domingo, 23 de junho de 2024

Vereda da Poesia = 42 =


Trova Humorística de Sete Lagoas/MG

WANDERLEY GUEDES DA SILVA

Um fantasma estarreceu,
espantou, gelou o sol.
Minha sogra apareceu
enrolada num lençol.
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Poema de Paranavaí/PR

DINAIR LEITE

Acordei

Hoje acordei...
Então vi há quanto tempo dormia
e não via a vida fluir...

Os momentos perdidos de viver
outro amor, outra vida, amores...

Eu me achava condensada
em paixão. Respirando você
que não olha e não vê esse amor
que envolve meu ser
me fazendo sofrer em anseios
de ter o meu corpo em seus braços
e sua boca, a minha, a beijar.

Acordei e deixei você ir.
Esvaziei o meu ser de você.
O meu ventre e o meu coração
nunca mais sofreram a carência
ilusão do sonhar...preencher
um vazio com ar.
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Aldravia do Rio de Janeiro/RJ

MARILZA DE CASTRO

Pierrô
arlequim
colombina
amor
em
trilogia
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Soneto do Rio Grande do Sul

ALMA WELT
Novo Hamburgo/RS, 1972 – 2007, Rosário do Sul/RS

A Travessia

 "O mundo é um moinho... " (Cartola) 

Todos nós temos corda onde agarrar,
A vida nos dá sempre uma saída
Que nos evite o risco de abismar
No medo natural da própria vida.

Por certo cada um pega o que pode:
Um amor, uma paixão ou mesmo um vício;
Um poema, um soneto ou uma ode,
Um portal com a cruz no frontispício,

Ou então, o que é pior, com um convite
Para entrar mas deixando a Esperança, 
Última paz que o mundo nos permite... 

Mas pra saíres vivo do moinho,
Não como Don Quixote e Sancho Pança,
Terás que atravessar a ti sozinho...
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Trova Premiada em Nova Friburgo/RJ, 1998

SELMA PATTI SPINELLI 
(São Paulo/SP)

Até no “terreiro” em prece,
é preguiçoso, o farsante: 
quando o “santo” dele desce,
só vem… de escada rolante!
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Poema de Lisboa/Portugal 

ARY DOS SANTOS
 1937 – 1984

Estigma 

Filhos dum deus selvagem e secreto
E cobertos de lama, caminhamos
Por cidades,
Por nuvens
E desertos.
Ao vento semeamos o que os homens não querem.
Ao vento arremessamos as verdades que doem
E as palavras que ferem.
Da noite que nos gera, e nós amamos,
Só os astros trazemos.
A treva ficou onde
Todos guardamos a certeza oculta
Do que nós não dizemos,
Mas que somos.
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Quadra Popular

Esta noite dormi fora, 
na porta do meu amor;
deu vento na roseira
me cobriu todo de flor.
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Soneto de Portugal

MANUEL DE ARRIAGA
(Manuel José de Arriaga Brum da Silveira e Peyrelongue)
Horta/Açores/Portugal, 1840 – 1917, Lisboa

Alvorada

      Algures brilha o sol no azul do firmamento,
      E expõe com resplendor das coisas o espetáculo!
      Aqui, na escuridão, o mundo é tabernáculo
      Onde os frágeis mortais descansam um momento!...

      Além, o Sol incita o mundo ao movimento,
      Á luta pela Vida, o esteio e o sustentáculo
      Desde o ser da Razão ao mínimo animáculo,
      Aqui, o sono esparsa em todos novo alento!

      Ó Luz! tu és do mundo a Força, a Alma, a Vida,
      A essência do meu Ser, a minha própria Ideia,
      O próprio Deus, talvez!... Beleza, Amor, Verdade!

      Atrás de Ti caminha a Terra, mãe querida!
      Bendito caminhar! Por Ti minha alma anseia!...
      Bem vinda sejas, pois, oh doce claridade!
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Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

O trovador tá empolgado
e até troféu quer ganhar!...
O tema é “Mar” e eis o “achado”:
- És meu mar... mas não faz mar!
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Poema de Lisboa/Portugal

FERNANDO PESSOA
(Fernando António Nogueira Pessoa)
1888 – 1935

Poema de amor

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar pra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala; parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...
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Haicai de Pedro Leopoldo/MG

WAGNER MARQUES LOPES

Vão crescendo as plantas: 
amor de um agricultor 
a doar mãos santas. 
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Sextilha do Rio Grande do Sul

MILTON SEBASTIÃO SOUZA
Porto Alegre/RS, 1945 – 2018, Cachoeirinha/RS

O sextilheiro padece
para se manter na trilha,
ou a internet demora
para trazer a sextilha,
ou, quando menos espera,
traz duas, três, uma pilha…
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Trova de Saquarema/RJ

JOÃO COSTA

 Lá vou eu, de verso em verso
- seja suave ou dura a lida -,
compondo pelo Universo
o poema da minha vida!…
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Glosa de Porto Alegre/RS

GISLAINE CANALES
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

MOTE:
Se essa aventura sonhada
se tornasse realidade,
com a carícia esperada
viria a felicidade!
Carmen Patiño Fernandes 
Coruña/Espanha

GLOSA:
Se essa aventura sonhada
um dia chegasse ao fim,
a minha alma, apaixonada,
sinto, explodiria em mim!

