domingo, 30 de março de 2025

Vereda da Poesia = 237


Soneto de
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

O SABER

O saber, que arrebata e que mantém ativo
o lampejo do gênio e a fluência da história,
abre portas e as fecha, em rigor decisivo,
soberano senhor das chaves da memória.

Esse mesmo saber pode tornar cativo
o incauto que se ilude às promessas de glória
e, a erguer-se em pedestal, não mais que tolo altivo,
permite que a soberba o enleie compulsória!

Ao ver tombar ao chão seus castelos e aprumos,
na busca ao próprio eu, o homem se desengana
a revelar-se anão de limitados rumos!

Sem saber de onde vem, sequer sabe quem é!...
- Toda arrogância vã, toda a vaidade humana,
desmoronam aos pés, humílimos, da Fé!
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Poema de 
ANTONIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA

Há horas que o homem deve
estar só com seus consigos;
outras vezes quer chamego
quer ombros, braços, abrigos…
Deve, pois, ser uma ilha
cercada de… mil amigos!
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Você ontem me falou
que não anda, não passeia,
como é que hoje cedinho
eu vi seu rasto na areia?
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Soneto de
VINICIUS DE MORAES
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980

Soneto a Quatro Mãos

Tudo de amor que existe em mim foi dado
Tudo que fala em mim de amor foi dito
Do nada em mim o amor fez o infinito
Que por muito tornou-me escravizado.

Tão pródigo de amor fiquei coitado
Tão fácil para amar fiquei proscrito
Cada voto que fiz ergueu-se em grito
Contra o meu próprio dar demasiado.

Tenho dado de amor mais que coubesse
Nesse meu pobre coração humano
Desse eterno amor meu antes não desse.

Pois se por tanto dar me fiz engano
Melhor fora que desse e recebesse
Para viver da vida o amor sem dano.
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Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

Aqui, onde o talento verdadeiro
Não nega o povo o merecido preito;
Aqui onde no público respeito
Se conquista o brasão mais lisonjeiro.

Aqui onde o gênio sobranceiro
E, de torpes calúnias, ao efeito,
Jesuína, dos zoilos* a despeito,
És tu que ocupas o lugar primeiro!

Repara como o povo te festeja...
Vê como em teu favor se manifesta,
Mau grado a mão, que, oculta, te apedreja!

Fazes bem desprezar quem te molesta;
Ser indif'rente ao regougar** da inveja,
"Das almas grandes a nobreza é esta."
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* zoilos = críticos invejosos, apaixonados.
** regougar = resmungar.
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Poema de
CRIS ANVAGO
Setúbal/ Portugal

Teus lábios…
encostados aos meus com carinho,
esperam a embriaguez da paixão
a noite que transpira emoção... 
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Soneto de
MARTINS FONTES
Santos/SP, 1884 – 1937

Crepúsculo

Alada, corta o espaço uma estrela cadente.
As folhas fremem. Sopra o vento. A sombra avança.
Paira no ar um langor de mística esperança
e de doçura triste, inexprimivelmente.

À surdina da luz irrompe, de repente,
o coro vesperal das cigarras. E mansa,
E marmórea, no céu, curvo e claro, balança,
entre nuvens de opala, a concha do crescente.

Na alma, como na terra, a noite nasce. É quando,
da recôndita paz das horas esquecidas,
vão, ao luar da saudade, os sonhos acordando...

E, na torre do peito, em plácidas batidas,
melancolicamente o coração chorando,
plange o réquiem de amor das ilusões perdidas.
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Haicai do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

Minha mãe, de joelhos,
com o velho terço entre os dedos,
pede a Deus, conselhos!
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Soneto de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Enerva-me esta chuva impertinente
(Fernandes Valente Sobrinho in "Poemas Escolhidos", p. 127)

Enerva-me esta chuva impertinente
Que tomba lá dos céus feitos de breu
E as gotas são o pranto que nasceu
De nuvens que tivessem dor de gente.

O vento ainda faz mais repelente
Cada pingo que o meu rosto ofendeu
Lágrima que do ar se desprendeu
Como um cristal da mágoa que alguém sente.

A chuva tudo alaga, tudo invade
Deixando o fino véu dessa umidade
Caído pelo chão, pênsil dos ramos.

