sexta-feira, 25 de julho de 2008

Inajá Martins de Almeida (O Ato de Ler)

Dê-me uma meada de lã e eu teço um agasalho.
Dê-me uma palavra e eu formulo uma frase.
Dê-me uma frase e eu escrevo um texto.
Dê-me um texto e eu componho um livro”.

Definições, conceitos, significações, frases, textos, livros, são atributos de que nos valemos, quando nos predispomos a fazer uma pesquisa mais acurada de algo que queremos conhecer melhor.

Definimos, conceituamos, buscamos significados, formulamos frases, elaboramos textos, compomos livros, tudo para perpetuar nossa idéia e percebemos que:

"Os livros que em nossa vida entraram, são como a radiação de um corpo negro, apontando pra expansão do Universo, porque a frase, o conceito, o enredo, o verso (e, sem dúvida, sobretudo o verso) é o que pode lançar mundos no mundo".

O livro que entra em nossa vida, portanto, já não é mais o mesmo: já deixou de ser estático num canto da estante; agora, ele, descortinou novos horizontes para nós; já nos enriqueceu um pouco mais; já nos tirou da ignorância verbal e oral; já nos transformou; já nos cativou; já se tornou responsável por aquele que cativou.

Ah! Bendito os que semeiam livros ... livros a mão cheia ... e faz o povo pensar ... em verso cantava Castro Alves e, se bendito são os que semeiam livros, abençoados são os que lêem, os que pensam, os que informam, os que se informam, os que transformam, os que se transformam.

Percebemos, contudo, que antes mesmo de lermos a palavra, já lemos a imagem; Paulo Freire diz que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”, porque na realidade estamos lendo o que nos permeia, tudo o que está a nossa volta é uma leitura que se faz, de acordo com quem olha.

Mas uma vez que nos tornamos leitores da palavra, invariavelmente estaremos lendo o mundo sob a influência dela, quer tenhamos consciência disso ou não. Nesse momento, a leitura, até então oral e ágrafa, amplia-se, oferece-nos outras perspectivas para ler o mundo. Dá-nos condição de encontro com novas maneiras de interpretar a sociedade, seus conflitos e a própria natureza humana. A partir de então, mundo e palavra permearão constantemente nossa leitura e inevitáveis serão as correlações, de modo intertextual, simbiótico, entre realidade e ficção”.

Mas afinal, por que lemos?

Lemos porque a necessidade de desvendar caracteres, letreiros, números, faz com que paremos a olhar, a questionar, a buscar decifrar o desconhecido. Antes mesmo de ler a palavra, já lemos o universo que nos permeia: um cartaz, uma imagem, um som, um olhar, um gesto:

"Lemos, intensamente por várias razões, a maioria das quais conhecidas: porque na vida real, não temos condições de "conhecer" tantas pessoas, com tanta intimidade; porque precisamos nos conhecer melhor; porque necessitamos de conhecimento, não apenas de terceiros e de nós mesmos, mas das coisas da vida", argumenta Harold Bloom. Embora considere "a busca de um prazer sofrido" como o principal motivo quando se lê. São muitas as razões para a leitura. Cada leitor tem a sua maneira de perceber e de atribuir significado ao que lê”.

Para que lemos?

Lemos para nos comunicar; para resolver uma questão proposta por nós ou por alguém; para nos aperfeiçoar; para nos informar; para adquirir mais conhecimento; para saciar nossa sede do saber; para recreação, quem sabe: cada um sabe para que lê. Leonardo Boff nos diz que cada um lê com os olhos que tem. E “a melhor maneira de se ensinar uma criança a ler é lendo” nos fala a escrita Ana Maria Machado.

O que lemos?

Uns lêem cartas geográficas, outros cartas de informação – como a carta do descobrimento do Brasil. “Caminha não podia imaginar que sua carta se tornaria, principalmente no século XX, uma das fontes de inspiração para romancistas e poetas brasileiros”; outros tantos cartas de amigos.

As cartas fascinam tanto porque são parte da expressão humana. Porque nelas estão as fraquezas, os bons augúrios e, quase sempre, espelhos da alma de quem as escreve. Quando as lemos, é como se fôssemos ouvindo o remetente em nosso ouvido a conversar conosco. É como se Mário falasse conosco. Ler as cartas que Mário escrevia a seus amigos é encontrar um pouco com a alma do nosso povo, de nós mesmos. Sua prosódia oscila entre o popular e o erudito, embala o leitor em sua linguagem, deixa-o confortavelmente deleitar-se com sua escrita”. Numa delas, esta a Carlos Drummond de Andrade, dizia “só nos domingos que posso escrever. Tenho atualmente a vida mais deliciosamente burguesa que a gente pode imaginar. Sou homem de domingos. Só no domingo que me divirto, visito os amigos, escrevo pros de longe visto roupa nova e descanso ... São onze horas do dia. Tenho meia-horinha pra você ...” .

Se lemos gibis, poesias, jornais, textos científicos, textos literários, textos... livros... enfim, não importa o que lemos, se lemos por algum motivo ou razão. “Primeiro devemos deixar ler, para depois orientar, porque ler é um direito do cidadão e da criança”, exorta nossa imortal da literatura infantil Ana Maria Machado.

Porque lemos realmente dará sentido a todos os outros questionamentos, pelo fato de que: “Ler é olhar o mundo para enxergar mais além do que o nosso interior. É entender o processo coletivo. É observar a tribo para analisar a globalização. É ler imagens para ultrapassar a aventura. É aventurar-se pelos escaninhos mais recônditos do subconsciente para entender a lucidez dos discursos que untados em votos (eletrônicos para serem modernos) prometem zerar qualquer coisa”.

Nessa frase, parei por uns minutos mais prolongados em “ler imagens” e, um fato curioso, me fez retornar ao passado, quando então se pensou que esta – a imagem – substituiria a palavra, a partir de um slogan, veiculado através da televisão, onde se dizia que uma imagem valia mais do que mil palavras.

Ledo engano aquele; a palavra continuaria cada vez mais forte, sendo produzida em larga escala incessantemente porque, segundo nos premia Millôr Fernandes “a imagem só pode se transformar em instrumento de comunicação quando podemos dela falar - usando palavras”.