Se esse sonho que sonhei
se tornasse realidade,
tu serias o meu rei
e eu a tua deidade!

Fico até emocionada,
ardendo no meu desejo,
com a carícia esperada
com o calor do teu beijo!

Quero te amar com paixão
pois o amor não tem idade,
com ele, ao meu coração
viria a felicidade!
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Aldravia de Juiz de Fora/MG

CECY BARBOSA CAMPOS

chuva
chorando
tristeza
invade
minha 
alma 
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Soneto de Ilhavo/Portugal

DOMINGOS FREIRE CARDOSO

“As palavras perfumadas da confidência”
(Verso de Maria Goreti Andrade Carneiro Dias in “Textos de Amor", p. 40)

Palavras perfumadas de confidência
Dizias tu baixinho ao meu ouvido
E eu, delas tão sedento e atrevido
Ia perdendo, aos poucos, a inocência.

O amor ardia em nós com tal urgência
E como quase nada era proibido
Sem saber o caminho percorrido
Quase demos às portas da demência.

Dormem os nossos corpos saciados
Perdidos nos lençóis amarrotados
Envoltos numa paz que nos aquece.

Em redor tudo é calmo e é perfeito.
E eu sinto em mim que o mundo é o nosso leito
Como se nele nada mais houvesse.
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Trova Premiada em Bandeirantes/PR, 2020

ALBANO BRACHT 
Toledo/ PR

Decisão é coisa séria.
Convencido agora estou.
Quem concorda com miséria,
decidiu, mas não pensou.
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Poema de São Paulo/SP

RENATA PACCOLA

A espera angustia

A espera angustia.
Você para,
a mente se esvazia.
Aí você acende um cigarro,
começa uma poesia,
e alguém,
que você nunca viu,
começa a encará-lo.
Aí você perde o embalo,
fica sem graça,
coça o braço,
e olha para o outro lado.

A saudade angustia.
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Triverso de Curitiba/PR

ÁLVARO POSSELT

Esta vida é um mistério.
Perto da maternidade
também tem um cemitério.
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Setilhas para o Médico, de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

Todo Médico ao se formar 
jura "Hipocraticamente" 
de todo mundo tratar 
com cuidado, infelizmente 
médico também se esquece, 
e quando isto lhe acontece, 
quem paga o pato é o indigente! 

Tirante a graça dos versos, 
sou mui grato ao "Doutor", 
que luta em campos diversos 
para amenizar a dor, 
seja do rico ou do pobre, 
um gesto deveras nobre, 
que o faz ser nosso credor!
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Trova de Curitiba/PR

JANSKE NIEMANN SCHLENKER

Acordei (tinhas partido)
e me deixaste na estrada:
um pobre arbusto perdido
sem luz, sem pranto, sem nada…
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Ramalhete de Trovas sobre Palhaço, de Mogi-Guaçu/SP

OLIVALDO JÚNIOR

Quando o circo baixa a lona,
todo artista é feito o "clown":
cara em branco, bem pidona,
com tendência a ficar "down".
 
De carona num fusquinha,
com a mala colorida,
o palhaço é o "flanelinha"
no semáforo da vida.
 
Ao pintar o rosto pálido,
um Quixote em sofrimento
- o palhaço - torna válido
todo esforço contra o vento. 
 
O palhaço sempre insiste
numa alegre melodia,
sem saber que só existe
sua triste alegoria.
 
Palhacinho de mentira,
fui poeta de verdade,
que, no meio dessa lira,
foi embora da cidade.
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Poetrix de Belo Horizonte/MG

JUCINEIA GONÇALVES

esperança

Arranco pétala,
por pétala,
os mal-me-queres dessa vida
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Soneto de Portugal

DIOGO BERNARDES
Ponte da Barca, 1530 – 1594, ??

Da branca neve, e da vermelha rosa
O Céu de tal maneira derramou
No vosso rosto as cores, que deixou
A rosa da manhã mais vergonhosa.

Os cabelos (d’amor prisão formosa)
Não d’ouro, que ouro fino desprezou,
Mas dos raios do Sol vos os dourou,
Do que Cíntia também anda invejosa.

