sábado, 10 de novembro de 2012

António Torrado (A Parede com Ouvidos)


Ilustração: Cristina Malaquias

(Da Seleção de Contos Infantis)

Era uma vez uma parede que tinha ouvidos.

Nada de estranhar. Ele há gente que se pela por contar segredos, próprios ou alheios, sem ligar ao aviso dos mais prudentes: "Cuidado que as paredes têm ouvidos". Alguma vez acabaria por ser verdade.

Esta tinha ouvidos e até olhos, calculem. Só lhe faltava a boca e, já agora, o nariz.

Espessa e toda fechada, sem portas nem janelas, acumulava o que via e ouvia no cerrado dela mesma, no mais dentro das pedras e do cimento de que era feita.

– É uma parede fixe – diziam as pessoas, espalmando as mãos na parede que, já se vê, não dava de si.

Até que um dia, houve uma festa na aldeia, festa a valer, com foguetório, música na praça, artistas vindos de fora e bailarico até altas horas.

Um dos altifalantes da instalação sonora foi aplicado à parede que tinha ouvidos.

A meio da musicata, ouviu-se uma voz dizer em segredo, mas de modo que todos ouvissem:

– A Tia Hermínia só toma banho na Páscoa.

O pessoal riu-se. Aquilo seria brincadeira de garotos… Logo a seguir, outra revelação:

– O Armindo e a Arminda andam a namorar às escondidas.

Embora a maioria da aldeia já soubesse, alguns estranharam o despropósito da notícia, a interromper a música.

– O Porfírio faz de pobretana, mas tem quilos de notas a forrar o colchão.

Aqui a surpresa foi maior, sobretudo para o Porfírio, mendigo de mão estendida à porta da igreja.

Mas donde viriam as falas? Da cabine de som não era. Do cantor, que no palco esbracejava a sua irritação, também não era.

– A Dona Camila já não paga aos criados há três meses, mas não quer que se saiba.

Aquilo já soava a escândalo. Foi a própria Dona Camila que apontou para o altifalante, pendurado na parede, a tal que tinha ouvidos:

– A voz vem dali.

Pois vinha. Arrancaram os fios ao altifalante e a voz calou-se. Acabaram-se as novidades, as inconfidências.

E, à cautela, quando voltou a haver festa na terra, nenhum altifalante coube à parede que sabia demais.

Júlio Salusse (Os Cisnes: A História Belíssima de um Soneto)


Nilo Bruzzi, amigo e biógrafo de Júlio Salusse, escreve:

"Júlio Salusse adquire um terreno na avenida Friburgo, à margem do Bengalas, desenha uma planta de casa, contrata um pedreiro e faz construir um simpático "chalet" em centro de formoso jardim. É hoje (1950) a casa nº 158 da Avenida Comte. de Bittencourt, residência do Doutro Hugo Antunes. Ali instala-se sozinho. É o Promotor Público de Nova Friburgo. A cidade regurgitava de famílias elegantes do Rio que para lá iam passar o verão.  Os condes de Nova Friburgo tinham regressado da Europa e habitavam o suntuoso Castelo do Barracão. 

"Baile no Cassino. O que há de mais distinto na sociedade de Nova Friburgo ali está. Júlio Salusse, cabelos dourados, olhos profundamente azuis, buço louro, tez muito clara e rosada, elegante, alto, lenço de cambraia evolando perfume inebriante, gravata de seda fina e colorida, também ali está. Duas moças formosíssimas polarizam a atenção de todos os rapazes. Vera van Erven, loura, clara, olhos azuis, elegantíssima, inteligente, risonha, dançando muito bem, intelectual, dizendo versos de cor, conversando com todos e por todos admirada. Laura de Nova Friburgo, a castelã do Barracão, lindíssima, de um moreno delicioso, olhos brilhantes e escuros, recém-chegada da Europa, onde fora se instruir. [...]

"Júlio Salusse naquela noite conheceu ambas e com ambas dançou. [...]

"Dias depois, nova festa em casa do Dr. Ernesto Brasil de Araújo.

"Baile animado. Laura está mais linda, com seu fofo vestido de rendas, seus maravilhosos cabelos, olhos provocadores, aquele moreno inesquecível.

"Em seguida, vieram dias de chuvas copiosas. Júlio Salusse fica preso em casa, naquele simpático "chalet" à margem do rio, cercado de flores. Uma noite, o sonho embala o seu pensamento. Passa-lhe pela lembrança a formosa moça do Castelo do Barracão...

"Está só. A chuva lá fora cai ininterrupta. As águas do rio crescem. E o poeta começa a compor o soneto - Cisnes - que lhe vai abrir as portas da glória imorredoura. Quando, no terceiro dia, cessa a chuva, Júlio Salusse tem pronto os versos imperecíveis. [...]

"Um novo baile, agora no Castelo do Barracão, proporciona novo encontro de Júlio Salusse com Laura de Nova Friburgo. Dançam, conversam. Mas o poeta, que é arrojado no pensamento, tem, entretanto, a palavra contida pela timidez, oriunda da falta de confiança em si mesmo. [...]

"E o que poderia ter sido um delicioso enredo sentimental ficou sendo um êxtase ungido da filosofia de Platão, silencioso, como daquele outro Petrarca que, em 1327, à porta da Igreja de Santa Clara, em Avignon, viu pela primeira vez aquela outra Laura de Novaes, esposa de Ugo de Sade, e nunca mais a esqueceu nos seus versos imortais".

JÚLIO SALUSSE

Os Cisnes

A vida, manso lago azul algumas
vezes, algumas vezes mar fremente,
tem sido para nós constantemente
um lago azul, sem ondas, sem espumas.

Sobre ele, quando, desfazendo as brumas
matinais, rompe um sol vermelho e quente,
nós dois vagamos indolentemente
como dois cisnes de alvacentas plumas.

Um dia um cisne morrerá, por certo.
Quando chegar esse momento incerto,
no lago, onde, talvez, a água se tisne,

que o cisne vivo, cheio de saudade,
nunca mais cante, nem sozinho nade,
nem nade nunca ao lado de outro cisne.

