sábado, 6 de janeiro de 2024

Hinos de Cidades Brasileiras (Curitiba/PR)

Letra: Ciro Silva

I

Cidade linda e amorosa 
da terra de Guairacá.
Jardim luz, cheio de rosa 
Capital do Paraná.

Pela ridente paisagem
Pela riqueza que encerra,
Curitiba tem a imagem
Dum paraíso na terra.

II

Viver nela é um privilégio
Que goza quem n’ela está.
Jardim luz, cheio de rosa.
Capital do Paraná.

Pérola deste planalto
Toda faceira e bonita.
Na riqueza e na opulência
Vive, resplande, palpita

III

Subindo pela colina
Altiva sempre será.
Jardim luz cheio de rosa
Coração do Paraná.

Salve! cidade querida
Glória de heróis fundadores.
Curitiba, linda joia
Feita de luz e de flores.

O nosso português de cada dia ("Falamos desde Paris")

As transmissões esportivas continuam fornecendo material para discutir a língua. Sei muito bem o que é fazer rádio e TV ao vivo. Não é nada fácil. Muitas das bobagens que ouvimos são 
resultado da pressão natural imposta pela circunstância, e não fruto de ignorância ou despreparo,

Por falar em "ao vivo", você já notou que no canto da "telinha" sempre aparece a palavra "vivo"? As desculpas são várias. A mais comum é o velho problema do espaço ("ao vivo" não cabe no canto da tela). Mas nada me tira da cabeça que isso é resultado do advento das antenas parabólicas e da TV a cabo.

Com a chegada da CNN - americana em cuja imagem, se vê a palavra live, as emissoras brasileiras acharam que, se a expressão inglesa tem apenas uma palavra, a portuguesa pode muito bem ter também uma palavra só. É bom ser justo e dizer que a TV Cultura, que também usava o bendito "vivo" — fato vergonhoso para uma emissora educativa —, corrigiu o problema, a partir de sugestão que fiz à então diretora de programação, Beth Carmona, que imediatamente ordenou o emprego da forma correta.

Assim como se diz que se faz algo "aos poucos", "aos trancos e barrancos", "às pressas", "às vezes", só se pode dizer que se transmite algo "ao vivo". Em português, as expressões adverbiais costumam ser introduzidas por preposição {ao = a + o; à = a + a).

Mas a pérola de hoje é um caso de espanholismo. Trata-se do bendito "desde". É comum locutores esportivos abrirem a transmissão com algo como "Falamos desde Paris", "Transmitimos desde o autódromo de Monza". Para falar desde Paris, o locutor, que, quando diz isso, não está em Paris, precisa ter superpulmões para começar a falar em Paris e, depois de sabe Deus quantos quilômetros, continuar matraqueando,

Em espanhol, desde pode indicar procedência, origem. Em português, não. A preposição cabível é "de": "Falamos de Paris", "Transmitimos do autódromo de Monza". Alguém pode dizer que a frase "Falamos de Paris" é ambígua. Paris pode ser o lugar em que se está ou o assunto. O contexto certamente desfaria a ambiguidade.

Uma fábrica de telefones celulares está fazendo uma propaganda, cujo texto diz: "O mundo inteiro só fala nele". Talvez tenha havido a intenção de criar a ambiguidade, Como se pode falar de algo ou em algo, um dos sentidos da frase é que o telefone é o único assunto das pessoas. Mas o outro sentido pretendido esbarra num problema de regência: as gramáticas dizem que se fala ao telefone, e não no telefone. Para a gramática normativa, a frase tem apenas um sentido. É isso.

Fonte> Pasquale Cipro Neto. Inculta & Bela. SP: Publifolha, 1999.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Carolina Ramos (Trovando) “08”

 

Mensagem na Garrafa – 72 –

Manuel Bandeira
Recife/PE, 1886 – 1968, Rio de Janeiro/RJ

A DAMA BRANCA

A Dama Branca que eu encontrei,
Faz tantos anos,
Na minha vida sem lei nem rei,
Sorriu-me em todos os desenganos.

Era sorriso de compaixão?
Era sorriso de zombaria?
Não era mofa nem dó. Senão,
Só nas tristezas me sorriria.

E a Dama Branca sorriu também
A cada júbilo interior.
Sorria querendo bem.
E todavia não era amor.

Era desejo? – Credo! de tísicos?
Por história… quem sabe lá?…
A Dama tinha caprichos físicos:
Era uma estranha vulgívaga*.

Ela era o gênio da corrupção.
Tábua de vícios adulterinos.
Tivera amantes: uma porção.
Até mulheres. Até meninos.

Ao pobre amante que lhe queria,
Se lhe furtava sarcástica.
Com uns perjura, com outros fria,
Com outros má,

– A Dama Branca que eu encontrei,
Há tantos anos,
Na minha vida sem lei nem rei,
Sorriu-me todos os desenganos.

Essa constância de anos a fio,
Sutil, captara-me. E imaginai!
Por uma noite de muito frio
A Dama Branca levou meu pai.
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* Vulgívaga = que se vulgariza, se prostitui.