E as palavras continuaram permeando o universo, conquistando espaços, ganhando mais e mais adeptos – seus leitores. Quem não se sente solto e livre a vagar pelo ar, a viajar sem sair do próprio lugar ao se deleitar com uma fantástica leitura – palavras, frases, textos ... – quem não se enriquece interiormente; quem não cresce em conhecimento e cultura; quem não se inquieta, não questiona, não se torna investigativo a querer galgar novas plagas, quebrar barreiras, ultrapassar fronteiras; quem não voa com asas de águia percorrendo parágrafos, grifando palavras, bailando, girando como folhas ao vento; quem não se torna livre ao ter um livro nas mãos. Quem não quer se aventurar por “mares nunca d’antes navegados

São muitas as razões para a leitura. Cada leitor tem a sua maneira de perceber e de atribuir significado ao que lê. Essa particularização da leitura é que estimula, por meio de um processo artístico, emoções e vivências diferentes no leitor permitindo-lhe o conhecimento de si mesmo; o reconhecimento do outro, a descoberta do mundo”.

Sim ... em meio a tanto questionamento “livros nos tornam livres” , na medida em que:

Ler é alimentar-se espiritualmente, é adquirir aquela inquietação interior — bem como uma série de convicções — a indescritível riqueza íntima de quem está atento à vida, de quem carrega consigo a vontade de conhecer e amar infinitamente".

E quem não se torna criança ao adentrar no mundo encantado do faz de conta, do era uma vez no País das Maravilhas da Alice; quem não se sente o próprio David ao derrotar o gigante Golias, personagens estes que ultrapassam o tempo, tornam-se presentes, jamais esquecidos, sempre lembrados, sempre lidos, sempre recontados – o tempo não os consumiu.

Ler é multiplicar a própria idade, é ganhar tempo, é expandir-se para todos os tempos, e, quem muito lê vai reunindo em si mais lembranças e conhecimentos do que se tivesse mil anos de idade. Vai se universalizando no tempo, e também no espaço.

Numa fração de segundos, podemos retornar a infância, acordar de um profundo sono, como Bela Adormecida, ao beijo suave do príncipe encantado e se tornam felizes para sempre; aí se faz presente a arte, que toca o âmago do ser sensível – a arte da palavra, então:

se olho demoradamente para uma palavra descubro, dentro dela, outras tantas palavras. Assim, cada palavra contém muitas leituras e sentidos. O meu texto surge, algumas vezes a partir de uma palavra que, ao me encantar, também me dirige. E vou descobrindo, desdobrando, criando relações entre as novas palavras que dela vão surgindo. Por isso digo sempre: é a palavra que me escreve”.

Se cada leitor percebe em cada palavra tantas outras, em cada leitura pode sentir a magia do encantamento que a arte proporciona, depreendemos que:

Ler é uma arte, e, como toda a arte, requer do seu artista uma sábia flexibilidade, a capacidade de utilizar os meios de acordo com a finalidade primordial a ser alcançada”.

Essa arte que quebra barreira, extrapola horizontes infindáveis, essa arte que nos tira do anonimato, que nos dá poder de investigação, de interagir na sociedade, de conquistar o inimaginável, sim

Ler é uma arte que pode ser de muitos, que pode nos devolver a nós mesmos. Ler é poder, é conhecer-nos e aos outros.

Suzana, cita palavras de Richard Bargenguer, extraídas do seu livro “Como incentivar o hábito da leitura” quando nos diz que:

Ler é a tarefa do futuro, quando as pessoas necessitarão de uma espécie de auto-educação permanente ou seja: deverão promover a pesquisa, a reflexão, o crescimento intelectual por conta própria. Deverão desenvolver de modo autônomo sua competência, enfim”.

Eu, contudo, não consigo ver um cidadão completo, que não saiba ler e interpretar as situações que o rodeiam, porque "quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê", já nos alertava Monteiro Lobato.

Sob meu ponto de vista, uma vez que “cada ponto de vista é a vista de um ponto” , leitura não significa simplesmente o que os textos nos apresentam, mas qualquer percepção depreendida em nosso cotidiano: das conversas entre amigos, da fala do professor a nossa frente, da interpretação de um filme – o que os personagens nos transmitem através da tela – dos homens de Deus nos púlpitos ao ministrar a Palavra aos fiéis; leitura também é decifrar imagens.

Alberto Mangel, escritor argentino, entende a leitura como forma de decifrar sinais, interpretar códigos e se expressa:

Eu vejo a leitura não apenas como um modo de entender textos, mas também de decifrar sinais. O ser humano é um decifrador de sinais. Nós interpretamos até mesmo códigos que não são feitos para serem lidos, como o relevo, o céu, o rosto das pessoas".

A riqueza que nos proporciona o ato de ler e interpretar palavras, encontro nas Cartas que o apóstolo Paulo enviava às igrejas e cidadãos da sua época – esta aos Coríntios – uma passagem que, em especial, chamou-me atenção. Escrita há dois mil anos atrás, exortava o povo a se expressar de forma clara, dizendo que:

“... se com a língua não falardes palavras bem distintas, como se entenderá o que se diz? Estareis como que falando para o ar” e acrescenta dizendo que “há infinidade de sons e contudo nenhum sem sentido, e que se não soubermos interpretar esses sons, seremos como bárbaros para o que fala assim como bárbaro para o que ouve”.

E chegando a atualidade, Gabriel Perissé, citando Bernardo Gusbanov, diz:

Ler e compreender o que se lê é uma capacidade que deve ser desenvolvida. Quem não lê e não compreende o que lê está excluído socialmente. Torna-se uma pessoa com pobreza no uso do vocabulário e dificuldades de expressão, que se refletem tanto na vida social quanto profissional".

Portanto, após tantas falas, depreende-se que

Há mais valor na sabedoria do que na tolice, quanto mais valor na luz do que nas trevas...

A era da informação, exige que avancemos incessantemente; o mundo globalizado pede pessoas cada vez mais preparadas para o mercado competitivo, e onde buscar essa preparação, a não ser através de leituras diversas. Não se concebe mais o cidadão com escolaridade básica, há que ter mais, tanto a que se conquista nos bancos acadêmicos, quanto e, principalmente, aquela que se busca através da “auto-educação”, como nos alerta Bargenguer.

Na era da informação, não é simples ficar sintonizado e atualizado: o mundo dobra o conhecimento a cada dezoito meses e é preciso, portanto, correr atrás de atualização o tempo todo: comportamental, emocional, de mercado, de vida...”

