segunda-feira, 3 de junho de 2024

Recordando Velhas Canções (Caçador de mim)


Compositores: Luiz Carlos Sá / Sérgio Magrão

Por tanto amor, por tanta emoção
A vida me fez assim
Doce ou atroz, manso ou feroz
Eu, caçador de mim

Preso a canções, entregue a paixões
Que nunca tiveram fim
Vou me encontrar longe do meu lugar
Eu, caçador de mim

Nada a temer, senão o correr da luta
Nada a fazer, senão esquecer o medo
Abrir o peito à força, numa procura
Fugir às armadilhas da mata escura

Longe se vai sonhando demais
Mas onde se chega assim?
Vou descobrir o que me faz sentir
Eu, caçador de mim

Nada a temer, senão o correr da luta
Nada a fazer, senão esquecer o medo
Abrir o peito à força, numa procura
Fugir às armadilhas da mata escura

Longe se vai sonhando demais
Mas onde se chega assim?
Vou descobrir o que me faz sentir
Eu, caçador de mim
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A Busca Interior em 'Caçador de Mim' de Milton Nascimento
A música 'Caçador de Mim', interpretada pelo renomado artista brasileiro Milton Nascimento, é uma reflexão poética sobre a busca incessante pelo autoconhecimento e pela essência do ser. A letra da canção revela um eu-lírico que se percebe moldado pela vida, pelas emoções e experiências diversas, caracterizando-se como doce e atroz, manso e feroz. Essa dualidade expressa a complexidade do ser humano e a multiplicidade de facetas que uma pessoa pode apresentar.

O refrão da música destaca a coragem necessária para enfrentar os desafios da vida ('Nada a temer, senão o correr da luta') e a importância de superar o medo para seguir em frente ('Nada a fazer, senão esquecer o medo'). A metáfora da 'mata escura' representa os obstáculos e incertezas que encontramos em nosso caminho, e a necessidade de 'abrir o peito à força' sugere uma atitude de enfrentamento e determinação na jornada de autodescoberta.

A canção também aborda a ideia de que sonhar demais pode nos afastar da realidade ('Longe se vai sonhando demais'), mas ao mesmo tempo questiona o destino desses sonhos ('Mas onde se chega assim?'). O eu-lírico expressa o desejo de compreender o que realmente o move ('Vou descobrir o que me faz sentir'), indicando um processo contínuo de introspecção e entendimento de si mesmo. 'Caçador de Mim' é, portanto, um hino à autodescoberta e à coragem de enfrentar os próprios medos e incertezas em busca da verdadeira identidade.

Estante de Livros ( “Fábulas”, de Monteiro Lobato)

(excertos da resenha, por Tânia Bueno)

As fábulas fazem parte do cotidiano de todas as crianças e passam de geração em geração. Quem não ouviu pelo menos uma vez na vida a história da cigarra e da formiga antes de dormir quando era criança? Ou quem sabe a história escolhida tenha sido aquela da galinha dos ovos de ouro? Ou sua preferida talvez seja aquela sobre a raposa e as uvas… ou talvez a do lobo em pele de cordeiro. Pode ser ainda que você seja fã mesmo é do universo encantado do Sítio do Picapau Amarelo.

Com uma roupagem bem brasileira, Monteiro Lobato reconta dezenas das mais famosas e inspiradoras histórias de Esopo e La Fontaine – além de algumas de sua autoria – em meio a uma conversa descontraída entre Dona Benta, Narizinho, Pedrinho e a famosa boneca de pano Emília. E não pense você que os personagens do Sítio do Picapau Amarelo são meros coadjuvantes; eles ouvem atentamente essas lições ancestrais e participam de maneira ativa e crítica das aventuras e descobertas.

Suspirando com este livro de encher o coração de alegria ao lê-lo e rever algumas das mais famosas e inspiradoras fabulas contadas no Sitio do Picapau Amarelo, o livro traz as “contações" de Dona Benta, os comentários inusitados da boneca Emília, reflexões de Pedrinho e Narizinho e a sempre querida tia Nastácia. São todos participantes ativos, fazem relações, criticam o que ouvem e assimilam lições antigas e tão atuais para crianças e adultos. Ainda temos aulas muito legais sobre algumas palavras utilizadas por Dona Benta que, sob a atenção das crianças, indagavam o motivo de usar tal palavra difícil. Por exemplo: questionada sobre o usar a palavra “redarguiu” ser um pedantismo e dona Benta responde que não é pedantismo, redarguir é dar uma resposta que também é pergunta. Tipo: Bonito, não? E tem muito mais minha gente, uma delícia ler este livro.

