segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Bruno Camargo (Pó de Estrelas)


A primeira vez em que viajei pelo espaço, tinha nove anos. Foi num sonho, mas foi real. Foi tão real que, na época, me assustei. Já não conseguia jogar meus videogames de batalhas estelares sem pensar que estive lá. Star Fire, Space Invaders, todos estes acabaram no lixo. Os jogos me lembravam de viajar entre as estrelas, cruzar galáxias. Claro que meus pais não poderiam imaginar que aquilo ia muito além de um devaneio infantil. Eu mesmo ignorei aquilo por muito tempo, até que logo os sonhos pararam e eu não conseguia mais viajar entre as estrelas.

Já na faculdade, meio cansado após uma semana de provas, fui a uma festa com bebida de graça e me embebedei, o maior dos porres que já havia tomado. E, por alguma razão, eu me vi voando entre planetas mais uma vez. A luz forte das nebulosas, berços de estrelas, a música dos astros em movimento, o calor de asteróides em colisão. É claro que a dor de cabeça no dia seguinte não valia a pena. Mas a saudade daquela experiência espacial era tão grande, que precisei procurar uma maneira mais segura de realizá-la de volta. Ter o mesmo sonho anos depois precisava significar alguma coisa. E eu sabia que era a mesma experiência, pois era tão boa e única que só poderia ser a mesma.

Flutuar no espaço, dançando sem gravidade e sem preocupação, sentindo a energia do Universo, ouvindo a música dos astros. Coisas que esquecemos quando descemos à Terra. Sentir a poeira estelar que dá origem à vida de novas estrelas e astros e seres que parecem imaginação. E conhecer os nossos vizinhos do espaço.

Quando os vi pela primeira vez, quando tinha meus nove anos, fiquei assustado. Minha mãe nunca havia me dito que havia outro tipo de gente fora do nosso planeta e, mesmo que eles parecessem simpáticos ao se aproximar, fiquei com medo. Só me acalmei quando meu pai me disse que era um sonho e quando lembrei da sensação que tive quando me embrenhei numa nebulosa. Essa era a sensação que eu tanto busquei mais uma vez.

Pesquisei na internet se mais alguém já tinha vivido algo parecido, e como fizeram pra voltar para aquilo. Muitas bobagens depois, comecei a perceber um padrão entre aqueles textos mais convincentes: a meditação era a chave. O completo silêncio de corpo e alma funcionava como uma ligação direta com o “barulho” do universo.

Resolvi que, naquele fim de semana, eu iria meditar. Descobri que atrás da minha rua havia uma dessas lojinhas místicas que vendem cristais e apanhadores dos sonhos. Coisas que a gente só percebe que existem quando precisamos delas. Comprei uns incensos para criar um clima. No sábado, desliguei o celular, sentei no centro da sala sobre um tapete redondo, vermelho com círculos dourados, com as pernas cruzadas, acendi o incenso e fechei os olhos.

Esvaziar a mente, era o que todos diziam. Pense em nada. Pensar em nada é pensar em alguma coisa, não é? Isso seria bem mais difícil do que eu pensava. Talvez devesse ter pensado em nada mesmo.

Apesar da dificuldade, não desisti. Sábado após sábado, eu me sentava no chão da sala com meus aromas e tentava meditar. Não via nada ainda, mas chegava a passar duas horas meditando, pensando em nada. Era relaxante, pelo menos. Depois de uns dois ou três meses, consegui um resultado diferente. Do meio do vazio, luzes começaram a acender, formando constelações. De volta ao Universo.

Minha alegria já era imensa, mas com uma surpresa eu não contava. Aqueles seres que vi, certa vez, estavam ali de novo. Me chamando. Seres compridos, magros, brancos de luz. Pernas e braços alongados, cabeça arredondada. Não consegui ver as formas de seus corpos e rostos. Etéreos. Luminescentes.

Sem conversar, nos comunicamos. Eu olhava para seus corpos, e informações vinham à minha cabeça. Lembranças muito antigas, de um tempo que nem sabia que vivi. Ali, flutuando pelo espaço, conheci minha própria vida, minha essência, meu eu.
Aquela era minha família. Eu era um deles, viajante do Universo, poeira cósmica, filho das estrelas. Há muitos anos, decidi viver na Terra, explorar aquele planeta que ainda precisava de diretrizes para se desenvolver. Meu serviço já havia acabado, contudo. Era hora de voltar.

Ao passo que me dei conta de minha verdadeira existência, minha razão, me recordei dela. Minha alma gêmea. A mulher que deixei no espaço para me dedicar à Terra. Uma saudade que antes mal sabia existir, agora era lancinante. Meus olhos lacrimejavam. Ela surgiu entre os seres e veio em minha direção. A emoção percorria meu corpo como faíscas. Estiquei meu braço para tocá-la.

Foi quando percebi que eu já não era o mesmo. Meu braço era feito de luz, assim como o de meus amigos. Assim como todo o meu corpo se tornara luz como o deles. Ela tocou sua mão na minha, unindo nossos corpos. Uma palpitação percorria por mim, e eu sentia os sentimentos dela. Estávamos nos unindo, tornando-nos um só. A luz que saía de nós era vigorosa, pura.

Nossos corpos se desfaziam em união, tornando-se uma poeira arroxeada, brilhante. Um Universo dentro de um Universo dentro de um Universo. Juntos, nos refazíamos.

Aquela sensação que eu sempre senti, chegava agora no seu clímax. Um berço de estrelas. Nós nos doamos para o nascimento de uma nebulosa. Poeira de estrelas.
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Veja sobre lançamento do livro de contos Passageiros do Espelho, org. Isabel Furini em http://singrandohorizontes.blogspot.com/2011/07/isabel-furini-lancamento-de-passageiros.html

Fonte:
Conto extraído do livro de contos “Passageiros do Espelho”, organização e seleção de Isabel Furini. Lançado em 2011.

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