Fonte:
Colaboração de Nei Garcez

Os Jornais no Brasil (Diário “A Manhã” – Local: Salvador, BA)


Diário publicado na Bahia em formato standard, A Manha começou a circular no dia 7 de Abril de 1920. Era, como informava o subtítulo, “Propriedade da Sociedade Anonyma Diario de Noticias”, pertencente a A. Marques dos Reis e Altamirando Requião, ambos também diretores das duas publicações. 

As intenções do jornal, como revela o editorial de apresentação, eram as melhores: 

“Não precisamos publicar o programa, pelo qual traçaremos a nossa diretriz. O publico bahiano bem conhece os que dirigem esse jornal e sabe, de sobejo, pelos exemplos dados em outra trincheira á nós tão querida e para quem sempre teremos os maiores desvelos, que aqui se comentará sempre pelo que concorrer pelo levantamento da nossa Bahia, por processos que honrem ao jornalismo e dignifiquem a imprensa.” (Ano I, nº 1, 7 de Abril de 1920)

O jornal se declarava “nacionalista” e de oposição ao governo federal do presidente Epitácio Pessoa. Como se lê respectivamente na edição de números 3 e 156, dos dia 9 de abril e 16 de outubro de 1920: 

“Sujeitos batalhadores audazes em prol de tudo que for pelo Brazil, pela sua grandeza, pelo seu progresso, para honra de seu renome. Que nada nos entibie na campanha, em que nos devemos empenhar de alma e de coração, cumprindo o mais nobre e elevado dos deveres – o do amor á Patria. (…) Na Bahia, mais do que em outro qualquer logar a campanha nacionalista deve-se incentivar e propagar de maneira extraordinaria, porque só assim por meio da propagação dos nobres, verdadeiros e são ideaes nacionalistas conseguirá ella voltar ao que foi, á sua grandeza passada, aos tempos gloriosos de que só existem no momento resquicios.” 

 “Cada brazileiro de coração e de honra, deve formar na campanha benemerita de combate ao governo Epitacio Pessoa”. 

O periódico se alinhava com o conterrâneo Rui Barbosa, que havia perdido a última eleição para Epitácio. Um de seus diretores, Antonio Marques dos Reis, havia concorrido a uma cadeira na Câmara dos Deputados.

Entre redatores e colaboradores estavam (possivelmente alguns nomes fossem pseudônimos) Altamirando Requião e A. Marques dos Reis, D. Mario de Souza, Assis Curvello, Nuno de Andrade, Nuno Pinheiro, Andrade Martins, João Arruda, Eduardo Vianna, Oliveira Lima etc. 

Algumas das colunas publicadas: “No meio esportivo” (depois passa a se chamar “Esportes”), “No mundo theatral” (depois “Palcos”), “Vida Social”, “Ultima Hora”, “Serviço Telegraphico”, “Informações Commerciaes”.

Em 30 de Janeiro de 1921, na edição de número 241, o jornal anunciava a suspensão da circulação por tempo indeterminado: 

“Motivos de ordem imperiosa, que prendem á escassez de papel, nos centros productores de todo o mundo, fazendo com que os nossos fornecedores reduzissem á metade as remessas de bobinas que lhes haviamos encommendado, para o anno corrente, obrigam-nos muito a contragosto nosso, a suspender, por tempo indeterminado, a publicação d'A Manhã, do dia 1º de Fevereiro em deante.”

Fonte:
http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/manha-0

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 723)



Uma Trova de Ademar  

Num desespero medonho, 
acordei quase enfartando, 
pois vi no melhor do sonho 
que a sogra estava voltando! 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Morre a sogra... e o genro, “terno”,
fala com certo cinismo:
“Talvez o calor do inferno 
seja bom pra reumatismo...” 
–Pedro Mello/SP– 

Uma Trova Potiguar  

Com desespero e irritado, 
apertou devagarzinho... 
-Quem é você seu safado????? 
-Eu sou Raimundo, o mudiiinho!!!! 
–Manoel Cavalcante/RN– 

Uma Trova Premiada  

2005 - Nova Friburgo/RJ 
Tema : COMILÃO - 3º Lugar 

- Três frangos, polenta e vinho –
pede um gordo comilão.
- Comes tudo isso sozinho?!?!
- Não, garçom, como com pão!
–Marina Bruna/SP– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Cuspiu na parede. E quando 
lhe chamaram atenção, 
mostrou um cartaz rogando: 
“Favor não cuspir no chão”! 
–Eno Teodoro Wanke/PR– 

U m a P o e s i a  

Tiradentes era o dono 
de uma fábrica de pneus, 
o Papa falou que Deus 
não passava de um colono, 
e Carlos Roittman num sono 
virou o carro em pesqueira, 
Kelpes vendeu pão na feira, 
Hitler brigou no cangaço; 
eu querendo também faço 
igualzinho a Zé Limeira. 
–Jomací Dantas/PB– 

Soneto do Dia  

“QUINHENTO É QUINHENTO”. 
–Francisco Macedo/RN– 

O “cara” no maior assanhamento, 
todo animado no embalo do creu, 
chegando logo cedo no bordel, 
diz à mais linda : Vem que eu dou “quinhento”. 

Mas gosto de bater, diz o nojento; 
e a pobre endividada pra dedéu, 
já pensando em pagar o aluguel, 
disse: Eu vou porque quinhento é quinhento 

Saiu toda chorosa, cara inchada, 
e a outra diz: Tu tas é endinheirada! 
Inda chorando diz a tal mundana, 

Mulher, eu só nasci para sofrer, 
o macho só parou de me bater , 
depois que eu devolvi aquela grana. 

Pedro DuBois (Cristais Poéticos)


OLHAR

No olhar diversificado
percebo à direita
o senso oposto
ao esquerdo lado
das contradições: retorno
ao mediano
olhar
espantado
no plano
horizontal

na frente dos olhos repousa
a lagarta encasulada em futura
borboleta.