Newton Sampaio (Zico)

(contos do sertão paranaense)

Ao sentir entre os dentes o freio puxado por vigorosos punhos, o cavalo estacou súbito diante da porteira, espumando nas ventas escancaradas pelo cansaço da corrida. Em seguida, prestamente pulou dos arreios um guapo rapaz de chapéu largo a proteger do sol o rosto esbraseado, onde dois olhinhos vivos se moviam de contínuo. Trazia nas mãos, além do chicote de couro, um minúsculo embrulho de papéis. De estatura avantajada, músculos rígidos e coradas faces, via-se bem que era uma potência de energia para qualquer trabalho. O traje era simples: botas de montar, que acusavam não muito má situação, esporas com largas rosetas, camisa de brim amarelo, própria para dispensar o paletó, aberta no peito, e sobretudo, aquele chapéu largo, complemento indispensável, e que lhe dava a nota mais característica de elegância sertaneja.

Apenas apeara, e já um luzidio cachorrinho, abanando a cauda, lhe vinha roçar as pernas, a dar ladridos de alegria. O moço, complacente, abaixou-se para lhe acariciar o dorso e disse:

— Saudades de mim, meu caro. Pudera! Desta vez eu não o deixei ir na minha companhia, hein?

E logo amarrou mal e mal o cabresto no palanque, atravessando com passo firme o terreiro, que preguiçosa mulatinha dificultosamente varria. Antes de poder alcançar a casa, veio-lhe ao encontro uma graciosa moçoila, que de longe já gritava:

— Então, Zico? Alguma carta para mim, hoje?

— Certamente, dona. Até duas, creio eu.

E, dizendo isto, entregou-lhe o pacote que tinha nas mãos.

— Muito obrigada, Zico. Você é um anjo. Hum! Que carta perfumada! Será que... 

Não pôde terminar. Viva curiosidade, mesclada de intenso júbilo, fê-la voltar correndo e logo desaparecer no interior de um quarto. Cumprida a obrigação, Zico deteve-se quedo e, para se distrair, começou a tilintar devagarinho com o chicote o lombo do cachorro, que, rosnando, continuava a lhe fazer festas.

Pouco depois, empertigado o corpo, dirigiu-se ao paiol, cantarolando uma trova sertaneja. Ao voltar, trazia nas mãos calejadas algumas espigas de milho e, sentado finalmente no único degrau da escada, dispôs-se a debulhá-las, atraindo para si uma multidão de galinhas em interessantes conluios. Enquanto isso, o sol que, na sua frente, ameaçava enterrar-se dentro em pouco na grota longínqua, induzia-o a meditar em silêncio.

Recordava quando, muitos anos antes, da direção do nascente, num domingo bonito como aquele, e também à tardinha, ele, simples garoto com um pequeno saco de roupas a tiracolo, viera bater à porta da fazenda pedindo serviço. E depois, pelo passar do tempo, e mercê de sua atividade e de zelo no trabalho, fora pouco a pouco captando a confiança e a amizade de seus protetores, até que, já homem feito, e homem correto e valoroso, era uma espécie de ajudante de ordens do patrão, que nele depositava os encargos de maior responsabilidade, considerando-o mais como pessoa de casa que empregado.

Por tudo isso, Zico julgava-se muito feliz, e nada tinha para queixar-se da sorte. Mas, coisa inexplicável, enquanto os revérberos solares gradativamente se iam enfraquecendo, o guapo rapaz, que tinha as mãos dadas e alegres com o destino, começou a sentir um esquisito mal-estar interior. O coração parecia pulsar de outro modo naquela tarde. Lá por dentro uma coisa diferente estava a remover-se daqui e dali. E ele, que nunca ficara assim entregue, mesmo depois dos mais árduos trabalhos, num fim de domingo haveria de sentir-se cansado?

— Oh! Não. — monologou, sorrindo. — Não pode ser, ‘seu’ Zico. Força a essa carcaça.

E sem mais demora foi buscar o “pinho”, companheiro de sempre, amigo de confiança e confidente fiel, uma das coisas de que mais gostava. O violão, o douradilho, o cachorrinho negriço, a amizade dos patrões, e, principalmente, a independência e retidão no proceder, constituíam o melhor de sua vida. Com isso tudo, o mundo podia vir abaixo que o não incomodaria. Trazia um mundo consigo. 

De novo abancado no degrau da escada, começou o Zico a ferir as cordas do instrumento, e à meia voz ia entoando umas improvisadas quadrinhas, com o sentimentalismo tão profundamente característico do sertanejo brasileiro. Não sei por que, mas naquele dia elas saíam tão espontâneas e com tal tom de tristeza...

O dia desaparecera, e a luz viera clarear o corpo de Zico (que na calada da noite continuava a improvisar versinhos), projetando oblonga sombra, muito oblonga mesmo, no terreiro varrido, onde as galinhas não mais bicavam milho em interessantes conluios.

— Que é isso, Zico? Até que horas quer você ficar aí? A titia há pouco esteve a observar o cavalo arreado, o paiol aberto, e a casa toda a fechar. Vamos. Deixe essa tristeza e venha dar uma prosinha conosco, aqui na varanda — disse, assomando à porta a moçoila graciosa que recebera as cartas.

Obediente a todos os pedidos, Zico tratou de executar os serviços. Quando, porém, se foi deitar, não conseguiu conciliar o sono. A todo momento lhe vinha à memória aquela vozinha de meiguice: “Que é isso, Zico?”. E sem querer, começou a pensar na sobrinha do patrão, que de São Paulo viera passar uma temporada na fazenda. Ela era tão boazinha... Tratava com tanta amabilidade todos os empregados, até os mais rudes... E, além disso, os seus olhos eram bonitos... bonitos...