É incrível como relendo as fábulas percebe-se muita conexão com o nosso mundo atual e note que Fábulas foi publicado a primeira vez em 1922. Através dos animais falantes temos lições fantásticas com a análise sábia de dona Benta que dá verdadeira aula literária, mas o ponto focal são as lições para as crianças hoje já muito adultas e que muitas acabaram esquecendo tais ensinamentos e precisam realmente de reciclagem com relação a gratidão, compaixão, justiça, mas preciso dizer que são pequenos contos fantásticos que devem ser lidos para as crianças e por jovens.

Dona Benta a vovó carismática é uma espécie de mediadora entre as curiosas crianças do sítio e as tramas dos animais falantes dos contos. Algumas fábulas e suas lições são pesadas, mas dona Benta coloca que existem muitas coisas dolorosas e a vida é assim e mesmo na adversidade ela traz grandes ensinamentos.

Na última fábula, Narizinho, Pedrinho, Emília e o Visconde fartos de tantas informações e reflexões pedem um tempo para digerir tudo e sabiamente dona Benta concorda, afinal segundo ela, “tudo tem conta, e a maior sabedoria da vida é usar e não abusar.” Mas, não sem antes fazer uma verificação indagando cada um sobre suas conclusões e temos dos amados personagens conclusões incríveis. Dona Benta teve sim, o papel de educadora que compartilha o que sabe, verifica o aprendizado em uma roda de conversa.

Valores como a tolerância e o respeito mútuo, de que tanto carecemos, tanto nos dias de hoje como há setenta anos, encontram-se presentes em toda a obra de Lobato. Seu mérito maior como pensador criativo e empreendedor, como educador e como pessoa, foi uma contínua integração entre as reflexões e as ações. Seu pensamento permanece, assim, vivo e inabalável, e em múltiplos sentidos, fabuloso.” P. 173

Tem trechos cheios de lições e inspirações. Eis alguns:

“Quem pretende ser o que não é acaba mal.”

Rico não é quem se encheu de dinheiro, só enriquece quem adquire conhecimentos. A verdadeira riqueza não está no acumulo de moedas, está no aperfeiçoamento do espirito e da alma. A verdadeira riqueza não é a de bolso, é a da cabeça. E só quem é rico de cabeça, ou de coração, sabe usar a riqueza material formada por bens ou dinheiro.” P.19

Daqui em diante, porém, farei o que me manda a consciência, pouco me importando que o mundo concorde ou não. Já vi que morre doido quem procura contentar o mundo.” P, 23

— É sempre assim: brigam os grandes, pagam o pato os pequenos. A função do fraco é pagar o pato. Nas guerras, por exemplo, brigam os grandes estadistas, mas quem vai morrer nas batalhas são os pobres soldados que nada têm com a coisa.” P. 36

Você sabe da onde vem a expressão Pagar o pato? Foi a Emília que ensinou. “Dois fortes e um fraco foram a um restaurante comer um pato assado. Os dois fortes comeram todo o pato e deram a conta para o fraco pagar...

“A gramática é uma criada da língua e não uma dona. O dono da língua somos nós, o povo, e a gramática o que tem a fazer é, humildemente, ir registrando o nosso modo de falar. Quem manda é o uso geral e não a gramática.

Fonte: Faces da Leitura. 29.04.2019
http://www.facesdaleitura.com.br/2019/04/fabulas-monteiro-lobato.html

domingo, 2 de junho de 2024

Varal de Trovas n. 602

 

Monselhor Orivaldo Robles (Dez anos)

Cigarro é um cilindro branco com uma brasa numa ponta e um imbecil na outra. Não vi até hoje melhor definição. Fui esse imbecil durante longos anos. Com o agravante de ter começado na fase adulta, já com 26 anos. Eraldo, meu irmão, e eu crescemos vendo o pai, fumante desde menino, cumprir o delicado ritual de fazer o seu cigarro de palha. Talvez o prazer estivesse não tanto em fumar, mas em executar, sem pressa, cada etapa da operação. Aprendemos a escolher as palhas de milho que ele recortava no tamanho exato, dava uma alisada com o fio do canivete e guardava na gaveta esquerda do guarda-louça. Alguém aí ouviu falar de guarda-louça? Ainda temos um lá em casa. A mãe dizia que era do seu tempo de recém-casada. Voltando ao pai, tornamo-nos expertos na escolha do fumo de corda que lhe agradava. Lá uma vez ou outra, trazíamos um rolete que ele olhava com desconfiança, cheirava e, depois da primeira pitada, concluía com desalento: “Ih, filho, você comprou um macaio que não dá, não. Amanhã, na volta da escola, me traga um diferente”. Em geral, porém, acertávamos na compra.