E sobe uma revolta ao meu olhar;
Por que há de a Natureza assim chorar
Do modo como nós também choramos?
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Poema de
MACHADO DE ASSIS 
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908

GONÇALVES CRESPO

Esta musa da pátria, esta saudosa
Níobe dolorida,
Esquece acaso a vida,
Mas não esquece a morte gloriosa.

E pálida, e chorosa,
Ao Tejo voa, onde no chão caída
Jaz aquela evadida
Lira da nossa América viçosa.

Com ela torna, e, dividindo os ares,
Trépido, mole, doce movimento
Sente nas frouxas cordas singulares.

Não é a asa do vento,
Mas a sombra do filho, no momento
De entrar perpetuamente os pátrios lares.
= = = = = = 

Poemeto de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP

Um olhar pode eternizar um momento
mas uma noite não dura para sempre.
Um sorriso às vezes é aconchego, ou
pode ser um retrospecto, um lamento.
Mas na noite... O sonho torna-se cura.
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Soneto de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP

MUDANÇA DE RUMO

Não consigo entender tua procura
e essa corrida que não tem descanso,
se a vida foi madrasta, triste e dura,
melhor é procurar outro remanso.

Às vezes, o capricho é uma loucura,
não traz felicidade nem avanço
na procura da Paz e da Ventura,
o Amor fala mais alto, embora manso.

Por que buscar carinho na incerteza,
se aqui mesmo tens luz e tens beleza
que podem transformar o teu desejo?

É melhor prosseguir naquela estrada
onde a felicidade fez morada
e estará te esperando com um beijo.
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Poema de
CÉLIA EVARISTO
Lisboa/ Portugal

MAIS

O teu coração nunca me amou,
o teu olhar nunca me encontrou.
E as vezes em que a tua pele a minha tocou,
foram vezes vazias, 
de ti nada ficou…

E eu queria receber mais, 
apenas uma réstia
do que sempre te dei.

As horas, os minutos e os segundos,
o tempo que te dediquei,
deitaste fora sem pensar
que me poderias magoar.

Dei-te o que nunca tive em troca,
porque quem ama
também espera ser amado.
Mas em vez de amor
recebi a dor 
de um ser abandonado.

E eu queria receber mais, 
apenas uma réstia
do que sempre te dei.

Os passos lentos que davas
quando eu corria
e caía nos teus braços.
Sorria-te,
ignoravas-me.

Pedia-te tempo,
dizias ter pressa.
E a cada momento
uma promessa.

E eu queria receber mais, 
apenas uma réstia
do que sempre te dei.

Nunca soubeste o que era o amor.
A vida, para ti, sempre foi fugaz,
intensa de coisas banais.
Nunca perdeste o teu tempo
para ser mais.
= = = = = = = = =  

Poema de
SILMAR BOHRER
Caçador/SC

LÁGRIMAS
         
 A nossa vida é um padecer incessante.
Em cada lágrima um mistério profundo
verte nos olhos o tormento constante
que aflige a alma humana neste mundo.

Em cada lágrima sangra com ardimento
a ferida duma paixão que silenciamos
e escorre da intimidade o sofrimento
pelo delírio do amor que alimentamos.

Em cada lágrima vivemos a desventura
dum adeus tristonho e o mais sagrado
anseio da volta esperada com ternura.

Em cada lágrima existe uma constância
a instruir que só após termos chorado
aprendemos a ver melhor uma distância.
= = = = = = = = =  

Poeminha de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Ostras
e palavras.
Conteúdo:
pérolas.
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Soneto de
JÉRSON BRITO
Porto Velho/ RO

O CÁLICE

As madrugadas atravesso em claro
Tendo este cálice por companhia,
Sorvo d'angústia o paladar amaro,
Nada mais fulge, nada me alumia.

Quanto negrume verte meu suspiro,
Essa lembrança, quando vem, magoa,
Nenhum alento no horizonte miro,
Somente um brado lastimoso ecoa.

Devaneando nest'alcova escura
Vejo-me à beira dum abismo fero.
Nem mesmo estrelas tem o céu... Nem lua!

A dor me cinge e se tornou clausura,
Se regressares, meu amor, espero
Embebedar-me da meiguice tua.
= = = = = = = = =  

Poetrix de
TASSO ROSSI
Porto Velho/RO

GEOMÉTRICA MENTE

tuas curvas,
meus planos…
tangentes.
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Poema de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/SP

EU E O TEMPO

Nos meus poemas faço uma profunda reflexão
sobre  o  sentido da vida.
Vivi, vivo, sofro e faço versos.
Mas a vida engole com sofreguidão as minhas rimas,
as  minhas  metáforas,  meus  tempos  verbais,
que  tanto  sustentaram  meus quereres.
 E meus poemas já pedem escoras.
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Soneto de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

ANTES DE NÓS

Quando eu partir para o destino derradeiro
Irá  comigo, o amigo que... ficar
e eu dormirei dentro da luz do seu olhar 
mais fraternal, mais luminoso e prazenteiro.