Não se permite mais esperar. “Esperar não é saber”, porque “quem sabe faz a hora e não espera acontecer”, já nos dizia o músico e compositor Geraldo Vandré na década de 60 – Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores – quando, em plena ditadura militar, falando de flores, alertava o povo sobre a opressão que os soldados armados impunham, mas que caminhando e cantando, seguindo a canção interior poderíamos sim ensinar uma nova lição; mudar o curso da vida; contar a própria história: poderíamos ser, enfim, a própria história, porque:

vem uma geração, e vai outra geração, mas a terra permanece eternamente... e os olhos nunca vêem o bastante, nem os ouvidos se enchem de ouvir”.

Porém, quando pensamos que geração vem e passa e que não temos tempo para ver, ouvir tudo o que gostaríamos, buscamos nas leituras várias, abstrair uma realidade distante e, ao lermos um livro, pensamos e criamos nossa própria realidade, porque cada leitor se torna um co-autor, uma vez que:

cada um lê e relê com os olhos que tem. Porque compreende e interpreta a partir do mundo que habita... Cada um lerá e relerá conforme forem seus olhos. Compreenderá e interpretará conforme for o chão que seus pés pisam... E para entender como alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual é sua visão de mundo. Isso faz da leitura sempre uma releitura”.

Contudo, para muitos, a leitura é um passatempo, para outros tantos um aprendizado incessante; para alguns, apenas um fardo para cumprir uma tarefa, muitas vezes imposta, muito embora transformar a leitura num dever, numa obrigação curricular, pode ser um equívoco, porém, se pararmos para pensar que "a leitura é muito mais do que uma simples relação dos olhos com os livros... iremos perceber que, a leitura é um espaço, um lugar predileto, uma luz escolhida, um ritual em que importa até a época do ano."

Há, também, quem diga que “leitura é essencial. Não mata a fome, sequer a de espírito como se insinua pois espírito não tem fome, mas mata a falta de lucidez, cria consciência” e outro que "a leitura torna o homem completo; a conversação torna-o ágil e o escrever dá-lhe precisão" .

O que podemos entender então! Entendemos sim, que somente através da leitura podemos desvendar o desvendável – o conhecimento; conhecimento esse que nos dá mais segurança para dialogar e até para expressar idéias, opiniões, interagir na sociedade, e com tudo isso, maior mobilidade para nos expressar através da escrita.

Torna-se imprescindível que se forme o hábito, da leitura, porque este, hoje, tornou-se artigo de primeira necessidade.

Através da palavra tudo se forma – “Haja luz ... e houve luz ..."

Nas palavras há, portanto, força e, alerta-nos o pensador Confúcio “sem conhecer a força das palavras é impossível conhecer os homens”, porque "quem não vê bem uma palavra não pode ver bem uma alma", como complementa o poeta português Fernando Pessoa.

No princípio Deus criou o céu e a terra ... e a terra estava sem forma e vazia... e Deus disse: haja luz; e houve luz

Para que haja uma criação é necessária uma vontade: a vontade de criar algo, assim

A palavra não cria as coisas do nada. Mas retira, sim, as coisas da sombra, do esquecimento, do exílio, ou do passado, ou do futuro. As palavras são embaixatrizes da realidade. Elas trazem para o nosso meio todo o universo. Trazem reinos, aves exóticas, estrelas do céu, flores de aromas impensáveis, anjos, demônios. Falamos a palavra, e o universo responde ao chamado, e os mortos ressuscitam, e nós mesmos nos iluminamos”.

O que é então o ato de ler senão tomar posse do texto, do livro. Livro que nos fala por meio das palavras. Palavras que vão tomando forma e cor, aos olhos atentos do leitor. Palavras que podem descobrir as vozes dos enredos, as cenas que desfilam através das entrelinhas do texto.

Jean Paul Sartre, extasiado com a interpretação que sua mãe fazia, ao contar-lhe histórias para embalar-lhe o sono, premia-nos com o texto As palavras, onde nos transporta, também, para aquele rosto que transformava-se a cada fala; para aquela voz que ele desconhecia e por fim, para aquela resposta aos porquês daquela performance:

daquele rosto de estátua saiu uma voz de gesso. Perdi a cabeça: quem estava contando? O quê? E a quem? Minha mãe ausentara-se: nenhum sorriso, nenhum sinal de conivência, eu estava no exílio. Além disso, eu não reconhecia sua linguagem. Onde é que arranjava aquela segurança? Ao cabo de um instante, compreendi: era o livro que falava".

Uma “leitura bem feita é uma inteligente e apaixonada conversa com o autor” e, quando “consciente, empenhada, reflexiva, desperta a vida do livro, aciona toda aquela fecundidade que o autor nos legou ao concluir o seu trabalho e que permanece ali, nas páginas impressas... “

Sim, o livro nos fala, quando percebemos que a “leitura é um diálogo profundo e uma intensa experiência de vida, na medida em que põe o leitor no interior de “realidades”, de “ambientes”, de “idéias” e de “pessoas” — criados ou recriados pelo cronista ou pelo memorialista, enfim, pelo autor que esteja sendo lido”.

E, quando do término de uma leitura, jamais devemos questionar o que o autor nos quis dizer, e sim o que sentimos, uma vez que “em educação, a emoção precede a cognição, e a cognição ajuda a despertar mais emoção”.

Em assim pensando, após tantos momentos, tantas reflexões, não nos permitimos mais “viver sem razão” ;

precisamos nos tornar uma nação leitora, porque o cidadão comum de uma nação moderna, é alguém que chega à vida adulta, capacitado para ler e entender manuais, embalagens de produtos, instruções de uso e advertências, relatórios, poesias, formulários, atlas, contos, gráficos, tabelas, artigos de jornal e revista e todas as demais formas da escrita cotidiana impressa ou eletrônica” e, “Ler com atenção, a rigor, significa compreender. E compreender significa também interpretar, discernir, captar em profundidade, discordar, ampliar...”

Porque

Entender um texto é compreender claramente as idéias expressas pelo autor para, então, interpretar e extrapolar essas idéias. Nesse momento o leitor deve ajustar as informações contidas no contexto em análise às que ele possui em seu arquivo de conhecimento”.

