terça-feira, 9 de junho de 2020

Basílio de Magalhães (A Rainha das Onças)


Era um dia, uma moça muito pobre, que tinha um filhinho. Uma vez, não tendo comida nenhuma para dar ao menino, agarrou-o e saiu de casa desesperada da vida, disposta a ir a toa pelo mundo afora. Em vez de seguir a estrada real, tomou por um atalho, perdendo-se no mato.

Quando já tinha andado muito, encontrou um velho que lhe disse:

- Ih! minha filha, você por aqui vai dar na casa da onça-verdadeira que é a rainha das onças.

- Ai! meu velho, que é que eu hei de fazer? Não sei caminho nem carreira; já estou perdida nestas brenhas e o jeito que tenho é ir aonde Deus quiser me levar.

E contou-lhe o motivo que a obrigava a andar por aqueles fins de mundo.

- Está bem. - disse-lhe o velho – Quando você chegar na casa da rainha das onças, há de ver uma muito grande, sentada na porta. É essa. Salve ela e diga que foi pedir para ela ser madrinha de seu filho.

A moça despediu-se do velho, depois de lhe ter agradecido muito o conselho e toca a andar. Andou, andou, até que deu naquele campo vasto, de admirar, tendo ao meio uma casa muito grande, que era um convento, rodeada de uma porção de onças. Na porta estava uma que era um mundo, de enorme, sentada, lambendo as patas. Com muito receio, a moça chegou perto dela, levando o filhinho pela mão e disse:

- Bom dia. Eu vim aqui pedir a vosmincê pra ser madrinha deste menino.

A onça-verdadeira, com a cara muito fechada, sem dizer palavra, pôs-se a olhar para a moça e para o filho. E as onças todas que estavam por ali, ficaram também muito quietas, olhando para os dois. Afinal, a verdadeira disse que sim. Pegou na criança, deu-lhe uns tombos, à maneira de afagos e mandou a futura comadre entrar. A moça obedeceu, ficando em pé num canto da sala, sem largar o filhinho.

Passado algum tempo, a rainha das onças perguntou-lhe se queria comer. Respondeu a moça:

- Ou! se vosmincê me der, eu quero.

Então a onça-verdadeira mandou buscar um pedacinho de carne sapecada, muito dura, e um punhadinho de farinha. A moça comeu aquele tiquinho de comida com o filho e ficou ali sossegada, sem dizer palavra, sentada ao chão com o pequeno no colo. E as onças, bem de seu, sem se importarem com ela; umas entrando, outras saindo; umas carregando água, outras rachando lenha, outras cozinhando.

Quando foi de noite, a onça-verdadeira deu umas palhas para ela fazer a sua cama mais a do filho. Pela manhã muito cedinho, varreu a casa toda, varreu o terreiro, depois acendeu o lume, que quando as onças acordaram, só tiveram o trabalho de botar a comida no fogo.

A verdadeira tornou a lhe dar aquele pedacinho de carne sapecada com um punhadinho de farinha, para ela e o filho. Depois disse:

- Comadre, você fique estes dias aqui comigo, para então se fazer o batizado do menino.

A moça disse que sim. Falava somente quando a comadre lhe perguntava alguma coisa. Todos os dias de manhã, arrumava e varria a casa e acendia o lume.

Passado algum tempo, efetuou-se o batizado do menino. A moça disse então à rainha das onças:

- Comadre, vosmincê agora me dê licença para amanhã eu ir m’embora.

No outro dia, a onça-veradeira mandou ver um cavalo com dois caçuás, encheu-os de muita roupa e muito dinheiro para o afilhado, dando-lhe também uma trombeta. A moça despediu-se da comadre e de todas as outras onças, com muitos agradecimentos e saiu por ali a fora mais o filhinho, puxando o cavalo pelo cabresto.

Assim que ela entrou no mato, o velho tornou a lhe aparecer e disse:

- Moça, as onças, agora, vão lhe atalhar no caminho para lhe matar, mas não tem nada.

Então ensinou-lhe o que devia fazer, concluindo:

- Assim elas lhe deixam ir em paz com seu filho. Todos os que têm ido lá são comidos por elas, na volta, porque não sabem o que eu acabo de ensinar a você.

Já havia andado um bom pedaço, quando a onça-verdadeira, que tinha corrido com as outras para atalhá-la no meio do caminho, gritou de lá de dentro do mato:

- Minha comadre!... Oh! minha comadre!...

A moça respondeu, conforme o velho lhe ensinara:

- O que quereis comigo, onça verdadeira?

Disse a onça:

- Quando você chegar em casa, que seu pai e sua mãe perguntarem quem foi que lhe zelou, o que é que você diz?

A moça:

- Eu hei de dizer
Que quem me tratou
Que quem me zelou
Foi quem come boi
Quem come cavalo
Quem come mocó.

Muito satisfeita, gritou a onça:

- Bravo, minha comadre! Toque a trombeta!

Ela tocou:

- Esta trombeta é de mongolô
Este cavalo é de mongolô
Este cabedalé de mongolô...

Meteu o pé no caminho, meteu o pé no caminho, que ia mesmo voando. A onça-verdadeira correu, correu, com as companheiras, indo atalhá-la de novo adiante. Tornou a chamá-la e a fazer-lhe a mesma pergunta, respondendo a moça tudo direitinho, como da primeira vez. Aí as onças voltaram, deixando-a ir-se embora.

Chegou em casa muito contente, referindo minuciosamente aos pais o que lhe acontecera. Fez logo um sobrado muito grande, muito bonito, para morar com eles, botou o filho nos estudos e ficou vivendo como rica, com os cabedais que a onça-verdadeira dera ao afilhado.

Ora, uma vizinha, com inveja de vê-la enriquecer assim da noite para o dia, começou a espremer com ela que lhe dissesse como tinha achado tanto dinheiro, de repente. Deu em cima da moça, deu em cima da moça, até que ela lhe contou tudinho, tim-tim por tim-tim.

A vizinha pegou no filho, dizendo que ia procurar também a casa da rainha das onças para ser sua comadre e fazê-la rica. Mas, chegando lá, muito malcriada e orgulhosa que era, procedeu exatamente ao contrário de quanto a moça lhe ensinara. Não varreu nem arrumou a casa, não acendeu o lume, nem nada. Quando lhe deram a comida, reclamou, dizendo que aquilo era pouco, que ela não era pinto, que aquela carne era muito dura e a farinha, mofada. Ao lhe darem as palhas para se deitar, gritou:

- Eu não sou cachorro para dormir no chão, em cima da palha...

Só vivia rindo e caçoando das onças:

- Credo! Nunca vi onça rachar lenha!... Te arrequeiro! Nunca vi onça com pote d’água na cabeça!... Cruz! Eu te arrenego!... Nunca vi onça varrer casa!...

E assim por diante.

Mal se acabou de fazer o batizado, ela disse à comadre que queria ir-se embora. A onça mandou ver um cavalo, encheu os caçuás de roupa e de dinheiro e deu-lhe uma trombeta. A mulher nem se despediu da comadre. Pegou no filho, escanchou-o no quarto e foi puxando o animal pelo cabresto, sem olhar para trás.

Quando já estava bem no meio da mata, ouviu a onça-verdadeira gritar:

- Comadre!... Oh! minha comadre!...

Ela respondeu:

- Pra lá, anzol! Eu te desconjuro!...

A onça tornou:

- Quando você chegar em casa, que seu pai mais sua mãe perguntarem quem foi que lhe tratou, quem foi que lhe zelou, o que é que você diz?

Exclamou a mulher:

- Vai-te para as areias gordas, onde morreu a primeira baleia... Ave Maria!

E assim tornou a dizer, quando, adiante, a onça-verdadeira a chamou pela segunda vez. Então as onças todas saíram do mato, sangraram-na, bem como ao menino, botando os dois corpos em cima do cavalo. Chegando à casa, fizeram aquela fogueira enorme, assaram-nos e comeram-nos, bem de seu.

Fonte:
Basílio de Magalhães. O folk-lore no Brasil. Publicado em 1928.

Basílio de Magalhães (1874 – 1957)

Basílio de Magalhães nasceu em Barroso, então distrito de Barbacena em 1º de junho de 1874. Segundo os dados obtidos no seu registro de batismo, era filho de Antônio Inácio Raposo e de Francisca de Jesus; e seus padrinhos de batismo foram Ladislau Artur de Magalhães e Prudenciana Augusta Meireles. Há indícios de que Basílio seria filho de Ladislau Artur de Magalhães, que foi seu padrinho de batismo e de Francisca de Jesus, sua serviçal na fazenda Venda Grande, assim como o seu marido, Antônio Inácio Raposo, que consta no registro como o pai de Basílio. Ladislau era casado com Belizandra Augusta de Meireles e se tal fato se tornasse público, haveria um “escândalo”, já que o casal pertencia à elite da cidade.

Ainda pequeno, mudou-se para a cidade de São João del-Rei. Em 1889, com 15 anos de idade, empregou-se como tipógrafo no jornal “Gazeta Mineira”, em São João del-Rei, no qual exercia também trabalhos de auxiliar de redação. Inconformado com a postura conservadora do “Gazeta Mineira”, transferiu-se para o “Pátria Mineira”, jornal com ideais republicanos. Neste jornal, Basílio foi tipógrafo, paginador, revisor e auxiliar de redação, até o ano de 1894. Paralelamente às atividades nesse último jornal, fundou e manteve o pequeno jornal “A Locomotiva” em parceria com Altivo Sette.

Formou-se em engenharia pela Escola de Minas de Ouro Preto. Mais tarde tornou-se professor de História, em São Paulo, depois no Rio de Janeiro, sendo o 27º diretor do então Instituto de Educação do Rio de Janeiro.

Em 1900 foi eleito membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da Academia Paulista de Letras e Academia Mineira de Letras.

No biênio de 1917-1918, foi Diretor Interino da Biblioteca Nacional. No ano de 1919, voltou para São João del-Rei e se deparou com uma prática política conservadora e contrária à sua postura e a seus ideais liberais e lá se insurgiu contra a política dominante.

Ingressou na política em São João del-Rei, sendo eleito para o Senado Mineiro em 1922. Em 1923, Presidente da Câmara de Vereadores de São João del-Rei, exercendo cumulativamente o cargo de Agente Executivo Municipal, equivalente ao atual cargo de prefeito. Em 1924 elegeu-se Deputado Federal e foi reeleito para o mesmo cargo no ano de 1927. Dois de seus projetos foram as proposta de voto secreto e obrigatório e a extensão do direito de voto às mulheres.

Pouco antes da Revolução de 1930 opôs-se à candidatura de Getúlio Vargas à Presidência da República. Basílio fazia parte da corrente política liderada por Raul Soares e foi por ele apoiado nas eleições em que foi vitorioso. Com a morte de Raul Soares Basílio passou a ser apoiado por Artur Bernardes. Porém, este apoiou a candidatura de Getúlio Vargas, à qual Basílio fez oposição.

