indiana-USA.
• Recebe a cidadania da cidade Brazil- USA

1974
• Janeiro,05.Casa-se com o advogado Edemar Morel Tutikian.
• Março,24. Publica seu primeiro texto, "Batalha naval", no "Caderno de Sábado" do Correio do Povo, passando a colaboradora.
• Dezembro,22. Conclui o curso de Graduação em Letras, na UFRGS.
• Ingressa no Mestrado em Literatura, na UFRGS.
• Novembro,11.Nasce seu primeiro filho: Cristiano.

1976
• Passa a colaboradora do suplemento "Mulher", da Folha da Tarde.

1977
• Obtém o título de Mestre em Literaturas de Língua Portuguesa, pela UFRGS.
• Novembro,27. Nasce sua filha: Fernanda.

1978
• Recebe o "Destaque- Prêmio Apesul Revelação Literária.

1980
• Ingressa na Rede Pública Estadual como professora.

1981
• Publica Batalha Naval.
• Recebe Menção Especial no I Concurso de Contos de São Bernardo do Campo.

1984
• Publica A cor do azul
• Recebe Menção Honrosa da Fundação Nacional do Livro Infantil e juvenil.
• Recebe o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro.

1985
• Eleita Diretora da E.E. Roque Gonzáles.
• Participa da antologia Rodízio de Contos.

1987
• Publica Pessoas.
• Recebe o Prêmio Érico Veríssimo da Câmara Municipal de Porto Alegre

1988
• Reeleita Diretora da E.E. Roque Gonzáles.

1989
• Coordena a Comunicação Social da 1ª Delegacia de Educação.

1990
• Publica Geração Traída.
• Recebe o Prêmio Gralha Azul de Literatura Brasileira da Assembléia Legislativa do Estado do Paraná.

1991
• Passa a lecionar literatura no Instituto de Letras da UFRGS.

1994
• Publica Um time muito especial.
• Recebe o Prêmio Tibicuera de Literatura Infanto-Juvenil da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre.
• Recebe o Prêmio Tibicuera Livro do Ano de Literatura Infanto-Juvenil da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre.

1995
• Ingressa no Curso de Doutorado em Literatura Comparada na UFRGS.

1997
• Participa das antologias Contos e cidade e O autor presente- Literatura Gaúcha.

1998
• Participa da Antologia Crítica do Conto Gaúcho.
Obtém o título de Doutora em Literatura Comparada pela UFRGS.

1999
• Publica O sentido das Estações.
• Publica Inquietos Olhares.
• É objeto do fascículo Autores Gaúchos, nº3, do Instituto Estadual do Livro.

2000
• Publica Alê, Marcelo, Ju & eu.
• Participa da antologia bilíngüe -português e espanhol - Contos sem fronteiras

2001
• Participa da antologia Brasil: receitas de criar e cozinhar.
• Assume a cadeira nº 39 na Academia Literária Feminina do RS.
• Recebe o Prêmio Açorianos, categoria infanto-juvenil, da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre.

2002
• Publica A rua dos secretos amores.
• Publica Aconteceu também comigo.
• Participa da antologia Presença literária 2002.
• Participa da antologia Autor presente: 30 anos.
• Assume a Vice-presidência da Associação Gaúcha de Escritores.
• É patrona da Feira do Livro de Gramado.
• Dá nome à Biblioteca da Escola Edvino Bervian, de Morro Reuter.

2003
• Publica JF e a conquista de "Niu Ei".
• É um dos dez nomes indicados para Patrono da 49ª Feira do Livro de Porto Alegre.
• Participa da antologia Presença Literária 2003.
• Participa da antologia 35 melhores contos do Rio Grande do Sul.

2004
• Prêmio Livro do Ano AGES - categoria infanto-juvenil
• Prêmio O Sul - Nacional e os Livros
• Participa da antologia Paz um vôo possível
Figura entre os 10 “patronáveis” da Feira do Livro de Porto Alegre

2005
• Publica Entre Mulheres (contos de amor aprendiz) , pela WS
• Participa da antologia Contos de bolso, uma antologia de mini-contos, da Casa Verde
• Figura entre os 10 “patronáveis” da Feira do Livro de Porto Alegre

2006
• Lança Olhos azuis coração vermelho (novela infanto-juvenil) pela Artes & Ofícios.
• Participa da antologia Contos de bolsa, da Casa Verde.
• Participa da antologia Este seu olhar, publicada pela Editora Moderna.
• Publica Velhas identidades novas (ensaios)., pela Sagra Luzzatto, resultado de seu Pós- Doutorado em Literatura, realizado na PUCRS.
• Inicia a organização das obras completas de Fernando Pessoa pela L&PM, tendo editado, neste ano: Mensagem, a obra de Caeiro, Campos e Ricardo Reis.
• Organiza para a Leitura XXI a antologia poética de Fernando Pessoa.
• É Patrona XVII Feira do Livro de Dois Irmãos.

2007
• Publica Fica Ficando (novela infanto-juvenil) pela Edelbra.
• Finalista do Açorianos com Fica Ficando
• Organiza para a L&PM o Cancioneiro de Fernando Pessoa.
• Organiza, com Assis Brasil, o livro de ensaios Mar Horizonte, publicado pela PUCRS
• Luciana Éboli adapta,dirige e atua com Maninha Pedroso peça baseada em Fica Ficando.
• Recebe o prêmio Nacional O Sul por incentivo à literatura.
• É homenageada pela Feira do Livro de Caçapava do Sul.
• É Patrona da Feira do Livro de Triunfo.
• Figura entre os 10 “patronáveis” da Feira do Livro de Porto Alegre

2008
• Patrona da Feira do Livro de Camaquã
• Organiza para a L&PM a leitura comentada de Os Lusíadas.

2009
• Assume a Direção do Instituto de Letras da Univeraidade Federal do Rio Grande do Sul
• Assume a cadeira n. 35 da Academia Rio-grandense de letras
• Nasce a sua neta Maria Eduarda, filha da Fernanda e do Jeferson
• Participa da antologia Um rio de contos, publicada em Portugal pela Editorial Tágide
• Participa da antologia The Brazilian Short Story in The Late Twentieth Century, publicada nos EUA pela The Edwin Mellen Press
• Lança Por que não agora? , novela Infanto-juvenil, pela Edelbra

2010
• Ganha o Prêmio Ages Livro do Ano - categoria Infanto-juvenil pelo livro Por que não agora?
• É eleita Vice-Presidente da Associação Internacional de Professores de Literaturas Africanas
• Convidada pelo Governo Português para as comemorações dos cem anos de República de Portugal.
• Nasce o seu neto Eduardo, filho do Cristiano e da Priscila.
• Figura entre os 5 patronáveis da Feira do Livro de Porto Alegre.
• Patrona da Feira do Livro de Guaíba

2011
• Tem conto publicado na antologia Literatura Brasileira em. Tradução, publicada pela Ellipse & creators/ artistes, no Canadá.
• Primeira mulher do séc. XXI e quarta dos 57 anos de história a ser escolhida Patrona da Feira do Livro de Porto Alegre
• Lança antologia de contos comemorativa aos 30 anos de carreira: Coisa Viva, pela Território das Letras

Obras publicadas

Batalha Naval (contos). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981. Porto Alegre: Movimento, 2003. 2ª ed.
A Cor do Azul (novela infanto-juvenil). São Paulo: Atual, 1984. 24ª ed.
Pessoas (contos). Porto Alegre: Movimento, 1987. 2ª ed.
Geração Traída (novela). Porto Alegre: Mercado Aberto, 1990.
Um Time Muito Especial (novela infanto-juvenil). São Paulo: Atual, 1993.14ª ed.
Inquietos Olhares (ensaio). São Paulo: Arte & Ciência, 1999.
O Sentido das Estações (contos). Porto Alegre: Movimento, 1999.
Alê, Marcelo, Ju & eu (novela infanto-juvenil). Porto Alegre: WS, 2000. 4ª ed.
A rua dos secretos amores (contos). Porto Alegre: WS, 2002. 2ª ed.
Aconteceu também comigo (novela infanto-juvenil). São Paulo: Arte & Ciência, 2002.
J.F. e a conquista de Niu Ei (novela infanto-juvenil). Porto Alegre: WS, 2003. 2ª ed.
Entre Mulheres (contos de amor aprendiz). Porto Alegre: WS, 2005.
Olhos azuis coração vermelho (novela infanto-juvenil). Porto Alegre: Artes & Ofícios, 2005.
Velhas identidades novas (ensaios). Porto Alegre, Sagra Luzzatto, 2006.
Fica Ficando (novela infanto-juvenil). Erechim: Edelbra, 2007.
Por que não agora? (novela infanto-juvenil). Erechim: Edelbra, 2009.