Quando se pensa então em “arquivo de conhecimento”, pressupõe-se que muitas informações foram buscadas; muitas leituras foram feitas, muitos foram os conhecimentos adquiridos e armazenados nos escaninhos do cérebro.

A medida que adentramos o universo da leitura, descortinando autores, e temas os mais variados, percebemos que vamos nos familiarizando cada vez mais com a palavra, que, com intimidade passeia, rodopia, baila suavemente em nossa mente ávida pelo conhecimento, porque “o prazer da leitura de um texto não pode ser avaliado. É coisa subjetiva; quem ama ler tem nas mãos as chaves do mundo”.

“... para ser ‘leitor útil’ há que existir a vontade, o desejo de ler, em primeiro lugar, mas também são necessários livros para serem lidos, uma quantidade e variedade suficientes para que cada um eleja o seu gênero predileto, os seus temas, os seus enredos, os seus “clássicos”, aqueles livros que nunca acabam de dizer o que têm para dizer, como definiu Ítalo Calvino. Livros que “viciem” o leitor, pois a leitura inquieta, desloca, preenche, responde, diverte, cria novas perguntas, possibilita usos pessoais da criação de um escritor”.

De todos os prazeres – a música, a dança, o cinema, passeios diversos – o mais inebriante para mim é a leitura; percebi, desde muito cedo, que esta realmente pode influenciar grandes mudanças, grandes transformações – a leitura dá poder, que vai além do simples prazer de ler por ler: “leitura pressupõe busca de informação

Pensar nesse universo – da leitura – é jamais cair no marasmo, na mesmice; é jamais se entediar, uma vez que para cada leitura, podemos fazer novas releituras, aprendendo, ensinando, enriquecendo-nos, porque “os livros têm seu próprio destino... o destino dos livros está ligado ao destino dos leitores”, assim eu os convido a fazerem-se co-criadores “do mundo criado e por criar”, conforme nos convida Leonardo Boff.

Podemos perceber, então, que o ato de ler, está atrelado a maneira com que cada leitor o faz, uma vez que a cada leitor o seu livro, a cada livro seu leitor, como nos orientava o grande bibliotecário Ranganathan, nas suas Leis da Biblioteconomia, que o bibliotecário tão bem conhece.
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Inajá Martins de Almeida
bibliotecária e coordenadora de projetos na Fundação Educandário Coronel Quito Junqueira e presidenta da ONG Educare Est Vita

Fonte:
http://www.amigosdolivro.com.br/

4a. Semana do Escritor de Sorocaba (Programação)



Programação

25/07
sexta-feira

18h
Exposição e autógrafo: Dr. Sergio Balsamo
Obra: Revelação

18h
Exposição e autógrafo: Dr. Edgard Steffen
Obra: O anjinho dos pés tortos

18h30
Exposição e autógrafos: José Antonio Rosa
Obra: O livro de Salomão

19h
Exposição e autógrafo: Celso Ribeiro "Marvadão" e Walter Martins
Obras: Criando Com O Marvadão / Sorocaba bem-te-vi

19h
Exposição e autógrafo: Samuel Barros
Obra: DRACMAS

20h
Exposição e autógrafos: João Rosas Barrios
Obras: - Caminhos mesclados - A praça e a prosa - O monge, o santo e a devoção

20h
Apresentação dos Poetas: Coesão Poética

DIA RESERVADO PARA OS ESCRITORES DA IMPRENSA

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26/07
Sábado


15h
Exposição e autógrafo: Rodrigo Capela
Obra: Poesia não Vende

15h
Exposição e autógrafos: Renato de Oliveira Leme
Obra: A baleia que aprendeu a voar

16h
Exposição e autógrafos: Nilza Florentina Vendrami
Obra: Sete filhos de Maria

16h
Exposição e autógrafos: Míriam Cris Carlos
Obra: Arteiras sorocabanas

16h
Exposição, autógrafos e distribuição gratuíta dos exemplares: Juliana Simonetti
Obra: Poesias

16h
Exposição e autógrafos: Leda Borguesi Rodrigues
Obra: Faça da sua cozinheira um sucesso na cozinha

16h
Exposição: Otto Wey Netto
Obra: Memórias do esporte sorocabano

18h
Exposição e autógrafos: Dalila Silva
Obra: Sob o olhar do corvo, a história de Hermes Tadeu/ Arrecadação para o GPACI

18h
Exposição e autógrafos: Maria do Carmos Alves Chaves Torres
Obra: De coração para coração

19h
Exposição e autógrafos: Prof. Mário Pereira Neto
Obras: Sorocaba Século 21 / Multinacionais em Sorocaba – BR

20h
Exposição e autógrafos: Carlos Roberto Mantovani
Obra: Escritos Ordinários

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27/07
Domingo


10h
Atividades diversas

18h
Encerramento da Semana do Escritor de Sorocaba

Fonte:

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Curiosidades de Nossos Escritores

Aluísio de Azevedo
Aluísio de Azevedo tinha o hábito de, antes de escrever seus romances, desenhar e pintar, sobre papelão, as personagens principais mantendo-as em sua mesa de trabalho, enquanto escrevia.

Carlos Drummond de Andrade
Aos dezessete anos, Carlos Drummond de Andrade foi expulso do Colégio Anchieta, em Nova Friburgo (RJ), depois de um desentendimento com o professor de português. Imitava com perfeição a assinatura dos outros. Falsificou a do chefe durante anos para lhe poupar trabalho. Ninguém notou. Tinha a mania de picotar papel e tecidos. "Se não fizer isso, saio matando gente pela rua". Estraçalhou uma camisa nova em folha do neto. "Experimentei, ficou apertada, achei que tinha comprado o número errado. Mas não se impressione, amanhã lhe dou outra igualzinha."

Cecília Meireles
Numa das viagens a Portugal, Cecília Meireles marcou um encontro com o poeta Fernando Pessoa no café A Brasileira, em Lisboa. Sentou-se ao meio-dia e esperou em vão até as duas horas da tarde. Decepcionada, voltou para o hotel, onde recebeu um livro autografado pelo autor lusitano. Junto com o exemplar, a explicação para o "furo": Fernando Pessoa tinha lido seu horóspoco pela manhã e concluído que não era um bom dia para o encontro.