E logo sacudiu a cabeça com energia, refletindo: “Que tem você com isso, ‘seu’ moço? Que ela seja ou não boa e bonita, não é da sua conta. Não meta o nariz onde não é chamado”.

Mas qual! Por mais que tentasse varrer da cachola esse pensamento, não o conseguia. Era inútil. Ele teimava em aparecer. E teimava cada vez com maior veemência. Assim passou parte da noite. De madrugadinha já, resolveu dar um fim àquilo. E perguntou a si mesmo: “Por que pensas assim, Zico?”

Insensivelmente, teve de tirar a conclusão: gostava da sobrinha do fazendeiro, com todo o vigor, com toda a sinceridade que só os nossos sertanejos sabem ter. Gostava da sobrinha do fazendeiro... ele, um quase nada. Ela, moça instruída, educada no grande centro, e além do mais, como, sem o querer, pudera perceber pelas conversas, prestes a noivar na capital. Faltava só o consentimento do pai.

Ao ter certeza dessas conclusões, o pobre rapaz sentiu um calafrio no corpo todo. Não, não era possível! Que loucura!

Era no outro domingo. Como sempre, em traje domingueiro, fora à cidade buscar a correspondência. Ao voltar, cavalgando o douradilho de ventas escancaradas, cheias de espuma, e acompanhado pelo cachorro de língua à mostra, estacou diante da porteira, desceu presto do cavalo, e, com passo firme, dispôs-se a atravessar o terreiro, que ainda desta vez preguiçosa mulatinha varria. Pouco depois, ali de fora, ouviu uns gritos de mal contido júbilo. É que, à graciosa moçoila, chegara finalmente a esperada notícia.

O sertanejo deteve-se quedo. Como na semana anterior, foi buscar umas espigas de milho, debulhando-as no chão. Na sua frente o sol, mais vermelho que nunca, ameaçava submergir-se na grota longínqua. E continuava Zico a meditar em silêncio.

De repente, com a fisionomia contraída num decisivo, num supremo esforço de domínio e de energia, os olhos faiscantes e um enigmático sorriso nos lábios, levanta-se e olha em derredor. Sonda alguma coisa. Ali perto da escada estava uma cordinha. Toma-a. Amarra uma ponta na correia do cachorrinho e outra no palanque chantado próximo. Depois examina com desconfiança o ambiente. E quando, no longe do horizonte, o sol já escondera a metade do disco, salta destramente para cima dos arreios, dá um adeus abafado àquelas terras que lhe eram tão caras e chicoteia o animal com ardor.

Anoitecera. As galinhas haviam abandonado as espigas nuas, e a lua, bonita como os olhos da moçoila graciosa, não mais projetava no terreiro varrido uma alongada sombra do rapaz. Junto ao palanque, o cachorrinho luzidio deixara de abanar a cauda em sinal de alegria e, compreendendo talvez aquilo tudo, encaramonara-se com as orelhas caídas e o corpo pegado ao chão. Apenas, no grotão longínquo onde o sol se escondera, reboava o ronco de algum bugio perdido. No mesmo lado do poente, um cavaleiro, em desenfreado galope, pouco a pouco desaparecia para nunca mais voltar, anatematizando aquele sentimento que, pela primeira vez, tivera a força de lhe abater o ânimo sertanejo.

Fonte> Newton Sampaio. Ficções. Secretaria de Estado da Cultura: Biblioteca Pública do Paraná, 2014.

Professor Garcia (Sonetos Avulsos) – 4


A MÚSICA NO TEMPO

Se a música no tempo é fascinante,
tem porquês, de uma língua natural,
a música, linguagem dominante,
onde quer que ela exista, é sempre igual.

Uma raça qualquer, por mais errante,
escutando uma nota musical,
ela sente o poder alucinante
dessa força sonora, universal.

Quem compôs essa sábia partitura,
teve a glória total dessa ventura,
e escreveu para sempre em seus anais:

Todo o encanto, das auras do infinito,
numa escala, de um jeito tão bonito,
tendo só, sete notas musicais!

(3° lugar na Espanha em 10,02.2017)
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BRISAS DE OUTONO

Quando as brisas do outono sopram mansas,
trazem sonhos de amor ao ser humano,
refazendo as perdidas esperanças
e afastando o temor do desengano.

Sou um amante das brisas, das mudanças,
da estação que me faz mudar de plano,
brisas soltas de outono são andanças
que me causam prazer, ano após ano.

Quando, à noite, não vejo os pirilampos,
a tristeza da treva invade os campos
e um cenário de dor, me faz tristonho...

Os murmúrios das folhas pelo chão,
são as vozes do outono, que se vão,
recitando os poemas do meu sonho!

(1° lugar na Argentina em 14,05.2017)
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CANTARES

Hoje a tarde morreu sem nostalgia,
na moldura do céu, que linda tela:
Era a noite bebendo a luz do dia
e as estrelas pintando outra aquarela.

A pestana do sol, já não se via,
mas a lua no céu era tão bela...
Que a cortina da noite se escondia,
para a lua brilhar na passarela.