ENVOLTO

Envolto em luas
distraio fracas luzes
e repasso a cena
em cômodas
e lentas
metades: revolta
latejada
no tempo
despreparado.

O destino
sela luzes
aparentes.

Envolto em luas
desconsidero a farsa:
lado revisto pelo espelho.

PODER

Ávido de poder reclamo a sorte 
que me cabe no negócio: o amor
tolhe os movimentos. O corpo
cede à angústia de estar vivo. A sorte
é instante acordado. O poder trafega
a ilusão da luz apagada. A lanterna
cessa a sombra imaginada. O destino
presente na ponta dos dedos. Águas
sôfregas rasgam a terra e depositam
mensagens de descobrimento.

Aviso em praça pública: o poder
combina a estática com o movimento 
em falso do adormecido.

SOBRAS

Prefiro as sobras do banquete
o vinho quente na garrafa
o azedo da salada
o restante da carne
junto ao osso

o guardanapo
usado com esforço

guardo a rolha
em confirmação: aguardo
o retorno
inserido
na minha vontade.

AO LONGE 

Vai para longe
não leva a bandeira
fala com os de longe
não leva a pátria
sorri aos de longe
o sorriso esconde
a veracidade:

está aqui
na casa
na rua
na calçada
na mesa
no fundo
do bar

longe é estar presente
em não acontecimentos.

Fonte:
Colaboração do Poeta

José de Alencar (Ao Correr da Pena) 3 de dezembro: Os Grandes Dias da Pátria


Um dos mais belos traços que apresenta a história da humanidade é o culto respeitoso que votam os grandes povos aos grandes dias de sua pátria. A influência misteriosa que exerce o passado sobre o futuro tem o que quer que seja de grande e de sublime.

Há um sentimento nobre nessa força irresistível que de ano a ano, de século a século, num momento determinado, obriga as gerações que se vão sucedendo a irem por sua vez depositar no livro dos fatos nacionais o testemunho de uma justa veneração pelas suas antigas tradições, renovando, com o exemplo, a fé e a crença nas instituições do país.

As datas memoráveis figuram na vida das nações como esses marcos que se colocam à beira do caminho para designar o espaço percorrido, e ao pé dos quais o viandante vem descansar, refazendo-se das fadigas e cobrando novas forças para continuar a jornada.

Assim, quando o historiador, elevando-se pelo pensamento acima das condições materiais da existência humana, lança os olhos sobre o quadro da humanidade, pode ver cada povo, cada nação, percorrendo seu caminho através dos séculos, como o indivíduo que transpõe dia por dia o curto espaço da vida.

Como o indivíduo, a nação passa por todas as vicissitudes da experiência, vai da infância à velhice, do mal ao bem, sofre todas as alternativas da fortuna. Como o homem tem o germe de todos esses nobres sentimentos que vivem no coração, fortifica-os pela união, engrandece-os pelo entusiasmo e os transmite pela tradição.

Como nós, o povo sente todos os afetos, curte todas as dores, experimenta todos os estados da vida. Como nós, ama, odeia, chora, ou ri; é um pai ou um filho, um amigo ou um inimigo; é um menino frágil que precisa ser guiado, um delinqüente a quem se inflinge o castigo, e muitas vezes um soberano que dita a sua vontade e impõe a lei.

Por isso há vinte e nove anos, no dia de ontem, a nação brasileira vinha aos pés de um berço saudar o nascimento de um menino com toda a efusão do homem que contempla o seu primeiro filho. Durante quinze anos serviu-lhe de pai; e em todo esse tempo nem uma só vez se desmentiu esse amor paternal que a nação votava ao seu Imperador ainda na infância.

Veio o ano de 1840. À infância segui-se a juventude; o berço foi substituído por um trono. A nação brasileira veio então, não mais como um pai e sim como um depositário fiel, restituir a coroa e o cetro que lhe foi confiado. A cena ia mudar-se: o amor,que um dia fora paternal, começava a envolver-se do respeito que inspira o poder e a majestade.

Deixemos ainda correr o tempo; cheguemos ao dia de ontem; vinte e nove anos apenas nos separam, porém a mudança é completa. Sabeis o que significam essas festividades que por toda a extensão do país celebram o dia 2 de dezembro? Sabeis que sentimento exprimem essas manifestações espontâneas da nação, por ocasião do aniversário do seu monarca?

É o povo brasileiro que, como um filho reconhecido, veio aos degraus do trono para beijar a mão ao pai da nação, para agradecer-lhe os benefícios recebidos e pedir-lhe ainda a direção, a paz, o trabalho, a instrução, a indústria, a colonização, e todos esses germes da civilização, que o país encerra no seu seio, e que serão um dia fecundados pelo pensamento criador do seu governo.

A esta grande manifestação do seu povo, o Imperador respondeu agraciando-o na pessoa daqueles brasileiros cujos serviços entendeu mereciam ser remunerados. Algumas dessas mercês não são unicamente uma graça, mas uma antiga dívida que S.M. pagou em nome da nação a alguns velhos servidores do nosso país. Entre estes há especialmente alguns nomes que, para fazer-se o seu elogio aos brasileiros, basta despi-los do seu título e repeti-los.

Havia cinco anos que não se realizava esse poético costume das monarquias, de fazer a distribuição das graças nos dias aniversários de algum acontecimento feliz. Sempre uma contrariedade qualquer vinha obstar aquele ato. Este ano, porém, as circunstâncias favoráveis de uma atualidade calma e serena permitiram.que a munificência imperial pudesse ao mesmo tempo pagar as dívidas da nação e auxiliar a realização do pensamento de união e concórdia, que é o programa de governo do Sr. D Pedro II e o seu voto o mais ardente como Brasileiro e como soberano.