Euclides da Cunha
Euclides da Cunha, Superintendente de Obras Públicas de São Paulo, foi engenheiro responsável pela construção de uma ponte em São José do Rio Pardo, SP. A obra demorou três anos para ficar pronta e, alguns meses depois de inaugurada, a ponte simplesmente ruiu. Ele não se deu por vencido e a reconstruiu. Mas, por via das dúvidas, abandonou a carreira de engenheiro.

Gilberto Freyre
Gilberto Freyre nunca manuseou aparelhos eletrônicos. Não sabia ligar sequer uma televisão. Todas as obras foram escritas a bico-de-pena, como o mais extenso de seus livros, Ordem e Progresso, de 703 páginas.

Graciliano Ramos
Graciliano Ramos era ateu convicto, mas tinha uma Bíblia na cabeceira só para apreciar os ensinamentos e os elementos de retórica.

Guimarães Rosa
Guimarães Rosa, médico recém-formado, trabalhou em lugarejos que não constavam no mapa. Cavalgava a noite inteira para atender a pacientes que viviam em longínquas fazendas. As consultas eram pagas com bolo, pudim, galinha e ovos. Sentia-se culpado quando os pacientes morriam. Acabou abandonando a profissão. "Não tinha vocação. Quase desmaiava ao ver sangue", conta Agnes, a filha mais nova.

Jorge Amado
Jorge Amado para autorizar a adaptação de Gabriela para a tevê, impôs que o papel principal fosse dado a Sônia Braga. "Por quê?", perguntavam os jornalistas, Jorge respondeu: "O motivo é simples: nós somos amantes." Ficou todo mundo de boca aberta. O clima ficou mais pesado quando Sônia apareceu. Mas ele se levantou e, muito formal disse: "Muito prazer, encantado." Era piada. Os dois nem se conheciam até então.

José Lins do Rego
José Lins do Rego era fanático por futebol. Foi diretor do Flamengo, do Rio, e chegou a chefiar a delegação brasileira no Campeonato Sul-Americano, em 1953.

Machado de Assis
Machado de Assis era miope, gago e sofria de epilepsia. Enquanto escrevia Memórias Póstumas de Brás Cubas, foi acometido por uma de suas piores crises intestinais, com complicações para sua frágil visão. Os médicos recomendaram três meses de descanso em Petrópolis. Sem poder ler nem redigir, ditou grande parte do romance para a esposa, Carolina.

Manuel Bandeira
Manuel Bandeira sempre se gabou de um encontro com Machado de Assis, aos dez anos, numa viagem de trem. Puxou conversa: "O senhor gosta de Camões?" Bandeira recitou uma oitava de Os Lusíadas que o mestre não lembrava. Na velhice, confessou: era mentira. Tinha inventado a história para impressionar os amigos.

Nélida Pinõn
a Academia Brasileira de Letras foi a primeira academia no mundo a eleger uma mulher para a presidência, a escritora Nélida Pinõn, que assumiu o cargo em 1995.

Olavo Bilac
O nome Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac, quando dividido em sílabas poéticas se torna um perfeito verso Alexandrino, este que é composto por doze sílabas.

Em geral, o verso mais longo, em estrofes isométricas. Presente em poesias extremamente trabalhadas gramática e foneticamente, como as parnasianas.

O_la_vo Brás Mar_tins dos Gui_ma_rães Bi_lac

Pedro Nava
O escritor Pedro Nava parafusava os móveis de sua casa a fim que ninguém o tirasse do lugar.

Rachel de Queiroz
A Academia Brasileira de Letras, fundada em 1897, só admitiu a primeira mulher em seus quadros 70 anos depois. A pioneira foi a escritora cearense Rachel de Queiroz.

Fonte:
http://www.amigosdolivro.com.br

Chico Bento: das histórias em quadrinhos para a vida

artigo de Sandra Regina Nóia Mina (UFMS)

Através de uma linguagem interativa e feita para todas as idades, os gibis do Chico Bento retratam a história do inocente menino do campo, que fala errado (de acordo com a Gramática Normativa), tem amigos na roça em que vive, para uma melhor caracterização do personagem (espaço/campo), e um primo para caracterizar as diferenças entre campo/cidade.

Chico Bento, morador de Vila Abobrinha, é um personagem fictício, construído a partir da biografia de Mauricio de Sousa, que o espelhou em um tio-avô. Não somente Chico, mas sua Vó (Vó Dita) também faz parte dessa biografia do autor, uma vez que essa lhe contava várias histórias que por ele foram publicadas.

A linguagem, utilizada nas histórias, mostra que o protagonista é o típico caipira do interior, mas com trejeitos de 40 anos atrás. A visão de caipira, como o menino que mora na roça, fala errado, anda descalço, conversa com os animais e gosta da natureza, é como se fosse uma comparação que o autor faz embasado em determinado período da História para os dias atuais.

O primo (sem nome) de Chico mostra claramente tais diferenças, pois mora na capital/cidade grande, tem acesso a brinquedos modernos, a computador, fala certo de acordo com a típica figura do cidadão paulistano.

Já Chico Bento tem apenas pontos positivos quando está em comparação com o primo. Tais diferenças entre eles podem ser percebidas pelo leitor, não só através do texto, mas também através das imagens.

Ou seja, há toda uma semiótica textual alertando o leitor para as diferenças propostas. Criado em 1961, mas tendo sua primeira Revista lançada apenas em 1982, a Turma da Roça traz histórias passadas num ambiente pacato do interior, que acaba fazendo com que seus leitores (crianças) tenham um pré-conceito a respeito da criança do interior.

O gibi retrata o paulista (cidade provável - Taubaté-SP), em que um possível contraste com o personagem Jeca Tatu de Monteiro Lobato pode ser enfatizado. Mas também não podemos deixar de fazer alusão aqui ao ilustre Macunaíma, personagem satírico importante de nossa Literatura.

Os personagens, além de serem simples, falarem errado e não terem as mesmas noções que uma pessoa da capital (visão política) possa ter são essenciais para a ilustração da História do Brasil, já que vivem da colheita, o que acaba retratando, de um modo-geral, todo um grupo de indivíduos de mão-de-obra barata encontrada por todo país.

Além do que dissemos, Maurício de Sousa retrata neste personagem, não somente o menino ingênuo do campo, como chama a atenção para as diferenças dialetais encontradas na cultura brasileira que são quase sempre, dignas de preconceitos.