Fontes:
http://www.feiradolivro-poa.com.br/
http://www.janetutikian.com/?pg=4102

Cruz e Souza (O Livro Derradeiro) Parte V


[ESTAS RISADAS]

Estas risadas límpidas e frescas
Que Pan trauteia em cálamos maviosos
Nesta amplidão dos campos verdurosos,
Nestas paisagens flóreas, pitorescas;

Toda esta pompa e gala principescas
Destas searas, destes altanosos
Montes e várzeas, prados vigorosos,
Louros -- talvez como as visões tudescas;

Este luxuoso e rico paramento,
Feito de luz e de deslumbramento
-- Do grande altar da natureza imensa.

Aguarda o poeta sacerdote augusto,
Para cantar no seu missal robusto,
A nova Missa da razão que pensa...

AOS MORTOS

Oh! não é bom rir-se de um morto -- brusca
Pois deve ser a sensação que aumenta
Desoladora, vagarosa, lenta
Da negra morte tétrica velhusca...

Tudo que em vida, como um sol, corusca,
Que nos aquece, que nos acalenta,
Tudo que a dor e a lágrima afugenta,
O olhar da morte nos apaga e ofusca...

Nunca se deve desprezar os mortos...
Nos regelados e sombrios portos,
Onde a matéria se transforma e urge

Exuberar na planturosa leiva,
Vivem os mortos no vigor da seiva,
Porque dão vida ao que da vida surge!...

LUAR

Pelas esferas, nuvens peregrinas,
Brandas de toques, encaracoladas,
Passam de longe, tímidas, nevadas,
Cruzando o azul sereno das colinas.

Sombras da tarde, sombras vespertinas
Como escumilhas leves, delicadas,
Caem da serra oblonga nas quebradas,
Vão penumbrando as coisas cristalinas.

Rasga o silêncio a nota chã, plangente,
Da Ave-Maria, -- e então, nervosamente,
Nuns inefáveis, espontâneos jorros

Esbate o luar, de forma admirável,
Claro, bondoso, elétrico, saudável,
Na curvilínea compridão dos mortos.

MOCIDADE

Ah! esta mocidade! -- Quem é moço
Sente vibrar a febre enlouquecida
Das ilusões, da crença mais florida
Na muscular artéria de Colosso...

Das incertezas nunca mede o poço...
Asas abertas -- na amplidão da vida,
Páramo a dentro -- de cabeça erguida,
Vê do futuro o mais alegre esboço...

Chega a velhice, a neve das idades
E quem foi moço, volve, com saudades,
Do azul passado, o fulgido compêndio...

Ai! esta mocidade palpitante,
Lembra um inseto de ouro, rutilante,
Em derredor das chamas de um incêndio!

SONETO

Vão-se de todo os pardacentos nimbos...
Chovem da luz as nítidas faíscas
E no esplendor de irradiações mouriscas,
Abrem-se as flores em gentis corimbos.

Muito mais lestas do que amigos fimbos,
Do Azul cortando as bordaduras priscas,
Pombas do mato esvoaçando, ariscas,
Do céu se perdem nos profundos limbos.

A natureza pulsa como a forja...
Pássaros vibram no clarim da gorja,
As retumbantes, fortes clarinadas.

A grande artéria dos assombros pula...
E do oxigênio, a força que regula
Enche os pulmões a largas baforadas.

NA FONTE

Bem ao lado da gruta a fonte corre
Trepidamente, as águas encrespando,
Em murmúrios crebos, levantando
Uns chamalotes prateados -- morre

No monte o sol que a luz no oceano escorre
E ainda eu vejo, as sombras afrontando,
Uma mulher que lava, mesmo quando
O sol mais rubro, mais vermelho jorre.

-- É num sítio afastado, um sítio ermo...
Pássaros cortam vastidões sem termo,
Borboletas azuis roçam nas águas.

-- E a mulher lava, enrubescida a face;
Lava, cantando, como se lavasse
As suas tristes e profundas mágoas.

[SONETO]

A fonte de águas cristalinas corre
Chamalotes de prata levantando,
E através de arvoredos murmurando,
Entre arvoredos murmurando morre...

No ocaso, o sol, a luz no oceano escorre
E sempre vejo, as sombras afrontando,
Uma mulher que canta e ri, lavando,
Mesmo que o sol muito abrasado jorre.

É verde o campo, deleitável e ermo.
Pássaros cortam vastidões sem termo,
Borboletas azuis roçam nas águas.

E cantando, a mulher, a rir a face,
Lava cantando como se lavasse
As suas grandes e profundas mágoas.

CEGA

Parece-me que a luz imaculada
Que vem do teu olhar, todo doçuras,
Não verte no meu ser aquelas puras
Delícias de outra era já passada.

Eu creio que essa pálpebra adorada
Não mais um flóreo empíreo de venturas
Descobre-me -- na noite de amarguras,
De dúvidas intérminas cortada.

Não olhas como olhavas, rindo, outrora,
Não abres a pupila, como a aurora
Nascendo, abre, feliz, radiosa e calma.

A sombra, nos teus olhos, funda, existe!...
Tu'alma deve ser bem negra e triste
Se os olhos são, decerto, o espelho d’alma.

ERMIDA

Lá onde a calma e a placidez existe,
Sobre as colinas que o vergel encobre,
Aquela ermida como está tão pobre,
Aquela ermida como está tão triste.

A minha musa, sem falar, assiste,
Do meio-dia ante o aspecto nobre,
O vago, estranho e murmurante dobre
Daquela ermida que aos trovões resiste

E as gargalhadas funéreas, sombrias,
Dos crus invernos e das ventanias,
Do temporal desolador e forte.

Daquela triste esbranquiçada ermida,
Que me recorda, me parece a vida
Jogada às magoas e ilusões da sorte.

ÁGUA-FORTE

Do firmamento azul e curvilíneo
Cai, fecundando as trêmulas raízes
Dos laranjais, dos pâmpanos, das lizes,
A luz do sol procriador, sanguíneo.

Pelo caminho agreste e retilíneo,
Da tarde aos brandos, triunfais matizes,
A criançada, a chusma dos felizes,
Esse de auroras perfumado escrínio,

Volta da escola, rindo muito, aos saltos,
Trepando, em bulha, aos árvoredos altos
Enquanto o sol desce os outeiros longos...

Vai dentre alados madrigais risonhos,
Do abecedário juvenil dos sonhos,
A soletrar os principais ditongos.

ALMA QUE CHORA

A João Saldanha

Em vão do Cristo aos olhos dulçurosos
Onde há o sol do bem e da verdade,
Cheios da luz eterna de saudade,
Como dois mansos corações piedosos,

Em vão do Cristo os olhos lacrimosos
E aquela doce e pura suavidade
Do seu semblante, casto, de bondade,
Cor do luar dos sonhos venturosos,

Servem de exemplo a dor escruciante
Que te apunhala e fere a cada instante,
A punhaladas ríspidas, austeras!

Viste partir a tua irmã, se, viste,
Como num céu enévoado e triste
O bando azul das fúlgidas quimeras...

CHUVA DE OURO

A Rainha desceu do Capitólio
Agora mesmo -- vede-lhe o regaço...
Como tem flores, como traz o braço
Farto de jóias, como pisa o sólio

Triunfantemente, numa unção, num óleo
Mais santo e doce que essa luz do espaço...
E como desce com bravura de aço...
Pois se a Rainha, como um rico espólio,

O seu brioso coração foi dando
Aos pobrezinhos, que inda estão gozando
Bênçãos mais puras qu'os clarões diurnos,

Por certo que há de vir descendo a escada
Do Capitólio da virtude -- olhada
Pelos Albergues infantis, noturnos!

PRIMAVERA A FORA

Escute, excelentíssima: -- Que aragens
Traz do árvoredo a fresca romaria;
Como este sol é rubro de alegria,
Que tons de luz nas límpidas paisagens.

Pois beba este ar e goze estas viagens
Das brancas aves, sinta esta harmonia
Da natureza e deste alegre dia
Que resplandece e ri-se nas ervagens.

Deixe lá fora estrangular-se o mundo...
Encare o céu e veja este fecundo
Chão que produz e que germina as flores.