Este ano já a tolerância tinha passado a esponja por sobre todos estes nomes de guabiru e de praieiro, de luzia e de saquarema, de exaltado e conservador, aos quais outrora os ódios políticos fizeram representar na luta encarniçada dos partidos o papel de guelfos e gibelinos. S.M. por conseguinte podia lançar os olhos pela união brasileira, e ver unicamente cidadãos que se distinguiam pelo seu mérito e pelos seus serviços, sem que uma necessidade dolorosa do seu governo viesse, como nos anos anteriores, batiza-los de ministeriais, de descontentes, ou de oposicionistas. O preceito constitucional começou enfim a ser para os brasileiros uma verdade benéfica, precursora de novos melhoramentos.

Além desses fatos, que se prendem necessariamente ao dia 3 de dezembro, tiveram ontem lugar alguns extraordinários, que foram reservados para este dia, para assim receberem maior realce e se realizarem sob os auspícios felizes de uma data memorável para o Brasil.

Às dez horas do dia a Câmara Municipal desta corte inaugurava na sala de suas sessões, em presença de um grande concurso, o novo retrato de S.M. O salão está pintado com todo o apuro. O teto representa um quadro alegórico da indústria e do comércio, trazendo a abundância ao Brasil; aos lados estão os bustos de D. João VI e de D. Pedro I, do conde de Bobadela, de D. Luís de Vasconcelos, de Estácio de Sá e de José Bonifácio.

Todo o trabalho de pintura, executado por R, d’Agostini e Júlio Lechevrel, debaixo da direção dos Srs. Porto Alegre e Costa Ferreira, é digno de atenção pelo bem acabado e pelo risco do desenho; merece com efeito ser examinado pelas pessoas que sabem apreciar essas obras de arte, ainda bem raras em nosso país.

Depois desta solenidade teve lugar na Academia das Belas Artes, por volta do meio-dia, a inauguração da Pinacoteca Imperial pelo Sr. Ministro do Império. A medalha da inscrição gravada na casa da moeda, com o busto de S.M. numa face e o nome do fundador na outra, é um trabalho que mostra os progressos que vamos fazendo neste ramo de arte.

A fundação da Pinacoteca Imperial, destinada à exposição das obras dos artistas nacionais, vai dar um salutar impulso ao desenvolvimento da pintura, da escultura e da estatuária no nosso país. É com as suas grandes exposições anuais, com os seus prêmios de honra, que a França, promovendo uma nobre emulação entre os artistas e criando o bom gosto na população, tem conseguido elevar a arte a um grau de perfeição e desenvolvimento qu atualmente nada tem que desejar à Itália, a terra das obras primas, a pátria dos grandes pintores, dos grandes estatuários, dos grandes arquitetos.

O dia que começara tão artisticamente  devia acabar da mesma maneira, e de fato acabou com a representação do Roberto do Diabo no Teatro Lírico. Apesar de estarmos conversando hoje, creio que compreendeis bem a razão por que não vos conto alguma coisa dessa representação que se deu ontem: são coisas da imprensa.

Contudo, como estamos no teatro, suponde que houve na cena uma mutação rápida, e que vos achais de repente num salão iluminado, no meio de música, de perfume, de flores, de espelhos, de moças, e de velhas também. Dança-se... Adivinhai o quê?

Não é nem quadrilha diplomática, nem a valsa estonteada, nem a schottish com os requebros, ou a polca com os seus pulinhos. É uma coisa que tem um pouco de tudo isto, é que me faz lembrar o meu bom tempo de colégio, porque há uma espécie de marcha que se executa ao som de palmas, tal e qual como nas classes. Chama-se esta dança Ril da Virgínia, terra donde eu sabia que vinha bom fumo, donde não me consta que nunca se despachassem danças na alfândega.

O caso é que, pela alfândega ou por contrabando, dança-se hoje no Rio de Janeiro o Ril da Virgínia, que os velhos bailarinos aborrecem de morte, pela razão muito simples de não admitir canelas de cinqüenta anos passados. Os moços, porém, adoram-no; e isto também por uma razão muito simples: porque cada um, embora tire seu par, nem por isso deixa de danças com todas as moças, e de ser ao mesmo tempo par de todos os pares dos outros.

De maneira que agora já não há risco de se ir tarde para o baile, e não encontrar o par que se deseja; nem de andar a catar pelo meio, e não encontrar o par que se deseja; nem de andar a catar pelo meio da casa moças bonitas e espirituosas. Outra vantagem ainda: como a dança é uma roda-viva, estamos dispensados de  estar ai a inventar motivos de conversa, e de levarmos uma boa meia hora a esgrimir-nos contra um sim ou um não, que se encastelam nalguma boquinha arrebitada, donde não há força tira-los.

Ao menos se o sim fosse constante, eu começava logo por pedir alguma coisa que me conviesse. Mas qual! O sim e o não se revezam como duas sentinelas sempre alerta e prontas a impor o respeito à menor infração da disciplina. Por conseguinte, o melhor é tomar-se o expediente de que uso – fazer-lhes a continência, e passar de largo.

Mas onde já ando eu? Comecei num salão de baile, e parece-me que estou nalgum corpo de guarda. Eis aí o risco de escrever ao correr da pena. Se eu tivesse um compasso e um tira-linhas, não me havia de suceder semelhante coisa. Riscaria primeiramente o meu papel, escreveria o meu artigo letra por letra, pensando maduramente sobre cada palavra, refletindo profundamente na colocação dos pontos e vírgulas; depois convocaria um conselho de sábios, e, discutido o artigo em conclusões magnas, entrega-lo-ia ao compositor, quando se findassem os nove anos de correção que impõe o preceito da Arte Poética. Então, cheio de entusiasmo ao contemplar o meu artigo metido entre quatro gravuras de pau, exclamaria como Sanzio: Anch’io son pittore!  Agora já posso aspirar à honra de escrever um artigo ilustrado!