Com o uso de uma linguagem divertida e simples, carregada de imagens e alusões, e visando a igualdade entre as pessoas, Chico Bento é a figura da inocência que falta à sociedade atual. Tal inocência, entretanto, pode se transformar quando as crianças o lêem e descobrem que podem construir um novo mundo, com pessoas no mínimo diferentes.

Fontes:
http://www.amigosdolivro.com.br
http://www.gpdesenhos.com.br (desenho)

Manuel Bastos Tigre (1882 - 1957)

Escritor, (poeta e prosador), engenheiro, jornalista e bibliotecário, nasceu em Recife, Pernambuco, a 12 de março de 1882 e faleceu em 2 de agosto de 1957 no Rio de Janeiro.

Freqüentou, aos cinco anos de idade, a Aula Pública Mista da Rua Santo Elias, no Recife, e em seguida, o Colégio Diocesano da histórica Olinda, revelando, desde cedo, seu talento literário na composição de odes cívicas e sonetos humorísticos, onde mestres e colegas eram satirizados.

Líder estudantil encabeçou movimento em prol da obrigatoriedade de ensino, campanha que viria trazer inestimáveis serviços a população.

Formou-se engenheiro civil, em 1906 na Escola Nacional de Engenharia, no Rio de Janeiro. Mais tarde especializou-se em eletricidade nos Estados Unidos, onde permaneceu cerca de três anos, diplomando-se pela Bliss School de Washington. Regressando, trabalhou como engenheiro do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil.

Da sua vida universitária e de uma época trepidante do Rio de Janeiro, tudo revelou, através de seus poemas satíricos, um prenúncio de seu extraordinário humorismo.

Sua vida de jornalista iniciou-se em 1902, quando colaborou na revista humorística “Tagarela”. Prestou depois seus serviços nos principais órgãos da imprensa carioca como: “A Noite”, “Gazeta de Notícias”, “A Rua”, “Careta”, “O Malho”, etc. .

Foi fundador da revista “D. Xiquote”. No “Correio da Manhà”, manteve durante mais de 50 anos, “Pingos e Respingos”, uma das mais conhecidas seções da imprensa citadina, na qual, glosava com sadio humor, os fatos pitorescos do Rio, do país e até do mundo. (Usava, então, o pseudônimo Cyrano e Cia).

Emilio de Menezes introduziu-o nas rodas literárias do Rio Antigo, o que o fez tornar-se grande amigo de Olavo Bilac, Martins Fontes, Guimarães Passos, Plácido Junior, Henrique de Orlando e outros.

Suas atividades como escritor, fizeram-no conquistar o 1O. Prêmio de Poesias da Academia Brasileira de Letras, com a obra “Meu Bebê”. Deixou, como poeta, uma bela obra educativa, dedicada à infância. Sob o pseudônimo de “D. Xiquote” publicou muitos livros de versos humorísticos: Saguão da Posteridade, Poesias Humorísticas, Versos Perversos, Moinhos de Vento, etc.

Ocupou ainda o cargo de Inspetor Federal do Ensino Secundário. Foi primeiro como “publicitário”. Com dignidade e muito raciocínio, foi mestre e fez escola nesta moderna arma de negócios: a publicidade. Criou vários slogans publicitários que, ainda hoje, são usados e que ficarão para sempre na lembrança do povo. Bastos Tigre amava os livros e não podia viver sem eles.

Por volta de 1915 devotou-se inteiramente aos livros, não mais abandonando as estantes das bibliotecas. Inscreveu-se no 1o. Concurso realizado em nosso País para o cargo de Bibliotecário conquistou brilhantemente o 1o. Lugar, demonstrando seus autênticos conhecimentos da técnica da Biblioteconomia, quando da apresentação da tese sobre a aplicação do Sistema de Classificação Decimal, na organização lógica dos conhecimentos em trabalhos de Bibliografia e Biblioteconomia.

Como Bibliotecário serviu no Museu Nacional depois na Biblioteca da Associação Brasileira de Imprensa e finalmente na Biblioteca Central da Universidade do Brasil, onde exerceu o cargo de 1o Diretor. Trabalhou por mais de 20 anos quando a morte veio interromper a sua magistral carreira. Decano dos Bibliotecários brasileiros foi agraciado com uma das maiores distinções da classe, sendo-lhe conferido o premio “Paula Brito” ou Premio Gutenberg” e a Resolução no. 5 de 11 de março de 1958 do Poder Legislativo do Distrito Federal, que instituiu o Dia do Bibliotecário, a 12 de março, data de seu nascimento.

Pelo carinho que dedicava aos livros foi escolhido para Patrono da Semana da Biblioteca, escolha esta oficializada pelo Decreto Federal no. 884 de abril de 1962. Como Bibliotecário, Bastos Tigre foi um homem feliz e plenamente realizado. A Biblioteconomia foi realmente a sua carreira profissional. Seu grande entusiasmo e confiança no poder do livro é expresso nesta sua frase: Veículo de idéias, que trouxe o passado até o presente, levará o presente ao infinito dos tempos.

Fonte:
Informativo CRB-10, Porto Alegre, v. 11, n. 32, p.7, fev. 1998.
http://www.amigosdolivro.com.br

Bastos Tigre (Envelhecer - Contrição - Ação de Graças do Poeta - Eterna Incógnita)

Envelhecer

Entra pela velhice com cuidado,
Pé ante pé, sem provocar rumores
Que despertem lembranças do passado,
Sonhos de glória, ilusões de amores.

Do que tiveres no pomar plantado,
Apanha os frutos e recolhe as flores
Mas lavra ainda e planta o teu eirado
Que outros virão colher quando te fores.

Não te seja a velhice enfermidade!
Alimenta no espírito a saúde!
Luta contra as tibiezas da vontade!

Que a neve caia! o teu ardor não mude!
Mantém-te jovem, pouco importa a idade!
Tem cada idade a sua juventude.

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Contrição

Não sei a quanto mal dei eu motivo,
Danos que fiz e prantos que causei;
Mas se homem sou e, se entre os homens vivo,
Vivo do erro sujeito à humana lei.

Soberbo fui, querendo ser altivo?
Quis ser justo e o inocente castiguei?
Fui, servindo à maldade, ao bem nocivo?
— Vivo e vivi. É tudo quanto sei.

Quem há que os rumos do destino mude?
Dependesse de mim, fora eu feliz
Na divina volúpia da virtude.