Um resplendor ardente, mas suave,
Está nos vossos olhos derramando
Que o claro deixa escuro, o escuro aclara;

A doce fala, o riso doce, e grave
Entre rubis, e perlas lampejando
Não tem comparação por coisa rara.
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Ouça os sons da natureza:
as águas, pássaros, ventos...
- Que orquestra produz beleza
maior que esses instrumentos?
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Poema de Belém/PA

EDVANDRO PESSOATO

Tiro direto

Somos da mesma espécie: manos
Por isso não me ameace: me abrace
Por isso não me confunda: me comova
Por isso não me apague: me navegue
Por isso jamais me ate: desate-me
Por isso não me torture: me ame
Por isso não me desacate: me acate

Somos da mesma árvore: mãe
Por isso não me entristeça: cresça
Por isso não me arranque: me plante
Por isso não me exploda: nem me explore
Por isso jamais me negue: se entregue
Por isso não me recolha: escolha
Por isso não me acabe: me encante
Por isso não fure os olhos: abra-os
Por isso não me afogue: me acenda
Por isso e por tudo mais
Sejamos da mesma espécie: manos

Contos e Lendas da Espanha (O califa, o pastor e a felicidade)

Um dia, o califa de Bagdá saiu para caçar com sua comitiva. Quis a má sorte que seu cavalo se assustasse e partisse em disparada pelos campos, sem que ele pudesse controlá-lo. Os homens que acompanhavam o califa tentaram segui-lo. Mas o cavalo corria tanto, que logo o perderam de vista.

Em vão o califa lutava, puxando as rédeas e gritando para conter o animal. Mas de nada adiantava. De repente, cavalo e cavaleiro se aproximaram de um precipício. Os dois já iam despencar, quando um pobre pastor de cabras, que ali cuidava de seu rebanho, correu e conseguiu segurar o cavalo.

O califa, ao ver o quanto o pastor tinha se arriscado para salvar-lhe a vida, pensou: "Vou oferecer-lhe a felicidade como recompensa por seu ato heroico." E jurou, pela própria barba, que haveria de conceder tudo o que ele lhe pedisse.

No dia seguinte, o pastor se apresentou na corte do califa e foi recebido imediatamente. O pastor se chamava Ben Adab e possuía um rebanho de cinquenta cabras. 

Disse ao califa  que gostaria muito de aumentar o rebanho para cem cabras e, para isso, necessitava de mais cinquenta.

Olhando-o com gratidão, o califa respondeu:

— Vejo que você se contenta com pouco. Portanto, além das cinquenta cabras, eu lhe darei uma pequena casa e um pedaço de terra, onde seu rebanho poderá pastar,

O pastor saiu do palácio muito contente, pensando que aquilo, sim, era a felicidade.,. Ganhar mais do que havia pedido: além das cinquenta cabras, uma casa e um bom pasto.

O pastor instalou-se em seu novo lar, soltou o rebanho de cem cabras nas terras que agora lhe pertenciam e fez amizade com os novos vizinhos. 

Certo dia, um deles lhe contou que tinha uma ótima casa, além de duzentas cabras e vastas pastagens.

Naquela noite, o pastor não conseguiu dormir, pensando no rebanho do vizinho e dizendo a si mesmo: "Como fui estúpido! Por que não pedi mais cabras ao califa? Se eu tivesse feito isso, hoje seria um homem tão próspero quanto meu vizinho..,"

Ficou remoendo esses pensamentos até altas horas. Por fim, vencido pela angústia e pelo cansaço, acabou adormecendo.

Na manhã seguinte, apresentou-se no palácio, cabisbaixo e constrangido. Pediu para ver o califa, que o recebeu cordialmente.

Relutante, o pastor falou sobre os pensamentos que o haviam perturbado durante a noite.

O califa riu:

— Homem, não era preciso ter perdido o sono por uma coisa tão simples.

Depois, o califa contou ao pastor que tinha jurado, por sua barba, que lhe concederia tudo o que desejasse, E concluiu:

— Claro que vou lhe dar mais cem cabras. Assim, você ficará com um rebanho igual ao de seu vizinho.

O pastor saiu do palácio, muito feliz. Mas, no caminho de volta para casa, começou a pensar: "Quer dizer que se eu pedisse duzentas, trezentas ou mil cabras, o califa me daria. Puxa, como sou idiota! Agora tenho somente duzentas."

Passou alguns dias ruminando esses pensamentos. Por fim, animou-se a retornar ao palácio. Disse ao califa que ainda não se sentia completamente feliz. Necessitava de mais cabras e de pastagens maiores para alimentá-las. 

O califa, que havia jurado satisfazer todos os desejos de seu salvador, atendeu o pedido.

Entusiasmado, o pastor foi para casa, dizendo a si mesmo que enfim havia encontrado a felicidade.

Mas a certeza durou pouco. Logo o pastor voltou a sentir-se frustrado. Começou a pensar e repensar sua situação, até que decidiu não mais viver no campo e sim na corte. E lá se instalou, com o consentimento e ajuda do califa.

Entretanto, o pastor não mudava nunca... Primeiro, ganhou uma casa confortável perto do palácio. Depois, insatisfeito, manifestou o desejo de ter uma casa maior. Ganhou-a e, pouco tempo depois, pediu um palacete... E logo o palacete pareceu acanhado demais, em comparação com outros, mais luxuosos.

