sábado, 25 de junho de 2022

Luiz Otávio (Jardim de Trovas) II

Adeus gauchinha linda,
"Chinoca" destes bons pagos...
Trago uma saudade infinda
da terra e dos teus afagos!
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À força, sem sentimento,
não se faz a trova, não!...
— No entanto, sai num momento,
quando vem do coração...
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Ao beijares uma flor
com tal ternura, antevejo
como é bom o teu amor,
como é gostoso o teu beijo. (*)
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* = Na época, eram outras regras nas trovas, ejo rimava com eijo, atualmente pelas normas da UBT este tipo de rima não é aceita. Veja bem, só para trovas, em poesias esta rima é aceita, pela aproximação do som.
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Aquele amor passageiro,
aquela afeição tão pura,
e esta saudade tamanha (*)
de tão pequena ventura!...
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* = Na época, era obrigatório a rima do 2. com 4. verso somente, não existindo a obrigatoriedade de rimar o 1. com 3., contudo pela União Brasileira de Trovadores, fundada no Rio de Janeiro, em 21 de agosto de 1966 e instalada oficialmente em 1° de janeiro de 1967, para a participação em concursos desta entidade existe a obrigatoriedade de rimar o 1. com 3. e o 2. com o 4. versos.
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Às vezes, quero partir...
correr mundo... viajar...
Mas, quando me afasto muito,
que vontade de voltar!...
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Beija-te o sol, o luar,
cheios de amor e desejo...
Vive o vento a te beijar!
Só eu é que não te beijo…
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Com tristeza a gente conta:
No mundo, que tanto ilude,
há virtude — quase afronta,
pecado, quase virtude!...
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Droga de efeito impreciso,
veio o doutor receitar...
— A calma de que preciso,
só quem tirou pode dar...
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Epopeias... Caravelas...
D. Diniz... Camões... Cabral...
Guitarras... Cachopas* belas...
Saudade e amor... Portugal!...
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* = Cachopas: meninas, raparigas.
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Há trovas de tal beleza,
prendem tanto os versos seus:,
que a inspiração, com certeza,
deve ter vindo de Deus.
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Levaste tanto de mim,
deixaste tanto de ti,
que chego a pensar, enfim,
que estou lá... e estás aqui…
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Meu. doce Lar é pequeno,
cheio de paz e candura...
— Pequeno... mas nele cabe
uma porção de Ventura!...
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Meus dezoito anos de idade!
Da alma esta mágoa não sai:
perdi meu melhor amigo!
A morte levou meu pai!
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Muita gente, como escrava,
vive em busca da Ventura,
e abandona onde morava,
o que tanto, em vão, procura!
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No dia em que tu nasceste,
já nasceste para mim,
tal como a ti destinado
foi que a esse mundo eu vim...
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No mundo incerto e inconstante,
uma coisa é verdadeira;
— Dura o bem um só instante
e a dor — uma vida inteira!...
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Ó Mar verde, imenso Mar,
sendo tão grande e profundo,
não poderias guardar
todas as dores do Mundo?
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Para muitos, a Bondade
é como se fosse um dom...
— Eu cá, sofri de verdade!
E o sofrer tornou-me bom...
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Portugal — jardim de encanto
que mil saudades semeias...
Nunca te vi... e, no entanto,
tu corres nas minhas veias!...
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Quanta amargura incontida
para o espírito mais forte,
se não visse uma outra vida
que só inicia na morte!?...
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Quantos momentos felizes
trocaria, com prazer,
para que este mau momento
nunca viesse a viver!...
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Saudade — um eco perdido -
de uma cantiga da infância...
Perfume de flor, nascido
lá nas brumas da Distância...
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Se eu tiver a graça, um dia,
de contigo me casar,
tu verás quanta alegria
e ventura em nosso lar!
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Se soubesses o desejo
que trago dentro de mim,
tu não falavas em beijo,
nem ficavas rindo assim!...
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Ventura — rosa escondida
no alto jardim da esperança…
Perfuma de longe a vida,
mas não se vê... nem se alcança...
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Viver... morrer... pouco importa!
— Quanta gente, por aí,
que há muito uma alma, morta
carrega dentro de si...

Fonte:
Luiz Otávio. Cantigas dos sonhos perdidos. Coleção Trovas e Trovadores, organizada por Aparício Fernandes e Zalkind Piatigorky. RJ: Livraria Freitas Bastos, 1964.

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