Não me castigarás, Sereno Juiz,
Pelo bem que não fiz porque não pude,
Nem pelo mal que sem querer eu fiz.
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Ação de Graças do Poeta

Graças a vós Senhor, pela ventura
De poder isolar-me na Poesia,
Ter nela o alívio à provação mais dura,
E, no Sonho, o meu pão de cada dia.

Sentir albor de luar na noite escura,
Achar descanso e paz na nostalgia
E ver, até no pranto da amargura,
Um consolo vizinho da alegria.

Graças a vós por este dom divino
Que me defende do destino adverso,
Tornando-me senhor do meu destino.

E se em mim próprio, ruge o mal perverso,
Puro, alegre, feliz, o mal domino
E alo-me ao Céu nas asas do meu verso.
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Eterna Incógnita

Não sei quem sou nem sei por que motivo
Vim ao mundo e o que nele vim fazer.
Sei que penso e, portanto, sei que vivo,
Neste anseio instintivo de viver.

Porque procedo do homem primitivo,
Há rugidos de fera no meu ser.
Bom e mau, triste e alegre, humilde e altivo,
Não me posso, a mim mesmo, compreender.

Pois se, de mim, não sei causa e destino,
Que dos outros, do mundo, saberei?
Que definir, se a mim não me defino?

E sigo, ao léu da vida, a ignota lei,
Descrendo das verdades que imagino
E acreditando em tudo o que não sei.
====

Lindolf Bell (1938 - 1998)

Nasceu em Timbó (SC) no dia 02 de novembro de 1938. Em 1944, sua mãe iniciou sua alfabetização em alemão. De 1945 a 1952 estudou em sua terra natal Em 1953, matriculou-se no Curso Técnico em Contabilidade de Blumenau, concluído em 1955. Voltou a Timbó. Em 1958, serviu à Polícia do Exército. Em 1959, no Rio de Janeiro (RJ), estudou Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, curso que não completou. No ano seguinte, retorna a Timbó. Em 1962, iniciou seus estudos no Curso de Dramaturgia na Escola de Arte Dramática de São Paulo, no qual se formou em 1964.

Publicou seu primeiro livro de poesia, Os Póstumos e as Profecias, em 1962. Participou de diversos eventos: na Expressão de Novos Poetas, com poemas-murais, na biblioteca paulistana Mário de Andrade; do Movimento da Catequese Poética; foi autor do roteiro cinematográfico A Deriva para o filme experimental de Juan Seringo; declamou poemas no Show Contra, no Teatro Ruth Escobar, São Paulo SP. Em 1968, viajou para os Estados Unidos, onde integrou o grupo brasileiro no International Writing Program, na Universidade de Iowa. No seu retorno, passou a viver em Blumenau, onde foi professor de História da Arte na Fundação Universidade Regional. Participou na I Pré-Bienal de São Paulo, em 1970, com poemas-objetos.

Bell casou-se com Elke Hering (reconhecida artista plástica), com a qual teve 3 (três) filhos: Pedro, Rafaela e Eduardo Bell.

Após difundir seu movimento pelo Brasil e exterior, fixou moradia na cidade de Blumenau, onde, juntamente com a esposa Elke Hering e os amigos Péricles e Arminda Prade, criou a Galeria Açu-Açu (primeira do Estado de Santa Catarina). Além destas atividades, Bell também foi contador, professor, crítico de artes, conselheiro estadual da cultura do Estado de Santa Catarina e marchand (promotor de eventos relacionados à arte).

Foi um nome ligado à invenção lógica, à ousadia, à uma capacidade mágica. Seguindo seus impulsos rompeu as amarras que prendiam a poesia, tornando e exigindo o contato direto com o leitor. Bell também difundiu suas idéias através de painéis-poemas, corpoemas...

Se o ofício do poeta é redescobrir a palavra, como dizia o autor de As Vivências Elementares, nosso ofício é o de redescobrir o poeta, através de suas palavras, tais como aquelas presentes na Metafísica Cotidiana: procuro a palavra-palavra a palavra fóssil, a palavra antes da palavra”. Esse impulso rumo às origens nos torna mais sensíveis e profundos.

Bell amava a terra e tudo o que dela advinha. Mergulhando no drama da humanidade; a sua poesia mantinha-se vibrante. Tratava sempre da vida, da terra, da infância, do destino, da solidão, do efêmero, do transcedente, do sonho e da esperança.

Em uma entrevista do poeta à FCC (Fundação Cultural Catarinense), quando questinonado sobre algo de sua residência, o mesmo respondeu: “Todas as coisas que me rodeiam são raízes. A jabuticabeira que deve ter quase cem anos, a caramboleira, os baús, os móveis e todos os objetos antigos não são uma forma triste de memória mas uma afirmação de que, num crescimento espiritual, num crescimento humano não podemos jogar nada pela janela ou no lixo.

Não podemos jogar fora as raízes - elas nos preservam e elas se preservam conosco, na memória ou dentro da terra, seja onde for, mas elas também nos projetam porque, à medida que elas se preservam na terra, elas crescem fazem a gente crescer, como uma árvore. O homem é uma árvore que abriga amores, lembranças, outros seres, uma árvore que dá sombra e luz, e é para isso que a gente nasceu, fundamentalmente. Isso eu aprendi, é claro convivendo com meus pais e também com os vizinhos, que tinham maneiras semelhantes de viver e conviver, maneiras simples mas definitivas”
, ou seja, é isso que se pretende preservar e que busca-se vislumbrar na Casa do Poeta Lindolf Bell.

Ficamos entristecidos depois de sua partida, o que apenas completava o que sempre dizia: Quanto mais sozinhos menos inteiros. Só nos bastamos na proximidade, em bando. E o bando sem ele é muito pouco.

Em 10 de dezembro de 1998 veio a falecer.

"Mas um poeta não morre; pois a vida dos poetas é eterna. Bell colocou um pouco dela em cada palavra que escreveu e, embora seu corpo tenha ido, sua vida continuará espalhada eternamente pelas páginas dos livros que abrigam sua obra, na magia de suas palavras e pelo legado cultural que nos deixou".