Ele há  de rir, sorrir, cantar o que eu cantei,
lembrar-se-á até  das minhas gargalhadas,
remoerá, com alegria, as piadas
que me contou e que eu também já lhe contei.

Se ele se for antes de mim, hei de guardá-lo 
no coração, porque a bênção  fraternal
que há em nós há de fazer-me preservá-lo 

e preservar- me dentro do seu coração, 
porque o amor que torna o outro tão  igual. 
sempre abençoa quem foi verdadeiro irmão.
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Poema de
J. G. DE ARAÚJO JORGE
Tarauacá/AC (1914 – 1987) Rio de Janeiro/RJ

A ESPERA

Ela tarda... E eu me sinto inquieto, quando
julgo vê-la surgir, num vulto, adiante,
- os lábios frios, trêmula e ofegante,
os seus olhos nos meus, linda, fitando...

O céu desfaz-se em luar... Um vento brando
nas folhagens cicia, acariciante,
enquanto com o olhar terno de amante
fico à sombra da noite perscrutando...

E ela não vem...Aumenta-me a ansiedade:
- o segundo que passa e me tortura,
é o segundo sem fim da eternidade...

Mas eis que ela aparece de repente!...
- E eu feliz, chego a crer que igual ventura
bem valia esperar-se eternamente!...
= = = = = = = = =  

Soneto de
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP

BEIJOS DE VERDADE
(Anadiplose*)

Verdade! Beijos poéticos, dei!...
Dei no rosto, com afeto e carinho.
Carinho à cova dos seios, sonhei;
Sonhei e me deliciei de mansinho.

De mansinho, fui; te beijei na nuca;
Na nuca, sempre pensei te beijar.
Beijar devagar, te deixar maluca;
Maluca, enfim, sem poder disfarçar.

Disfarçar, nunca foi, aliás, teu forte.
Forte é, mesmo, o amor que sinto por ti.
Por ti, faço tudo, busco meu norte.
Meu norte é teu rumo, eu não desisti.

Eu não desisti de abraçar-te ao vivo.
Ao vivo, em cores, sentir teu calor.
Calor presente, eis um forte motivo.
Motivo que sublima nosso amor.

Amor tão sofrido alimenta os sonhos.
Sonhos tais de te abraçar à vontade...
Vontade de ver teus lábios risonhos.
Risonhos, para beijos de verdade!
_____________________________
(*) - Figura de linguagem que consiste na repetição da palavra (ou últimas  palavras) de um verso (frase) como palavra(s) inicial(ais) do verso seguinte.
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Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES

ANJOS E DEMÔNIOS

Se acaso ainda sofre, noite afora,
em sua infinitude mal dormida;
se a insônia, em noites tristes, apavora
e o pranto ainda inunda a sua vida...

Talvez seja o momento, então, querida,
de ponderar que enquanto você chora 
minha alma, aqui, também está sofrida
e a dor da despedida me devora.

Bem sei que tenho em mim algum defeito
mas nem por isso a vejo no direito
de impor a culpa inteira a mim somente.

Nenhum de nós é santo ou pecador,
mas creio que erra ainda mais, amor,
não assumindo o que deveras sente!...
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Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964

ALVA

Deixei meus olhos sozinhos
nos degraus da sua porta.
Minha boca anda cantando,
mas todo o mundo está vendo
que a minha vida está morta.

Seu rosto nasceu das ondas
e em sua boca há uma estrela.
Minha mão viveu mil vidas
para uma noite encontrá-la
e noutra noite perdê-la.

Caminhei tantos caminhos,
tanto tempo e não sabia
como era fácil a morte
pela seta do silêncio
no sangue de uma alegria.

Seus olhos andam cobertos
de cores da primavera.
Pelos muros de seu peito,
durante inúteis vigílias,
desenhei meus sonhos de hera.

Desenho, apenas, do tempo,
cada dia mais profundo,
roteiro do pensamento,
saudade das esperanças
quando se acabar o mundo…
= = = = = = = = =

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