Quando, pelo final dos anos sessenta, Eraldo e eu começamos a dar as primeiras tragadas, o pai tinha abandonado o vício havia já muito tempo. Entre surpreso e aborrecido, ele comentava: “Não compreendo vocês. De crianças nunca ligaram para cigarro. Agora, homens feitos, começam a fumar?” Pela reverência, que então era costume dedicar a pai e mãe, não fumávamos em sua presença. Mas nunca lhe escondemos nosso mau hábito.

Eraldo parou bem mais cedo. Eu continuei imbecil ainda por uma pá de anos. Comecei em 1967, quando passei a lecionar no querido Colégio Gastão Vidigal. Era professor de umas “trocentas” turmas. Em algumas, do Noturno, só estudavam adultos. Não existia, como hoje, a clara consciência sobre os malefícios do tabaco. Muita gente se iniciou, eu calculo, não por prazer, mas por mimese comportamental. Todo principiante conhece o sofrimento que provocam o engasgo e a tosse das primeiras tentativas. Mas quer se enturmar, fazer-se aceito. Foi o que aconteceu comigo. Para não dar aos fumantes ideia de condenação e repulsa, vez por outra, eu aceitava o cigarro que me ofereciam. Com o tempo, resolvi que não me assentava bem o papel de mero filante. Passei a comprar. Era comum, naquele tempo, a piada: “Eu fumo, mas não trago (isto é, não engulo a fumaça)”. Ao que o dono do maço respondia ironicamente: “Pois devia trazer”. Outro comentário recomendava que “quem tem o vício que o sustente”. Filadores existiam às dezenas. Mas não eram bem-vistos. Preferi, por isso, não me incluir na odiosa lista.

Tenho ouvido que só se pode considerar ex-fumante quem contabilizou dez anos de completa abstinência. É o tempo que dizem levar o organismo do cidadão para se desintoxicar das substâncias nele lançadas pelo cigarro. Não sei se a afirmação goza de respaldo científico. Pelo sim, pelo não, estou-me parabenizando por ter atingido anteontem os primeiros dez anos contínuos de abandono do “pirulito do capeta”. Engordei alguns quilos, é verdade. Fumante, talvez estivesse mais magro. Mas, com certeza, não mais saudável.

Só uma pergunta: por anos a fio, eu recendia aquele odor enjoativo que os fumantes exalam? E os amigos suportaram sem falar nada? Ai, que vergonha! Como só eu não conseguia sentir?

Fonte: Portal do Rigon 05.02.2012

Vereda da Poesia = 23 =


Trova Humorística de Juiz de Fora/MG

José Tavares de Lima

Nosso motel não tem cama,
mas tem rede ... Vão topar?
E o jovem casal exclama:
- Nós não viemos pescar...
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Poema de Ponte da Barca/Portugal

Diogo Bernardes
Ponte da Barca, 1530 – c.1605, Lisboa

JÁ NÃO POSSO SER CONTENTE

Já não posso ser contente,
Tenho a esperança perdida,
Ando perdido entre a gente,
Nem morro, nem tenho vida.
Prazeres que tenho visto
Onde se foram, que é deles,
Fora-se a vida com eles
Não ma vira agora nisto,
Vejo-me andar entre a gente
Como coisa esquecida,
Eu triste, outrém contente,
Eu sem vida, outrém com vida.
Vieram os desenganos,
Acabaram os receios;
Agora choro meus danos,
E mais choro bens alheios;
Passou o tempo contente,
E passou tão de corrida,
Que me deixou entre a gente
Sem esperança de vida.
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Aldravia de Anastácio/MS

Flávia Guiomar Ferreira da Silva Rohdt

chamou-me
lua
desde
então
tenho
fases
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Soneto de Joaçaba/SC

Miguel Russowsky
(Miguel Epstejn Russowsky)
Santa Maria/RS ,1923 – 2009, Joaçaba/SC

SONETO ALEXANDRINO

Se queres praticar soneto alexandrino,
esquece do relógio em primeiro lugar.
É uma composição, que por não ser vulgar
põe rimas de cetim em versos de ouro fino.