O mesmo aconteceu em relação aos animais: em vez de cabras, preferiu mulas. Depois, em vez de mulas, preferiu cavalos puro–sangue... E o califa, como sempre, satisfez seus desejos.

A ambição do pastor estendeu-se também às relações sociais. Se antes ele se contentava em conversar ocasionalmente com os vizinhos, agora queria promover jantares, recepções e festas dispendiosas, com muitos comes e bebes, para centenas de convidados.

O califa começava a se inquietar com os constantes pedidos do pastor. Mas havia jurado, por sua barba, que o atenderia sempre. Por isso, continuava cedendo.

Nem assim o ambicioso Ben Adab se dava por feliz.

Certo dia, sentindo-se mais frustrado do que nunca, dirigiu-se ao palácio e disse ao califa:

— O senhor se ofereceu para me proporcionar a felicidade. E jurou que me daria tudo o que eu pedisse.

— De fato — respondeu o califa. — E se até agora você não alcançou a felicidade, com certeza não foi por minha culpa.

— Nesse caso... — disse Ben Adab — o que realmente preciso para me sentir feliz é ser califa. Portanto, quero que o senhor me conceda, por algum tempo, seu título e seu posto.

Diante dessas palavras, o califa mandou chamar o barbeiro real e, ali mesmo, ordenou que lhe raspasse a barba.

Depois, dirigiu-se ao pastor:

– Agora, nada mais me obriga a cumprir o juramento, pois já não tenho barba. Consequentemente, você não tem motivos para continuar aqui. Portanto, voltará a ser o que sempre foi.

O califa ordenou aos criados que despojassem Ben Adab de tudo o que possuía. Em seguida, mandou que o levassem de volta ao lugar onde o encontrara pela primeira vez.

Até hoje Ben Adab lá continua, com sua eterna insatisfação e suas cinquenta cabras, pobre como no dia em que conheceu o califa.

Fonte> Yara Maria Camillo (seleção). Contos populares espanhóis. SP: Landy, 2005.

Recordando Velhas Canções (O Rancho da Goiabada)

Compositores: João Bosco / Aldir Blanc

Os boias-frias quando tomam umas biritas
Espantando a tristeza
Sonham com bife à cavalo, batata frita
E a sobremesa
É goiabada cascão, com muito queijo, depois café
Cigarro e o beijo de uma mulata chamada
Leonor, ou Dagmar

Amar, um rádio de pilha um fogão jacaré a marmita
O domingo no bar, onde tantos iguais se reúnem
Contando mentiras pra poder suportar ai

São pais de santos, paus de arara, são passistas
São flagelados, são pingentes, balconistas
Palhaços, marcianos, canibais, lírios pirados
Dançando, dormindo de olhos abertos
À sombra da alegoria
Dos faraós embalsamados
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A Vida dos Trabalhadores na Visão de João Bosco
A música "O Rancho da Goiabada" de João Bosco é uma crônica social que retrata a realidade dos trabalhadores rurais, conhecidos como boias-frias, no Brasil. Através de uma letra poética e carregada de metáforas, o artista descreve o cotidiano árduo desses trabalhadores e seus pequenos prazeres como forma de escapismo da dura realidade.

A referência ao consumo de bebidas alcoólicas ('biritas') sugere uma tentativa de esquecer as dificuldades, enquanto a menção a alimentos simples, mas desejados ('bife à cavalo, batata frita'), e a sobremesa tradicional ('goiabada cascão com muito queijo') simboliza os pequenos luxos que eles anseiam. A figura da 'mulata chamada Leonor, ou Dagmar' representa o amor idealizado, um sonho distante da realidade cotidiana.

A música também aborda a diversidade cultural e social do Brasil, mencionando diferentes figuras como 'pais de santos, paus de arara, passistas' e outros, todos unidos pela necessidade de contar 'mentiras pra poder suportar' a vida dura. A 'alegoria dos faraós embalsamados' pode ser interpretada como uma crítica à sociedade que preserva as aparências enquanto ignora as dificuldades enfrentadas pela classe trabalhadora. João Bosco, conhecido por suas habilidades como compositor e violonista, utiliza sua música para dar voz às lutas e esperanças do povo brasileiro. (https://www.letras.mus.br/joao-bosco/46529/

sábado, 22 de junho de 2024

Isabel Furini (Poema) 63: Na escuridão

 

A. A. de Assis ( O “Estraga-Lar”)

O peixe apimentado ia apimentando cada vez mais o paroleio. Daí a pouco teve início a sessão de queixas e reclamações. O que falou menos mal da cara metade disse que a dita dormia sem dentadura

Quem me contou foi um amigo capixaba. Segundo ele, havia em Vitória um boteco famoso conhecido como “Estraga-Lar” – apelido que botaram nele por conta de um peixinho frito ali servido todo fim de tarde com cerveja ou caipirinha. O freguês saía do trabalho e dava uma passadinha lá pra lubrificar as vias digestivas. Daí que a cônjuja ficava esperando o respectivo em casa, ele não aparecia, e ela de logo dava conta do acontecido: “Encalhou no Estraga”.