Vamos, senhora, o braço à primavera,
E numa doce música sincera,
Cante a balada eterna dos amores...

Fonte:
Cruz e Sousa, Poesia Completa, org. de Zahidé Muzart, Florianópolis: Fundação Catarinense de Cultura / Fundação Banco do Brasil, 1993.

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) Cap. III


III
No palácio

O príncipe consultou o relógio.

— Estou na hora da audiência — murmurou. — Vamos depressa, que tenho muitos casos a atender.

Lá se foram. Entraram diretamente para a sala do trono, no qual a menina se sentou a seu lado, como se fosse uma princesa. Linda sala! Toda dum coral cor de leite, franjadinho como musgo e penduradinho de pingentes de pérola, que tremiam ao menor sopro.

O chão, de nácar furta-cor, era tão liso que Emília escorregou três vezes.

O príncipe deu o sinal de audiência batendo com uma grande pérola negra numa concha sonora. O mordomo introduziu os primeiros queixosos. Um bando de moluscos nus que tiritavam de frio. Vinham queixar-se dos Bernardos Eremitas.

— Quem são esses Bernardos? — indagou a menina.

— São uns caranguejos que têm o mau costume de se apropriarem das conchas destes pobres moluscos, deixando-os em carne viva no mar. Os piores ladrões que temos aqui.

O príncipe resolveu o caso mandando dar uma concha nova a cada molusco.

Depois apareceu uma ostra a se queixar dum caranguejo que lhe havia furtado a pérola.

— Era uma pérola ainda novinha e tão galante! — disse a ostra, enxugando as lágrimas. — Ele raptou-a só de mau, porque os caranguejos não se alimentam de pérolas, nem as usam como jóias. Com certeza já a largou por aí nas areias...

O príncipe resolveu o caso mandando dar à ostra uma pérola nova do mesmo tamanho.

Nisto surgiu na sala, muito apressada e aflita, uma baratinha de mantilha, que foi abrindo caminho por entre os bichos até alcançar o príncipe.

— A senhora por aqui? — exclamou este, admirado. – Que deseja?

— Ando atrás do Pequeno Polegar — respondeu a velha. – Há duas semanas que fugiu do livro onde mora e não o encontro em parte nenhuma. Já percorri todos os reinos encantados sem descobrir o menor sinal dele.

— Quem é esta velha? — perguntou a menina ao ouvido do príncipe. — Parece que a conheço...

— Com certeza, pois não há menina que não conheça a célebre Dona Carochinha das histórias, a baratinha mais famosa do mundo.

E voltando-se para a velha:

— Ignoro se o Pequeno Polegar anda aqui pelo meu reino. Não o vi, nem tive notícias dele, mas a senhora pode procurá-lo. Não faça cerimônia...

— Por que ele fugiu? — indagou a menina.

— Não sei — respondeu dona Carochinha — mas tenho notado que muitos dos personagens das minhas histórias já andam aborrecidos de viverem toda a vida presos dentro delas. Querem novidade. Falam em correr mundo a fim de se meterem em novas aventuras. Aladino queixa-se de que sua lâmpada maravilhosa está enferrujando. A Bela Adormecida tem vontade de espetar o dedo noutra roca para dormir outros cem anos. O Gato de Botas brigou com o marquês de Carabás e quer ir para os Estados Unidos visitar o Gato Félix. Branca de Neve vive falando em tingir os cabelos de preto e botar ruge na cara. Andam todos revoltados, dando-me um trabalhão para contê-los. Mas o pior é que ameaçam fugir, e o Pequeno Polegar já deu o exemplo.

Narizinho gostou tanto daquela revolta que chegou a bater palmas de alegria, na esperança de ainda encontrar pelo seu caminho algum daqueles queridos personagens.

— Tudo isso — continuou dona Carochinha — por causa do Pinóquio, do Gato Félix e sobretudo de uma tal menina do narizinho arrebitado que todos desejam muito conhecer. Ando até desconfiada que foi essa diabinha quem desencaminhou Polegar, aconselhando-o a fugir.

O coração de Narizinho bateu apressado.

— Mas a senhora conhece essa tal menina? — perguntou, tapando o nariz com medo de ser reconhecida.

— Não a conheço — respondeu a velha — mas sei que mora numa casinha branca, em companhia de duas velhas corocas.

Ah, por que foi dizer aquilo? Ouvindo chamar dona Benta de velha coroca, Narizinho perdeu as estribeiras.

— Dobre a língua! — gritou vermelha de cólera. — Velha coroca é vosmecê, e tão implicante que ninguém mais quer saber das suas histórias emboloradas. A menina do narizinho arrebitado sou eu, mas fique sabendo que é mentira que eu haja desencaminhado o Pequeno Polegar, aconselhando-o a fugir. Nunca tive essa “bela idéia”, mas agora vou aconselhá-lo, a ele e a todos os mais, a fugirem dos seus livros bolorentos, sabe?

A velha, furiosa, ameaçou-a de lhe desarrebitar o nariz da primeira vez em que a encontrasse sozinha.

— E eu arrebitarei o seu, está ouvindo? Chamar vovó de coroca! Que desaforo!...

Dona Carochinha botou-lhe a língua. uma língua muito magra e seca. e retirou-se furiosa da vida, a resmungar que nem uma negra beiçuda.

O príncipe respirou de alívio ao ver o incidente terminado.

Depois encerrou a audiência e disse ao primeiro-ministro:

— Mande convite a todos os nobres da corte para a grande festa que vou dar amanhã em honra à nossa distinta visitante. E diga a mestre Camarão que ponha o coche de gala para um passeio pelo fundo do mar. Já.
–––––––
continua…

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa

57a. Feira do Livro de Porto Alegre


A Feira do Livro de Porto Alegre, promovida pela Câmara Rio-Grandense do Livro, e que já tem espaço reservado na agenda dos gaúchos a cada primavera, chega a sua 57ª edição com a expectativa de receber mais de 1.7 milhão de visitantes. Ocupará, mais uma vez, a já tradicional área da Praça da Alfândega,estendendo-se até o Cais do Porto, entre os dias 28 de outubro e 15 de novembro. Maior evento do mercado livreiro das Américas a céu aberto e com entrada franca, recebe autores e convidados de vários outros estados e países.

Serão cerca de 700 sessões de autógrafos, aproximadamente 200 palestras e debates, 400 encontros com autores, saraus, contações de histórias e outras atividades específicas para os públicos infantil e juvenil, principalmente alunos de escolas do ensino fundamental e da educação infantil, além da EJA. A intensa e diversificada programação também contará com seminários, oficinas, apresentações artísticas, exibições de filmes e a inauguração da biblioteca infantil Moacyr Scliar, em homenagem ao escrito gaúcho falecido este ano.

A principal novidade desta edição é a inclusão dos Dias Temáticos na programação. Diariamente, um tema diferente será abordado em, pelo menos, uma atividade na programação para adultos e em outra na Àrea Infantil e Juvenil. Os temas escolhidos são: Biblioteca; Livro e Leitura; Suspense; Literatura de Terror; Viagens; Cinema; Humor; Cultura Popular; Conto; Gastronomia; Afrodescendência; História; Antropologia; Corpo/Saúde/Erotismo; América Latina; Direitos Humanos e Acessibilidade; Dia Mundial da Gentileza; Ecologia e Comunicação.

Em 2010, a Feira do Livro foi reconhecida como patrimônio imaterial da cidade pela Secretaria Municipal da Cultura. Em 2006, já havia recebido a medalha da Ordem do Mérito Cultural, concedida pela Presidência da República, que reconheceu o evento como um dos mais importantes do Brasil.

HISTÓRICO

Realizada de forma ininterrupta há 57 anos, a Feira do Livro de Porto Alegre nasceu quando um grupo de livreiros, intelectuais e jornalistas organizou a primeira edição com o lema “Se o povo não vem à livraria, vamos levar a livraria ao povo”.

Considerada a maior feira de livros realizada a céu aberto nas Américas e uma das mais antigas do país, a Feira do Livro de Porto Alegre foi idealizada pelo jornalista Say Marques, diretor-secretário do Diário de Notícias. Inspirado por uma feira que visitara na Cinelândia no Rio de Janeiro, Marques convenceu livreiros e editores da cidade a participarem do evento. O objetivo era popularizar o livro, movimentando o mercado e oferecendo descontos atrativos. Na época, as livrarias eram consideradas elitistas, fato que motivou o lema dos fundadores e organizadores da primeira edição.