Neste terno cenário, sobre um monte,
vislumbrava Delcy, lá no horizonte,
dando exemplo de tudo que se ufana.,,

Era a mestra dos Pampas, gargalhando,
sobre as nuvens, sentada, recitando
um dos lindos sonetos de Quintana!

(Homenagem aos 80 anos da poetisa Delcy Canalles+, 16.05.2011)
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CREPÚSCULO E AURORA

Quando a luz do arrebol rasga a cortina,
e o clarão da manhã, o céu decora,
todo o orvalho respinga da campina
matizando de prata a luz da aurora!

A tristeza do sol se descortina,
ante a tarde que chega, e se apavora;
o crepúsculo triste na retina,
diz que um velho gigante também chora!

Ao nascer chega ungido de esplendor,
traz na luz, esperança, paz e amor,
mas à tarde começa a entristecer;

desse jeito caminha o sol do esteta:
De manhã, é feliz por ser poeta,
e à tardinha, é a luz do entardecer!

(l° lugar em Portugal em 11.02.2016)
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GEOMETRIA DO LABOR

Se esta vida é, de fato, uma disputa
de uma guerra sem trégua e, sem medida,
é o trabalho, uma regra de conduta,
que nos leva ao prazer, por toda a vida.

Cada passo é uma marca dessa luta,
pela trilha da estrada percorrida...
Muitos vivem felizes, sem labuta,
e outros morrem na luta mais sofrida.

Há uma regra esquisita e muito estranha,
pois quem muito trabalha, pouco ganha,
mas com o pouco que ganha, também ama,

e eu conheço ricaço e mais ricaço,
que acumula fortuna a cada passo;
e por tudo que tem, ainda reclama!

Fonte> Professor Garcia. Poemas do meu cantar. Natal/RN: Trairy, 2020.
Livro enviado pelo autor.

Antonio Brás Constante (Miss Creve - a musa dos escritores (e outras misses))

Outro dia escutei algumas pessoas comentando sobre a Miss Universo 2011, onde diziam que havia ficado estranha a sonoridade da junção das palavras “Miss” e “Angola”, visto que a ganhadora do concurso foi a Miss Angolana, a bela Leila Lopes. A partir daí resolvi pesquisar sobre localidades que causassem um efeito similar, o resultado da pesquisa e outras maluquices seguem abaixo para o seu deleite (se não gostar, por favor, reclame... Para sua querida Mãe):

Miss Cabella – Itália, Miss Tragha – Reino Unido, Miss Buraka – Paquistão, Miss Quessy – França, Miss Tura – Rússia, e Miss Gana – África.

Além das combinações formadas por locais que existem neste nosso, mais ou menos, redondo mundo, eu também inventei e encontrei na internet outras combinações interessantes:

Miss Plode e Miss Toura – Primeira dupla de candidatas terroristas e suicidas da história de nossa (des) humanidade, que chegaram arrasando literalmente no evento.

Miss Quenta – Candidata considerada como “pé frio” entre as concorrentes.

Miss Sá – Candidata devota e religiosa que tinha muita fé em sua vitória.

Miss Comunga – Concorrente e rival de Miss Sá, totalmente incrédula sobre as chances da rival.

Miss Noba – Patricinha de nariz empinado, chegou ao concurso se achando a bolachinha mais recheada do pacote.

Miss Pera - Candidata que perdeu o táxi e quase perdeu o horário do desfile. Representante das mulheres frutas no concurso.

Miss Corre – Participante com problemas de corrimento nasal.

Miss Correga – Caiu três vezes durante o desfile e botou a culpa no piso, dizendo que estava liso.

Miss Tatela – Também escorregou e acabou caindo da passarela e quebrando o tornozelo.

Miss Craviza – Concorrente Sado masoquista

Miss Peta – Antes de ser candidata trabalhava como bonequinha de vodu.

Miss Creve – Candidata e musa dos escritores no concurso de Miss.

Miss Cuta – Concorrente com problemas nas cordas vocais, de voz baixa, quase inaudível.

Miss Goela – Ao contrário da Miss Cuta, essa candidata falava sempre gritando.

Miss Frega – Trabalhava como faxineira antes de ser descoberta para participar do concurso de Miss.

Miss Guicha – Única mãe do concurso, que nas horas vagas amamentava a filha recém-nascida com fartura de leite materno.

Miss Miúça, Miss Pecifica, Miss Plica e Miss Clarece – Irmãs quadrigêmeas e concorrentes com os mesmos problemas de entendimento sobre as regras do concurso.

Miss Palha – Concorrente a Miss e fofoqueira de plantão.

Miss Parrama – Candidata espaçosa que queria a passarela todinha só para ela.

Miss Panta – Adorava assustar suas concorrentes com histórias de terror sobre os bastidores do concurso.

Miss Põe – a Candidata mais exibida do desfile

Miss Pressa – Só não foi eleita como oradora oficial do concurso por ser afobada e gostar de falar muito rápido.

Miss Prime – Tagarela que gostava de falar pelos cotovelos. Acabou sendo ela a oradora do desfile.

Miss Preita – Candidata que sempre olhava para trás ao desfilar achando que alguém estava seguindo-a na passarela.

Miss Taciona – Trabalhava antes do concurso como manobrista em um badalado restaurante da capital

Miss Tica – Fez cirurgia para aumentar sua estatura e conseguir participar do concurso de Miss.