Elegância ao dizer… Luzir de sol a pino…
Sonoras locuções num alto patamar…
Um verso a colorir o verbo “conjugar”
usando tons sutis, de beijos sem destino.

Quando ele escolhe “amor” por núcleo do poema,
“saudade” passa a ser um mero estratagema
que o engenho em si dispõe para aquecer as almas.

E, sendo alexandrino, adquire um tal conceito,
que a nossa língua o faz artístico e perfeito.
Para um soneto assim… até Deus bate palmas!…
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Trova de Pedro Leopoldo/MG

Wagner Marques Lopes

A Natureza retrata
seus pendores imanentes:
no verde calmo da mata,
na limpidez das correntes.
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Sextilha de Porto Alegre/RS

Delcy Canalles
(Delcy Rodrigues Canalles)
Osório/RS, 1931 –  ????, Porto Alegre/RS

O amor,  em verdade, encerra
 o  verdadeiro  viver!
 Quem ama e se faz amado,
 sabe, ao outro, compreender
 e  vive  uma  vida plena,
 num contínuo  renascer!
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Quadra Popular

A árvore do amor se planta
no centro do coração;
só a pode derrubar
o golpe da ingratidão.
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Soneto de Campinas/SP

Guilherme de Almeida
(Guilherme de Andrade e Almeida)
Campinas, 1890-1969, São Paulo

FELICIDADE

Ela veio bater à minha porta
e falou-me, a sorrir, subindo a escada:
"Bom dia, árvore velha e desfolhada!"
E eu respondi: "Bom dia, folha morta!"

Entrou: e nunca mais me disse nada...
Até que um dia (quando, pouco importa!)
houve canções na ramaria torta
e houve bandos de noivos pela estrada...

Então, chamou-me e disse: "Vou-me embora!
Sou a Felicidade! Vive agora
da lembrança do muito que te fiz!"

E foi assim que, em plena primavera,
só quando ela partiu, contou quem era...
E nunca mais eu me senti feliz!
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Trova Premiada  em São Paulo/SP, 2010

Wanda de Paula Mourthé 
Belo Horizonte/MG

Que bom seria um enlace
entre a mente e o coração:
o que a gente desejasse
também quisesse a razão!
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Poema de Blumenaus/SC

Luiz Eduardo Caminha
Florianópolis/SC, 1951 – 2015, Blumenau/SC

IMPRECISÕES

Quem sou eu,
este ser inerme,
que faz da voz,
arma contusa?

Quem sou eu,
este ser inerte,
que mexe, remexe,
látego impiedoso?

Quem sou, afinal,
este ser sereno,
que num ímpeto se faz,
irascível mordaz.

Oh, cruel, inominado e controverso ser,
Verso, reverso, homo erraticus et perdidit!

Acaso uma criatura?
Erro da Criação,
insigne animal,
pedestal de areia?

Quiçá um dia,
de tanto me procurar,
alcance, almejo,
lugar pra descansar.

Desta busca infindável,
deste contínuo rebuscar.
Neste dia, quiçá, porvir,
Deus se ponha a me perdoar.
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Haicai de Curitiba/PR

Mário A. J. Zamataro
Mário Augusto Jaceguay Zamataro)

LUA

Perto do horizonte,
a grande lua amarela…
e o vento parado.

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Poema de Portugal

António Botto
(António Tomás Botto)
Concavada/Abrantes/Portugal, 1897 – 1959, Rio de Janeiro/RJ