A Praça da Alfândega era um local muito movimentado nos anos 50, quando Porto Alegre tinha cerca de 400 mil habitantes. Assim, no dia 16 de novembro de 1955, era inaugurada a 1ª Feira do Livro, com 14 barracas de madeira instaladas em torno do monumento ao General Osório.

Na segunda edição do evento, foram iniciadas as sessões de autógrafos. Na terceira, passaram a ser vendidas coleções pelo sistema de crediário. Nos anos 70, a Feira assumiu o status de evento popular, com o início da programação cultural. A partir de 1980, foi admitida a venda de livros usados.

Foi nos anos 90 que a Feira ampliou-se, obrigando os seus visitantes a algumas voltas a mais, com um número maior de barracas e o uso de novos espaços, incorporando a suas atividades encontros com autores, além dos tradicionais autógrafos. Em 94, algumas alamedas ganharam cobertura pois é histórica a relação da Feira com a chuva. No ano seguinte, 1996, a Feira passou por um processo de profissionalização graças à possibilidade de se captar patrocínios através da Lei Nacional de Apoio à Cultura (Lei Rouanet), e foi criado um espaço para as crianças.

A Feira tem acompanhado a transformação e internacionalização da cidade de Porto Alegre, que passou a receber grandes festivais e exposições (como o Porto Alegre em Cena e a Bienal do Mercosul).

No inicio dos anos 2000, a partir de conquistas na área do patrimônio e criação de novos centros culturais no entorno da Praça da Alfândega (como o Santander Cultural e o Centro Cultural CEEE Erico Verissimo, além dos já existentes Museu de Arte do RS Ado Malagoli - Margs e Memorial do RS), a programação cultural da Feira do Livro cresceu em número de autores participantes e público visitante.

Em 2006, a Feira foi reconhecida pela Presidência da República como um dos eventos mais importantes do país e, em 2010, como patrimônio imaterial da Cidade de Porto Alegre pela Secretaria Municipal da Cultura.

PATRONO

Jane Tutikian

A revelação do nome da quarta mulher na história da Feira a ocupar este posto ocorreu em café da manhã nesta terça-feira (27) no Moeda Bar e Restaurante, do Santander Cultural

“Mulheres, cheguei!” Com esta frase vitoriosa e bem humorada a escritora Jane Tutikian recebeu o anúncio de seu nome como Patrona da 57ª Feira do Livro de Porto Alegre. O patrono da 56ª Feira do Livro de Porto Alegre, Paixão Côrtes, e os antecessores Alcy Cheiuche (52ª) e Walter Galvani (49ª) participaram do momento solene da revelação. O presidente da Câmara Rio-Grandense do Livro (CRL), João Carneiro, retirou o envelope e avisou: “A Feira do Livro deste ano não tem Patrono”. A plateia, composta por representantes da CRL, autoridades, imprensa e convidados, fixou os olhos na única mulher posicionada entre os outros três patronáveis, Luiz Coronel, Airton Ortiz e Celso Gutfreind.

Emocionada, a professora de Literatura que há três décadas se dedica aos livros, declarou: “Escrever é uma boa forma de estar entre as pessoas. E não tem forma melhor ainda de estar entre as pessoas do que na Feira do Livro, na ‘feira do povo’.”

E, de fato, a Câmara trabalha para envolver cada vez mais a população nesta que é a maior feira de livros a céu aberto das Américas. Para esta edição, a entidade proporcionou o voto dos leitores sugerindo a livreiros que abrissem seu voto em favor da participação de seus clientes. Além da comunidade, votaram ex-presidentes, associados da Câmara, patronos anteriores, representantes do Conselho Estadual de Cultura e do Conselho Estadual de Educação, titulares de entidades vinculadas ao livro, autoridades, reitores de universidades, representantes dos patrocinadores e apoiadores.

Jane Tutikian vence a eleição na sexta vez em que concorre ao posto, 13 anos depois de uma escritora gaúcha receber a mesma homenagem e pouco menos de um ano depois de os brasileiros terem escolhido a sua primeira presidenta. Na história da Feira do Livro, outras três mulheres já figuram na lista de Patronos: Maria Dinorah do Prado (1989), Lya Luft (1996) e Patrícia Bins (1998).

Fonte:
http://www.feiradolivro-poa.com.br/

57a. Feira do Livro de Porto Alegre (Programação de 29 de Outubro, Sábado)


3º Seminário Nacional Redes de Leitura - Leitura, Vida e a Formação do Leitor
29/10/2011 - 09:00

Leitura de trechos de obras de Bartolomeu Campos de Queirós
Grupo escoteiro Guia Lopes do Grêmio Náutico União
29/10/2011 - 09:00

3º Seminário Nacional Redes de Leitura - Leitura, Vida e a Formação do Leitor
29/10/2011 - 09:30

Mesa de Abertura Leitura e Vida
O Monstro Monstruoso e a caverna cavernosa, de Rosana Rios
29/10/2011 - 10:30

Contação de história com Valquíria Cardoso
A Arte Levada a Sério
29/10/2011 - 11:00

A vida de Leon Tolstoi
29/10/2011 - 14:00
O grande escritor russo prossegue sua obra no além

Oficina: Contando histórias para crianças hospitalizadas
29/10/2011 - 14:00
Oficina de contação de histórias em hospitais para crianças e adolescentes. Módulo 1/3

3º Seminário Nacional Redes de Leitura - Leitura, Vida e a Formação do Leitor
29/10/2011 - 14:00
Formando leitores nas comunidades - Compartilhamento experiências de formação do leitor realizadas nas bibliotecas comunitárias

Projeto Conte Mais
29/10/2011 - 14:00

Contação de histórias com as contadoras Gladis Pedersen e Rosiliane Goulart
3º Seminário Nacional Redes de Leitura - Leitura, Vida e a Formação do Leitor
29/10/2011 - 14:00
Formando leitores nas comunidades - Compartilhamento experiências de formação do leitor realizadas nas bibliotecas comunitárias

Show de Trovas e Trovadores
29/10/2011 - 14:00
União Brasileira de Trovadores

Garibaldi, História e Literatura: Perspectivas Internacionais
29/10/2011 - 14:00

A literatura infantil como ferramenta para o desenvolvimento humano
29/10/2011 - 14:30

O hábito da leitura na formação da criança
Tenda.doc: Moacyr Scliar - Palavra de escritor
29/10/2011 - 14:30
Autores contam tudo e mais um pouco

A Saga de Júlio no Parque dos Delírios
29/10/2011 - 14:30

Onde a religião termina?
29/10/2011 - 15:00
Escrito por um ex-padre católico, o livro apresenta uma esclarecedora desconstrução dos fundamentos da crença religiosa

Show de trovas
29/10/2011 - 15:00
Com a União Brasileira de Trovadores

Caravana da Fantasia conta o Patinho Feio
29/10/2011 - 15:00

Teatro Infantil
O Aniversário
29/10/2011 - 15:00

A resolução da palavra
29/10/2011 - 15:30

Reflexão acerca das transformações que as mídias digitais trazem para o universo da leitura e da escrita
Paixão de Primavera
29/10/2011 - 15:30

A vida é breve e passa ao lado
29/10/2011 - 15:30

Três Marias, Três Destinos
29/10/2011 - 15:30

Miramar a Vida e suas sentimentalidades
29/10/2011 - 15:30

Políticas do livro e leitura
29/10/2011 - 16:00

Oficina: Referências Bibliográficas
29/10/2011 - 16:00
Referências bibliográficas: tire suas dúvidas. Módulo 1/2

Memórias de um aprendiz de escritor
29/10/2011 - 16:00
Encenação da crônica "Memórias de um aprendiz de escritor" em uma homenagem a Moacyr Scliar

3º Seminário Nacional Redes de Leitura - Leitura, Vida e a Formação do Leitor
29/10/2011 - 16:00

Painel - Formação do Eu Leitor Bate-papo com personalidades da cidade que se destacam como leitores

Perspectivas Freireanas no Processo de (Trans) Formação de Pedagogos - Tecitura de Olhares acercada Educação a Distância
29/10/2011 - 16:00

Paragens
29/10/2011 - 16:00

Despalavras
29/10/2011 - 16:00

Agenda virArte 2012
29/10/2011 - 16:00

A rua barulhenta
29/10/2011 - 16:00

Mãe de dois
29/10/2011 - 16:30

Desafios e emoções de uma mulher com o dom de gerar outra vida
Veredas da Paz
29/10/2011 - 16:30