Sua trajetória política terminou com a Revolução de 1930, quando exilou-se no Rio de Janeiro. A partir de então dedicou-se ao magistério e ao jornalismo, tendo colaborado em publicações periódicas como a revista Atlântida. Reassumiu suas funções na Escola Normal do Distrito Federal e foi convidado pelo Ministério das Relações Exteriores a examinar candidatos à carreira diplomática no Instituto Rio Branco.

Em 1935 Basílio foi reconhecido como historiador emérito. Sua monografia foi vencedora do “Prêmio Pedro II”, ampliada e refundida, passando a se chamar “Expansão Geográfica do Brasil Colonial”. Foi ainda o primeiro autor a dar profundidade erudita nos estudos folclorísticos, com a obra Folk-lore no Brasil, de 1928.

Foi autor de cerca de cem obras, era poliglota e pertenceu a 26 associações culturais, sendo 17 brasileiras e 9 estrangeiras. Sua biblioteca chegou a possuir cerca de 27 mil volumes.

Em 1952 o então Governador Juscelino Kubitschek, sabedor do estado de penúria em que vivia o historiador, encaminhou uma mensagem à Assembleia Legislativa de Minas Gerais propondo uma pensão mensal de cinco mil cruzeiros ao escritor, como pagamento para que Basílio anotasse e comentasse as Efemérides Mineiras, de José Pedro Xavier da Veiga. Basílio não mais tinha força física para tal tarefa, e por isso não aceitou o encargo nem a pensão.

Faleceu aos 83 anos de idade, em 14 de dezembro de 1957 na cidade de Lambari, vítima de hemorragia cerebral.

Basílio é patrono da cadeira 20 do Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei, e patrono da cadeira 7 da Academia de Letras de São João del-Rei.

Além disso, Câmara Cascudo dedicou-lhe um verbete no Dicionário do Folclore Brasileiro. O Salão Nobre da Prefeitura de São João del-Rei foi nomeado em sua homenagem, local onde funcionou por muitos anos o plenário da Câmara Municipal do município e onde ele exerceu as funções de presidente.

Algumas Obras
Expansão geográfica do Brasil colonial
Viagem pelo Amazonas e rio Negro, 1939. (Prefácio da 1ª edição)
O café na história, no folclore e nas belas-artes, 1939.
Estudos de História do Brasil, 1940.

Fonte:
Wikipedia

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Varal de Trovas n. 287


Paulo Mendes Campos (Maria José)


Faz um ano que Maria José morreu. Era meiga quase sempre, violenta quando necessário. Eu era menino e apanhava de  um  companheiro maior, quando ela me gritou da sacada se eu não via a pedra que  marcava o gol. Dei uma tijolada no outro e acabei com a briga como por milagre.

Visitava os miseráveis, internava indigentes enfermos, devotava-se ao alívio de misérias físicas e morais do próximo, estudava o mistério teológico, exigia sempre o mais difícil de si mesma, comungava todos os dias, ingressou na Ordem Terceira de  São  Francisco. Mas  nunca deixou de ter na gaveta o revólver que recebera, menina-e-moça, das mãos do pai,  e que empunhou no quintal noturno, perseguindo um ladrão, para espanto de meus cinco anos.

Tratou-me com a dureza e o carinho que mereciam a rebeldia e o verdor da minha meninice. Ensinou-me a ler as primeiras sentenças; me falava no Cura de Ars e nos dois Franciscos, o de Sales e o de Assis; apresentou-me aos contos de Edgar Poe e aos poemas de Baudelaire; dizia-me sorrindo versos de Antônio Nobre que decorara em menina; discutia comigo as ideias finais de Tolstói; escutava maternalmente meus contos toscos. Quando me desgarrei nos primeiros enleios adolescentes, Maria José com irônico afeto me repetia a advertência de Drummond: "Paulo, sossegue, o amor é isso que você está  vendo: hoje beija, amanhã não beija, depois de amanhã é domingo e segunda-feira ninguém sabe o que será".

Logo que me fiz homenzinho, deixou a dureza e se fez a minha amiga: nada me perguntava, adivinhava tudo.

Terna e firme, nunca lhe vi a fraqueza da pieguice. Com o gosto espontâneo da qualidade das coisas, renunciou às vaidades mais singelas. Sensível, alegre, aprendeu a encarar o sofrimento de olhos lúcidos.

Fiel à disciplina religiosa, compreendia celestialmente as almas que se transviam. Fé, Esperança e Caridade eram para ela a flecha e o alvo das criaturas.

Tornara-se tão íntima da substância terrestre, a dor que se fazia difícil para o médico saber o que sentia; acabava dizendo que doía um pouco, por delicadeza.

Capaz de longos jejuns e abstinências, já no final da vida, podia acompanhar um casal amigo a Copacabana, passar do bar da  moda ao restaurante diferente, beber dois ou três uísques em santa serenidade e aceitar com alegria o prato exótico.

Gostava das pessoas erradas, consumidas de paixão, admirava São Paulo e Santo Agostinho, acreditava que era preciso se fazer violência para entrar no reino celeste.

Poucas horas antes de morrer, pediu um conhaque e sorriu, destemida e doce, como quem vai partir para o céu. Santificara-se.

Deus era o dia e a noite de seu coração, o Pai, a piedade, o fogo do espírito.

Perdi quem me amava e perdoava, quem me encomendava à compaixão do Criador e me defendia contra o mundo de revólver na mão.

Fonte:
Paulo Mendes Campos. O Anjo Bêbado. RJ: Sabiá, 1969.

Vivaldo Terres (Poemas Escolhidos) XV


AMOR MEU

Na bela penumbra do belo recinto,
Vejo-te calma respirando amor.
Na cama fosca com lençóis tão brancos,
Onde fizemos nosso ninho de amor.

Que maravilha quando juntos estávamos,
E juntos saciávamos nossos desejos.
Numa sequência de beijos tão puros
Que a cada um aguçava mais e mais nossos desejos.

Para mim no mundo só existe uma mulher,
Encantadora que me encanta,
Que me transforma em escravo seu.
Esta mulher és tu, anjo divino,
Amor meu.
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COM CERTEZA

Quando te vejo com esses olhos tristes,
Pois nascestes para ser feliz.
Porque sofrer por um amor distante!
Que só te traz mágoas e desilusões.

Esquece esse amor sem esperança,
Segue em frente sem desfalecer.
Sempre buscando alternativas,
E a vida te ajudará a esquecer.

Procura analisar teus sentimentos,
E verás que tens tudo que almejas...
Segue adiante pensando em Jesus,
Que cedo ou tarde a vitória virá..
Com certeza.
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ELA ESTÁ SEMPRE EM MINHA RETINA

O amor
Com arma poderosa
Feriu-me o coração
Ainda moço.
Apesar dos anos
Ainda carrego na alma
Este desgosto.

Desgosto de amar
Quem não me amou,
Que só me trouxe
E continua trazendo
Tristezas e angústias,
Em minh´ alma já ferida.
Mesmo distante
E sem o menor contato
Ela continua
Destruindo e envolvendo-se
Na minha vida.

Depois que ela passou
Não tive condições
De amar alguém,
Até porque
Ela está sempre na minha retina
E o meu coração
E minh'alma
Não aceitam mais ninguém.
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FICOU NO PASSADO

Amor que belo presente,
Que ficou em segredo.
Naquela noite divina,
Tu me dares aquele beijo.

Aquele beijo tão doce,
E cheio de inspiração...
Penetrou em minh’alma,
E limpou meu coração.

Que estava tão sofrido,
Por amar quem não me amou.
E por estar apaixonado,
Coração triste ficou.

Agora tenho certeza,

De por ti ser amado.
Não sofrer daquele jeito,
Por estar apaixonado.
as tristezas e angustia,
Tudo ficou no passado.
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TUA AUSÊNCIA

Como sofro por a tua ausência,
Que não me faz esquecer-te um só momento.
Lembro-me de ti a toda hora,
Até quando o velho vento...
Querendo agradar-te,
Acariciava os teus cabelos docemente.

E tu ficavas insatisfeita.
Pois o vento brincava com os mesmos,
Pra lá e pra cá.
E indignavas-te dizendo:
-Por favor, procura outra pra incomodar.

Lembro-me de tudo que fazias parte,
Como aquele bordado cheio de ternura.
Que era uma toalha para a nossa mesa,
Que a deixou extremamente linda.
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VOCÊ

Como posso viver sem
Os seus doces beijos em minha vida,
Como foi terrível e dura a despedida
Que ainda relembro.
Pois foi e continuará sendo o meu maior fracasso
Contigo eu era gente sem ti sou um trapo,

Mas com isso não pretendo
Que voltes para mim
Vou levando e continuo vivendo
A vida sofrendo assim,
Até me sinto bem, depois que te amei
Não quero amar ninguém.

Encher-me o coração de esperança
Isso jamais irá acontecer
Pois meu coração e minh´alma
Já estão acostumados a sofrer,
E a não querer outra a não ser você.

Fonte:
Poemas enviados pelo poeta.

Aparecido Raimundo de Souza (Língua de Trapo)


A MOÇA DO ALTO-FALANTE DA ESTAÇÃO RODOVIÁRIA que anunciava as saídas dos ônibus interestaduais e as respectivas plataformas de embarque parece que havia colocado alguma coisa que não gostou, na boca e, por causa disso, dava a impressão de estar subitamente engasgada. Célio pensou logo num ovo cozido bem quente. Depois de alguns segundos concluiu que, decididamente, o ovo cozido e estupidamente quente estaria completamente fora de cogitação. Quem sabe a beldade mandasse alguma coisa mais leve para a barriga: um pedaço de pão duro, uma banana verde, um sanduíche de presunto com pedaços de frango ou uma barra de cereais, dessas que se encontram nos voos domésticos.

Não que o ovo quente fosse pesado. Ovo de rodoviária é igual pastel de feira livre. Neste nunca se acha o queijo e a carne, naquele, não se escuta o cocoricar da galinha.

“... Atenção senhores passageiros com destino a Casa do Chapéu. Horário de 09h30min. Por favor, dirijam-se...”.

Pudesse estar com essa jovem, o Célio a faria engolir o microfone. Junto, de lambuja, o papel que estava lendo, ou melhor, tentando. Pelo que seus ouvidos escutavam a desgranhenta, nem juntar as palavras de forma correta, sabia. Soletrar, nessas alturas, já estaria de bom tamanho. Ao menos se decorasse a porcaria do texto, ou procurasse pronunciar as frases com mais precisão, com certa flexibilidade, sem atropelar as vírgulas e deixar para trás os pontos finais...

“... O terminal rodoviário informa: para dores gripes e resfriados procure a Farmácia do Chicão ao lado da Viação Sebo nas Canelas boxe 34... Agora falta cinco para a sete atenção não dê esmolas não colabore com os pedintes... Assim você evitará a propagação da ‘mendingância’”.