A JULIETA DO BECO DAS CRUZES 

Aos arrancos, lá vai ela 
Despedir-se do amante 
Nesta manhã de Janeiro! 
Coitada, morre por ele! 
- Foi o seu primeiro amor 
E será o derradeiro. 
Todas as tardes, risonha, 
Ela falava com ele 
Num beco escuro de Alfama. 
Era ali que ela morava; 
- Até que uma noite foram 
Pernoitar na mesma cama. 
Estou a vê-la!, cingida 
Ao corpo delgado e quente 
Desse esbelto carpinteiro! 
E vejo-a, dias depois, 
nervosa, afastar-se dele 
Chamando-lhe: trapaceiro. 
Mais tarde ia procurá-lo 
À oficina e chorosa 
Seguia-o sem que ele a visse; 
E naquela perdição 
Adoeceu porque um dia 
Com outra o viu, - mas, sorriu-se... 
Soube-lhe bem ser «mulher» 
Do homem que apenas teve 
Um desejo passageiro! 
Mas, agora, - cruel preço! 
Dos olhos fez duas fontes
E do amor um cativeiro. 
Adoeceu gravemente. 
Nunca mais saiu à rua, 
Sempre a tossir e a sofrer... 
E era a mãe que, mendigando, 
De porta em porta arranjava 
Qualquer coisa pra viver. 
Hoje, constou-lhe que a Guerra 
O chamara para as linhas 
Do combate, - e combalida, 
Vai ao embarque levar-lhe 
No silêncio de um olhar 
Os restos da sua vida.
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Trova de Rio Claro/SP

Antônio de Oliveira

Prato de vidro, vazio,
feito um espelho, em teu fundo
refletes o olhar sombrio
das injustiças do mundo!
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Glosa de Fortaleza/CE

Nemésio Prata
(Nemésio Prata Crisóstomo)

MOTE:
Ah, se eu fosse um construtor
eu faria estradas novas
incrustadas com amor;
pelo chão... milhões de trovas!
José Feldman 
Campo Mourão/PR

GLOSA:
Ah, se eu fosse um construtor
de estradas, falou o Bardo;
faria, com muito amor,
estradas, sem qualquer fardo!

Pelas trilhas mais fechadas
eu faria estradas novas
com versos sinalizadas, 
e balizadas com trovas!

Disse mais o Trovador:
que as estradas, as faria
incrustadas com amor;
a mais pura pedraria!

Assim vive do Trovador,
construtor de estradas novas,
espalhando, com amor,
pelo chão... milhões de trovas!
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Epigrama de Salvador/BA

João Amado Pinheiro Viegas
1865 – 1937

Entre as folhas amarelas,
A melhor é o Imparcial.
Mas, como paga em parcelas, 
Só pode ser parcial.

(contra o jornal baiano O Imparcial que pagou a Pinheiro Viegas parceladamente um artigo de sua autoria)
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Spina de São Paulo/SP

Solange Colombara

INTUIÇÃO 

Enquanto meu eco
levita com sutileza
sobre os corrimões,

ouço sons, talvez meras ilusões 
que emaranhados entre os vãos, 
tentam livrar-se de seus grilhões.
Fitando um soalho bem cuidado,
sinto vida em outras dimensões.
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Trova Humorística, de São Paulo/SP

Campos Sales  
Lucélia/SP, 1940 – 2017, São Paulo/SP

A receita é de colírio
mas o bebum se apavora
e lê, cheio de delírio:
- pinga, só uma vez por hora? 
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Poema de Évora/ Portugal

Carlos Nogueira Fino

UMAS VEZES FALAVAS-ME DOS RIOS

umas vezes falavas-me dos rios
e densas cicatrizes
e o sangue
procedia
outras vezes velava-te uma lâmpada
de faias e de enigmas
e a sombra
repousava
outras vezes o barro
originava
uma erupção de insónia recidiva
no gume do incêndio onde jazias
nessas vezes a água do teu riso
abria nos meus pulsos uma rosa
e eu entontecia
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Poetrix* do de Porto Alegre/RS

João Pedro Wapler

mulher nua

na ponta do barbante 
a roupa se faz 
e depois morre no corpo de alguém. 
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* Poetrix (s.m.): poema com um máximo de trinta sílabas métricas, distribuídas em apenas uma estrofe, com três versos (terceto) e título.
 
CARACTERÍSTICAS
 
1 O poetrix é minimalista, ou seja, procura transmitir a mais completa mensagem em um menor número possível de palavras e sílabas.
2 O título é indispensável. Ele complementa e dá significado ao texto. Por não entrar na contagem de sílabas, permite diversas possibilidades ao autor.
3 Não existe rigor quanto à métrica ou rimas, mas o ritmo e a exploração da sonoridade das sílabas é desejável.
4 Metáforas e outras figuras de linguagem, assim como neologismos, devem ser elementos constitutivos do poetrix.
5 É essencial que haja uma interação autor/leitor provocada por mensagens subliminares ou lacunas textuais.
6 Os tempos verbais – pretérito, presente e futuro - podem ser utilizados indistintamente.
7 O autor, as personagens e o fato observado podem interagir criando, inclusive, condições supra-reais, cômicas ou ilógicas (nonsense).
8 O poetrix deve promover a multiplicidade de sentidos e/ou emoções, não se atendo necessariamente a um único significado.
(Coordenação Geral do Movimento Internacional Poetrix)

Francisca Júlia (O senhor cura)

O senhor cura era o homem mais caritativo e generoso que havia na aldeia.