O que é verdade é que já não sei onde deixei a nossa agradável soirée, na qual se dançava com tanto prazer e animação o Ril da Virgínia, dança que daqui a alguns dias deve estar com muita razão no galarim da moda. E sobre isto desejo comunicar aos diretores das sociedades uma observação que fiz a propósito deste dançado. Tenho notado que, depois de um ril, cada um daqueles turcos transforma-se num cossaco temível; e então não há empadas nem chocolate que os farte. A respeito de gelo não falemos; seria necessário algum Himalaia ou Chimborazo feito sorvete. Por isso a moda tem muito razoavelmente destinado a dança para o fim da noite.]Com tudo isto, ainda não vos disse em que lugar da cidade nos achamos; mas contentai-vos em saber que estamos num dos nossos lindos arrabaldes, numa excelente casa de campo. E como já é perto de duas horas e as estrelas começam a fugir com as claridades precursoras do dia, segui o meu exemplo, dizei adeus a esses salões, a essas horas de prazer, que tão cedo não voltarão, e ide fazer poeticamente ao vosso travesseiro as íntimas confidências de algum segredo do coração.

Fonte:
José de Alencar. Ao Correr da Pena. SP: Martins Fontes, 2004.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Cecília Meireles (Mulher ao Espelho)


Ademar Macedo (O Trovadoresco n. 89 – novembro de 2012)




                                 
Fiz minha casa de barro
ao lado de uma favela.
Lá fora, eu sei, não tem carro,
mas tem amor dentro dela!...
– Ademar Macedo –

Quando o amor acende a chama
no coração da pessoa...
Faz do coração que ama
um coração que perdoa!
– Prof. Garcia –

Mandei clonar do meu ser
uma cópia da ilusão
para jamais esquecer
as razões do coração.
– Francisco Bezerra –

Estudando noite e dia,
como quem cumpre uma lei,
consegui sabedoria
pra saber que nada sei.
– José Lucas de Barros –

Cada gole de aguardente
traz um ardor vitalício,
queimando as queixas da mente
dentro do fogo do vício...!
– Manoel Cavalcante –

O outono ali vem chegando,
já me sinto à sua espera...
contudo vou degustando
uns restos de primavera.
– Ubiratan Queiroz –

Janela do meu encanto,
de alcance manso e profundo...
À noite, levas meu pranto;
de manhã, trazes meu mundo!
–Mara Melinni/RN–

Jamais eu me recusei
A confessar meu pecado,
A vida toda eu amei,
Jamais me senti amado.
–Wellington Freitas/RN–

Piedade, chama divina,
que acende a cada aflição,
é fonte que me ilumina
quando concedo o perdão.
– Marcos Medeiros –

Entre nós dois se comprova
as discrepâncias da lida;
eu, quase com o pé na cova,
você, florindo pra vida!
– Zé de Souza –
    
                
Tão bela, tão generosa,
símbolo eterno da paz,
pede desculpas a rosa
pelos espinhos que traz!
(A.A. de Assis/PR)

Nos percalços dessa vida
já deixei muita pegada
como marca dolorida
dos revezes da jornada.
(Eliana Jimenez/SC)

De saudade quase morta
volto, mas, sem piedade,
teu desprezo fecha a porta
na cara dessa saudade…
(Divenei Boseli/SP)

Volto agora à realidade,
depois de tanta bonança...
e as mãos cruéis da saudade
apertam mais a lembrança!
(Maria Thereza Cavalheiro/SP)

Vai, estudante, buscar
conhecimento fecundo
pois, és a pedra angular
na construção do teu mundo!
(Francisco José Pessoa/CE)

Se pergunto o que é saudade,
quem dela sofre, responde:
- uma dor com caridade...
ora vem, ora se esconde.
(Dáguima Verônica/MG)

Só tu, penumbra que invade
meu quarto, sem cerimônia,
sabes de quantas saudades
se compõe a minha insônia!
(Élbea Priscila de Souza/SP)

A virtude, simplesmente,
é um dos dons abençoado:
reflete o nosso presente
num espelho do passado...
(Rejane Costa/CE)

Se eu pudesse repartia
em gestos de amor profundo
o meu pão de cada dia
entre os famintos do mundo!...
(Maria Madalena Ferreira/RJ)

Das bofetadas que a vida
me deu sem muita piedade,
tu foste a mais dolorida
e a que mais deixou saudade.
(Thalma Tavares/SP)



Vendo os dotes da Jussara
no seu biquíni miúdo,
morro de inveja do cara
que é dono daquilo tudo!!!
(Clarindo Batista/RN)

O zeloso fazendeiro,
homem de peso e distinto,
tropeça no galinheiro!...
Quebra o pescoço do pinto!
(Hélica Cruz de Oliveira/MG)

Deu à sogra, de presente,
uma vassoura, a brincar...
– ao que ela indaga, inocente:
“Pra varrer?” – Não! Pra voar!...
(Rodolpho Abudd/RJ)

A defender eu me apresso
o linguajar puro e rico.
Mineiro não diz “tropeço”:
Se fôr “da gema”, é “trupico”!
(Marisa da C. Pereira/MG)

Casei-me sim, com o Castro,
que... podia ser meu tio...
Mas pelo “naipe” do mastro
É que se compra o navio!
(Jaime Pina da Silveira/SP)

“Pagou um mico” perfeito
a Clara, em busca de fama!
Disse à esposa do prefeito:
“eu sou a Segunda dama!”...
(Clenir Neves Ribeiro/RJ)

Um dia apenas vivido
e rebelou-se a donzela,
vendo a mala do marido
pequena pras coisas dela!
(Edmar Japiassú Maia/RJ)

O que demorava um mês
pra fazer com a namorada,
hoje eu faço de uma vez
quando danço uma lambada.
(Dorival Coutinho/SP)

Mesmo pequeno e roliço,
no mundo, ninguém calcula;
quem foi que deu um sumiço
no dedo da mão de Lula!
(Ademar Macedo/RN)



Como num sonho, a viagem,
pelo teu corpo desnudo,
eu fiz, sem pagar passagem
e desfrutando de tudo!
– Francisco Macedo –

Uma oração comovida
que, um dia, fiz a Jesus,
encheu meu sonho de vida
e a minha vida de luz!...
(Hermoclydes S. Franco/RJ)

Sempre que a saudade afronta
a lembrança, em desafio,
a velhice faz a conta
do tamanho do vazio.
(Miguel Russowsky/SC)