Pensou com seus botões que essas criaturas deveriam ter um curso de como tratar com carinho e esmero um anúncio a ser lido corretamente, dando-lhe a devida atenção e respeito, seguido, claro, da prática do exercício da pronúncia correta, e com desenvoltura e garbo. “Mendincância” é o fim da picada.

Falar sem cantar, procurar interpretar como se estivesse conversando normalmente. Nada de boa viágeeeeeeeeem (esse viá sem a conotação da Kely Key, tão em moda). Ridículo o “... apresentem-se para embarque na plantaforma...”. Parece que uma abelha havia entrado em seus tímpanos e lascado uma tremenda de uma ferroada. Não é plantaforma que se diz, mas PLATAFORMA. Meu Deus durma-se com um barulho desses, ou melhor, viaje-se com um barulho desses, ou, pior ainda, espere-se pelo horário da passagem com uma incisão dessas na pele sedutora da língua portuguesa.

“... Senhores passageiro a Informe Bem deseja-lhe boa viagem...”

Cadê o “os” de passageiros e o “lhes” de deseja-lhes? O gato comeu! Com certeza a infeliz não tinha nada dentro da boca. Célio pensou, a princípio, tratar-se de um ovo, um ovo cozido bem quente. Logo depois achou que fosse um pau. Um pau no bom sentido, ou seja, uma lasca de madeira atravessada, ou uma espinha de peixe. Essas coisas também atrapalham. Contudo, o melhor que tinha a fazer, seria conectar seus fones de ouvido no celular e ouvir a Eguinha Pocotó, que ganhara da namorada, em face de ter em seu sítio, uma eguinha que ganhara de um amigo com o nome de Pocotó. Célio não se conformava. Professor de português graduado em letras, mestre em linguística pela universidade de Campinas, não descia garganta abaixo essas baixarias da língua. Uma palavra dita de forma errada fazia com que perdesse o sono. Uma frase mal construída espantava a fome, o bom senso, se duvidasse, até o tesão. Com um verbo colocado erroneamente chorava, enjoava, magoava, enfim, ficava estressado. Se tivesse um tantinho assim de chance, subiria até lá na cabina, onde a garota da rodoviária estava sentada e lhe enfiava incontinente, o chip que ganhara da namorada. Socava o troço sem dó nem piedade goela abaixo. Tinha importância não: era um chip pirata com várias músicas, inclusive a do Lacraia! Desses que vem com tapa olho grudado na embalagem.

Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. As mentiras que as mulheres gostam de ouvir. RJ: Editora AMCGuedes, 2013

domingo, 7 de junho de 2020

Varal de Trovas n. 286


Cláudio de Cápua (Coisas que Acontecem)


Fúlvio já não era criança, havia ultrapassado os 20 anos de casado. Tinha quase 50 anos de idade e o casamento tornara-se monótono. Seus cabelos já se agrisalhavam, seu sangue latino o impelia a uma aventura extraconjugal.

Não aguentava mais fazer amor em horas certas e sentir a reprise dos beijos frios da mulher ao sair para o trabalho.

Diz um velho ditado: "Quem procura, acha".

Um dia, num piscar de olhos, conheceu, no metrô, a mulher dos seus sonhos, ao retornar do trabalho. Olharam-se, sorriram, partiram para um papo, trocaram números de telefone e um dia acabaram num motel, classe média, na Raposo Tavares.

Ia Fúlvio nesta vida há quase um ano, quando resolveu ser homem, no bom sentido da palavra, e contar tudo a sua mulher, Leda.

Pensou e achou que a melhor forma seria lhe dizer tudo, sem drama.

Simples: "Não te amo mais, tenho outra"

Sabia que se tal situação acontecesse com Leda, ela assim agiria.

As cinco estações do Metrô que o levavam do trabalho para casa tornaram-se um longo trajeto, o mais longo de sua vida!

Saiu da estação decidido, cheio de coragem, a passos largos e nervosos.

Ao chegar, abriu a porta da sala, com as palavras ensaiadas querendo saltar-lhe da boca. Frustrado, constatou a ausência da esposa. Tomou uma ducha. Estranhou, no quarto, em cima do travesseiro, estava um envelope que lhe era dirigido. A caligrafia era de Leda, que assim dizia: "Não quero ser desleal com você, já há algum tempo gosto de outro. Adeus" Leda.

(publicado na Revista Santos, Arte e Cultura – Setembro/2009)

Fonte:
Cláudio de Cápua. Retalhos de Imprensa. São Paulo: EditorAção, 2020.
Livro gentilmente enviado pelo escritor.

Camilo Castelo Branco (Sonetos Escolhidos)


ALMA ATRIBULADA

O' alma atribulada, corta o laço
da torva angústia que te cinge à vida!
Vai, foge para Deus, ou para o espaço...
Ou nada ou Deus, que importa? eis-te remida.

Não tiveste na vida um dia escasso
de paz e de alegria! Escurecida
te foi sempre a existência, desvalida,
e cortada de abismos, passo a passo.

Vai! Não leves saudades do que deixas.
Se a fé em melhor mundo te preluz,
alma gemente, por que assim te queixas?

Desprende-te, a sorrir, da horrenda cruz
em que tanto penaste! Os olhos fechas?
Abre os d'alma, e verás que infinda luz.
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A MAIOR DOR HUMANA

Que imensas agonias se formaram
sob os olhos de Deus! Sinistra hora
em que o homem surgiu! Que negra aurora,
que amargas condições o escravizaram!

As mãos, que um filho amado amortalharam,
erguidas buscam Deus. A Fé implora...
E o céu, que respondeu? As mãos baixaram
para abraçar a filha morta agora.

Depois um pai em trevas vai sonhando,
e apalpa as sombras deles onde os viu
nascer, florir, morrer! Desastre infando!

Ao teu abismo, pai, não vão confortos...
És coração que a dor empederniu,
sepulcro vivo de dois filhos mortos.
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A OUTRA METADE

Quando este corpo meu esfacelado
Baixar à leiva úmida da cova,
Hão de os jornais carpir a infausta nova,
Taxando-me de sábio consumado.

Estalará na imprensa enorme brado,
Pedindo a ressurgência d’um Canova
Que a morta face em mármore renova
Para esculpir meu busto laureado.

E algum dos imbecis necrologistas,
Com soluçantes vozes de saudade,
Dirá em ricas frases nunca vistas:

“Esse gênio imortal, rei dos artistas,
No céu pede ao Senhor que a outra metade
Reparta por vocês, ó jornalistas!”
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LÁGRIMAS

Senhora! em vosso rosto macerado
Transluz da alma aflita a imensa dor!
D'um lado, a morte; do outro, o vosso Amor
Tremenda luta ao pé do Esposo amado!

Contais as pulsações do peito ansiado
Em estes convulsivos do estertor;
Só podem vossos lábios dar calor
Àquele corpo inerte, hirto, gelado.

Vós bem vedes, Senhora, este quebranto
Que enluta Portugal! Ergue-se o pranto,
Quando a morte do Paço se avizinha...

Pois quanto uma nação pode sofrer
Não tem o acerbo e intenso padecer
Das vossas santas lágrimas, Rainha!
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LISBOA BUCÓLICA

Na lusa Babilônia há parvices
Atávicas, talvez; pois bons autores
Carimbam de sandeus os fundadores,
E chamam parvo ao seu caudilho Ulysses.

Assim começa o rol das tais tolices:
Famílias vão, nos meses dos calores,
Refrigerar no campo os seus ardores,
E haurir das frescas brisas as meiguices.

Alugam-se uns casebres purulentos,
Onde os ratos vorazes e macróbios
Esfarelam a dente os vigamentos.

Metidas n'esses fétidos cenóbios,
Depois de incalculáveis sofrimentos,
Voltam do campo cheias de micróbios.
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LUA DE MEL

Aquele teu amigo de Peniche
Casou, já sabes? Com a «Celidônia»,
Horizontal, (hectaíra, em língua jônia)
De lábio rubro e olho d'azeviche.

Naufragou muitas vezes no beliche
De notáveis pilotos da Parvônia;
Vogou desde Monção à Patagônia,
E, voltando, não topa onde se aniche.

Enfim, com sete filhos enjeitados
E os músculos bastante escanifrados,
Pilha um palerma que jamais lhe escapa!

São noivos. Vão fazer a lua em Cintra.
Pergunta agora tu ao tal pelintra
Se a lua foi de mel ou de jalapa.
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REMORSO

Eu choro quando, ás vezes, me concentro
A meditar nas horas malogradas,
Noites de inverno, gélidas, passadas
Nos Carnavais retóricos do Centro.

Convidam-me a ser sócio. Aceito e entro,
Deixando solitárias, consternadas,
Três Marílias que amei! Estais vingadas!
Remorsos me excruciam cá por dentro.

Dizia-me um dinástico - esquerdista:
«Prepara-se você para estadista?
Aspira a ser ministro? A escola é esta.»

Pois, senhores, dez meses decorridos,
Bom político, em todos os sentidos,
Saí do Centro, mas saí mais besta.

Fonte:
Camilo Castelo Branco. Nas trevas: Sonetos sentimentaes e humoristicos. Publicado pela Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão (Lisboa/Portugal), em 1890.

Machado de Assis (Umas Férias)


Vieram dizer ao mestre-escola que alguém lhe queria falar.

— Quem é?

— Diz que meu senhor não o conhece, respondeu o preto.

— Que entre.

Houve um movimento geral de cabeças na direção da porta do corredor, por onde devia entrar a pessoa desconhecida. Éramos não sei quantos meninos na escola. Não tardou que aparecesse uma figura rude, tez queimada, cabelos compridos, sem sinal de pente, a roupa amarrotada, não me lembra bem a cor nem a fazenda, mas provavelmente era brim pardo. Todos ficaram esperando o que vinha dizer o homem, eu mais que ninguém, porque ele era meu tio, roceiro, morador em Guaratiba. Chamava-se tio Zeca.

Tio Zeca foi ao mestre e falou-lhe baixo. O mestre fê-lo sentar, olhou para mim, e creio que lhe perguntou alguma coisa, porque tio Zeca entrou a falar demorado, muito explicativo. O mestre insistiu, ele respondeu, até que o mestre, voltando-se para mim, disse alto:

— Sr. José Martins, pode sair.

A minha sensação de prazer foi tal que venceu a de espanto. Tinha dez anos apenas, gostava de folgar, não gostava de aprender. Um chamado de casa, o próprio tio, irmão de meu pai, que chegara na véspera de Guaratiba, era  naturalmente alguma festa, passeio, qualquer coisa. Corri a buscar o chapéu, meti o livro de leitura no bolso e desci as escadas da escola, um sobradinho da Rua do Senado. No corredor beijei a mão a tio Zeca. Na rua fui andando ao pé dele, amiudando os passos, e levantando a cara. Ele não me dizia nada, eu não me atrevia a nenhuma pergunta. Pouco depois chegávamos ao colégio de minha irmã Felícia; disse-me que esperasse, entrou, subiu, desceram, e fomos os três caminho de casa. A minha alegria agora era maior. Certamente havia festa em casa, pois que íamos os dois, ela e eu; íamos na frente, trocando as nossas perguntas e conjeturas. Talvez anos de tio Zeca. Voltei a cara para ele; vinha com os olhos no chão, provavelmente para não cair.