Lares vários já haviam sido estragados pelo tal peixinho. Já dera desquite, divórcio, até muita bordoada de mulher nas costelas do desaforoso. O sujeito chegava lá e encalhava mesmo. Quem entrava não saía fácil. Não era talvez nem tanto pelo peixe, nem mesmo pelos repetidos goles. Era mais pela prosa. O pessoal chegava, agarrava na conversa, falava de tudo: de política, de façanhas amorosas, de futebol, até (preferentemente) de intimidades da alheia vida.

Lá um dia, num súbito, entrou no “Estraga” uma insólita presença de saia – Dona Zuca. Pediu peixe, pediu pinga, só ela de mulher na roda barbuda. Os biriteiros estranharam de início, depois fizeram festa. Quem sabe outras tantas resolvessem também frequentar a casa, assim inspirando mais animados papos.

Dona Zuca entrou de sola na conversa. Provocou os papudos para que falassem de suas “puladas”. De cara cheia, eles abriram o baú das confissões. Ela se ria e dava corda. “Mulher é isso”, celebrou lá do fundo um dos bicancas. “Vai ser a rainha do Estraga”, propôs outro.

Machão perto de mulher fica mais empinado ainda. Cada um contava proeza maior.

O peixe apimentado ia apimentando cada vez mais o paroleio. Daí a pouco teve início a sessão de queixas e reclamações. O que falou menos mal da cara metade disse que a dita dormia sem dentadura. Dona Zuca fingia nem imaginar o que ali já falara dela o marido, que naquela tarde ela conseguira prender em casa mediante um purgante servido no almoço.  

“Vamos lá, pessoal”, sarreava ela, desafiando a homarada a encher mais a cuca. E tome peixe, e tome pinga, e deixa a prosa correr solta, que quanto mais solta mais comprometedora. Ela se rindo. Os caras nem desconfiando. Se alguém tentava mudar de assunto, ela cutucava: queria ouvi-los falar o máximo de suas traquinagens adulterinas. 

Até que… tchan-tchan-tchan-tchan… Na televisão do boteco entrou o Cid Moreira com o telejornal. Era a hora combinada. Dona Zuca chegou na porta e deu o sinal com um apito. Umas trinta senhoras, que estavam de tocaia na esquina, invadiram o “Estraga-Lar”.

Maridos cercados, Dona Zuca tirou da bolsa um gravador e fez rodar a fita. A pecadaria gravada arrepiou mais ainda a zanga das traídas. Foi a maior pancadaria já registrada nos anais do botequim.

Fonte: Enviado pelo autor.

Vereda da Poesia = 41 =


Trova Humorística de Santos/SP

ANTÔNIO COLAVITE FILHO

O meu cabelo, em verdade,
veja o estado que ele está:
- na banda de lá, metade;
 - metade em banda de cá ...
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Soneto de Curitiba/PR

VANDA FAGUNDES QUEIROZ

Conversa Calada

Com tanto sentimento solitário,
meu existir interno é tão intenso,
que para reparti-lo às vezes penso
num interlocutor imaginário.

E sinto, então, falar de modo vário
minha alma com seu repertório imenso,
tão vasto que nem sei como é que venço,
sozinha, o turbilhão do meu fadário.

Embora eu tenha apenas uma vida,
termino por fazer-me bipartida,
se eu mesma falo e escuto a minha voz.

Na minha eterna e ardente introversão,
de tanto argumentar com a solidão,
eu vivo sempre dialogando... a sós.
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Aldravia de Itajaí/SC

ANNA RIBEIRO

dor
em
gotas
sobre
púrpura
ilusão
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Soneto de Juiz de Fora/MG

HEGEL PONTES
(1932 – 2012)

Soneto verde

“O Paraibuna, rio singular 
Que vai passando mas não vai embora 
É testemunha mais que milenar 
Da mata do Krambeck em Juiz de Fora 

E diz que a mata é dona do lugar, 
Porque usucapiu a fauna e a flora 
E tudo que devemos preservar 
Desde ontem, hoje e séculos afora 

A mata é o grito verde permanente 
Da natureza em prol do meio-ambiente, 
O bem maior que a humanidade tem.

A mata é vida e em nome da harmonia 
A poetisa Clevane já dizia: 
Quem mata a mata morrerá também.” 
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Trova Premiada em Campo Mourão, 2022

HELDER MARTINEZ DAL COL 
Campo Mourão/PR

Cada experiência nova:
fortuna, alegria ou dor,
acaba virando trova.
Destino de Trovador!
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Poema de Catanduva/SP

ÓGUI LOURENÇO MAURI

Olhar de poeta

Olhar de poeta capta diferente...
Em vez de empecilhos, vê a beleza!
É o poeta que sempre passa pra gente,
Dos  puros sentimentos, a sutileza.