Já era velho, os cabelos brancos como a neve, quando o viam atravessar as ruas, a cabeça trêmula, o passo incerto, a velha batina de pano grosseiro cheia de rasgões e remendos, os aldeões acompanhavam-no com olhar respeitoso e cumprimentavam-no, sorrindo.

As crianças corriam a tomar-lhe a bênção. Ele afagava-as, alisando-lhes os cabelos; perguntava pela saúde dos pais e dava-lhes moedas em cobre. Todos o amavam.

Quando uma rapariga ia se casar, ia o cura a visitá-la, a dar-lhe bons conselhos, como se fosse o pai. Se a moça era pobre, o cura ia de casa em casa angariando esmolas e presenteava-a com o enxoval e objetos úteis.

À cabeceira do doente, era ao mesmo tempo, médico e enfermeiro: — preparava as tisanas e aplicava-as. No leito do agonizante era confessor e amigo: — aconselhava ao arrependimento, ensinando o caminho do céu, e chorava aos primeiros anseios da agonia.

Nas horas vagas, depois de haver rezado e feito as suas obras de caridade, ensinava às crianças a doutrina cristã e dava-lhes guloseimas.

À noite, quer nas chuvas do estio ou no frio do inverno, ia visitar a miséria da aldeia. A esta dava o azeite para a lamparina, àquela um pedaço de pão, e a todos, em geral, bênçãos, conselhos e carinhos.

No entanto, quanta vez a velha criada que o servia não o ia encontrar sentado à beira da estrada, morto de fadiga e quase moribundo de fome! Ralhava-lhe então com palavras afetuosas e amargas:

— Isto já não tem jeito! Viver por aí a socorrer a pobreza, a pedir esmolas para dar aos outros e não se lembrar de que é pobre também, que está com a batina em trapos, o calçado roto e que em casa não há nem uma côdea de pão para a nossa boca! É de mais! Vamos, saia daí, apoie-se em meu braço e vamos para casa! Até parece que Deus vira seu santíssimo rosto!

E lá iam os dois, estrada afora, de braços dados, como dois mendigos.

Era assim o pobre cura — bom até à dedicação, caridoso até ao sacrifício.

Houve um dia em que uma febre contagiosa e mortal atacou os habitantes do lugar.

Os ricos fugiram; alguns abandonaram suas casas; muitos, porém, preferindo morrer da febre a sofrer miséria em terra estranha, ou talvez, na esperança de ser protegidos pela providência, deixaram-se ficar na aldeia, a trabalhar.

Quem passava pela rua ouvia no interior das casas gemidos de dor e gritos de desespero.

O cura então, saiu, foi de casa em casa em socorro dos doentes, consolando os aflitos, confessando os agonizantes, sempre solícito, sempre carinhoso, sem se importar com o cansaço que lhe invadia o corpo e nem com a fome que lhe devorava as entranhas.

Houve um instante em que, não podendo mais sofrer o cansaço e a fome, se deixou cair no chão, e, tirando do bolso um pedaço de pão duro, dispôs-se a comer.

Um mendigo, que passava, pediu-lhe a bênção e disse-lhe:

— Senhor cura, estou quase morto de fome e mal posso sustentar-me nas pernas. Socorra-me.

— Toma, pobre homem, este pedaço de pão. É o único que me resta, mas a minha fome está satisfeita. — Toma.

O mendigo comeu e partiu.

Minutos depois o velho cura tinha morrido.

Fonte> Francisca Júlia da Silva. Livro da infância. Publicado originalmente em 1899. Disponível em Domínio Público.

Recordando Velhas Canções (De volta pro aconchego)


 Compositores: Dominguinhos e Nando Cordel

Estou de volta pro meu aconchego
Trazendo na mala bastante saudade
Querendo um sorriso sincero
Um abraço para aliviar meu cansaço
E toda essa minha vontade

Que bom poder estar contigo de novo
Roçando teu corpo e beijando você
Pra mim tu és a estrela mais linda
Teus olhos me prendem, fascinam
A paz que eu gosto de ter.

