domingo, 2 de junho de 2024

Vereda da Poesia = 23 =


Trova Humorística de Juiz de Fora/MG

José Tavares de Lima

Nosso motel não tem cama,
mas tem rede ... Vão topar?
E o jovem casal exclama:
- Nós não viemos pescar...
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Poema de Ponte da Barca/Portugal

Diogo Bernardes
Ponte da Barca, 1530 – c.1605, Lisboa

JÁ NÃO POSSO SER CONTENTE

Já não posso ser contente,
Tenho a esperança perdida,
Ando perdido entre a gente,
Nem morro, nem tenho vida.
Prazeres que tenho visto
Onde se foram, que é deles,
Fora-se a vida com eles
Não ma vira agora nisto,
Vejo-me andar entre a gente
Como coisa esquecida,
Eu triste, outrém contente,
Eu sem vida, outrém com vida.
Vieram os desenganos,
Acabaram os receios;
Agora choro meus danos,
E mais choro bens alheios;
Passou o tempo contente,
E passou tão de corrida,
Que me deixou entre a gente
Sem esperança de vida.
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Aldravia de Anastácio/MS

Flávia Guiomar Ferreira da Silva Rohdt

chamou-me
lua
desde
então
tenho
fases
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Soneto de Joaçaba/SC

Miguel Russowsky
(Miguel Epstejn Russowsky)
Santa Maria/RS ,1923 – 2009, Joaçaba/SC

SONETO ALEXANDRINO

Se queres praticar soneto alexandrino,
esquece do relógio em primeiro lugar.
É uma composição, que por não ser vulgar
põe rimas de cetim em versos de ouro fino.

Elegância ao dizer… Luzir de sol a pino…
Sonoras locuções num alto patamar…
Um verso a colorir o verbo “conjugar”
usando tons sutis, de beijos sem destino.

Quando ele escolhe “amor” por núcleo do poema,
“saudade” passa a ser um mero estratagema
que o engenho em si dispõe para aquecer as almas.

E, sendo alexandrino, adquire um tal conceito,
que a nossa língua o faz artístico e perfeito.
Para um soneto assim… até Deus bate palmas!…
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Trova de Pedro Leopoldo/MG

Wagner Marques Lopes

A Natureza retrata
seus pendores imanentes:
no verde calmo da mata,
na limpidez das correntes.
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Sextilha de Porto Alegre/RS

Delcy Canalles
(Delcy Rodrigues Canalles)
Osório/RS, 1931 –  ????, Porto Alegre/RS

O amor,  em verdade, encerra
 o  verdadeiro  viver!
 Quem ama e se faz amado,
 sabe, ao outro, compreender
 e  vive  uma  vida plena,
 num contínuo  renascer!
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Quadra Popular

A árvore do amor se planta
no centro do coração;
só a pode derrubar
o golpe da ingratidão.
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Soneto de Campinas/SP

Guilherme de Almeida
(Guilherme de Andrade e Almeida)
Campinas, 1890-1969, São Paulo

FELICIDADE

Ela veio bater à minha porta
e falou-me, a sorrir, subindo a escada:
"Bom dia, árvore velha e desfolhada!"
E eu respondi: "Bom dia, folha morta!"

Entrou: e nunca mais me disse nada...
Até que um dia (quando, pouco importa!)
houve canções na ramaria torta
e houve bandos de noivos pela estrada...

Então, chamou-me e disse: "Vou-me embora!
Sou a Felicidade! Vive agora
da lembrança do muito que te fiz!"

E foi assim que, em plena primavera,
só quando ela partiu, contou quem era...
E nunca mais eu me senti feliz!
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Trova Premiada  em São Paulo/SP, 2010

Wanda de Paula Mourthé 
Belo Horizonte/MG

Que bom seria um enlace
entre a mente e o coração:
o que a gente desejasse
também quisesse a razão!
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Poema de Blumenaus/SC

Luiz Eduardo Caminha
Florianópolis/SC, 1951 – 2015, Blumenau/SC

IMPRECISÕES

Quem sou eu,
este ser inerme,
que faz da voz,
arma contusa?

Quem sou eu,
este ser inerte,
que mexe, remexe,
látego impiedoso?

Quem sou, afinal,
este ser sereno,
que num ímpeto se faz,
irascível mordaz.

Oh, cruel, inominado e controverso ser,
Verso, reverso, homo erraticus et perdidit!

Acaso uma criatura?
Erro da Criação,
insigne animal,
pedestal de areia?

Quiçá um dia,
de tanto me procurar,
alcance, almejo,
lugar pra descansar.

Desta busca infindável,
deste contínuo rebuscar.
Neste dia, quiçá, porvir,
Deus se ponha a me perdoar.
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Haicai de Curitiba/PR

Mário A. J. Zamataro
Mário Augusto Jaceguay Zamataro)

LUA

Perto do horizonte,
a grande lua amarela…
e o vento parado.