Da adversidade ele tira poesia,
Nas densas trevas, o poeta põe luz;
Sabe transformar tristeza em alegria,
No vulto de Judas, projeta Jesus.

O poeta olha com a percepção
De quem sabe pôr encanto em sua rima.
O olhar do poeta deixa a sensação
De um ser altaneiro que enxerga por cima.

A Pátria, sob o olhar de um poeta,
Reconhecida é em seu esplendor.
Uma atitude de postura correta,
De quem em seus versos lhe dedica amor.

No olhar do poeta há a magia
Que a tudo transforma em inspiração.
Para os versos de amor ou de rebeldia,
Seu olhar é antena do coração.
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Quadra Popular

Triste daquele a quem falta,  
na vida, que se evapora,          
uma criança que salta,  
que canta, que ri e chora!
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Soneto de Taubaté/SP

CESÍDIO AMBROGI
Natividade da Serra/SP, 1893 — 1974, Taubaté/SP

Manhã gloriosa

Cintila em ouro o sol pelos caminhos,
no esplendor da manhã que vem raiando;
ouve-se, além, o murmurar dos ninhos
e cruzam-se no espaço asas, noivando.

De em torno a um velho cocho, atropelando
inocentes e mansos cordeirinhos,
anda um poldro, a saltar. Passam riscando
o céu — flechas de neve — dois pombinhos.

E toda a terra que de luz se banha,
despe-se, enfim, das pérolas do orvalho,
para a luta da vida, intensa e estranha.

Obscuro e cruento o embate principia,
e tudo vibra à orquestra do trabalho,
na conquista do pão de cada dia...
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Trova de Juiz de Fora/MG

RENATO MATTOSINHOS

Na noite fria, esquecido,
eu vejo dramas bisonhos,
sou um boêmio perdido,
sem a mulher dos meus sonhos.
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Poema do Rio de Janeiro/RJ

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Itabira do Mato Dentro/MG, 1902 – 1987, Rio de Janeiro/RJ

Imortalidade

Morre-se de mil motivos
e sem motivo se morre
de saudade,
morreu o poeta
sem morrer à eternidade
ele que fez de uma pedra
louvor para sua cidade
gauche, grande destro
sem querer celebridade
pelos mil que era
num só se fez único
ficando no seu primeiro
caráter de bom mineiro
jamais morrerá
e sempre será.
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Haicai de Itapecerica/MG

CÉLIA LAMOUNIER DE ARAÚJO

O verde se pinta
mostrando serenas tramas
recriando a tinta.
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Sextilha de Pombal/PB

LEANDRO GOMES DE BARROS

Meus versos inda são do tempo
Que as coisas eram de graça:
Pano medido por vara,
Terra medida por braça,
E um cabelo da barba
Era uma letra na praça.
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Trova de Ribeirão Preto/SP

NILTON MANOEL
(Nilton Manoel de Andrade Teixeira)
1945 – 2024

Canta o galo, nasce o dia!
do chão da praça o sem nome,
põe num canto a moradia,
para lutar contra a fome.
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Glosa de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA

MOTE:
Caminhei por esta rua
procurando o teu calor,
ontem, eu quis dar-te a lua:
hoje, dou-te o meu amor!
José Feldman 
(Campo Mourão/PR)

GLOSA:
Caminhei por esta rua,
deserta, sem um vivente,
carregando a minha crua
dor, por estares ausente!

A cada esquina espreitava
procurando o teu calor,
porém não o encontrava;
só um frio ameaçador!

Um pensamento insinua
quão louco fui... sonhador;
ontem, eu quis dar-te a lua:
loucura... de um trovador!

Agora, quero falar-te;
ouve bem o meu clamor:
se a lua não pude dar-te,
hoje, dou-te o meu amor!
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Aldravia de Porto Alegre/RS

ZÉLIA DENDENA SAMPAIO

casa
de
palha
sono
que
gralha
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

ALPHONSUS DE GUIMARAENS FILHO
(Afonso Henriques de Guimarães Filho)
Mariana/MG, 1918 – 2008, Rio de Janeiro/RJ

Onde estás...

Onde estás já não sei. Senti bem perto
teu corpo desejado e sempre esquivo.
O amor é um sonho tanto mais incerto
quanto se faça latejante e vivo.

Procuro em mim a estrela e nada vejo.
Quando foi que a perdi? Não me lamento.
Mas o desejo, a febre do desejo,
uiva no vento e se desfaz no vento...