Fomos andando. Felícia era mais velha que eu um ano. Calçava sapato raso, atado ao peito do pé por duas fitas cruzadas, vindo acabar acima do tornozelo com laço. Eu, botins de cordovão, já gastos. As calcinhas dela pegavam com a fita dos sapatos, as minhas calças, largas, caíam sobre o peito do pé; eram de chita. Uma ou outra vez parávamos, ela para admirar as bonecas à porta dos armarinhos, eu para ver, à porta das vendas, algum papagaio que descia e subia pela corrente de ferro atada ao pé. Geralmente, era meu conhecido, mas papagaio não cansa em tal idade. Tio Zeca é que nos tirava do espetáculo industrial ou natural. — Andem, dizia ele em voz sumida. E nós andávamos, até que outra curiosidade nos fazia deter o passo. Entretanto, o principal era a festa que nos esperava em casa.

— Não creio que sejam anos de tio Zeca, disse-me Felícia.

— Por quê?

— Parece meio triste.

— Triste, não, parece carrancudo.

— Ou carrancudo. Quem faz anos tem a cara alegre.

— Então serão anos de meu padrinho...

— Ou de minha madrinha...

— Mas por que é que mamãe nos mandou para a escola?

— Talvez não soubesse.

— Há de haver jantar grande...

— Com doce...

— Talvez dancemos.

Fizemos um acordo: podia ser festa, sem aniversário de ninguém. A sorte grande, por exemplo. Ocorreu-me também que podiam ser eleições. Meu padrinho era candidato a vereador; embora eu não soubesse bem o que era candidatura nem vereação, tanto ouvira falar em vitória próxima que a achei certa e ganha. Não sabia que a eleição era ao domingo, e o dia era sexta-feira. Imaginei bandas de música, vivas e palmas, e nós, meninos, pulando, rindo, comendo cocadas. Talvez houvesse espetáculo à noite; fiquei meio tonto. Tinha ido uma vez ao teatro, e voltei dormindo, mas no dia seguinte estava tão contente que morria por lá tornar, posto não houvesse entendido nada do que ouvira. Vira muita coisa, isto sim, cadeiras ricas, tronos, lanças compridas, cenas que mudavam à vista, passando de uma sala a um bosque, e do bosque a uma rua. Depois, os personagens, todos príncipes. Era assim que chamávamos aos que vestiam calção de seda, sapato de fivela ou botas, espada, capa de veludo, gorra com pluma. Também houve bailado. As bailarinas e os bailarinos falavam com os pés e as mãos, trocando de posição e um sorriso constante na boca. Depois os gritos do público e as palmas...

Já duas vezes escrevi palmas; é que as conhecia bem. Felícia, a quem comuniquei a possibilidade do espetáculo, não me pareceu gostar muito, mas também não recusou nada. Iria ao teatro. E quem sabe se não seria em casa, teatrinho de bonecos? Íamos nessas conjeturas, quando tio Zeca nos disse que esperássemos; tinha parado a conversar com um sujeito.

Paramos, à espera. A ideia da festa, qualquer que fosse, continuou a agitar-nos, mai s a mim que a ela. Imaginei trinta mil coisas, sem acabar nenhuma, tão precipitadas vinham, e tão confusas que não as distinguia, pode ser até que se repetissem. Felícia chamou a minha atenção para dois moleques de carapuça encarnada, que passavam carregando canas, — o que nos lembrou as noites de Santo Antônio e S. João, já lá idas. Então falei-lhe das fogueiras do nosso quintal, das bichas que queimamos, das rodinhas, das pistolas e das danças com outros meninos. Se houvesse agora a mesma coisa... Ah! lembrou-me que era ocasião de deitar à fogueira o livro da escola, e o dela também, com os pontos de costura que estava aprendendo.

— Isso não, acudiu Felícia.

— Eu queimava o meu livro.

— Papai comprava outro.

— Enquanto comprasse, eu ficava brincando em casa; aprender é muito aborrecido.

Nisto estávamos, quando vimos tio Zeca e o desconhecido ao pé de nós. O desconhecido pegou-nos nos queixos e levantou-nos a cara para ele, fitou-nos com seriedade, deixou-nos e despediu-se.

— Nove horas? Lá estarei, disse ele.

— Vamos, disse-nos tio Zeca.

Quis perguntar-lhe quem era aquele homem, e até me pareceu conhecê-lo vagamente. Felícia também. Nenhum de nós acertava com a pessoa; mas a promessa de lá estar às nove horas dominou o resto. Era festa, algum baile, conquanto às nove horas costumássemos ir para a cama. Naturalmente, por exceção, estaríamos acordados. Como chegássemos a um rego de lama, peguei da mão de Felícia, e transpusemo-lo de um salto, tão violento que quase me caiu o livro. Olhei para tio Zeca, a ver o efeito do gesto; vi-o abanar a cabeça com reprovação. Ri, ela sorriu, e fomos pela calçada adiante.

Era o dia dos desconhecidos. Desta vez estavam em burros, e um dos dois era mulher. Vinham da roça. Tio Zeca foi ter com eles ao meio da rua, depois de dizer que esperássemos. Os animais pararam, creio que de si mesmos, por também conhecerem a tio Zeca, ideia que Felícia reprovou com o gesto, e que eu defendi rindo. Teria apenas meia convicção; tudo era folgar. Fosse como fosse, esperamos os dois, examinando o casal de roceiros. Eram ambos magros, a mulher mais que o marido, e também mais moça; ele tinha os cabelos grisalhos. Não ouvimos o que disseram, ele e tio Zeca; vimo-lo, sim, o marido olhar para nós com ar de curiosidade, e falar à mulher, que também nos deitou os olhos, agora com pena ou coisa parecida. Enfim apartaram-se, tio Zeca veio ter conosco e enfiamos para casa.

A casa ficava na rua próxima, perto da esquina. Ao dobrarmos esta, vimos os portais da casa forrados de preto, — o que nos encheu de espanto. Instintivamente paramos e voltamos a cabeça para tio Zeca. Este veio a nós, deu a mão a cada um e ia a dizer alguma palavra que lhe ficou na garganta; andou, levando-nos consigo. Quando chegamos, as portas estavam meio cerradas. Não sei se lhes disse que era um armarinho. Na rua, curiosos. Nas janelas fronteiras e laterais, cabeças aglomeradas. Houve certo rebuliço quando chegamos. É natural que eu tivesse a boca aberta, como Felícia. Tio Zeca empurrou uma das meias portas, entramos os três, ele tornou a cerrá-la, meteu-se pelo corredor e fomos à sala de jantar e à alcova.

Dentro, ao pé da cama, estava minha mãe com a cabeça entre as mãos. Sabendo da nossa chegada, ergueu-se de salto, veio abraçar-nos entre lágrimas, bradando:

— Meus filhos, vosso pai morreu!

A comoção foi grande, por mais que o confuso e o vago entorpecessem a consciência da notícia. Não tive forças para andar, e teria medo de o fazer. Morto como? morto por quê? Estas duas perguntas, se as meto aqui, é para dar seguimento à ação; naquele momento não perguntei nada a mim nem a ninguém. Ouvi as palavras de minha mãe, se repetiam em mim, e os seus soluços que eram grandes. Ela pegou em nós e arrastou-nos para a cama, onde jazia o cadáver do marido; e fez-nos beijar-lhe a mão. Tão longe estava eu daquilo que, apesar de tudo, não entendera nada a princípio; a tristeza e o silêncio das pessoas que rodeavam a cama ajudaram a explicar que meu pai morrera deveras. Não se tratava de um dia santo, com a sua folga e recreio, não era festa, não eram as horas breves ou longas, para a gente desfiar em casa, arredada dos castigos da escola. Que essa queda de um sonho tão bonito fizesse crescer a minha dor de filho não é coisa que possa afirmar ou negar; melhor é calar. O pai ali estava defunto, sem pulos, nem danças, nem risadas, nem bandas de música, coisas todas também defuntas. Se me houvessem dito à saída da escola por que é que me iam lá buscar, é claro que a alegria não houvera penetrado o coração, donde era agora expelida a punhadas.

O enterro foi no dia seguinte às nove horas da manhã, e provavelmente lá estava aquele amigo de tio Zeca que se despediu na rua, com a promessa de ir às nove horas. Não vi as cerimônias; alguns vultos, poucos, vestidos de preto, lembra-me que vi. Meu padrinho, dono de um trapiche, lá estava, e a mulher também, que me levou a uma alcova dos fundos para me mostrar gravuras. Na ocasião da saída, ouvi os gritos de minha mãe, o rumor dos passos, algumas palavras abafadas de pessoas que pegavam nas alças do caixão, creio eu: — “vire de lado, — mais à esquerda, — assim, segure bem...” Depois, ao longe, o côche andando e as seges atrás dele...

Lá iam meu pai e as férias! Um dia de folga sem folguedo! Não, não foi um dia, mas oito, oito dias de nojo, durante os quais alguma vez me lembrei do colégio. Minha mãe chorava, cosendo o luto, entre duas visitas de pêsames. Eu também chorava; não via meu pai às horas do costume, não lhe ouvia as palavras à mesa ou ao balcão, nem as carícias que dizia aos pássaros. Que ele era muito amigo de pássaros, e tinha três ou quatro, em gaiolas. Minha mãe vivia calada. Quase que só falava às pessoas de fora. Foi assim que eu soube que meu pai morrera de apoplexia. Ouvi esta notícia muitas vezes; as visitas perguntavam pela causa da morte, e ela referia tudo, a hora, o gesto, a ocasião: tinha ido beber água, e enchia um copo, à janela da área. Tudo decorei, à força de ouvi-lo contar.

Nem por isso os meninos do colégio deixavam de vir espiar para dentro da minha memória. Um deles chegou a perguntar-me quando é que eu voltaria.

— Sábado, meu filho, disse minha mãe, quando lhe repeti a pergunta imaginada; a missa é sexta-feira. Talvez seja melhor voltar na segunda.

— Antes sábado, emendei.

— Pois sim, concordou.

Não sorria; se pudesse, sorriria de gosto ao ver que eu queria voltar mais cedo à escola. Mas, sabendo que eu não gostava de aprender, como entenderia a emenda? Provavelmente, deu-lhe algum sentido superior, conselho do céu ou do marido. Em verdade, eu não folgava, se lerdes isto com o sentido de rir. Com o de descansar também não cabe, porque minha mãe fazia-me estudar, e, tanto como o estudo, aborrecia-me a atitude. Obrigado a estar sentado, com o livro nas mãos, a um canto ou à mesa, dava ao diabo o livro, a mesa e a cadeira.