Quando o céu madruga estrelas
29/10/2011 - 16:30

Feito pra você
29/10/2011 - 16:30

O livro negro da psicopatologia contemporânea
29/10/2011 - 16:30

Ecos do Planeta
29/10/2011 - 16:30

Onde a Religião Termina?
29/10/2011 - 16:30

Cartas à Família
29/10/2011 - 16:30

Apresentação da biblioteca do clube
29/10/2011 - 17:00

Reunião do Clube dos Editores
Oficina: Design Editorial
29/10/2011 - 17:00
O design do texto, do livro e a tipografia. Módulo 1/3

Enamorados - como Papai e mamãe se apaixonaram
29/10/2011 - 17:00

Teatro Infantil
A Arte Levada a Sério
29/10/2011 - 17:00

Dever de casa
29/10/2011 - 17:00

3º Seminário Nacional Redes de Leitura - Leitura, Vida e a Formação do Leitor
29/10/2011 - 17:30

Sarau de poemas de Bartolomeu Campos de Queirós
Receitas para meus filhos
29/10/2011 - 17:30

A revolução dos nichos: Do big bang à personalização em Massa
29/10/2011 - 17:30

Ao Vento, Sobranceiro
29/10/2011 - 17:30

Mãe de Dois
29/10/2011 - 17:30

O Poeta mais velho do mundo
29/10/2011 - 17:30

A Árvore
29/10/2011 - 17:30

Biblioteca pública - 140 anos
29/10/2011 - 18:00
Painel sobre a história da biblioteca e mostra da obra de restauro do prédio, em comemoração aos 140 anos da Biblioteca Pública do Estado do RS

Bate-papo com a Patrona Jane Tutikian
29/10/2011 - 18:00
Escritora fala sobre sua obra. Convidados fazem leitura de textos

Contos Cantados com Valquíria Cardoso
29/10/2011 - 18:00

Poemas à Flor da Pele Vol 4
29/10/2011 - 18:00

Autores Gaúchos 2011
29/10/2011 - 18:00

Livros e bibliotecas - políticas públicas para o desenvolvimento das bibliotecas
29/10/2011 - 18:30

A importância para o fortalecimento das práticas sociais da leitura no país
Ofícios Antigos de Porto Alegre
29/10/2011 - 18:30

A Fronteira onde Borges Encontra o Brasil
29/10/2011 - 18:30

Elegia à Lesma
29/10/2011 - 18:30

Oficina: Design Editorial
29/10/2011 - 19:00

O livro e a página impressa. Módulo 2/3

Cine Santander Cultural
29/10/2011 - 19:00
Sessão Comentada

2º Seminário Reinações - O fantástico e a literatura infantojuvenil
29/10/2011 - 19:00

Palestra
Médice - A verdadeira história
29/10/2011 - 19:30

Runa, a bruxa, o cientista e o orfanato
29/10/2011 - 19:30

Marcas, passagens e condensações: investigações de um processo em gravura contemporânea
29/10/2011 - 19:30

Contos e Crônicas Vol 1 Poemas à Flor da Pele
29/10/2011 - 20:00

Nova ortografia integrada
29/10/2011 - 20:30

Os viajantes medievais da rota da seda (séculos V-XV)
29/10/2011 - 20:30

Impresso no Brasil
29/10/2011 - 20:30
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continua … Programação de 30 de Outubro, domingo

Fonte:
http://www.feiradolivro-poa.com.br/

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Wagner Marques Lopes (Trova Ecológica 36)

Ialmar Pio Schneider (Ausência de Amor)


Nascimento de Graciliano Ramos em 27.10.1892

Tenho procurado retirar subsídios nos livros que leio com alguma assiduidade, para escrever as páginas dos meus relatos e observações pessoais, como o faço aqui e agora. Creio na literatura em geral, pois representando o pensamento de seus autores, vem suprir meu ideal de compreensão nos destinos da existência. Nada foi escrito em vão, desde os primórdios da humanidade até os nossos dias e continuará sendo, certamente, no futuro. A lógica confirma isto, uma vez que a comunicação entre os seres humanos se faz por meio da escrita, embora o grande avanço da tecnologia neste setor. O assunto a ser abordado, a meu ver e de muitos outros, é universal e palpitante. Quantos dramas não acontecem em conseqüência deste motivo que não é banal ?! Serve de reflexão para uma vida menos árdua e mais amena, senão satisfatória e feliz. Dir-se-ia que o amor deverá ser o leitmotiv presente no coração de todos os mortais, para atingir a plenitude do espírito inquieto.

No romance São Bernardo, de Graciliano Ramos, vamos encontrar uma significativa falta de amor, notadamente por parte do principal personagem e narrador da história: Paulo Honório. Podemos entender este seu comportamento devido às agruras da vida, que já desde a infância miserável, teve que passar. Quando jovem matou uma pessoa, tendo ficado alguns anos na cadeia. Depois, trabalhou no eito e foi se recalcando. Assim transcorrem as primeiras páginas do livro.

Passados alguns anos, Paulo Honório resolve se apossar da fazenda “São Bernardo” onde trabalhara tempos atrás. Para fazê-lo trama uma armadilha ao herdeiro da propriedade, o Padilha Filho, que é bêbado e jogador inveterado de bilhar. Empresta-lhe dinheiro para o jogo, que o Padilha vai queimando, até chegar à hipoteca do imóvel. Daí até chegar à posse foi um tapa; e a escritura foi assinada sem mais delongas.

Paulo Honório, agora já proprietário da fazenda, começa a desenvolver uma administração satisfatória, conseguindo bons resultados em seus empreendimentos. Vai de vento em popa. Adquire prestígio e dinheiro lhe sobra.

Dada à situação em que se encontra, resolve casar, não tanto por amor, mas para deixar um herdeiro. Encontra Madalena, jovem professora, loira e bonita e em breve está casado. Sua consorte, que é humanitária e meiga, dedica muita afeição às pessoas humildes da fazenda, o que causa em Paulo Honório, um terrível ciúme doentio. Começam as desavenças do casal e Madalena suicida-se, deixando-lhe um filho.

Já então quase no final do romance, Paulo Honório está sozinho e resolve escrever sua história. Seu desabafo não poderia ser mais dramático:

“- Estraguei a minha vida, estraguei-a estupidamente”.
____________________________________
31 de março de 2000 – Canoas/RS

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Graciliano Ramos (Um Cinturão)


As minhas primeiras relações com a justiça foram dolorosas e deixaram-me funda impressão. Eu devia ter quatro ou cinco anos, por aí, e figurei na qualidade de réu (1). Certamente já me haviam feito representar esse papel, mas ninguém me dera a entender que se tratava de julgamento. Batiam-me porque podiam bater-me, e isto era natural.

Os golpes que recebi antes do caso do cinturão, puramente físicos, desapareciam quando findava a dor. Certa vez minha mãe surrou-me com uma corda nodosa que me pintou as costas de manchas sangrentas. Moído, girando a cabeça com dificuldade, eu distinguia nas costelas grandes lanhos vermelhos. Deitaram-me, enrolaram-me em panos molhados com água de sal — e houve uma discussão na família. Minha avó, que nos visitava, condenou o procedimento da filha e esta afligiu-se. Irritada, ferira-me à toa, em querer. Não guardei ódio a minha mãe: o culpado era o nó. Se não fosse ele, a flagelação me haveria causado menor estrago. E estaria esquecida. A história do cinturão, que veio pouco depois, avivou-a.

Meu pai dormia na rede, armada na sala enorme. Tudo é nebuloso. Paredes extraordinariamente afastadas, rede infinita, os armadores longe, e meu pai acordando, levantando-se de mau humor, batendo com os chinelos no chão, a cara enferrujada. Naturalmente não me lembro da ferrugem, das rugas, da voz áspera, do tempo que ele consumiu rosnando uma exigência. Sei que estava bastante zangado, e isto me trouxe a covardia habitual. Desejei vê-lo dirigir-se a minha mãe e a José Baía, pessoas grandes, que não levavam pancada. Tentei ansiosamente fixar-me nessa esperança frágil. A força de meu pai encontraria resistência e gastar-se-ia em palavras.

Débil e ignorante, incapaz de conversa ou defesa, fui encolher-me num canto, para lá dos caixões verdes. Se o pavor não me segurasse, tentaria escapulir-me: pela porta da frente chegaria ao açude, pela do corredor acharia o pé de turco. Devo ter pensado nisso, imóvel, atrás dos caixões. Só queria que minha mãe, sinhá Leopoldina, Amaro e José Baía surgissem de repente, me livrassem daquele perigo.