Tudo é saudade em mim. Se estendo os braços,
não colho o teu silêncio. E estás distante...
Mas como em mim não sonhas, como insistes

em superar insônias e cansaços
e colocar no coração amante
coisas da infância, muito embora tristes!
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Trova Premiada em Campo Mourão, 2022

LUÍZA FILLUS 
(Luíza Nelma Fillus)
Irati/PR

Mistérios são tênues linhas
que abrem possibilidades
de vislumbrar entrelinhas,
no mar das diversidades.
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Poema do Rio de Janeiro/RJ

ANASTÁCIO LUÍS DO BONSUCESSO
(1836 – 1899)

Os Ossos

Os ossos de um nobre se encontraram
Com os ossos de um peão. Estando a sós,
Nas tristes solidões de um cemitério,
Pergunta o nobre ao outro: “Os teus avós?…

Por entre essas ossadas que embranquecem
Da lua ao clarão mostrai-me os vossos.”
Responde-lhe o plebeu: “Não os distinguo;
São do nobre e plebeu iguais os ossos.”

Nas pedras sepulcrais ainda brilham
Dos homens a vaidade e a impostura!
Levantai-as, leitor, lede nos ossos…
Somos todos iguais na sepultura!
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Triverso de de São Paulo/SP

CAMILA JABUR

vento nas cortinas,
fico atenta
ao que a manhã ensina.
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Setilha de Caicó/RN

PROFESSOR GARCIA 
(Francisco Garcia de Araújo)

No sertão, cada filho é uma flor, 
que perfuma e inebria um lar feliz, 
quanto mais nasce gente em cada casa, 
mais o dono da casa pede bis; 
mamãe tinha um menino todo ano, 
papai pobre não quis mudar de plano 
criou onze do jeito que Deus quis.
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

A história, através dos anos, 
ensina a grande lição: 
– o destino dos tiranos 
será sempre a solidão!
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Dobradinha Poética de Bandeirantes/PR

LUCÍLIA ALZIRA TRINDADE DECARLI

Muralhas da razão

Nas lágrimas derramadas,
transbordantes de emoção,
essas águas são chamadas
torrentes do coração!…

Às vezes nem sabemos como nasce
tamanha angústia vinda, de repente,
e ao deslizarem lágrimas na face,
nos surpreende a súbita vertente.

Encurralados diante deste impasse:
— ver descoberto o nosso ser carente!...
Dentro de nós, talvez, algo ultrapasse
o escrúpulo insalubre e prepotente.

Lágrimas brotam, soltas, sem disfarce,
e o coração consegue apoderar-se
de um sentimento sufocado em vão.

Mas quando o pranto silencia um grito
pronto a lançar seu eco no infinito,
não derrubou muralhas... da razão!
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Poetrix da Flórida/USA 

ÂNGELA BRETAS
(Ângela Bretas Gomes dos Santos)

Menino de Rua

Na miséria das ruas
Teu sorriso vem fácil
E a morte também…
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Soneto de Jenipapeiro/PI

FRANCISCO MIGUEL DE MOURA

O Tempo Existe

Existe um tempo que sequer sentimos,
existe um tempo que sequer pensou-se,
existe um tempo que o tempo não trouxe,
existe um tempo que sequer medimos.

Existe mais: um tempo em que sorrimos,
diferente do tempo em que chorou-se,
e um tempo neutro: nem amaro ou doce.
Tempos alheios, nem sequer são primos!

Existe um tempo pior do que ruim
e um tempo amado e um tempo de canção,
existe um tempo de pensar que é o fim.

Tempo é o que bate em nosso coração:
um tempo acumulado em tempo-sim,
e um tempo esvaziado em tempo-não.
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Trova de Mogi das Cruzes/SP

DÉCIO RODRIGUES LOPES

Na minha "Melhor Idade",
sendo  velho, sou criança.  
Vivendo a felicidade...
No carrossel  "Esperança"!
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Poema de Portugal

ADOLFO CASAIS MONTEIRO
(Adolfo Vítor Casais Monteiro)
Porto, 1908 – 1972, São Paulo/SP

Permanência

Não peçam aos poetas um caminho. O poeta
         não sabe nada de geografia celestial.
         Anda aos encontrões da realidade
         sem acertar o tempo com o espaço.
         Os relógios e as fronteiras não tem
         tradução na sua língua. Falta-lhe
         o amor da convenção em que nas outras
         as palavras fingem de certezas.
         O poeta lê apenas os sinais
         da terra. Seus passos cobrem
         apenas distâncias de amor e
         de presença. Sabe
         apenas inúteis palavras de consolo
         e mágoa pelo inútil. Conhece
         apenas do tempo o já perdido; do amor
         a câmara escura sem revelações; do espaço
         o silêncio de um voo pairando
         em toda a parte.
         Cego entre as veredas obscuras é ninguém e nada sabe
         — morto redivivo.

          Tudo é simples para quem
         adia sempre o momento
         de olhar de frente a ameaça
         de quanto não tem resposta.
         Tudo é nada para quem
         descreu de si e do mundo
         e de olhos cegos vai dizendo:
         Não há o que não entendo.