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Poema de Portugal

António Botto
(António Tomás Botto)
Concavada/Abrantes/Portugal, 1897 – 1959, Rio de Janeiro/RJ

A JULIETA DO BECO DAS CRUZES 

Aos arrancos, lá vai ela 
Despedir-se do amante 
Nesta manhã de Janeiro! 
Coitada, morre por ele! 
- Foi o seu primeiro amor 
E será o derradeiro. 
Todas as tardes, risonha, 
Ela falava com ele 
Num beco escuro de Alfama. 
Era ali que ela morava; 
- Até que uma noite foram 
Pernoitar na mesma cama. 
Estou a vê-la!, cingida 
Ao corpo delgado e quente 
Desse esbelto carpinteiro! 
E vejo-a, dias depois, 
nervosa, afastar-se dele 
Chamando-lhe: trapaceiro. 
Mais tarde ia procurá-lo 
À oficina e chorosa 
Seguia-o sem que ele a visse; 
E naquela perdição 
Adoeceu porque um dia 
Com outra o viu, - mas, sorriu-se... 
Soube-lhe bem ser «mulher» 
Do homem que apenas teve 
Um desejo passageiro! 
Mas, agora, - cruel preço! 
Dos olhos fez duas fontes
E do amor um cativeiro. 
Adoeceu gravemente. 
Nunca mais saiu à rua, 
Sempre a tossir e a sofrer... 
E era a mãe que, mendigando, 
De porta em porta arranjava 
Qualquer coisa pra viver. 
Hoje, constou-lhe que a Guerra 
O chamara para as linhas 
Do combate, - e combalida, 
Vai ao embarque levar-lhe 
No silêncio de um olhar 
Os restos da sua vida.
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Trova de Rio Claro/SP

Antônio de Oliveira

Prato de vidro, vazio,
feito um espelho, em teu fundo
refletes o olhar sombrio
das injustiças do mundo!
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Glosa de Fortaleza/CE

Nemésio Prata
(Nemésio Prata Crisóstomo)

MOTE:
Ah, se eu fosse um construtor
eu faria estradas novas
incrustadas com amor;
pelo chão... milhões de trovas!
José Feldman 
Campo Mourão/PR

GLOSA:
Ah, se eu fosse um construtor
de estradas, falou o Bardo;
faria, com muito amor,
estradas, sem qualquer fardo!

Pelas trilhas mais fechadas
eu faria estradas novas
com versos sinalizadas, 
e balizadas com trovas!

Disse mais o Trovador:
que as estradas, as faria
incrustadas com amor;
a mais pura pedraria!

Assim vive do Trovador,
construtor de estradas novas,
espalhando, com amor,
pelo chão... milhões de trovas!
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Epigrama de Salvador/BA

João Amado Pinheiro Viegas
1865 – 1937

Entre as folhas amarelas,
A melhor é o Imparcial.
Mas, como paga em parcelas, 
Só pode ser parcial.

(contra o jornal baiano O Imparcial que pagou a Pinheiro Viegas parceladamente um artigo de sua autoria)
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Spina de São Paulo/SP

Solange Colombara

INTUIÇÃO 

Enquanto meu eco
levita com sutileza
sobre os corrimões,

ouço sons, talvez meras ilusões 
que emaranhados entre os vãos, 
tentam livrar-se de seus grilhões.
Fitando um soalho bem cuidado,
sinto vida em outras dimensões.
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Trova Humorística, de São Paulo/SP

Campos Sales  
Lucélia/SP, 1940 – 2017, São Paulo/SP

A receita é de colírio
mas o bebum se apavora
e lê, cheio de delírio:
- pinga, só uma vez por hora? 
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Poema de Évora/ Portugal

Carlos Nogueira Fino

UMAS VEZES FALAVAS-ME DOS RIOS

umas vezes falavas-me dos rios
e densas cicatrizes
e o sangue
procedia
outras vezes velava-te uma lâmpada
de faias e de enigmas
e a sombra
repousava
outras vezes o barro
originava
uma erupção de insónia recidiva
no gume do incêndio onde jazias
nessas vezes a água do teu riso
abria nos meus pulsos uma rosa
e eu entontecia
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Poetrix* do de Porto Alegre/RS

João Pedro Wapler

mulher nua

na ponta do barbante 
a roupa se faz 
e depois morre no corpo de alguém. 
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* Poetrix (s.m.): poema com um máximo de trinta sílabas métricas, distribuídas em apenas uma estrofe, com três versos (terceto) e título.
 
CARACTERÍSTICAS
 
1 O poetrix é minimalista, ou seja, procura transmitir a mais completa mensagem em um menor número possível de palavras e sílabas.
2 O título é indispensável. Ele complementa e dá significado ao texto. Por não entrar na contagem de sílabas, permite diversas possibilidades ao autor.
3 Não existe rigor quanto à métrica ou rimas, mas o ritmo e a exploração da sonoridade das sílabas é desejável.
4 Metáforas e outras figuras de linguagem, assim como neologismos, devem ser elementos constitutivos do poetrix.
5 É essencial que haja uma interação autor/leitor provocada por mensagens subliminares ou lacunas textuais.
6 Os tempos verbais – pretérito, presente e futuro - podem ser utilizados indistintamente.
7 O autor, as personagens e o fato observado podem interagir criando, inclusive, condições supra-reais, cômicas ou ilógicas (nonsense).
8 O poetrix deve promover a multiplicidade de sentidos e/ou emoções, não se atendo necessariamente a um único significado.
(Coordenação Geral do Movimento Internacional Poetrix)

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