Ninguém veio, meu pai me descobriu acocorado e sem fôlego, colado ao muro, e arrancou-me dali violentamente, reclamando um cinturão. Onde estava o cinturão? Eu não sabia, mas era difícil explicar-me: atrapalhava-me, gaguejava, embrutecido, sem atinar com o motivo da raiva. Os modos brutais, coléricos, atavam-me; os sons duros morriam, desprovidos de significação.

Não consigo reproduzir toda a cena. Juntando vagas lembranças dela a fatos que se deram depois, imagino os berros de meu pai, a zanga terrível, a minha tremura infeliz. Provavelmente fui sacudido. O assombro gelava-me o sangue, escancarava-me os olhos.

Onde estava o cinturão? Impossível responder. Ainda que tivesse escondido o infame objeto, emudeceria, tão apavorado me achava. Situações deste gênero constituíram as maiores torturas da minha infância, e as conseqüências delas me acompanharam.

O homem não me perguntava se eu tinha guardado a miserável correia: ordenava que a entregasse imediatamente. Os seus gritos me entravam na cabeça, nunca ninguém se esgoelou de semelhante maneira.

Onde estava o cinturão? Hoje não posso ouvir uma pessoa falar alto. O coração bate-me forte, desanima, como se fosse parar, a voz emperra, a vista escurece, uma cólera doida agita coisas adormecidas cá dentro. A horrível sensação de que me furam os tímpanos com pontas de ferro (2).

Onde estava o cinturão? (3) A pergunta repisada ficou-me na lembrança: parece que foi pregada a martelo.

A fúria louca ia aumentar, causar-me sério desgosto. Conservar-me-ia ali desmaiado, encolhido, movendo os dedos frios, os beiços trêmulos e silenciosos. Se o moleque José ou um cachorro entrasse na sala, talvez as pancadas se transferissem. O moleque e os cachorros eram inocentes, mas não se tratava disto. Responsabilizando qualquer deles, meu pai me esqueceria, deixar-me-ia fugir, esconder-me na beira do açude ou no quintal.

Minha mãe, José Baía, Amaro, sinhá Leopoldina, o moleque e os cachorros da fazenda abandonaram-me. Aperto na garganta, a casa a girar, o meu corpo a cair lento, voando, abelhas de todos os cortiços enchendo-me os ouvidos — e, nesse zunzum, a pergunta medonha. Náusea, sono. Onde estava o cinturão? Dormir muito, atrás dos caixões, livre do martírio.

Havia uma neblina, e não percebi direito os movimentos de meu pai. Não o vi aproximar-se do torno e pegar o chicote. A mão cabeluda prendeu-me, arrastou-me para o meio da sala, a folha de couro fustigou-me as costas. Uivos, alarido inútil, estertor. Já então eu devia saber que rogos e adulações exasperavam o algoz. Nenhum socorro. José Baía, meu amigo, era um pobre-diabo.

Achava-me num deserto. A casa escura, triste; as pessoas tristes. Penso com horror nesse ermo, recordo-me de cemitérios e de ruínas mal-assombradas. Cerravam-se as portas e as janelas, do teto negro pendiam teias de aranha. Nos quartos lúgubres minha irmãzinha engatinhava, começava a aprendizagem dolorosa (4).

Junto de mim, um homem furioso, segurando-me um braço, açoitando-me. Talvez as vergastadas não fossem muito fortes: comparadas ao que senti depois, quando me ensinaram a carta de A B C, valiam pouco. Certamente o meu choro, os saltos, as tentativas para rodopiar na sala como carrapeta, eram menos um sinal de dor que a explosão do medo reprimido. Estivera sem bulir, quase sem respirar. Agora esvaziava os pulmões, movia-me, num desespero.

O suplício durou bastante, mas, por muito prolongado que tenha sido, não igualava a mortificação da fase preparatória: o olho duro a magnetizar-me, os gestos ameaçadores, a voz rouca a mastigar uma interrogação incompreensível.

Solto, fui enroscar-me perto dos caixões, coçar as pisaduras, engolir soluços, gemer baixinho e embalar-me com os gemidos. Antes de adormecer, cansado, vi meu pai dirigir-se à rede, afastar as varandas, sentar-se e logo se levantar, agarrando uma tira de sola, o maldito cinturão, a que desprendera a fivela quando se deitara. Resmungou e entrou a passear agitado. Tive a impressão de que ia falar-me: baixou a cabeça, a cara enrugada serenou, os olhos esmoreceram, procuraram o refúgio onde me abatia, aniquilado.

Pareceu-me que a figura imponente minguava — e a minha desgraça diminuiu. Se meu pai se tivesse chegado a mim, eu o teria recebido sem o arrepio que a presença dele sempre me deu. Não se aproximou: conservou-se longe, rondando, inquieto. Depois se afastou.

Sozinho, vi-o de novo cruel e forte, soprando, espumando. E ali permaneci, miúdo, insignificante, tão insignificante e miúdo como as aranhas que trabalhavam na telha negra.

Foi esse o primeiro contato que tive com a justiça.

“Um Cinturão” – 1945 – de Graciliano Ramos

Sinopse: O primeiro contato de um menino com o conceito de justiça por intermédio do pai.

Comentários:
A narrativa é feita na primeira pessoa num tom confessional
(1). Graciliano deixa vir à tona reminiscências de sua infância, externa seus traumas e faz da literatura um caminho para uma auto-psicanálise espontânea. Reflete sobre as conseqüências do fato narrado

(2) e exorciza suas aflições. Provoca no leitor as mesmas reflexões à medida que este se identifica de alguma forma com texto. As cenas são desvendas num universo enevoado como são as próprias lembranças, encobertas pelas brumas do passado, esparsas como as próprias reminiscências infantis

(4). Através da riqueza da narrativa o leitor é induzido a partilhar o pavor que o menino sente, a dor e a revolta, é tocado fundo em seu coração com uma descrição crua, direta, arrasadora. Além do fato, o autor descreve as sensações com criativas figuras de linguagem. O tempo do conto é um momento, uma passagem breve que durará para sempre na memória do menino. Para marcar o clima de tensão e suspense, Graciliano usa um refrão (3), como se sua prosa fosse poesia, música. E é.

Fonte:
MORRICONI, Ítalo (seleção). “Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século” – Diversos Autores. editora Objetiva , 2000.

Júlia Lopes de Almeida (Arte Culinária)


Para saber comer, é preciso não ter fome. Quem tem fome não saboreia, engole. Ora, desde que o enfarruscador ofício de temperar panelas se enfeitou com o nome de arte culinária, temos uma certa obrigação de cortesia para com ele. E concordemos que é uma arte pródiga e fértil. Cada dia surge um pratinho novo com mil composições extravagantes, que espantam as menagères pobres e deleitam os cozinheiros da raça! Dão-se nomes literários, designações delicadas, procuradas com esforço, para condizer com a raridade do acepipe. Os temperos banais, das velhas cozinhas burguesas, vão-se perdendo na sombra dos tempos. Falar em alhos, salsa, vinagre, cebola verde, hortelã ou coentro, arrepia a cabeluda epiderme dos mestres dos fogões atuais. Agora em todas as despensas devem brilhar rótulos estrangeiros de conservas assassinas, e alcaparras, trutas, manteiga dinamarquesa (o toucinho passou a ser ignominioso), vinho Madeira para adubo do filet, enfim tudo o que houver de mais apurado, cheiroso e... Caro!

As exigências crescem, ameaçam-nos e, sem paradoxo, somos comidos pelo que comemos. Isto vem à propósito de uma exposição de arte culinária que se fez, há pouco tempo, em Paris. Imaginem como aquilo deve ser encantador e apetitoso!

Quem já viu as vitrines das charcuteries, das crémeries, das confeitarias, etc., e que sabe com quanto mimo e elegância são expostos os queijos, os paios e os pastéis, entre bouquets de lilases e fofos caixões de papéis de seda bem combinados, crespos e leves como plumas, imagina que de novidades graciosas se juntarão no Palácio da Indústria.

Naturalmente, cada expositor é um arquiteto e um artista na combinação das cores. Fazem-se castelos de biscoitos, torres engenhosas de chocolate, de creme, de morangos, onde tremulem, em cristalizações policromas, as gelatinas de frutas ou de aves, refletindo luzes entre lacinhos de fita e flores frescas, porque o francês tem a preocupação gentilíssima de deleitar sempre os olhos alheios.

Abençoada mania!