Miss Timula – Candidata com problemas de depressão e baixa auto-estima ou alta baixa-estima, ela não soube explicar.

Miss Corraça – Expulsa três vezes de concursos de beleza por ser muito inconveniente e extremamente irritante.

Miss Conde – Candidata extremamente tímida e encabulada.

Miss Panca, Miss Bofeteia e Miss Tapeia – Apanharam muito para conseguir entrar para o concurso de Miss.

Miss Balda – Baladeira de plantão, vive no cheque-especial por conta de suas contas.

Miss Tremece – Considerada como o tipo de concorrente que chega abalando as estruturas do concurso.

Miss Culhamba – Miss metida a engraçada que ficava o tempo todo fazendo piadinhas de si mesma.

Miss Traçalha – Candidata de estilo selvagem e arrasador.

Miss Ericórdia – A Miss mais assustadora, horripilante e tenebrosa do evento.

Por hoje é só, e que a Miss Sá (ou outra qualquer, dependendo dos gostos de cada um) povoe os sonhos dos amigos e que a Miss Ericórdia agracie os sonhos de todos os chatos que perambulam por aí.

Hinos de Cidades Brasileiras (Pinhalão/PR)


Letra e Música: Lairton Trovão de Andrade

Sob a crista altaneira da serra,
proliferas febril Pinhalão.
Do humilde recanto da terra
surges meiga na imensa nação.

Bis: Nas sombras dos teus bosques
brilhou o céu de anil,
profundo desafio
a virgem selva em flor.

Estribilho
Doce Torrão querido,
Reino dos cafezais,
Bis: Onde se tem palmeiras
E lindos pinheirais.

Verdes campos de reses mimadas,
tremulantes jardins de cereais,
enobrecem tuas mãos calejadas
sobre o solo de mil minerais.

Bis: 
As ondas das colinas,
Planícies, serranias,
emitem melodias
do ouro vegetal.

Estribilho
Doce Torrão querido,
Reino dos cafezais,
Bis: Onde se tem palmeiras
E lindos pinheirais.

Terra amada de eterna bonança,
com firmeza aderiste ao Brasil.
Turbilhões em caudais de esperança
Revigoram-te o ardor varonil

Bis: 
"Rio Cinzas"!... "Boa Vista"!
"Triângulo" e "Serrinha"!
"Campina" e "Lavrinha"!
Oh! Salve! Salve! Salve!

Estribilho
Doce Torrão querido,
Reino dos cafezais,
Bis: Onde se tem palmeiras
E lindos pinheirais.

Graciliano Ramos (A doença de Alexandre)

— Como vai, seu Alexandre? Que estrago foi esse? perguntou mestre Gaudêncio à porta da 
camarinha.

— Macacoas da idade, suspirou o doente. Na beira da cova desde a semana passada. Tomei a purga de pinhão que o senhor me ensinou. Entre, seu Gaudêncio, vá-se abancando. Tomei a purga de pinhão e uns xaropes. Depois sinha Terta andou por aí e me deu um suadouro. 

Estava na cama de varas, a testa enrolada num lenço vermelho, a camisa de algodão aberta mostrando os pelos do peito e o rosário de contas brancas e azuis. Cesária e Das Dores levaram
para o quarto a mobília da sala: a pedra de amolar, a esteira, a mala de couro cru e o cepo. 

Mestre Gaudêncio abaixou-se, encolheu-se na passagem estreita e escorregou da treva do corredor para a meia luz que a candeia de azeite espalhava. Seu Libório acompanhou-o. O cego preto Firmino sondou a abertura com o cajado, arriscou alguns passos e, tateando a parede, acercou-se da cama:

— Onde é a dor, seu Alexandre?

— Sei não, seu Firmino, respondeu mole o dono da casa. Pega na raiz do cabelo e vai ao dedo grande do pé. Sente, seu Firmino, sentem vossemecês. Me dê água, Cesária. 

Os visitantes mergulharam na sombra que se adensava nos cantos, procuraram, descobriram e utilizaram os móveis. Das Dores saiu, voltou com um caneco de lata enferrujada, que ofereceu ao padrinho. O enfermo ergueu-se lento num cotovelo, bebeu, deixou cair desanimado no travesseiro a cabeça cor de sangue, como a de um galo-de-campina.

— Arreado, meu amigo, queixou-se. A princípio era uma gastura, o estômago embrulhado e a vista escurecendo. Botei para o interior a purga de pinhão de mestre Gaudêncio e a garrafada que Cesária fez. Das Dores rezou uma oração forte. Depois veio sinha Terta. Ai!

— Esteja quieto, seu Alexandre, murmurou o negro. É melhor vossemecê calar a boca, fechar os olhos e descansar.

— Que descansar! A vida inteira aqui descansando, seu Firmino! Isto é negócio? Não adianta descansar. Ai! Não há mezinha que sirva. Desta vez acho que embarco.

— Não embarca não, sentenciou mestre Gaudêncio curandeiro. É assim mesmo. A moléstia vai comendo, vai comendo, e quando mata a fome, deixa o corpo do cristão. Aí o suplicante se levanta e mata a fome também. Endurece, engorda, conversa, desempena o espinhaço.