Usava um recurso que recomendo aos preguiçosos: deixava os olhos na página e abria a porta à imaginação. Corria a apanhar as flechas dos foguetes, a ouvir os realejos, a bailar com meninas, a cantar, a rir, a espancar de mentira ou de brincadeira, como for mais claro.

Uma vez, como desse por mim a andar na sala sem ler, minha mãe repreendeu-me, e eu respondi que estava pensando em meu pai. A explicação fê-la chorar, e, para dizer tudo, não era totalmente mentira; tinha-me lembrado o último presentinho que ele me dera, e entrei a vê-lo com o mimo na mão.

Felícia vivia tão triste como eu, mas confesso a minha verdade, a causa principal não era a mesma. Gostava de brincar, mas não sentia a ausência do brinco, não se lhe dava de acompanhar a mãe, coser com ela, e uma vez fui achá-la a enxugar-lhe os olhos. Meio vexado, pensei em imitá-la, e meti a mão no bolso para tirar o lenço. A mão entrou sem ternura, e, não achando o lenço, saiu sem pesar. Creio que ao gesto não faltava só originalidade, mas sinceridade também.

Não me censurem. Sincero fui longos dias calados e reclusos. Quis uma vez ir para o armarinho, que se abriu depois do enterro, onde o caixeiro continuou a servir. Conversaria com este, assistiria à venda de linhas e agulhas, à medição de fitas, iria à porta, à calçada, à esquina da rua... Minha mãe sufocou este sonho pouco depois dele nascer. Mal chegara ao balcão, mandou-me buscar pela escrava; lá fui para o interior da casa e para o estudo. Arrepelei-me, apertei os dedos à guisa de quem quer dar murro; não me lembra se chorei de raiva.

O livro lembrou-me a escola, e a imagem da escola consolou-me. Já então lhe tinha grandes saudades. Via de longe as caras dos meninos, os nossos gestos de troça nos bancos, e os saltos à saída. Senti cair-me na cara uma daquelas bolinhas de papel com que nos espertavamos uns aos outros, e fiz a minha e atirei-a ao meu suposto espertador. A bolinha, como acontecia às vezes, foi cair na cabeça de terceiro, que se desforrou depressa. Alguns, mais tímidos, limitavam-se a fazer caretas. Não era folguedo franco, mas já me valia por ele.

Aquele degredo que eu deixei tão alegremente com tio Zeca, parecia-me agora um céu remoto, e tinha medo de o perder. Nenhuma festa em casa, poucas palavras, raro movimento. Foi por esse tempo que eu desenhei a lápis maior número de gatos nas margens do livro de leitura; gatos e porcos. Não alegrava, mas distraía.

A missa do sétimo dia restituiu-me à rua; no sábado não fui à escola, fui à casa de meu padrinho, onde pude falar um pouco mais, e no domingo estive à porta da loja. Não era alegria completa. A total alegria foi segunda-feira, na escola. Entrei vestido de preto, fui mirado com curiosidade, mas tão outro ao pé dos meus condiscípulos, que me esqueceram as férias sem gosto, e achei uma grande alegria sem férias.

Fonte:
Machado de Assis. Relíquias da Casa Velha. Publicado originalmente pela Editora Garnier (RJ) em 1906.

sábado, 6 de junho de 2020

Varal de Trovas n. 285


Silmar Böhrer (Croniquinha) 3


Nas horas noitinhas serenas, vento batendo na soleira da porta, junto aos livros, vou a pensar nos periódicos rabiscos croniquinhas. E penso que não é preciso falar muito para dizer tudo.

Sinto-os plenos, completos, insuflando pensares, indagações, respostas.

Da mesma forma no cotidiano, tantas vezes nos excedemos em práticas, nos envolvendo em minúcias, apegados a burocracias que bem podem ser abolidas ou contornadas (os rios contornam as montanhas para seguir seu curso), e os efeitos serão os mesmos ou até melhores.

Surge à mente a frase do médico e músico chileno Cláudio Naranjo, quando indaga: "Quanta vida perdemos colocando na cabeça  coisas que não servem para nada"?

Ou que nada acrescentam, penso eu.

SEJAMOS RIOS.

Fonte:
texto enviado pelo autor.

Paulo Leminski (Versos Diversos) 2


desmontando o frevo

desmontando
o brinquedo
eu descobri
que o frevo
tem muito a ver
com certo
jeito mestiço de ser
um jeito misto
de querer
isto e aquilo
sem nunca estar tranquilo
com aquilo
nem com isto

de ser meio
e meio ser
sem deixar
de ser inteiro
e nem por isso
desistir
de ser completo
mistério

eu quero
ser o janeiro
a chegar
em fevereiro
fazendo o frevo
que eu quero
chegar na frente
em primeiro
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das coisas
que eu fiz a metro
todos saberão
quantos quilômetros
são
aquelas
em centímetros
sentimentos mínimos
ímpetos infinitos
não?
****************************************

Quem nasce com coração?
Coração tem que ser feito.
Já tenho uma porção
Me infernando o peito.

Com isso ninguém nasça.
Coração é coisa rara,
Coisa que a gente acha
E é melhor encher a cara.
****************************************

não sou o silêncio
que quer dizer palavras
ou bater palmas
pras performances do acaso

sou um rio de palavras
peço um minuto de silêncios
pausas valsas calmas penadas
e um pouco de esquecimento

apenas um e eu posso deixar o espaço
e estrelar este teatro
que se chama tempo
****************************************

nada tão comum
que não possa chamá-lo
meu

nada tão meu
que não possa dizê-lo
nosso

nada tão mole
que não possa dizê-lo
osso

nada tão duro
que não possa dizer
posso
****************************************

Bom dia, poetas velhos.
Me deixem na boca
o gosto de versos
mais fortes que não farei.

Dia vai vir que os saiba
tão bem que vos cite
como quem tê-los
um tanto feito também,
acredite.
****************************************

enxuga aí

vê se enxerga

essa lágrima
eu deixei cair

examina

examina bem

vê se não é
água da pedra
ouro da mina
essa gota dágua

minha
obra-prima
****************************************

dia
ao primo pássaro

 

foi você
que piou pintou
ontem
pouco antes
do sol nascer?

ou foi
talvez
um irmão tia irmã
uma voz

tão
longe
que hoje
até parece amanhã?
****************************************

a árvore é um poema
não está ali
para que valha a pena
está lá
ao vento porque trema
ao sol porque crema
à lua porque diadema
está apenas

Fonte:
Paulo Leminski. caprichos & relaxos (saques, piques, toques & baques)

Fernando Sabino (Albertina)


Chamava-se Albertina, mas era a  própria  Nega  Fulô:  pretinha, retorcida, encabulada. No primeiro dia me perguntou o que eu queria para o jantar:

- Qualquer coisa - respondi.

Lançou-me um olhar patético e desencorajado. Resolvi dar-lhe algumas instruções: mostrei-lhe as coisas na cozinha, dei-lhe dinheiro para as compras, pedi que tomasse nota de tudo que gastasse.

- Você sabe escrever?

- Sei, sim senhor. - balbuciou ela.

- Veja se tem um lápis aí na gaveta.

- Não tem não, senhor.

- Como não tem? Pus um lápis aí agora mesmo!

Ela abaixou a cabeça, levou um dedo à boca, ficou pensando.

- O que é lapisai?- perguntou finalmente.

Resolvi que já era tarde para esperar que ela fizesse o jantar. Comeria fora naquela noite.

- Amanhã você começa - concluí. - Hoje não precisa fazer nada.

Então ela se trancou no quarto e só apareceu no dia seguinte. No dia seguinte não havia água nem para lavar o rosto.

- O homem lá da porta veio aqui avisar que ia faltar - disse ela, olhando-me interrogativamente.

- Por que você não encheu a banheira, as panelas, tudo isso aí?

- Era para encher?

- Era.

- Uê.

Não houve café, nem almoço e nem jantar. Saí para comer qualquer coisa, depois de lavar-me com água mineral. Antes chamei Albertina, ela veio lá de sua toca espreguiçando:

- Eu tava dormindo...- e deu uma risadinha.

- Escute uma coisa, preste bem atenção - preveni: Eles abrem a água às sete da manhã, às  sete e meia tornam a fechar. Você fica atenta e aproveita para encher a banheira, enche tudo, para não acontecer o que aconteceu hoje.

Ela me olhou espantada:

- O que aconteceu hoje?

Era mesmo de encher. Quando cheguei já  passava  de  meia-noite, ouvi barulho na área.

- É você, Albertina?

- É sim senhor...

- Por que você não vai dormir?

- Vou encher a banheira...

- A esta hora?!

- Quantas horas?

- Uma da manhã.

- Só?- espantou-se ela.- Está custando a pas- ...... - O senhor quer que eu arrume seu quarto?

- Quero.

-Tá.

Quarto arrumado, Albertina se detém no meio da sala, vira o rosto para o outro lado, toda encabulada, quando fala comigo:

- Posso varrer a sala?

- Pode.

-Tá.

Antes que ela vá buscar a vassoura, chamo-a:

- Albertina!

Ela espera, assim de costas, o dedo correndo devagar no friso da porta.

- Não seria melhor você primeiro fazer café?

– Tá.

Depois era o telefone:

- Telefonou um moço aí dizendo que é para o senhor ir num lugar aí buscar não sei o quê.

- Como é o nome?

- Um nome esquisito...

- Quando telefonarem você pede o nome.

– Tá.

- Albertina!

- Senhor?

- Hoje vai haver almoço?

- O senhor quer?

- Se for possível.

– Tá.

Fazia o almoço. No primeiro dia lhe sugeri que fizesse pastéis, só para experimentar. Durante três dias só comi pasteis.

- Se o senhor quiser que eu pare eu paro.

- Faz outra coisa.

-Tá.

Fez empadas. Depois fez um bolo. Depois fez um pudim. Depois fez um despacho na cozinha.

- Que bobagem é essa aí, Albertina?

- Não é nada não senhor - disse ela.

- Tá - disse eu.

E ela levou para seu quarto umas coisas, papel queimado, uma vela, sei lá o quê. O telefone tocava.

- Atende aí, Albertina.

- É para o senhor.

- Pergunte o nome.

– O.

- O quê?

- Disse que chama O.

Era o Otto. Aproveitei-me e lhe perguntei se não queria me convidar para jantar em sua casa.

Finalmente o dia da bebedeira. Me apareceu bêbada  feito  um gambá; agarrando-me pelo braço:

- Doutor, doutor... A moça aí da vizinha disse que eu tou beba, mas é mentira, eu não bebi nada... O senhor não acredita nela não, tá com ciúme de nóis!

Olhei para ela, estupefato. Mal se sustinha sobre as pernas e começou a chorar.

-  Vá para o seu quarto - ordenei, esticando o braço dramaticamente. - Amanhã nós conversamos.