O que eu invejo não são as trutas, nem os champignons, nem o seu foiegras, porque tudo isso temos nós aqui e mais muitas coisas que eles lá desconhecem. O que eu invejo é aquela facilidade, aquela graça das exposições que se sucedem e se multiplicam e que não podem deixar de ser úteis, porque abrem a curiosidade e ensinam muito.

A cozinha francesa tem-se intrometido em toda a parte.

A Inglaterra opõe-lhe forte resistência com as suas batatas cozidas e presunto cru; mas a nossa, por exemplo, está muito modificada por ela. Entretanto, temos pratos característicos, só nossos e que eu teimo em achar gostosos. Infelizmente falta-lhes o chic, o lado onde se possa atar a tal fitinha ou colocar o bouquet de violetas do inverno ou do muquet da primavera. O feijão preto com o respectivo e lutuoso acompanhamento não se presta por certo para a coquetterie de um adorno mimoso, mas nem por isso deixa de ser da primeira linha. Depois temos os pratos baianos, o afamado vatapá e outros, quentes e lúbricos, e o churrasco do Rio Grande, e o cuscuz de S. Paulo, e tantos que eu ignoro e que descobrem, demonstram, por assim dizer, as tendências, o temperamento do povo.

Um país como o Brasil tão vasto e variado não teria proporções mais curiosas para realizar uma exposição neste gênero?

Só de frutas, que, tratando-se da mesa, tem todo o lugar, e de doces... Imaginem: faríamos um figurão! Geralmente caluniam-se as frutas brasileiras e parece-me tempo de lhes irmos dando a merecida importância. Não há nenhum brasileiro que conheça todas as frutas do seu país. O europeu desdenha-nos nesse sentido; esquece-se de que em muitos lugares do Paraná, Minas e Rio Grande, desenvolvem-se pêras magníficas, damascos, cerejas, nozes, etc. E as frutas e as hortaliças indígenas? Inumeráveis! O que falta à nossa gourmandise é poder agrupá-las, poder escolher, na mesma terra, estas ou aquelas, e isso só se poderá fazer se houver aqui, algum dia, como agora em Paris, quem dê importância à mesa, e procure, por meio de exposições, facilitar esse ramo de comércio, educar o povo, e dar-lhe um elemento novo de prazer e de saúde.

A exposição parisiense tem ainda um fito, e é a sua principal recomendação e a mais elevada, — é o de ensinar, por meio do exemplo, a cozinhar bem. Um dos seus cantos é ocupado por M. Charles Driessens, que segundo leio, luta há dez anos com desesperada energia para fazer entrar o ensino da cozinha no programa do Estado. Este tal M. Driessens tem várias escolas de cozinha, e ali trabalham umas cinquenta discípulas, mostrando a toda a gente como se deve fazer um creme, estender uma massa, temperar uma salada, grelhar um bife ou enfeitar uns pezinhos de carneiro com papelotes e rosetas.

As senhoras não nasceram para falar em camarões, carne ou palmito, em público; mas, senhores românticos, lembrai-vos de que nem sempre nos bastam o brilho das estrelas nem o murmulho das ondas para conversar com as amigas!

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Livro das Donas e Donzelas. Belém/PA: Núcleo de Educação a Distancia da Universidade da Amazonia (UNAMA).

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 377)


Uma Trova Nacional

Os desertos mais incríveis
que, na vida, ultrapassei
foram sonhos impossíveis
que eu quase concretizei!...
–MARIA NASCIMENTO/RJ–

Uma Trova Potiguar

A negritude das tranças,
dos teus cabelos, querida,
hoje é parte das lembranças
da aurora de nossa vida.
–MARCOS MEDEIROS/RN–

Uma Trova Premiada

2010 - CTS-Caicó/RN
Tema: OCASO - 7º Lugar

Vivo, no ocaso, otimista
pois, quando o sol vai-se embora,
vejo o pincel de um Artista
pondo, em meu céu... tons de aurora...
–MARINA BRUNA/RJ–

Uma Trova de Ademar

Quem se entrega a solidão
e dela se faz refém,
anda em meio à multidão
mas não enxerga ninguém!
–ADEMAR MACEDO/RN–

...E Suas Trovas Ficaram

Partiste, chorando tanto,
no teu rumo, oposto ao meu,
que, solidário ao teu pranto,
o céu fechou-se... choveu...
–ALOÍSIO ALVES DA COSTA/CE–

Simplesmente Poesia


–ANTONIO M. A. SARDENBERG/RJ–

A ferro e fogo fez minha ferida.
Fingi ser forte, embora sendo fraco,
perdi a rota, o rumo da vida...
cristal partido, agora sou um caco!

Lancei o laço em busca da presa,
fera indefesa, que se fez tão forte,
fugiu de mim com tanta sutileza!
Fiquei perdido como nau sem norte...

Senti na carne o tanger da lança,
ouvi calado o ranger dos dentes,
e foi-se assim toda a esperança:
fazer–te minha – minha tão somente!

Estrofe do Dia

Meu irmão pode entrar que a casa é sua
pois aqui todos nós somos irmãos
nos abrace e aperte as nossas mãos
que assim nossa fé se perpetua;
o rebanho de cristo continua
nesse aprisco que agora é todo meu,
faça aqui entre nós seu apogeu
tome conta das chaves da matriz;
o rebanho de Cristo está feliz
com o novo pastor que recebeu.
–SEBASTIÃO DA SILVA/PB–

Soneto do Dia

AMIZADE.
–HAROLDO LYRA/CE–

Depois de salpicada uma amizade,
Por leve farpa num fugaz momento,
Traz o fato, humana realidade,
Carência de afeto e entendimento.

Se à prosa que se faz se põe maldade,
Perde, a amizade, o doce encantamento.
Há de perder também sinceridade
E lesto se avizinha o rompimento.

Mas, valham as que têm, irrelevante,
O dardo que feriu por um instante
Involuntariamente a fidalguia.

Nisso, aquela que impõe severa norma,
Inexoravelmente se transforma
Em triste olá de falsa cortesia.

Fonte:
Textos enviados pelo Autor

Monteiro Lobato (Reinações de Narizinho) Cap. I e II


I
NARIZINHO ARREBITADO

Numa casinha branca, lá no sítio do Pica-pau Amarelo, mora uma velha de mais de sessenta anos. Chama-se dona Benta. Quem passa pela estrada e a vê na varanda, de cestinha de costura ao colo e óculos de ouro na ponta do nariz, segue seu caminho pensando:

— Que tristeza viver assim tão sozinha neste deserto...

Mas engana-se. Dona Benta é a mais feliz das vovós, porque vive em companhia da mais encantadora das netas — Lúcia, a menina do narizinho arrebitado, ou Narizinho como todos dizem.

Narizinho tem sete anos, é morena como jambo, gosta muito de pipoca e já sabe fazer uns bolinhos de polvilho bem gostosos.

Na casa ainda existem duas pessoas — tia Nastácia, negra de estimação que carregou Lúcia em pequena, e Emília, uma boneca de pano bastante desajeitada de corpo. Emília foi feita por tia Nastácia, com olhos de retrós preto e sobrancelhas tão lá em cima que é ver uma bruxa. Apesar disso Narizinho gosta muito dela; não almoça nem janta sem a ter ao lado, nem se deita sem primeiro acomodá-la numa redinha entre dois pés de cadeira.

Além da boneca, o outro encanto da menina é o ribeirão que passa pelos fundos do pomar. Suas águas, muito apressadinhas e mexeriqueiras, correm por entre pedras negras de limo, que Lúcia chama as “tias Nastácias do rio”.

Todas as tardes Lúcia toma a boneca e vai passear à beira d’água, onde se senta na raiz dum velho ingazeiro para dar farelo de pão aos lambaris.

Não há peixe do rio que a não conheça; assim que ela aparece, todos acodem numa grande faminteza. Os mais miúdos chegam pertinho; os graúdos parece que desconfiam da boneca, pois ficam ressabiados, a espiar de longe. E nesse divertimento leva a menina horas, até que tia Nastácia apareça no portão do pomar e grite na sua voz sossegada:

— Narizinho, vovó está chamando!...

II
UMA VEZ...

Uma vez, depois de dar comida aos peixinhos, Lúcia sentiu os olhos pesados de sono. Deitou-se na grama com a boneca no braço e ficou seguindo as nuvens que passeavam pelo céu, formando ora castelos, ora camelos. E já ia dormindo, embalada pelo mexerico das águas, quando sentiu cócegas no rosto. Arregalou os olhos: um peixinho vestido de gente estava de pé na ponta do seu nariz.