— Se o senhor fala, é porque sabe, seu Gaudêncio, gemeu Alexandre. Peço a Deus que os anjos digam amém. Esta fé é que me traz em pé. Ora vejam que besteira. Em pé! Aqui de papo para o ar, contando os caibros, não presto para nada. Cesária fez uma promessa: se me endireitar, arranja umas novenas, vai à missa um ano inteiro todos os domingos e paga cinco libras de cera a Nossa Senhora do Amparo.

— Seu Alexandre, tornou o cego, vossemecê está gastando fôlego à toa, perdendo força.

— Há uma semana que não falo, seu Firmino, e se falo, é para soltar variedades. Agora que estou no meu juízo não me calo, nem por decreto. Preciso desabafar, dizer o que vi naqueles sonhos agoniados de quem está de viagem para a terra dos pés juntos. Primeiro foi um bode. Montei-me nele, e o bicho cresceu, passou as nuvens, chegou ao céu, ficou tão alto que eu não enxergava a terra. Um fumaceiro, um pretume. Segurava-me desesperadamente, com receio de me despencar lá de cima e esbagaçar-me. O infeliz saltava como se tivesse o diabo no couro, espetava as estrelas com as pontas, dava marradas na lua e sapecava os cabelos do focinho no sol. Num dos pulos desaprumei-me e caí. Caí escanchado numa onça-pintada, que se atirou pelo mundo correndo, um pé de vento. Andou, virou, mexeu, atravessou um espinheiro (lá deixei o olho esquerdo num garrancho), meteu-se num mato cheio de marquesões cobertos de jacas maduras, parou na beira de um rio que, pelos modos, era o S. Francisco. Vai senão quando uma coisa me bateu no estribo. Levantei o rebenque, saltei no chão, mas aí notei que estava com a perna metida na goela de uma jiboia, até a coxa.

— “Valha-me o Senhor S. Bento, gritei. Sou um homem frito.” Nessa altura a cachorra Moqueca apareceu e começou a latir. A cobra assustou-se, livrei-me dela devagarinho, saí atrás de uma guariba que fumava cachimbo e usava gibão e guarda-peito.

— Desarranjo no interior, segredou mestre Gaudêncio curandeiro.

— Isso mesmo, seu Gaudêncio, concordou Alexandre. Miolo avariado. O aperreio do sonho continuou, misturado a casos verdadeiros. Uma confusão, um sarapatel, seu Firmino. Das Dores rezando a oração forte, Cesária no cós da saia de Nossa Senhora, e eu malucando na beira do S. Francisco, rastejando uma guariba. Tremia que era um deus nos acuda, procurava afastar aquelas bobagens, mas um papagaio, com um olho de gente no bico, chegava junto de mim, arrastando os pés apalhetados: — “Está aqui, seu major. Está aqui o olho que eu achei estrepado num garrancho, coberto de moscas e formigas. Bote o olho na cara, seu major.” Eu aceitava o conselho e via perfeitamente o papagaio, o S. Francisco, Cesária de joelhos, bulindo nas contas, Das Dores rezando a oração de sustância. A febre não era deste mundo, um febrão pior que o fogo do inferno, sim senhores. Aí sinha Terta se apresentou. Sentiu de longe a quentura, sentiu a quentura no fim do pátio, lá para os pés de juá, foi o que ela disse. Foi ou não foi, Cesária?

— Foi, Alexandre, confirmou Cesária. Podem perguntar a sinha Terta.

— Não senhora, interveio o curandeiro. Fale, seu Alexandre. Está com vontade de falar, fale. É bom. Nós escutamos e o senhor espalha a morrinha. Fale até rebentar.

— Uma peste, seu Gaudêncio. Já andou perto de fornalha de engenho? Era aquilo. Sinha Terta sentiu o calor no fim do pátio.

— Não é muito não? perguntou o cego.

— Sei lá, respondeu Alexandre. Pode ser que seja. Sinha Terta disse, mas se vossemecê julga que ela se enganou, não discuto. Isso não tem importância. A verdade é que eu estava com febre. E estou. Pegue aqui no meu pulso. Escangalhado, seu Firmino. Felizmente agora já penso direito, a leseira desapareceu, Deus seja louvado. Pois, como ia contando, sinha Terta chegou, estirou o beiço, foi à cozinha e ferveu muita flor de sabugueiro. Bebi uma panela toda. Sinha Terta me consolou, arrumou em cima de mim uma serra de panos e saiu com Das Dores, que não se aguentava nas pernas, coitada. Cesária, bamba também, se amadorrou ali na rede. Fiquei só. E começou o efeito do remédio, um despotismo, sim senhores. Quase me desmanchei em suor. As bobagens da arrelia voltaram, achei-me de novo no S. Francisco, ouvindo as lorotas do papagaio, que me acompanhava em voos curtos. A sede me apertou. Deitei-me de barriga para baixo, encostei a boca na correnteza e empanzinei-me com mais de uma canada, mas quando me levantei, estava seco, a língua dura, cuspindo bala. Avistei de supetão uma canoa que se largava para a outra banda, carregada de tatus. 