Entre esperas e demoras,
que a solidão descompassa,
já nem sei quantas auroras
vi chegar pela vidraça!...
(Vasques Filho/PI)


       
O teto é feito de palha,
só tem telha no capote,
a geladeira é um pote,
o gás butano, a fornalha;
uma cerca é a muralha,
o cadeado, um cambito;
a campainha é um grito;
o portão, uma cancela,
Minha casinha é aquela
no pé de serra esquisito.
(Pedro Ernesto da Silva/CE)

Os versos são comprimidos
que eu tomo pra minha dor,
a viola é uma medalha
no peito do cantador;
e a poesia é na verdade,
a mais pura identidade
deste humilde Trovador!
(Ademar Macedo/RN)

IMPOSSÍVEL.
– Rogaciano Leite/PE –

Tudo findo. Deixaste-me e seguiste
o primeiro que veio ao teu caminho;
não pensaste sequer que fiquei triste,
preso à desgraça de viver sozinho!

Dois longos anos!...Nunca mais me viste!
Foram-se as aves, desmanchou-se o ninho!...
Hoje, me escreves: “Meu viver consiste
na mistura de lágrimas e vinho!”

E me imploras: “Perdoa-me e consente
que eu vá viver contigo novamente,
pois só contigo poderei ter paz!”

Eu te perdôo... mas o empecilho é este:
eu amava aquela alma que perdeste...
alma que nunca reconquistarás!...

APOIO: GRÁFICA PADRE JOÃO MARIA - Tel: 3207-5862

Silvia Araújo Motta (A Flor na Trova) Conclusão


162- E agora vou terminar
 muito mais eu falaria
 de FLORES e a perfumar,
 muito TEMPO eu gastaria.
 
163-ÁRVORES multicores
 do futuro são promessas,
 trazem no encanto das flores,
ESPERANÇAS nas remessas.

164-No florir de uma existência,
 por que ter medo de amar?
 Entre ESPINHOS da vivência,
 de ROSAS podes cuidar.

165-Ponha FLORES às janelas
 do universo sem fronteira
 que ele perfuma em parcelas
 seus jardins da VIDA inteira.

166-Plantando, logo se vê:
 das sementes brotam FLORES.
 Ninguém duvida ou descrê:
GESTOS despertam amores.

167-Ao fulgor de uma ILUSÃO,
 linda FLOR desabrochou,
 mas no outubro, a decepção
 folhas, o vento soprou.

168-Os FILHOS que nos encantam
 plantam no amor infinito,
FLORES vivas, que perfumam
 na vida, um jardim bendito.

169-Há quem tem bem escondida
 ninguém vê,não sei por quê:
 no coração bem florido,
 a maior FLOR é VOCÊ.

170-As FLORES dadas em vida
 semeiam pura alegria,
 dê à pessoa querida
 o perfume da HARMONIA.

171-A NATUREZA agradece
 a quem planta com carinho...
 Flores e frutos merece
 quem põe a PAZ , no caminho.

172-Quantas FLORES posso ter...
 perfumes posso comprar...
 Só uma flor queria ser
 a que pode te ABRAÇAR...

173-Sou a SÍLVIA TROVADORA,
 bem feliz aposentada,
 violonista e escritora
 pela vida apaixonada.

174-De Araújo herdei o porte
 junto à alegria do Andrade. 
 Com o Motta fiquei mais forte
 no perdão e na amizade.

Fonte:
Silvia Araújo Motta . A flor na trova. Editora: AVBL, www.avbl.com.br. Ebooknet - Bibliotecas Virtuais. www.ebooknet.com.br, 2006

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 722)



Uma Trova de Ademar  

Oh, Mulher! Quando partiste, 
só você não percebeu; 
seu coração ficou triste... 
Muito mais triste que o meu! 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Tua imagem refletida, 
no espelho de nosso quarto, 
mostra a saudade sentida, 
que só contigo eu reparto... 
–Olga Dias Ferreira/RS– 

Uma Trova Potiguar  

Andando por onde for, 
quero amar tudo na vida. 
Pois a medida do amor, 
é amar sem ter medida... 
–Bob Motta/RN– 

Uma Trova Premiada  

2005   -   C.E João B.de Mattos/RJ 
Tema   -   NINHO   -   1º Lugar 

Foi juntando os pedacinhos 
de um velho sonho desfeito 
que as mágoas fizeram ninhos 
na varanda do meu peito... 
–Campos Sales/SP– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Com mágoa de toda a sorte,
se a velhice nos alcança,
crendo que há vida na morte,
temos na morte, Esperança.
–João Batista de Azevedo/MG–

U m a P o e s i a  

Vou mudar meu endereço, telefone
o meu número e agenda de contato
se possível mudarei o meu retrato
alterando também o sobrenome,
por você posso até mudar meu nome
e se a saudade bater, pode voltar,
só não tenho o poder de sepultar
um amor que ainda não morreu;
vou mudar o meu nome pra museu
se quiser, pode vir me visitar.
–Dayane Rocha/PE– 

Soneto do Dia  

ATRAÇÃO. 
–Diamantino Ferreira/RJ– 

Não sei o que possuis de encantador 
que minha alma atraiu e já domina: 
– Talvez tenhas nascido para o amor 
e te amar talvez seja a minha sina; 

um olhar em amor sempre termina 
e se imbui de romântico fulgor; 
se um sorriso ao seu brilho se combina, 
atraído por místico pendor... 

Meu coração, que segue a mesma estrada 
que o teu palmilha, numa encruzilhada 
mostra um tropeço, a me barrar os passos: 

Não faço força, se me sinto preso, 
pois seria esmagado pelo peso 
do desejo de ter-te nos meus braços!

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Fernanda de Castro (Caderno de Poemas)



“Testamento”

Sem lápides, sem chumbo, sem jazigo;
 caixão de tábuas, derradeira casa,
 onde repousarei, frágil abrigo,
 até me libertar num golpe de asa.