Vestido de gente, sim! Trazia casaco vermelho, cartolinha na cabeça e guarda-chuva na mão — a maior das galantezas! O peixinho olhava para o nariz de Narizinho com rugas na testa, como quem não está entendendo nada do que vê.

A menina reteve o fôlego de medo de o assustar, assim ficando até que sentiu cócegas na testa. Espiou com o rabo dos olhos. Era um besouro que pousara ali. Mas um besouro também vestido de gente, trajando sobrecasaca preta, óculos e bengala.

Lúcia imobilizou-se ainda mais, tão interessada estava achando aquilo.

Ao ver o peixinho, o besouro tirou o chapéu, respeitosamente.

— Muito boas tardes, senhor príncipe! — disse ele.

— Viva, mestre Cascudo! — foi a resposta.

— Que novidade traz Vossa Alteza por aqui, príncipe?

— É que lasquei duas escamas do filé e o doutor Caramujo me receitou ares do campo. Vim tomar o remédio neste prado que é muito meu conhecido, mas encontrei cá este morro que me parece estranho — e o príncipe bateu com a biqueira do guarda-chuva na ponta do nariz de Narizinho e disse:

— Creio que é de mármore — observou.

Os besouros são muito entendidos em questões de terra, pois vivem a cavar buracos. Mesmo assim aquele besourinho de sobrecasaca não foi capaz de adivinhar que qualidade de “terra” era aquela. Abaixou-se, ajeitou os óculos no bico, examinou o nariz de Narizinho e disse:

— Muito mole para ser mármore. Parece antes requeijão.

— Muito moreno para ser requeijão. Parece antes rapadura — volveu o príncipe.

O besouro provou a tal terra com a ponta da língua.

— Muito salgada para ser rapadura. Parece antes...

Mas não concluiu, porque o príncipe o havia largado para ir examinar as sobrancelhas.

— Serão barbatanas, mestre Cascudo? Venha ver. Por que não leva algumas para os seus meninos brincarem de chicote?

O besouro gostou da idéia e veio colher as barbatanas. Cada fio que arrancava era uma dorzinha aguda que a menina sentia — e bem vontade teve ela de o espantar dali com uma careta! Mas tudo suportou, curiosa de ver em que daria aquilo.

Deixando o besouro às voltas com as barbatanas, o peixinho foi examinar as ventas.

— Que belas tocas para uma família de besouros! — exclamou.

— Por que não se muda para aqui, mestre Cascudo? Sua esposa havia de gostar desta repartição de cômodos.

O besouro, com o feixe de barbatanas debaixo do braço, lá foi examinar as tocas. Mediu a altura com a bengala.

— Realmente, são ótimas — disse ele. — Só receio que more aqui dentro alguma fera peluda.

E para certificar-se cutucou bem lá no fundo.

— Hu! Hu! Sai fora, bicho imundo!...

Não saiu fera nenhuma, mas como a bengala fizesse cócegas no nariz de Lúcia, o que saiu foi um formidável espirro — Atchim!... e os dois bichinhos, pegados de surpresa, reviraram de pernas para o ar, caindo um grande tombo no chão.

— Eu não disse? — exclamou o besouro, levantando-se e escovando com a manga a cartolinha suja de terra. — É, sim, ninho de fera, e de fera espirradeira! Vou-me embora. Não quero negócios com essa gente. Até logo, príncipe! Faço votos para que sare e seja muito feliz.

E lá se foi, zumbindo que nem um avião. O peixinho, porém, que era muito valente, permaneceu firme, cada vez mais intrigado com a tal montanha que espirrava. Por fim a menina teve dó dele e resolveu esclarecer todo o mistério. Sentou-se de súbito e disse:

— Não sou montanha nenhuma, peixinho. Sou Lúcia, a menina que todos os dias vem dar comida a vocês. Não me reconhece?

— Era impossível reconhecê-la, menina. Vista de dentro d’água parece muito diferente...

— Posso parecer, mas garanto que sou a mesma. Esta senhora aqui é a minha amiga Emília.

O peixinho saudou respeitosamente a boneca, e em seguida apresentou-se como o príncipe Escamado, rei do reino das Águas Claras.

— Príncipe e rei ao mesmo tempo! — exclamou a menina batendo palmas. — Que bom, que bom, que bom! Sempre tive vontade de conhecer um príncipe-rei.

Conversaram longo tempo, e por fim o príncipe convidou-a para uma visita ao seu reino. Narizinho ficou no maior dos assanhamentos.

— Pois vamos e já — gritou — antes que tia Nastácia me chame.

E lá se foram os dois de braços dados, como velhos amigos. A boneca seguia atrás sem dizer palavra.

— Parece que dona Emília está emburrada — observou o príncipe.

— Não é burro, não, príncipe. A pobre é muda de nascença. Ando à procura de um bom doutor que a cure.

— Há um excelente na corte, o célebre doutor Caramujo. Emprega umas pílulas que curam todas as doenças, menos a gosma dele. Tenho a certeza de que o doutor Caramujo põe a senhora Emília a falar pelos cotovelos.

E ainda estavam discutindo os milagres das famosas pílulas quando chegaram a certa gruta que Narizinho jamais havia visto naquele ponto. Que coisa estranha! A paisagem estava outra.

— É aqui a entrada do meu reino — disse o príncipe. Narizinho espiou, com medo de entrar.

— Muito escura, príncipe. Emília é uma grande medrosa.

A resposta do peixinho foi tirar do bolso um vaga-lume de cabo de arame, que lhe servia de lanterna viva. A gruta clareou até longe e a “boneca” perdeu o medo. Entraram.

Pelo caminho foram saudados com grandes marcas de respeito, por várias corujas e numerosíssimos morcegos. Minutos depois chegavam ao portão do reino. A menina abriu a boca, admirada.

— Quem construiu este maravilhoso portão de coral, príncipe?

É tão bonito que até parece um sonho.

— Foram os Pólipos, os pedreiros mais trabalhadores e incansáveis do mar. Também meu palácio foi construído por eles, todo de coral rosa e branco.

Narizinho ainda estava de boca aberta quando o príncipe notou que o portão não fora fechado naquele dia.

— É a segunda vez que isto acontece — observou ele com cara feia. — Aposto que o guarda está dormindo.

Entrando, verificou que era assim. O guarda dormia um sono roncado. Esse guarda não passava dum sapão muito feio, que tinha o posto de major no exército marinho. Major Agarra-e-não-larga-mais.

Recebia como ordenado cem moscas por dia para que ali ficasse, de lança em punho, capacete na cabeça e a espada à cinta, sapeando a entrada do palácio. O Major, porém, tinha o vício de dormir fora de horas, e pela segunda vez fora apanhado em falta.

O príncipe ajeitou-se para acordá-lo com um pontapé na barriga, mas a menina interveio.

— Espere príncipe! Eu tenho uma idéia muito boa. Vamos vestir este sapo de mulher, para ver a cara dele quando acordar.

E sem esperar resposta, foi tirando a saia da Emília e vestindo-a, muito devagarinho, no dorminhoco. Pôs-lhe também a touca da boneca em lugar do capacete, e o guarda-chuva do príncipe em lugar de lança. Depois o deixou assim transformado numa perfeita velha coroca, disse ao príncipe:

— Pode chutar agora.

O príncipe, zás!... pregou-lhe um valente pontapé na barriga.

— Hum!...— gemeu o sapo, abrindo os olhos, ainda cego de sono.

O príncipe engrossou a voz e ralhou:

— Bela coisa. Major! Dormindo como um porco e ainda por cima vestido de velha coroca... Que significa isto?

O sapo, sem compreender coisa nenhuma, mirou-se apatetadamente num espelho que havia por ali. E botou a culpa no pobre espelho.

— É mentira dele, príncipe! Não acredite. Nunca fui assim...

— Você de fato nunca foi assim — explicou Narizinho. — Mas, como dormiu escandalosamente durante o serviço, a fada do sono o virou em velha coroca. Bem feito...

— E por castigo — ajuntou o príncipe — está condenado a engolir cem pedrinhas redondas, em vez das cem moscas do nosso trato.

O triste sapo derrubou um grande beiço, indo, muito jururu, encorujar-se a um canto.
–––––––
continua…

Fonte:
LOBATO, Monteiro. Reinações de Narizinho. Col. O Sítio do Picapau Amarelo vol. I. Digitalização e Revisão: Arlindo_Sa