— “Entre para dentro, major Alexandre, convidou-me o dr. Silva, que era o canoeiro. Tem lugar para o senhor.” Despedi-me do papagaio, acomodei-me na embarcação e ela se afastou. Dr. Silva quis puxar conversa, mas eu estava repugnado, suando, suando. — 

“Santa Maria! estranhou o dr. Silva. Que é que o senhor tem que está pingando tanto, major Alexandre?” E eu me expliquei: — “Armadas de sinha Terta. Empurrou-me no bucho um suadouro brabo, e estou assim, derretendo-me como sebo na brasa. Parece que me sumo. Quando acabar esta desgraceira, não me resta nem osso.” Fomos navegando. Dr. Silva dizia uns casos e eu suava. 

A canoa, com o peso do suor, no meio do rio emborcou. — “Estamos afundando, gritou o dr. Silva. Caia na água, major. Caia na água e veja se alcança terra.” Dito e feito. Saltei da cama, num desespero, aos berros: — “Cesária, que é das minhas alpercatas?” Saibam vossemecês que eu estava com água pela canela. Cesária deixou a rede, as saias levantadas, num assombro: — “Jesus, Maria, José! A gente se afoga.” 

Ainda azuretado, com o S. Francisco e o dr. Silva na cabeça, não me espantei muito. Depois tomei tento e informei-me: — “Está chovendo, Cesária?” — “Está não, Xandu. Certamente houve trovoada nas cabeceiras do riacho.” Foi ver as coisas lá fora e achou tudo em ordem: o tempo limpo, o céu estrelado, o riacho na largura do costume. Voltou — e percebemos o motivo daquele despropósito. O suor tinha enchido a casa, fazia um barulho feio no corredor, saía pelos fundos e entrava no barreiro. Entendem? Horrível, meus amigos.

— Um desadoro, pois não, concordou o cego. Mas quem sabe se aquilo não era trapalhada? Talvez vossemecê estivesse zuruó, tresvariando.

— Estava não, seu Firmino, respondeu Alexandre. Acordei. E Cesária molhou a barra do vestido. Podem perguntar a ela. A casa está úmida. Assim de noite, com esta candeia safada, não se nota, mas de dia vê-se bem. E as alpercatas sumiram-se. As alpercatas foram encontradas anteontem no quintal, enganchadas num pé de muçambê. O senhor quer prova melhor, seu Firmino? Ai! Aquele suadouro me arrasou. Eu queria conversar com os senhores, mas não posso, estou feito um molambo. Não reparem na falta não, meus amigos. Vou dormir.

Fonte> Graciliano Ramos. Histórias de Alexandre. Publicado originalmente em 1944.Disponível em Domínio Público 

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Isabel Furini (Poema 53): Aos que partiram I

Fonte: Isabel Furini. Flores e Quimeras. 2017. Ebook.

Mensagem na Garrafa - 71 -

Carlos Drummond de Andrade
Itabira/MG (1902 - 1987) Rio de Janeiro/RJ

A UM AUSENTE

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.

Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste. 

Contos e Lendas do Paraná - 19 (Esperança Nova – Paranaguá)


ESPERANÇA NOVA
Quebradeira

O caso ganhou destaque na imprensa da região de Umuarama, quando no ano de 1994, na estrada Jequitibá, distrito das Três Vendas, município de Esperança Nova, uma casa assombrada causava medo, risos e incredulidade nas pessoas. 

No sítio do senhor Derso moravam o seu Neno, a esposa e três filhos; sendo uma menina e dois adolescentes. Na condição de empreiteiros, a família do seu Neno, por mais que trabalhasse, era considerada muito pobre pelos vizinhos sitiantes. Porém, ninguém desabonava a conduta honesta daquela gente simples e humilde. Uma doença nos olhos obrigou seu Neno a retirar um olho, colocando no lugar uma espécie de burca, deixando a família ainda mais necessitada de recursos financeiros.

Certa feita, determinados fenômenos passaram a acontecer na casa daquela família: xícaras, pratos e copos amanheciam quebrados. Garfos entortados podiam ser vistos pela casa. Tochas de fogo acendiam sozinhas e o telhado da casa se encheu de buracos. Seu Neno comunicou o assombro para o patrão, que veio ligeiro de Curitiba para constatar o fato. 

Tamanho foi seu susto, quando um dia dormia tranquilo e, no  meio da noite, às escuras, sentiu a cama suspensa. Aí sim a notícia chegou aos jornais e emissoras da região, culminando nas visitas e orações de crentes, curiosos, padres, pastores e espíritas. 

A filha do Zé Turilho dizia, por exemplo, que o seu rosário havia quebrado em diversos pedaços só por ter se aproximado da casa. O Zé Carlos ofereceu lar aos meninos. O povo dizia que a assombração destruiria com tudo. 

O padre de Pérola achou por bem transferir a família para uma casinha no pátio da Igreja das Três Vendas. A vizinhança ajudava com donativos. A comunidade se comprometeu a ajudar com dinheiro aqueles assustados moradores. Mas, seu Quintino e outros poucos vizinhos não acreditavam naquilo; chamaram a polícia, que visitou o local, conversou com os membros da família e se foi. 

Entretanto, investigadores deixaram na casa uma câmera para filmar o “fenômeno”. Tamanha foi a surpresa, quando a polícia viu as imagens dos sorrateiros moleques, jogando tijolos no telhado, quebrando e danificando os móveis e objetos domésticos. 