Então, quando estiver a sós comigo,
 que ninguém chore porque o choro atrasa,
 mas que alguém, se quiser, num gesto amigo,
 ponha roseiras sobre a campa rasa.

Será medo o que sinto? Não é medo.
 Serei, não serei digna do Segredo?
 Ah, meu Deus, para lá das nebulosas,

Mereça ou não a expiação, a dor,
 entrego-Te a minha alma sem temor.
 O que resta, o que sobrar, é para as rosas.

“Ah, que bela manhã de Primavera”

Ah, que bela manhã de Primavera!
 Abram ao sol as portas, as janelas!
 Cheira a café com leite, a sabonete,
 a goivos, a sol novo, a vida nova!

A Rua canta!… sinos e pregões,
 apitos e buzinas, vozes claras.
 –”Gostas de mim?” — “Gosto de ti” — e o céu
 cobre a Cidade com seu manto azul.

Ah, que bela manhã de Primavera!

Pousam no Tejo barcos e gaivotas,
 com velas novas, belas asas novas.
 Os eléctricos voam, transbordantes,
 a tilintar, a rir nas campainhas,
 e os automóveis, como borboletas,
 circulam, tontos, nas ruas sonoras.

Ah, que bela manhã de primavera!

No Tejo, os vaporzinhos de Cacilhas
 brincam aos barcos grandes, às viagens,
 e o pequeno comboio vai e vem,
 como um brinquedo de menino rico.
 Confundem-se nas árvores, ao sol,
 folhas e asas, pássaros e flores.
 É festa em cada rua. Em cada casa,
 um canário a cantar, uma cortina,
 um craveiro florido na janela.

Despejaram-se armários e gavetas,
 frasquinhos de perfume…Toda a gente
 foi para a rua de vestido novo,
 de fato novo, de gravata nova,
 e tudo canta, a Rua é uma canção.

Ah, que bela manhã de Primavera!

–”Gostas de mim?” — é o tema da canção.
 –”Gostas de mim?” — pergunta-lhe ele a ela.
 –”Gostas de mim?” — pergunta à flor o vento
 e a flor ao rouxinol… — “Gostas de mim?”
 –”Gostas de mim?”, “Gostas de mim?”
 Cheira a goivos, a sol, a vida nova…

Ah, que bela manhã de Primavera!

“A Pedra”

Deus fez a pedra rude, a pedra forte,
 e depois destinou: -Serás eterna.
 Mostrarás a altivez de quem governa,
 Não ousará tocar-te a própria morte.

E a pedra julgou linda a sua sorte.
 Foi palácio, foi templo, foi caverna,
 foi estátua, foi muralha, foi cisterna,
 viveu sem coração, sem fé, sem norte.

Mas viu morrer o infante, o monge, a fera,
 o herói, o artista, a flor, a fonte, a hera,
 e humildemente quis também morrer.

Não grita, não se queixa, não murmura,
 guarda a mesma aparência hostil e dura
 mas sofre o mal de não poder sofrer.

“Asa no espaço”

Asa no espaço, vai, pensamento!
 Na noite azul, minha alma, flutua!
 Quero voar nos braços do vento,
 quero vogar nos braços da Lua!

Vai, minha alma, branco veleiro,
 vai sem destino, a bússola tonta…
 Por oceanos de nevoeiro
 corre o impossível, de ponta a ponta.

Quebra a gaiola, pássaro louco!
 Não mais fronteiras, foge de mim,
 que a terra é curta, que o mar é pouco,
 que tudo é perto, princípio e fim.

Castelos fluidos, jardins de espuma,
 ilhas de gelo, névoas, cristais,
 palácios de ondas, terras de bruma, …
 Asa, mais alto, mais alto, mais!

“Amar”

O segredo é Amar… Amar a Vida
 Com tudo o que há de bom e mau em nós.
 Amar a hora breve e apetecida,
 Ouvir todos os sons em cada voz
 E ver todos os céus em cada olhar..

Amar por mil razões e sem razão…
 Amar, só por amar,
 Com os nervos, o sangue, o coração…
 Viver em cada instante a eternidade
 E ver, na própria sombra, claridade.

O segredo é amar mas amar com prazer,
 Sem limites, sem linha de horizonte…
 Amar a Vida, a Morte, o Amor!
 Beber em cada fonte,
 Florir em cada flor,
 Nascer em cada ninho,
 Sorver a terra inteira como um vinho…

Amar o ramo em flor que há-de nascer
 De cada obscura e tímida raiz…
 Amar em cada pedra, em cada ser,
 S. Francisco de Assis…

Amar o tronco velho, a folha verde,
 Amar cada alegria, cada mágoa,
 Pois um beijo de amor jamais se perde
 E cedo refloresce em pão, em água!

Fonte:

Fernanda de Castro (1900 – 1994)



Maria Fernanda Teles de Castro e Quadros Ferro (Lisboa, 8 de Dezembro de 1900 – 19 de Dezembro de 1994), foi uma escritora portuguesa.

Fernanda de Castro, filha de João Filipe das Dores de Quadros (oficial da marinha) e de Ana Laura Codina Telles de Castro da Silva, fez os seus estudos em Portimão, Figueira da Foz e Lisboa, tendo casado em 1922 com António Joaquim Tavares Ferro. Deste casamento nasceu António Gabriel de Quadros Ferro que se distinguiu como filósofo e ensaísta e Fernando Manuel Teles de Castro e Quadros Tavares Ferro. A sua neta, Rita Ferro também se distinguiu como escritora.

Foi juntamente com o marido e outros, fundadora da Sociedade de Escritores e Compositores Teatrais Portugueses, actualmente designada por Sociedade Portuguesa de Autores.

O escritor David Mourão-Ferreira, durante as comemorações dos cinquenta anos de actividade literária de Fernanda de Castro disse: “Ela foi a primeira, neste país de musas sorumbáticas e de poetas tristes, a demonstrar que o riso e a alegria também são formas de inspiração, que uma gargalhada pode estalar no tecido de um poema, que o Sol ao meio-dia, olhado de frente, não é um motivo menos nobre do que a Lua à meia-noite”.