É duro ficar sem você vez em quando,
Parece que falta um pedaço de mim.
Me alegro na hora de regressar,
Parece que vou mergulhar na felicidade sem fim
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

O Calor do Retorno às Raízes em 'De Volta Pro Aconchego'
A música 'De Volta Pro Aconchego', interpretada pelo icônico Dominguinhos, é uma ode ao retorno às origens e ao conforto do lar. A letra expressa um sentimento profundo de saudade e o desejo de voltar para um lugar ou para junto de alguém que representa segurança e amor. A mala cheia de saudade simboliza as experiências vividas longe de casa e a bagagem emocional que cada um carrega consigo.

O reencontro descrito na canção é carregado de afeto e intimidade, evidenciado pelo desejo de um sorriso sincero e um abraço reconfortante. A estrela mais linda mencionada na letra pode ser interpretada como uma pessoa amada ou mesmo como uma metáfora para o próprio lar, que ilumina e guia o caminho de volta. A música transmite a sensação de que, apesar das dificuldades e da distância, há sempre um lugar ou alguém que nos completa e nos faz sentir inteiros novamente.

A canção também reflete a cultura nordestina, da qual Dominguinhos é um grande representante. A melodia e o ritmo remetem ao forró, um gênero musical tradicional do Nordeste do Brasil, e a letra evoca a simplicidade e a autenticidade dos sentimentos e valores dessa região. 'De Volta Pro Aconchego' é, portanto, um hino à saudade e ao amor, seja pelo lar ou pela pessoa que faz o coração se sentir em casa.

Artur de Azevedo (Vi-tó-zé-mé)

Vi-tó-zé-mé? Que quer isso dizer? Perguntará o leitor, imaginando que escrevi esse título em algum idioma bárbaro e desconhecido.

Tenha o leitor um pouco de paciência; não vá procurar no final do conto a explicação do título, que será plenamente justificado, por mais estranho que pareça.

Durante os primeiros dois meses da revolta de 6 de setembro, fui vizinho de uma família, que eu não conhecia, composta de marido, mulher e um filhinho de pouco mais de dois anos, encantadora criança que fazia a delícia dos meus olhos quando todas as tardes, azoado (atordoado) pela artilharia e pelos boatos, voltava à casa para jantar.

Poucos dias depois de declarada a revolta, comecei a notar que os pais do menino se retiravam da janela quando eu me aproximava e volviam ao peitoril quando só pelas costas me podiam ver, evitando, ao que parecia, o cerimonioso cumprimento que eu lhes fazia dantes.

Atribui o fato a alguma intriga de vizinhança, e, como não os conhecia nem eles me interessavam, não me importei absolutamente com isso. Como de nenhuma vergonha me acusa a consciência, tenho por hábito não dar a mínima importância ao juízo – bom ou mau – que os estranhos possam fazer da minha pessoa. É uma questão de temperamento.

Quem me fez cismar foi a criança. Essa estava quase todas as tardes à janela, e, quando eu passava, dizia-me com uma vozinha esganiçada e penetrante:

Vi-tó-zé-mé.

Debalde tentei apanhar o sentido dessas quatro sílabas misteriosas, que eu ouvia diariamente, à mesma hora, e acabaram, como já disse, por me dar que pensar, não obstante partirem dos lábios inconscientes de uma criancinha.

E isto durou mais de um mês.

Ao cabo desse tempo vieram as andorinhas da Empresa Geral de Mudanças, e os meus vizinhos abalaram para outro bairro, deixando-me a curiosidade fortemente excitada por aquele vi-tó-zé-mé enigmático e cronométrico.

Há dias achava-me num bonde, quando de repente o pai da criança, que eu perdera inteiramente de vista, entrou no veículo, sentou-se ao meu lado e cumprimentou-me com muita amabilidade, pronunciando o meu nome.

Bem que o reconheci: entretanto, obedecendo a um ressentimento muito natural, correspondi com certa frieza ao seu cumprimento, o que o levou a perguntar-me, sorrindo:

— O senhor não se lembra de mim?

— Confesso que não.

— Veja bem.

— Tenho uma ideia vaga...

— Fomos vizinhos. Morávamos na mesma rua – o senhor no número 55 e eu no 49 – quando rebentou aquela maldita revolta cujas consequências ainda estamos sofrendo...

— Ah! sim... agora me lembro...tem razão...

E não pude me conter.