Ela nem fez caso. Senti-me ridículo como um general  de  pijama, com aquela pretinha dependurada no meu braço, a chorar.

- Me larga! - gritei, empurrando-a. Tive logo em seguida de ampará-la para que não caísse: - Amanhã você arruma suas coisas e vai embora.

- Deixa eu ficar... Não bebi nada, juro!

Na cozinha havia duas garrafas de cachaça vazias, três de cerveja. Eu lhe havia ordenado que nunca deixasse faltar três garrafas de cerveja na geladeira. Ela me obedecia à risca:  bebia as três, comprava outras três.

Tranquei a porta da cozinha, deixando-a nos seus domínios. Mais tarde soube que invadira os apartamentos vizinhos fazendo cenas. No dia seguinte ajustamos as contas. Ela, já sóbria, mal ousava me olhar.

- Deixa eu ficar - pediu ainda, num sussurro. -  Juro que não faço mais.

Tive pena:

- Não é por nada não, é que não vou precisar mais de empregada, vou viajar, passar muito tempo fora.

Ela ergueu os olhos:

- Nenhuma empregada?

- Nenhuma.

- Então tá.

Agarrou sua trouxa, despediu-se e foi-se embora.

Fonte:
Fernando Sabino. O Homem Nu. RJ: Editora Record,1976.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

Varal de Trovas n. 284


Figueiredo Pimentel (O Violino Mágico)


Dário era um bom mocinho, alegre e esperto, estimado por todos que o conheciam. Um dia despedindo-se de sua família e de seus amigos, saiu de casa, para ganhar honradamente a vida. Ele era o mais velho dos cinco filhos que tinha o tio Pedro; e como a miséria lhes batia à porta, forçoso foi que o moço saísse, para não sobrecarregar o pai, em prejuízo dos irmãos menores, e também para ver se melhorava de sorte. Ao despedir-se, o pai lhe dera por toda fortuna uma moeda de prata; e ele julgou-se rico, porque não conhecia o valor do dinheiro.

Caminhava alegremente pela estrada que conduzia à cidade, quando encontrou um velhinho, abrigado à sombra de uma árvore, gemendo e chorando.

Dotado de excelente coração, Dário tratou desveladamente do enfermo, e deu-lhe a sua única moeda de prata.

O velhinho, agradecido, disse:

– Já que foste tão caridoso, vou fazer-te um presente. Aqui tens este violino. Todas as vezes que o tocares, quem o ouvir não poderá resistir ao desejo de dançar.

Dário saiu satisfeito com o presente, e pouco adiante, encontrou-se com um judeu, homem avarento, que espoliava todo o mundo, emprestando dinheiro a altos juros, em troca de bons e valiosos penhores de prata, ouro e pedras preciosas, que nunca mais entregava aos respectivos donos.

Naquele mesmo instante o judeu acabava de perder um vintém, e procurava-o aflitamente, como se tratasse de imensa fortuna.

O moço ofereceu-se para ajudá-lo, e, como tinha boa vista, enxergou a moeda de cobre caída no meio dos espinhos. Ia apanhá-la, mas o avarento não o consentiu, pensando que Dário fosse capaz de roubá-la.

– Ah!, disse Dário consigo mesmo: desconfias de mim! Deixa estar que me pagarás...

Esperou sentado; e, assim que viu o miserável dentro dos espinhos, começou a tocar o violino.

O judeu, escutando aqueles harmoniosos sons, começou a dançar; e quanto mais Dário tocava, tanto mais ele saltava, quase sem fôlego, rasgando a roupa, ferindo-se nos espinhos.

– Para!... Para!... cessa esse violino do diabo! Para, que já não posso mais! berrava o judeu, desesperado, sempre a dançar.

O rapaz, porém, continuava sempre a vibrá-lo.

– Pelo amor de Deus, para com essa música, que te darei uma bolsa de ouro!... disse, enfim, o avarento.

– Ah! isso é outro modo de falar! respondeu o mocinho, emudecendo o violino mágico, depois que o judeu atirou a bolsa.

No dia seguinte, chegando à cidade, Dário foi preso. O judeu tinha ido queixar-se que havia sido roubado por ele.

O moço foi condenado à morte.

No momento em que subia para a forca, pediu que lhe permitissem tocar pela última vez o violino.

O avarento, que estava ao pé do cadafalso, gritou logo:

– Não o deixem tocar mais!... Não o deixem tocar!...

O juiz, porém, que não via razões para recusar, acedeu.

Dário começou a vibrar o violino, e imediatamente todos – juiz, carrasco, soldados, homens, mulheres, velhos e crianças – todos começaram a dançar.

– Basta! gritava o juiz.

– Basta! gritava o povo.

Dário cessou a música. O juiz convenceu-se que o rapaz não era criminoso, perdoou-o, e mandou enforcar o judeu.

Fonte:
Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. 1896.

Helena Kolody (Poemas Avulsos) 1


A LÁGRIMA

Oh! lágrima cristalina
Tão salgada e pequenina
Quanta dor tu redimes
Mesmo feita de amarguras
És tão sublime tão pura
Que só virtudes exprimes.
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LIÇÃO

A luz da lamparina dançava
frente ao ícone da Santíssima Trindade.
Paciente, a avó ensinava
a prostrar-se em reverência,
persignar-se com três dedos
e rezar em língua eslava.
De mãos postas, a menina
fielmente repetia
palavras que ela ignorava,
mas Deus entendia.
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SONHAR


Sonhar é transportar-se em asas de ouro e aço
Aos páramos azuis da luz e da harmonia;
É ambicionar o céu; é dominar o espaço
Num voo poderoso e audaz da fantasia.
Fugir ao mundo vil, tão vil que, sem cansaço,
Engana, e menospreza, e zomba, e calunia;
Encastelar-se, enfim, no deslumbrante Paço
De um sonho puro e bom, de paz e de alegria.
É ver no lago um mar, nas nuvens um castelo,
Na luz de um pirilampo um sol pequeno e belo;
É alçar constantemente o olhar ao céu profundo.
Sonhar é ter um grande ideal na inglória lida:
Tão grande que não cabe inteiro nesta vida,
Tão puro que não vive em plagas deste mundo.
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MÚSICA SUBMERSA



Não quero ser o grande rio caudaloso
Que figura nos mapas.
Quero ser o cristalino fio d’água
Que canta e murmura
Na mata silenciosa.
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NAVEGANTE
 

Navegou
no veleiro dos livros.

Desembarcou
e conferiu.

E o mundo que viu
não era o que imaginou.
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INFÂNCIA


Aquelas tardes de Três Barras,
Plenas de sol e de cigarras!

Quando eu ficava horas perdidas
Olhando a faina das formigas
Que iam e vinham pelos carreiros,
No áspero tronco dos pessegueiros.

A chuva-de-ouro
Era um tesouro,
Quando floria.
De áureas abelhas
Toda zumbia.
Alfombra flava
O chão cobria...

O cão travesso, de nome eslavo,
Era um amigo, quase um escravo.

Merenda agreste:
Leite crioulo,
Pão feito em casa,
Com mel dourado,
Cheirando a favo.

Ao lusco-fusco, quanta alegria!
A meninada toda acorria
Para cantar, no imenso terreiro:
“Mais bom dia, Vossa Senhoria”...
“Bom barqueiro! Bom barqueiro...”
Soava a canção pelo povoado inteiro
E a própria lua cirandava e ria.

Se a tarde de domingo era tranquila,
Saía-se a flanar, em pleno sol,
No campo, recendente a camomila.
Alegria de correr até cair,
Rolar na relva como potro novo
E quase sufocar, de tanto rir!

No riacho claro, às segundas-feiras,
Batiam roupas as lavadeiras.
Também a gente lavava trapos
Nas pedras lisas, nas corredeiras;
Catava limo, topava sapos
(Ai, ai, que susto! Virgem Maria!)

Do tempo, só se sabia
Que no ano sempre existia
O bom tempo das laranjas
E o doce tempo dos figos...

Longínqua infância... Três Barras
Plena de sol e cigarras!
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PELOS BAIRROS ESQUECIDOS


Pelos bairros esquecidos,
tantos passos,
tantos risos,
tantos sonhos perdidos!
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DOM

Deus dá a todos uma estrela.
Uns fazem da estrela um sol.
Outros nem conseguem vê-la.

Fontes:
Helena Kolody. A Sombra no Rio; Ontem Agora; Poesia Mínima; Poesias Escolhidas; Sempre Palavra; Viagem no Espelho.

Monteiro Lobato (Pedro Pichorra)


(conto publicado em 1910)

Quem dobra o Morro da Samambaia, com a vista saturada pela verdura monótona, espairece na Grota Funda ao dar de chapa com uma sitioca pitoresca. E passa levando nos olhos a impressão daquela sépia afogada em campo verde: casebre de palha, terreirinho de chão limpo, mastro de santo Antônio com os desenhos já escorridos pela chuva e a bandeira rota trapejante ao vento. Dois mamoeiros no quintal apinhados de frutos; canteiros de esporinhas com periquito em redor e manjericões entreverados. Um pé de girassol, magro e desenxabido, a sopesar no alto a rodela cor de canário; laranjeiras semimortas sob o toucado da erva-de-passarinho.

Nos fundos da casa vê-se o lavadouro, descoivarado apenas, num poço onde o corgo rebrilha três palmos d’água. Sobre um tabuão emborcado a meio, lá está batendo roupa a Marianinha Pichorra, mulher do Pedro Pichorra, mãe de nove Pichorrinhas. É ali o sítio dos Pichorras e até a Grota Funda já é conhecida por Fundão da Pichorrada.

Por que os antigos Pereiras de Sousa, do Barro Branco, vieram a chamar-se Pichorras? É toda uma história.

Pedrinho ia nos onze anos. Já se destabocara e já preferia, em matéria de fumo, o forte, bem melado. Na véspera realizara o sonho de toda criança da roça — a faca de ponta. Dera-lha o pai como um diploma de virilidade.

— Menino, de ora em diante você é homem. Agredido, não gritará por gente grande; é mão na faca, pé atrás e corisco nos olhos.

Não lhe falou assim o pai, mas leu Pedrinho essa fala na lâmina rebrilhante. Por isso irradiava de orgulho, imaginando pegas, aloites, tempos-quentes e tocaias onde a “sardinha” alumiasse.

O pai, naquele momento de pé na soleira da porta, assuntava o céu. Viu que chover não chovia — e:

— Pedrinho! — gritou para os fundos.

— Pai?

— Vá pegar a égua.

O menino passou mão do cabresto e mergulhou no pasto. Minutos depois repontava trotando em pelo a Serena, égua velha, de muita barriga mas aguentadeira.

— Dê milho, do mole, e arreie.

O pequeno debulhou duas espigas no embornal e, enquanto a égua mascava o lambisco, alisou-a, ajeitou-lhe no lombo pisado um saco velho, depois a carona, o lombilho, o pelego.