Parte da vida de Fernanda de Castro, foi dedicada à infância, tendo sido a fundadora da Associação Nacional de Parques Infantis, associação na qual teve o cargo de presidente.

Como escritora, dedicou-se à tradução de peças de teatro, a escrever poesia, romances, ficção e teatro. Escreveu o argumento do filme Rapsódia Portuguesa (1959), realizado por João Mendes, documentário que esteve em competição oficial no Festival de Cannes.Índice  

Prémios

Prémio do Teatro Nacional D.Maria II – (1920) com a peça “Náufragos”.
Prémio Ricardo Malheiros – (1945) com o romance “Maria da Lua”, foi a primeira mulher a obter este prémio da Academia das Ciências.
Prémio Nacional de Poesia – (1969).

Obras

Náufragos (1920) (teatro)
Maria da Lua (1945) (romance)
Antemanhã (1919) (poesia)
Náufragos e Fim da Memória (poesia)
O Veneno do Sol e Sorte (1928) (ficção)
As aventuras de Mariazinha (literatura infantil)
Mariazinha em África (1926) (literatura infantil) (fruto da passagem da escritora pela Guiné Portuguesa)
A Princesa dos Sete Castelos (1935) (literatura infantil)
As Novas Aventuras de Mariazinha (1935) (literatura infantil)
Asa no Espaço (1955) (poesia)
Poesia I e II (1969) (poesia)
Urgente (1989) (poesia)
Fontebela (1973)
Ao Fim da Memória “(Memórias 1906 – 1939)" (1986)
Pedra no Lago (teatro)
Exílio (1952)
África Raiz (1966).
Tudo É Príncípio
Os Cães não Mordem
Jardim (1928)
A Pedra no Lago (1943)
Asa no Espaço (poesia)

Fonte:

António Torrado (A Gota com Sede)


Ilustração: Cristina Malaquias

(Da Seleção de Contos Infantis)

Era uma vez uma gota cheia de sede. Não faz sentido, mas acreditem que assim era.

Esta gota de água queria matar a sede a alguém que tivesse muita sede. Desejo grande, desejo único que a arredondava mais e mais, e a enchia de fé como um coração palpitante. Mas não havia meio. 

Cavalgando uma nuvem, correu o deserto, à cata de um viajante sequioso. Não encontrou nenhum.

Depois, percorreu, por cima dos mares, as ondas revoltas dos oceanos. Talvez um náufrago de boca salgada precisasse dela e da sua ajuda doce. Assim que o visse, ela caía lá do alto e poisava nos lábios do náufrago como uma última bênção. Mas não encontrou nenhum.

Queria ser útil. Não conseguia.

Até que a nuvem em que vinha, de carregada que estava, não podendo mais, se desfez em chuva. Ela precipitou-se para a terra, no meio das outras.

– Vou lavar as pedras da calçada – dizia uma.

– Vou mergulhar até à raiz de uma planta e dar-lhe vida – dizia outra.

– Vou acrescentar água a um rio quase seco. Vou ajudar uma azenha a trabalhar. Vou alimentar uma barragem. Vou empurrar um barco encalhado.

Isto diziam várias gotas, todas generosas, enquanto caíam.

Se cada uma cumpriu ou não o seu destino, não sabemos, porque nesta história só nos ocupamos da gota com sede de matar a sede.

Caiu na copa de uma árvore e foi escorrendo de ramo em ramo, pling, pling, pling, como uma lágrima feliz.

Até que chegou a uma folha, mesmo por cima de um ninho. Caio? Não caio? Deixou-se ficar, a ver no que dava. 

A casca de um ovo estalou e um passarinho rompeu, aflito, lá de dentro, de bico aberto, num grito mudo.

– Caio – decidiu a gota.

Soltou-se da folha para a garganta aberta do passarinho, que a engoliu e, logo em seguida, piou, agradecido.

Foi o passarinho, tempos depois, que me contou esta história.

Ademar Macedo (Mensagens Poéticas n. 721)



Uma Trova de Ademar  

Com o dom que Deus lhe envia, 
no riso o palhaço aflora 
um semblante de alegria... 
Que ele só sente por fora! 
–Ademar Macedo/RN– 

Uma Trova Nacional  

Com pincel remanescente
que a saudade me legou,
pinto a vida, sem presente,
que o passado me roubou. 
–Dáguima Verônica/MG– 

Uma Trova Potiguar  

Procurei felicidade 
por este mundo sem fim, 
sem saber que, na verdade, 
estava dentro de mim! 
–Eva Yanni Garcia/RN– 

Uma Trova Premiada  

2004   -   Nova Friburgo/RJ 
Tema   -   ERRO   -   2º Lugar 

Este amor, mal necessário,
que a insensatez fez surgir,
é o erro mais arbitrário
que eu não quero corrigir! 
–Elisabeth Souza Cruz/RJ– 

...E Suas Trovas Ficaram  

Há caprichos diferentes 
em certas cartas lacradas: 
são os gritos contundentes 
das reticências caladas... 
–Helvécio Barros/RN– 

U m a P o e s i a  

Em todos os meus momentos, 
vou louvar até o fim 
tudo o que a Trova me deu 
e o porquê de agir assim 
é saber que a Trova fez 
um homem melhor de mim! 
–Arlindo Tadeu Hagen/MG– 

Soneto do Dia  

AMOR CIGANO. 
–Sônia Sobreira/RJ– 

Na imensidão de um céu azul, sereno, 
onde o luar rebrilha soberano, 
o vento leve corre doce, ameno, 
nas belas noites de um amor cigano. 

E no mistério de um fugaz aceno, 
ouve-se a voz vibrante de um gitano 
que, a sorrir, em leve tom verbeno, 
canta o prelúdio de um amor cigano. 

É a magia de um momento lindo! 
Onde as estrelas lá no céu infindo, 
unem as almas sem nenhum engano. 

E entrelaçados ao sabor do vento, 
vivem o encanto de mais um momento 
nos belos sonhos de um amor cigano.