— Por sinal que tanto o senhor como sua senhora se retiravam bruscamente da janela quando me viam.

O pai da criança baixou os olhos, suspirou, e, pôs-se com a ponteira da bengala e empurrar um fósforo apagado para uma das frestas do soalho do carro. Depois, levantou a cabeça, suspirou de novo, e disse-me com uma expressão dolorosíssima na voz e no olhar.

— É verdade... Praticávamos essa grosseria... Desculpe... eram coisas de minha mulher... Que quer o senhor? – Eu tinha a fraqueza de me deixar dominar...

E o homem procurou num sorriso uma atenuante para a seguinte revelação.

— Ela não podia vê-lo.

— Ah!

— Não podia vê-lo, não, senhor, e então exigia que saíssemos ambos da janela para evitar o seu cumprimento. Eu, com medo de um escândalo, fazia-lhe a vontade... Ora, aí tem o senhor!

— Não me podia ver? Mas... por quê?

— Asneiras. Não podia vê-lo, porque o senhor era um florianista intransigente e ela uma custodista exaltada.

— Ainda bem, disse eu, sorrindo.

— Conhecia os seus escritos... ouvia-o conversar, e... e não podia vê-lo!

— Com efeito!

— O senhor não faz ideia até que ponto a pobrezinha levava o seu fanatismo por aquela revolta que nos desgraçou. Imagine que havia um homem, um bom homem, um pai da vida, que há cinco anos nos vendia ovos... ovos frescos, deliciosos, mais baratos que no mercado...

— Pois bem: deixamos de ser fregueses desse pobre-diabo; ela despediu-o porque ele se chamava Floriano... Coitada! – tinha essas coisas mas era uma excelente criatura. Não há dia em que eu não chore a sua morte!

— Ela morreu?!

— Morreu, sim, senhor... ou por outra: mataram-na, porque naquele corpo havia seiva para cem anos.

E o viúvo enxugou uma lágrima que lhe rolava na face.

— E quer saber o que a matou? Uma bala atirada pelos revoltosos! Foi uma das vítimas dessa guerra estúpida que tanto a entusiasmava! – Um dia estava debruçada tranquilamente à janela, quando, de repente –, pá! mesmo aqui...

E o pobre homem levou a mão à testa.

— Não sobreviveu dois minutos. Quando lhe quis acudir, já era tarde: estava morta! 

E com a voz embargada pelos soluços.

— Deixou-me um filhinho, coitada! – um filhinho a quem faz mais falta que a mim próprio...

Para que o infeliz marido chorasse à vontade, conservei-me silencioso durante cinco minutos; passado o acesso, perguntei pelo menino.

— Está bem, obrigado... Mora no colégio... é pensionista... e vai indo.

— Lembra-me bem do menino, porque todas as tardes – quando eu passava e ele estava janela – dizia-me alguma coisa que eu não podia perceber e, por isso mesmo, tal impressão me causou, que nunca me esqueceu.

— Que era?

— Vi-tó-zé-mé.

— Ah! já sei...

— Sabe?

— Coisas da falecida... Era para o moer... Ela ensinava o filho a gritar todas as vezes que o senhor passava: “Viva Custódio José de Melo!” E ele, coitadinho, na sua meia língua dizia: “Vi-tó-zé-mé!”

— E aí está explicado o título.

Fonte> Artur de Azevedo. Contos efêmeros. Publicado originalmente em 1897. Disponível em Domínio Público.

sexta-feira, 31 de maio de 2024

Therezinha D. Brisolla (Trov" Humor) 30

 

Silmar Bohrer (Croniquinha) 113

Sabe aquele riacho estrondoso que desce lá da serra levando tudo pela frente? Pois é... Assim anda a vida. As notícias de hoje são como torrentes que arrastam as de ontem, porque as de hoje amanhã já se foram também. 

Doida, doidivana, adoidada vida. Anda em disparada. E lembrar que não era assim. Belos dias de calmaria, de sossego, de suspiros serenos, de vislumbres, de imagens, de piqueniques nalgum cantinho do interior, das festas de igreja lá na vila, das bochas ali na cancha, do futebol na várzea, inesquecidas domingueiras. 

Hoje? Pensar, hoje? Para a vida não há tempo de pensar hoje. Ela corre célere, celerada. Automatismo puro. E eu me perguntando, o que houve com você, vida, parece que estás sempre com pilha nova? 

Fonte: Texto enviado pelo autor