— Não coche demais a barrigueira. Tem potrinho.

O menino folgou dois dedos o arrocho e esperou um bocado, enrolando o cigarro, até que a Serena parasse de mastigar. Por fim, arrumou o freio e montou.

— Agora você vai no sítio do Nheco e diz praquele tranca que dou o capadete pelos vinte e cinco mil-réis.

Pedrinho abriu cara de quem estranhava a ordem.

— Sozinho?

— Ué! E a faca, então? Não é “companheiro”?

O argumento valeu. Pedrinho, sem mais palavra, deu rédea e, lept! lept!, arrancou estrada afora.

O pai, alisando maquinalmente um palhão de milho, acompanhou-o com os olhos até perdê-lo de vista na primeira curva. Depois monologou:

— “Sozinho”? Ué! Até quando? Precisa acostumar. Onze anos. É homem. Eu com dez varava sertão.

Pedrinho trotava pela fita vermelha da estrada, sobe e desce morro, quebra à direita, à esquerda, pac, pac, pac... Ia pensando na volta. Teria tempo de transpor a figueira antes de escurecer? A figueira... Passavam-se ali coisas de arrepiar o cabelo. Pela meia-noite — diziam — o capeta juntava debaixo dela sua corte inteira para pinoteamento de um samba infernal. Os sacis marinhavam galhos acima em cata de figuinhos, que disputavam aos morcegos. E os lobisomens, então? Vinham aos centos focinhar o esterco das corujas. Almas penadas, isso nem era bom falar! Quando o Quincas da Estiva contava casos da figueira, não havia chapéu que parasse na cabeça. Mas de dia, nada; passarinhada miúda só, a debicar frutinhas. Foi o que o menino viu naquela tarde ao cruzar com a árvore. Mesmo assim passou rápido e encolhidinho — por via das dúvidas.

Chegou ao Nheco ainda com sol e deu o recado.

Nheco, marotíssimo, coçou o cabelo de milho da barbicha e embromou:

— Pois não. Mas... “não vê” que o toicinho baixou. De Minas tem descido um “poder” de capadaria que mete medo. De sorte que você diga pro pai que nestes “causos” eu não sustento o trato. Se ele quiser vinte e três mil-réis... Diga assim, ouviu? Vinte e três, ouviu?

Pedrinho desandou para trás, pensando consigo: “Safado!”. E veio todo o caminho absorvido em xingar mentalmente o aproveitador. Ao defrontar com a figueira o medo agarrou-o. Escurecia. A luz do céu estava morrendo, pálida no alto, laranja esmaiada no poente. Por felicidade cruzaria a figueira antes da noite. Fechou os olhos, conjurou o encardido santo Antônio da família e transpôs dum galão o passo perigoso.

— Arre!... — exclamou com desabafo, olhando para trás e vendo a árvore maldita diminuir de porte. E pac, pac, pac, estrada afora, rumo ao sítio paterno. Mas escureceu e, já perto de casa, vai senão quando a égua empina a orelha e passarinha.

— Égua velha passarinhou é saci! — sugeriu dentro dele o medo. E o menino retransido viu de repente no barranco um saci de braços espichados, barrigudo, “com um olho de fogo que passeava pelo corpo”.

— Nossa Senhora da Conceição, valei-me!

Assustado por aquele berro, o “olho do saci voou pelo ar, piscando”... Pedrinho bateu em casa de cabelos em pé, olhos saltados. Agarrou-se com o pai, trêmulo, sem fala. A custo desfez o nó da língua.

— O saci, pai!...

— ?

— ... pra cá da figueira... na curva... Barrigudinho... preto...

O pai deu-lhe água na cuia.

— Sossegue um pouco, menino.

E depois duma pausa:

— Você está bobeando, Pedrinho. Não há saci destas bandas.

— Juro, pai! Por Deus do Céu que vi.

E contou a viagem por miúdo, até a aparição.

— Altinho? Pretinho? — indagou o pai.

— Pretinho era, mas chatola, barrigudo, assim que nem pichorra grande.

— Então não é saci — concluiu o velho, entendidíssimo em demonologia rural. E depois:

— Fedeu enxofre?

— Não.

— ‘ssobiou?

— Não.

— Mexeu do lugar?

— Não. Só o olho. O olho andava e voava.

O caboclo refletiu um bocado, até que por fim uma ideia lhe iluminou a cara.

— Onde foi isso — pra cá do corguinho?

— É...

— No barranco?

— É...

— O olho andou e depois voou, piscando?

— Tal e qual...

— E o corpo ficou parado?

— Isso mesmo...

O velho clareou a cara e, desmanchando as rugas da testa, disse rindo:

— O que mais não se aprende neste mundo!... Sabe o que você viu, menino? Você viu o saci pichorra...

E mudando de tom, depois de refletir durante um par de minutos:

— “Quedele” a faca?

— Pra quê? — perguntou o menino, desconfiado.

— Deixe ver, dê cá a faca.

Pegou dela e pô-la à cinta. E, ríspido:

— Vá dormir.

Pedrinho, compreendendo a degradação, ergueu-se com lágrima nos olhos.

— E a faca?

— Fica comigo. Pra você, porqueirinha, é canivete marca anzol ainda.

E com infinita ironia:

— Vá dormir, Pedro Pichorra!...

O menino recolheu-se, sacudido de soluços. O velho pegou do borralho um tição para acender na brasa viva o cigarro. Baforou uma fumaça com o pensamento no falecido sogro Chico Vira, o caboclo mais medroso da Estiva.

— Por quem havia de puxar o Pedrinho, pelo Chico Vira...

E assim o rebento masculino dos Pereiras do Barro Branco virou, por troça do próprio pai, o tronco duma nova família, essa Pichorrada que hoje põe a nota sépia da sitioca na verdura da Samambaia. Tudo porque a velha Miquelina havia deixado naquele dia a pichorra d’água a refrescar ao relento à beira do barranco, e um vaga-lume-guaçu pousara nela por acaso, justamente quando o menino ia passando...

Fonte:
Monteiro Lobato. Cidades Mortas.

Agatha Christie (Resenha de Livros) 11


PASSAGEIRO PARA FRANKFURT
Passenger to Frankfurt


Aquele parecia ser apenas mais um dia na rotina do voos internacionais. Mas um encontro inesperado no aeroporto de Frankfurt traz à tona uma trama diabólica que aponta para a possível existência de uma poderosíssima organização internacional, dedicada a semear o caos e criar uma nova ordem maligna sob o comando do “Jovem Siegfried”, anunciado como o filho de ninguém menos que… Hitler. Crimes, extorsões, contrabando de armas e tráfico de drogas são alguns dos ingredientes deste romance em que Agatha Christie faz a imaginação do leitor voar livremente.
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NÊMESIS
Nemesis


“Nosso código, minha senhora, é a palavra Nêmesis”. Miss Jane Marple repetia em voz baixa a estranha frase, que a fazia lembrar de uma outra época: palmeiras tropicais, o mar azul do Caribe e ela correndo, pela noite quente e perfumada da ilha de St. Honoré, em busca de socorro para tentar salvar uma vida. Agora, colocando sua própria vida em risco, Miss Marple está de volta ao Caribe, na trilha de um perigoso assassino que já matou duas mulheres e está prestes a cometer um novo crime.
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OS ELEFANTES NÃO ESQUECEM
Elephants can Remember


Nesta divertida e bem escrita novela, Poirot conta com a valiosa ajuda de Ariadne Oliver, autora de novelas policiais, e Agatha Christie, ironicamente, representa a si mesma, ainda que os papéis estejam invertidos: Agatha, como escritora, faz o papel da mítica Ariadne, que conduz Poirot pelo labirinto da intriga por ela inventada; e Ariadne Oliver, como personagem da ficção entra no labirinto de onde retira Poirot. A senhora Oliver propõe a Poirot investigar a verdadeira causa da morte de um casal, que segundo a polícia, teria se suicidado anos antes. Para isso, a senhora Oliver se dedica a procurar “elefantes” - ou seja, as pessoas que lembram os trágicos eventos do passado - que fornecem ao grande detetive os dados para ele processar na famosa massa cinzenta do seu cérebro. Quando por fim Poirot desenterra a terrível verdade, Agatha Christie diz, valendo-se dos lábios de Ariadne: “…graças a Deus, aos seres humanos foi concedida a faculdade de esquecer”.

O genial Hercule Poirot e a simpática Ariadne Oliver tentam desvendar um crime qua aconteceu há muito tempo, o assassinato do casal Ravenscroft, pai da afilhada de mrs. Oliver, Célia. Consultando elefantes (pessoas que segundo a lenda não esquecem) eles chegam a mais um triunfante e inesperado final.
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PORTAL DO DESTINO
Postern of Fate

Tommy e Tuppence estão aposentados e decidem gozar a velhice em uma mansão na tranquila cidade de Devonshire. Um dia, arrumando o sótão, descobrem num velho livro infantil o relato de um misterioso assassinato ocorrido na cidade durante a guerra. A vítima estaria envolvida em um escândalo de espionagem e teria passado segredos sobre a Marinha inglesa. Eles começam a investigar e descobrem que havia alguém interessado em que o caso não fosse reaberto. Agora, estão com a vida por um fio.
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OS PRIMEIROS CASOS DE POIROT
Poirot’s Early Cases


“Nunca se deve desprezar o trivial”, costuma afirmar o imbatível detetive Hercule Poirot. Inspirado por este conselho do amigo, o capitão Hastings se anima a contar, em breves relatos, as primeiras aventuras de Poirot, dos tempos em que sua reputação ainda começava a se firmar por toda a Inglaterra. São dezoito histórias estupendas, que trazem a marca inconfundível da “velha dama” do crime, Agatha Christie, presente aqui em alguns de seus melhores momentos.

O Caso do Baile da Vitória
Durante um baile a fantasia, Lorde Cronshaw discute com sua companheira Miss Coco Cortenay na frente de seus amigos. Ela volta para casa e ele continua na festa. Depois, os dois são encontrados assassinados. O Inspetor Japp pede que Poirot desvende o caso.

A Aventura da Cozinheira de Clapham
A cozinheira da Mrs Todd desaparece misteriosamente e ela pede a Hercule Poirot que a encontre. O caso parece irrelevante mas o detetive descobre uma trama por trás do desaparecimento que vai muito além de um simples caso.

O Mistério da Cornualha
Mrs Pengelley procura Poirot pois suspeita que está sendo envenenada pelo seu marido, que está tendo um caso com sua assistente. Hercule Poirot vai à cidadezinha onde Mrs Pengelley vive para tentar desvendar o caso.

A Aventura de Johnnie Waverly
A família Waverly recebe cartas dizendo que se um valor não for pago, seu filho será sequestrado em um determinado dia. Eles chamam a polícia e mesmo assim o rapto é realizado. Dessa forma, vão ao encontro de Poirot e pedem a ele que descubra o paradeiro do menino desaparecido.