Recordando Velhas Canções (Marcha da quarta-feira de Cinzas)


Compositores: Vinicius de Moraes e Carlos Lyra

Acabou nosso carnaval, 
ninguém ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações saudades 
e cinzas foi o que restou
Pelas ruas o que se vê 
é uma gente que nem se vê
Que nem se sorri, se beija e se abraça
E sai caminhando, dançando 
e cantando cantigas de amor
E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade
A tristeza que a gente tem 
qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir, 
voltou a esperança
É o povo que dança, 
contente da vida feliz a cantar
Porque são tão tantas coisas azuis, 
há tão grandes promessas de luz
Tanto amor para amar 
que a gente nem sabe
Quem me dera viver pra ver 
e brincar outros carnavais
Com a beleza dos velhos carnavais
Que marchas tão lindas
E o povo cantando seu canto de paz
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A Melancolia Pós-Carnaval em 'Marcha da Quarta-feira de Cinzas'
A música 'Marcha da Quarta-feira de Cinzas', interpretada pelo Quarteto em CY, é uma reflexão melancólica sobre o fim do carnaval, um período de festividades e alegrias intensas no Brasil. A letra descreve o contraste entre a euforia do carnaval e a quietude que se instala após seu término. As ruas, antes cheias de vida e cor, agora estão silenciosas, e as pessoas parecem desanimadas e distantes umas das outras, marcadas pelas 'saudades e cinzas' que restaram.

No entanto, a canção também traz uma mensagem de esperança e resiliência. Apesar da tristeza momentânea, há um chamado para que se continue a cantar e alegrar a cidade. A música sugere que a alegria é um ato de resistência e que a esperança deve ser mantida viva. A referência às 'coisas azuis' e 'promessas de luz' simboliza a possibilidade de dias melhores e a importância de manter o amor e a esperança no coração.

Por fim, a música evoca a nostalgia dos carnavais passados e o desejo de reviver esses momentos de felicidade. A 'Marcha da Quarta-feira de Cinzas' é um hino à beleza da tradição carnavalesca e ao espírito de paz que ela pode inspirar. Através de suas letras, a música convida a refletir sobre a transitoriedade da vida e a importância de valorizar e perpetuar os momentos de alegria e união. (https://www.letras.mus.br/quarteto-em-cy/588401/

Jaqueline Machado (“A Metamorfose”, de Franz Kafka)

A incipit* da história atiça a curiosidade dos amantes da literatura e diz assim:

“Quando Gregor Sansa despertou certa manhã, de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”.  

A espécie de inseto que o protagonista se transformou não é dita pelo autor, embora muitos digam que o inseto é uma barata gigante. 

Gregor mora com seu pai, sua mãe e sua irmã. Trabalhava como caixeiro-viajante e sustentava a família. 

Mas depois do estranho acontecimento, ficou perceptível que as pessoas do seu lar mudaram seu status de bom rapaz por “fardo familiar”. 

Antes, ele era o provedor da casa, depois, tornou -se um inseto nojento que só podia movimentar-se, e movimentar-se mal, em sua cama e pelas paredes do próprio quarto. A irmã colocava os pratos de comida por debaixo da porta do quarto dele. E seus pais temiam se aproximar de sua nova versão.

Esta história também é uma parábola que descreve o que acontece com as pessoas idosas deixadas de lado por familiares, e com as pessoas com limitações físicas ou mentais, que sofrem por causa da rejeição dos que têm por dever cuidá-las e amá-las, mas lhes negam até mesmo cuidados básicos. 

Kafka, com seu brilhantismo, consegue descrever nessa obra, que nem todo mundo é mau, mas que existe muita gente que só trata bem o seu semelhante quando ganha algo em troca. E depois, se a pessoa não possui mais nada a oferecer, passa a ser desprezada e cancelada pela família e pela sociedade em geral. 

Antes, Gregor era uma joia rara. Depois virou um imprestável que morreu sozinho. E foi varrido e colocado no lixo.
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* Incipit = Primeiras palavras de uma obra.

Fonte: Texto enviado pela autora do artigo 

sexta-feira, 21 de junho de 2024

Daniel Maurício (Poética) 69

 

Millôr Fernandes (O cavalo e o cavaleiro)

Pois ainda que pareça incrível, quando o homem chegou às portas do céu, São Pedro disse:

– “Não pode entrar!”

– “Como não posso entrar? Tenho folha corrida de bons antecedentes e tenho bons antecedentes mesmo.” 

– “Sei” – respondeu São Pedro – “mas no céu ninguém entra sem cavalo.”

E o homem, não podendo argumentar com São Pedro, voltou. No caminho encontrou um velho amigo e perguntou aonde ele ia. Disse o amigo que ao céu. Ele lhe explicou então que, sem cavalo, “neca”. O amigo então sugeriu:

– “Olha aqui, São Pedro já está velho. Você fica de quatro, eu monto em você. Ele não percebe nada porque já está velho e míope e nós entramos no céu.”

E assim fizeram.

Na porta, o Santo olhou o nosso herói:

“Opa, você de novo? Ah, conseguiu cavalo, heim? Muito bem, amarre aí fora e pode entrar.”

MORAL: BURRO NÃO ENTRA NO CÉU.