Conduzidos à delegacia, confessaram tratar-se de um plano que visava arrecadar dinheiro para reverter o estado de pobreza em que se encontravam. Liberados após os depoimentos e sermões, a família retornou à tal casa assombrada, onde vive até hoje, sem maiores alaridos ou quebradeiras.
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PARANAGUÁ
A lenda do brejo que canta

Cheguei a conhecer, já octogenário, o João Bomsinho, que tinha um sítio lá para as bandas do Porto dos Padres, assim chamado o lugar onde tiveram os Jesuítas uma fazenda de criação, na foz do Imboguassu. Neste sítio o velho cultivava algodão e foi ele quem me contou a história do
“Brejo que Canta”:

A meio caminho da cidade, na embocadura do Imboguassu, há um terreno vasto e alagadiço, onde o lírio do brejo cresce viçoso. Com as chuvas o lugar se transforma num lago e com bom tempo prolongado continua a ser temível atoleiro, do qual o gado por instinto se afasta, receoso de desaparecer no sumidouro.

E assim falava, na sua pitoresca linguagem, o João Bomsinho:

– O brejo canta, sim Sinhô, mas só uma vez no ano, à meia-noite, justa de quinta pra Sexta-feira santa e nessa hora quem por ali passa, ouve muito bem o batido dum fandango, ao som de duas violas e da cantiga dos violeiros. Deus permite que saiam as suas almas do purgatório na noite da paixão pra correrem o fado, em castigo da ofensa ao “Sinhô Morto”.

– Almas de quem? perguntei.

– “Dos violeiros e dos dançadores, os excomungados que cantavam e fandangueavam na noite em que nosso Sinhô morreu. Escuite mecê; no lugar do brejo era um terreno enxuto, bom, de terra branca e firme e nele morava em casa de pedra e cal um tal de Roberto Inglês, ruivo e herege como o diabo, não gostava de Deus nem dos santos. Decerto esse mardito era criminoso e até diziam que fora pirata.

“O meu avô que o conheceu de vista, sempre que o encontrava fazia o sinal da cruz e com ele nunca quis parceria, receoso do castigo do céu. Ora, numa quinta-feira maior estava a vila entregue aos ofícios da semana santa, enlutados os moradores e até o capitão-mor dera ordem à milícia que fizesse a guarda, com a boca dos arcabuzes voltada para o chão e não permitissem cantorias nem folguedos até a hora da aleluia, sob pena de cadeia. Quando o danado, em conluio com o “coisa ruim”, resolveu uma folgança pra essa noite.

“Andava por aqui nesse tempo o coronel Afonso Botelho, que assistiu à missa devotadamente com um laço de crepe no copo da espada, e a Câmara, com o estandarte do rei, de luto, que o vereador mais moço conduzia, foi incorporada à matriz para fazer guarda ao Sinhô Morto.

“Tudo era respeito ao dia. Mas no caminho do Porto dos Padres, o inglês, zombando das coisas santas, procurou e achou uns infelizes que aceitaram o convite. À meia-noite estrondeava o fandango, longe da vila e por isso despercebido da autoridade. A cachaça corria aos copázios. Maneco Eduvirges e Domingos Pedrão, violeiros e já embriagados, cantavam quadrinhas blasfemas, desafiando a majestade divina, com aprovação do diabo ruivo. Quando cantavam esta:

Si Deus morreu porque quis
Não é caso pra chorá
Bate firme, minha gente
Bate forte, até suá

“Nesse instante, a casa moveu-se e todos sentiram que afundava, mas antes do alarme ainda se ouviu o Pedro e o Eduvirges cantarem mais esta barbaridade:

Si morreu pra nos salvá
O fio do padre eterno,
Ele que vá buscá nois
Lá nas profunda do Inferno!

“O movimento acentuou-se e o pânico se manifestou naquelas almas entenebrecidas pelo vício e pela impiedade, despertada nelas a compreensão do desastre e morte inevitável. O primeiro impulso foi de fuga, mas quando tentaram evadir-se já as portas e janelas estavam entaipadas pelo lodo mole que invadia o interior. 

“Apagaram-se as luzes. Nas trevas e começando a respirar dificultosamente, aqueles desgraçados se debatiam. Não havia salvação possível! O fim pela asfixia era fatal. Não tardou a agonia. O terreiro, há pouco ainda sólido, com laranjeiras e cajueiros, dum pra outro instante virou lodaçal e tudo se afundou.

“Consumada a tragédia, a habitação desapareceu no abismo e com ela quantos estavam no fandango sacrílego e fatal. No dia seguinte os sitiantes vizinhos, que iam para a vila assistir à missa da sexta-feira santa, viram com espanto um brejo no local onde de véspera se erguia a moradia do inglês e isto sem que tivesse chovido. E brejo ficou o lugar maldito. Na noite de quinta-feira santa do ano seguinte, alguém por ali passando, noite alta, ouviu claramente o batido dum fandango, ao toque das violas e o cantar dos violeiros. Correu espavorido a contar na vila o prodígio que a tradição trouxe, do Brejo que Canta. De geração em geração, até o presente, vem enchendo de terror a gente supersticiosa que a tudo se arriscará neste mundo, menos transitar pela estrada que margeia o trágico alagadiço, na noite da paixão de Jesus.”

Fonte> Renato Augusto Carneiro Jr (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. 
Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005.