O Duplo Indício
Ao final de uma reunião informal em sua casa, Mr Marcus Hardman percebe que as joias que estavam dentro de seu cofre foram roubadas. Como ele desconfia de um de seus amigos, vai ao encontro de Hercule Poirot e entrega o caso em suas mãos.

O Rei de Paus
Durante uma partida de bridge em que uma família se divertia, uma moça entra na sala de estar por uma porta envidraçada e fala: “assassinado” caindo em seguida. Um príncipe que deseja se casar com esta moça pede que Poirot descubra o que aconteceu.

A Maldição dos Lemesurier
Uma maldição se abate sobre a família Lemesurier. Nenhum primogênito jamais herdará as propriedades que lhe seriam de direito. E assim acontece; sempre ocorrem mortes matando os primogênitos. Mrs Lemesurier procura Poirot pois não quer que o mesmo aconteça com seu filho.

A Mina Perdida
Chinês é encontrado morto e os papéis sobre as condições de uma mina que está a muito tempo abandonada desapareceram. Poirot é chamado e, como sempre, descobre os papéis e desvenda a identidade do assassino.

O Expresso de Plymouth
Durante uma viagem de trem, a filha de Mr Ebenezer Halliday é encontrada morta em sua cabine pelo Tenente Alec Simpson e suas joias roubadas. Mr Halliday pede a Poirot que descubra quem a matou e onde estão as joias roubadas.

A Caixa de Chocolates
Poirot conta a Hastings um caso em que chegou a uma conclusão errada ao final das investigações. Depois da morte de um famoso deputado, Poirot é chamado para descobrir a verdadeira causa de seu falecimento. Ao esquecer de levar em conta um pequeno detalhe, Poirot falha. Apenas com a confissão do assassino é que ele descobre os erros que cometeu.

Os Planos do Submarino
O Ministro da Defesa pede a Poirot que descubra o paradeiro dos planos do novo submarino que a Inglaterra está para construir. O roubo se deu na casa do próprio Ministro num momento rápido de descuido.

O Apartamento do Terceiro Andar
Com problemas para entrar em seu apartamento, dois jovens acabam entrando sem querer no apartamento errado e descobrem o corpo de uma mulher assassinada. Poirot, que se encontrava por acaso no mesmo prédio, se propõe a ajudá-los a encontrar o assassino da mulher.

O Duplo Delito
Durante uma viagem que Poirot e Hastings fazem juntos, eles conhecem uma jovem chamada Mary Durrant que iria vender miniaturas valiosas. No meio da viagem as miniaturas são roubadas e Poirot tenta descobrir quem as roubou e como foram furtadas.

O Mistério de Market Basing
Durante um aparente período de descanso no campo, Poirot, Hastings e Japp terão de desvendar um suicídio em que a vítima não podia ter se matado. Utilizando suas “pequenas células cinzentas”, o crime é desvendado magistralmente.

A Casa de Maribondos
Neste caso, Hercule Poirot vai a casa de John Harrison para tentar evitar um assassinato em que a própria vítima não sabe que está correndo perigo. Atuando de forma discreta, Poirot consegue evitar que uma tragédia aconteça.

A Dama em Apuros
Lady Millicent vai a Poirot para que ele consiga reaver uma carta escrita por ela há muito tempo, que está em poder de um chantageador que pode acabar com seu noivado. Na carta existem declarações comprometedoras.

Problema a Bordo
Durante uma viagem de barco ao Egito, Mrs Clapperton é encontrada morta dentro de sua cabine. O problema é que a cabine estava fechada por dentro e somente uma pessoa que ela conhecia poderia tê-la matado.

Que Bonito é o seu Jardim
Amelia Barrowby envia uma carta a Poirot perguntando se ele poderia ajudá-la a resolver um problema, mas não especifica qual. Logo depois, ela morre subitamente. Desconfiado, Poirot vai até sua casa para tentar descobrir o que de fato aconteceu.

Fonte:
http://users.hotlink.com.br/pmgi/agatha/index.html

quinta-feira, 4 de junho de 2020

Varal de Trovas n. 283


Laé de Souza (De Mal com a Vida)


Reclamam do meu jeito e da minha cara carrancuda. E dá para ser diferente? De manhã acordo com algazarra e gritos de garotos que correm atrás de uma bola e sobre patins. Num mesmo ritual de anos, vou até a janela e vejo aquele doido, só pode ser, que todos os dias, metido num calção listado, circula o parque correndo sempre a consultar um cronômetro que carrega no pulso. Uma folheada nos jornais me aumenta o mau humor. Só notícias ruins. Na televisão e no rádio, prolifera o pornô. Não bastasse o rock. Cuja culpa por eu ter começado a odiar é do desajustado do meu filho, sempre com o som ligado nas alturas, estourando meus tímpanos. Criei tanta ojeriza, que hoje a simples visão de uma guitarra me perturba a ponto de, se não me segurarem, quebrá-la na cabeça do roqueiro.

Agora, são mocinhas de pernas de fora e letras pornográficas fazendo sucesso. Não suporto mais o Tchan, dança do Bumbum, da Garrafa, do Maxixe, do Pirulito, Tanajura e outras mais, que certamente virão. Não que eu seja contra mulheres sensuais, mas estes batuqueiros já estão abusando e isso ninguém pode negar. Se não derem um breque, a coisa vai degringolar.

Até a minha música preferida, Índia, já não posso mais ouvir sem que me venha na mente a figura desdentada do Tiririca. Minha vontade é arrancar-lhe o restante dos dentes com um soco e, copiando Mike Tyson, morder-lhe as orelhas. Depois deste moço, nunca mais Índia será  a mesma.

Me tiraram o cigarro sob argumentos de melhorar minha saúde, já não posso sentir o gosto da fumaça e o cheiro do tabaco queimando. Sinceramente, só balela, pois continua a rouquidão e a tosse que me acompanham há anos. O cansaço, a falta de ar depois de qualquer esforço ainda são os mesmos. O nervosismo que sempre me acompanhou, segundo diz o pessoal que me cerca, está cada dia pior. Cá para mim, por dois motivos: a falta do cigarro e o conluio dessa gente que insiste em me atazanar. Quando vejo figuras de montanhas, cascatas e cavalos, fico em delírio, sonhando com um Malboro entre os dedos e grandes baforadas. Quando caio em mim, vejo que é tudo ilusão. Reconheço que implico com coisas mínimas e infernizo a vida de quem está perto. Mas também, como todo ex-fumante, condeno os que fumam e reclamo quando vem uma fumacinha, embora intimamente goste de sentir o cheiro. Aponto placas e exijo o cumprimento dos meus direitos de não-fumante.

Me proibiram a bebida, sob argumentação médica de que minha saúde exigia que deixasse de tocar em qualquer espécie alcoólica. Tenho certeza de que foi boicote, motivado pelo fato de que sob efeito do álcool eu dizia certas verdades que essa gente não gosta de ouvir. E ainda mais, sempre tinha um ou outro que ousava contestar e por várias vezes parti pra cima a fim de resolver no tapa. Até na entrada do ano, enquanto brindam com champanhe e se enchem de beber, me dão um suco e não descuidam. Como sinto inveja quando vejo um fulano cambaleando , em ziguezague jogar-se numa calçada e ali ficar sem dar a mínima para a vida.

Ah! essa turma que fica pegando no meu pé não perde por esperar. Qualquer dia, eu ainda apronto uma com eles. E vai ser antes dessa morte que só para me atormentar demora em chegar.

Fonte:
Laé de Souza. Acredite se quiser. SP: Ecoarte, 2000.

Rita Mourão (Poemas Escolhidos) 2


COLO DE MÃE

Mudei de cadeira, mudei de xícara,
joguei  fora o adoçante
e recriei meu café da manhã.
De nada adiantaram as mudanças,
tudo  tem outro gosto, tudo é fastio,
tudo  é uma esquisitice  aguda.
Estou macambúzia, gripada, mas nada dói em meu corpo.
Minha gripe é na alma, congestionada de saudade.
Ah, meu Deus! Dá-me a canequinha de lata,
o tamborete antigo e o colo de mãe
que  foram deixados  numa cozinha farta de aconchego.
Dá-me o fogão à lenha, o café de um coador de  pano
e os meus despreocupados anos de infância .
Hoje eu quero um remédio que me cure
dessa  dor inquietante de não  ser mais criança.
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DEPOIS DO VOO

Soletro-me.
Descubro-me cheia de hiatos e vocativos.
Já não sou o mesmo texto,
atravessaram-me  as  reticências
e a nudez de cada espaço, rege o compasso
das incertezas.
Descubro-me sobre barrancas ressequidas
e mergulho no rio que me atravessa.
Não satisfaço a minha secura,
minha  sede tem forma e nome.
Faço uma nova leitura, viagem que não cessa.
Nas entrelinhas o voo, o silêncio.
Meus sentimentos pedem renascimento,
mas  estou estagnada, sem coragem de me recriar.
Até  o verbo amar já não me é mais cortês.
Apenas me restaram  as  metáforas.
Depois do voo.
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DESEJO

Sou feita de atos e pensamentos
corpo e alma das letras em ação.
Mas o que mais me identifica e desenha meu perfil
são  as  palavras.
Eu sou o que escrevo, sou a palavra que me  revela
nas  entrelinhas dos meus poemas.
Queria tocar os corações das pedras,
queria que as pedras me lessem!
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ESPERA

É na tua ausência que desfolho tristezas
e  acaricio lembranças.
É nas horas de solidão
que  ganho asas, te bebo e te navego.
Nos meus sonhos te encontro rarefeito,
envolto  na volátil  presença da noite que te engole.
O sonho passa, mas meu corpo refeito
é  um profundo oceano à espera das tuas redes.
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EU E O TEMPO

Nos meus poemas faço uma profunda reflexão
sobre  o  sentido da vida.
Vivi, vivo, sofro e faço versos.
Mas a vida engole com sofreguidão as minhas rimas,
as  minhas  metáforas,  meus  tempos  verbais,
que  tanto  sustentaram  meus quereres.
 E meus poemas já pedem escoras.
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RAÍZES

Sou parte do Grande Sertão de Guimarães Rosa.
A terra me medra,
as árvores me enraízam, os pássaros me gorjeiam.
Caminho pisando folhas que me desfolham.
Sou exercida por savanas e meu cheiro é agreste.
Por isso minha alma canta,
contaminada pela Natureza que me define.
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SILÊNCIO

Existem  dias que  prefiro o silêncio,
um silêncio brando, suave, que me transporta
ao profundo útero da alma.
Feto sem luz, ali me recolho à espera de renascimento.
Choro um choro sufocado, que o silêncio silencia.
A  gestação  prossegue recriando minha alma
e  reencontro a vida que  a mim proponho.
 É no fundo do silêncio que me reconstruo
e  me apodero de novos sonhos.

Fonte:
Versos (Di) Versos. Disponível no site de Rita Mourão.
https://versosderita.weebly.com/versos-diversos.html