OBRAS:

1962 Os Póstumos e as Profecias. 1ª Edição. São Paulo: Massao Ohno, 1962.
1964 Os Ciclos. 1ª Edição. São Paulo: Massao Ohno, 1964
1965 Convocação. São Paulo: Brasil, 1965.
1966 Curta Primavera. São Paulo: Brusco, 1966.
1966A Tarefa. São Paulo: Papyrus, 1966.
1967 Antologia Poética de Lindolf Bell. São Paulo: União, 1967.
1968 Antologia da Catequese Poética.
BELL, Lindolf. MATTOS, Luiz Carlos. JARDIM, Rubens. MÜLLER, Érico Max. SANTANA, Edson R. AGUIAR, Iosito e CARDOSO, Reni. Antologia da Catequese Poética. T. Paulista. São Paulo, 1968.
1971/1979 As Annamárias. 1ª Edição. São Paulo: Massao Ohno, 1971.
(qualificada por Drummond como a mais importante obra lírico-amorosa em língua portuguesa dos últimos anos).
1974 Incorporação. 1ª Edição. São Paulo: Quiron, 1974.
1980 As Vivências Elementares. 1ª Edição. São Paulo: Massao Ohno/Roswitha Kempf, 1980.
1984 O Código das Águas. 1ª Edição. São Paulo: Global, 1984.
(melhor livro de poesia do ano - Associação Paulista dos Críticos de Artes).
1985 Setenário. Florianópolis: Sanfona, 1985.
1987 Texto e Imagem. Oficinas de Arte. Florianópolis, 1987.
1994 Pré-textos para um fio de esperança. BADESC. Florianópolis, 1994.
1993 Iconographia. Editora Paralelo: 1993.
1994 Requiem. Oficinas de Arte. Florianópolis, 1994.

Fontes:
http://www.amigosdolivro.com.br
http://www.releituras.com

Lindolf Bell (Manuel Bandeira do Brasil)

Todos fizeram seus versos para o poeta.
Também vou fazer os meus.

Quando um poeta morre
os outros fazem silêncio
ainda que ninguém tome conhecimento.

Onde estiver,
a estrela da tarde
estará no horizonte da palavra,
atrás do teatro Carlos Gomes
de meus pensamentos vãos,
e me lembrarei de ti, Manuel
Bandeira da saudade.

Onde estiver,
estarei na sacada do mundo
esperando a tua bênção
no vento noturno,
na tua galeria intemporal
de poeta que fez versos
como quem ama.

Onde estiver,
sei que pairas
entre o coração que sabe
e o ruído dos automóveis
da rua quinze de novembro e a chuva
de minha cidade temporal,
que visitas sem que ninguém saiba
e abençoas sem resposta esperada.

Todos fizeram seus versos para o poeta.
E o tempo custou a chegar
para meus versos,
afundados que jaziam no rio Itajaí,
antes da estrela da manhã
ainda que tardia,
onde os esqueci.

quando um poeta morre
os outros morrem também.

Mas nasce um canto
que fica
e fica um verso que nasce,
poeta Manuel, Leão leal.
Mas um canto de morte inteira,
Mas um verso da vida inteira.

E eu queria te dizer,
Manuel Bandeira do Brasil
e verde vale de azul anil,
que achei uma palavra fora do dicionário,
uma palavra estrelada de nome:
MANUELANCOLIA.
Fonte:
BELL, Lindolf. Incorporação: doze anos de poesia, 1962/1973. SP: Editora Quiron, 1974.Disponível em http://www.releituras.com

quarta-feira, 23 de julho de 2008

VI Aniversário da Academia de Letras de Balneário Camboriú

No dia 31 de julho de 2008, às 20hs, no Marambaia Cassino Hotel, salão Laranjeiras, em Camboriú, haverá a solenidade do VI Aniversário da Academia de Letras de Balneário Camboriú, em cuja ocasião tomará posse a nova diretoria e a consagração de novos acadêmicos.

Presidente: Marah T. Souza
Secretário Geral: Miriam de Almeida
1o. Secretário: Leda Mrovinski
2o. Secretário: Tamara Kaufmann
Tesoureiro: Ari Santos de Campos

Os acadêmicos:
Ana Branca Cardoso Maia (poeta)
Ari Santos de Campos (poeta)
Benjamim Zwoelfer de Farias (romancista)
Berenice dos Santos Dunbar (romancista)
Eduardo Meneghelli Júnior (poeta)
Euclides Philippi (romancista)
Helen Francine Marin Thives (poeta)
Isaque Borba Corrêa (romancista)
Jesus Gomes de Oliveira (contista)
João Staliotto (compositor)
Joel de Oliveira Gonçalves (poeta)
Jorge Luís Crestani (poesta)
Lílian Venera dos Santos (poeta)
Mara Brating (poeta)
Mara Teresinha de Souza (poeta)
Maria Carmen Varejão (poeta)
Maria Gonçalves (poesta)
Rafael Ferreira (ensaísta)
Rita de Cássia Oliani (poeta)

Fonte:
E-mail enviado por Gislaine Canales
http://www.portalcamboriu.com.br/noticias/ver2.asp?id=94

Concurso de Trovas de Maranguape / CE 2008

UNIÃO BRASILEIRA DE TROVADORES
SEÇÃO DE MARANGUAPE - CEARÁ
.
ÂMBITO MUNICIPAL

TEMA: “Amizade” (Trova lírica ou filosófica)

VENCEDORES (1º ao 3º lugares):
1º. João Osvaldo Soares - Maranguape/CE
2º. João Osvaldo Soares - Maranguape/CE
3º. José Aureilson Cordeiro de Abreu - Maranguape/CE

MENÇÕES HONROSAS (4º ao 6º lugares):
4º. Daniele Costa de Holanda - Maranguape/CE
5º. Haroldo César Beserra Paula - Maranguape/CE
6º. Maria Ruth Bastos de Abreu Brandão - Maranguape/CE

MENÇÕES ESPECIAIS (7º ao 9º lugares):
7º. Raimundo Rodrigues de Araújo - Maranguape/CE
8º. Daniele Costa de Holanda - Maranguape/CE
9º. Antônio Francisco de Andrade - Maranguape/CE

DESTAQUES (10º ao 12º lugares):
10º. José Aureilson Cordeiro de Abreu - Maranguape/CE
11º. Lúcia de Fátima Mapurunga Batista - Maranguape/CE
12º. Luiz Carlos de Abreu Brandão - Maranguape/CE

TEMA: “Risada” (Trova Humorística)

VENCEDORES (1º ao 3º lugares):
1º. João Osvaldo Soares - Maranguape/CE
2º. Olga Rosália Silva Pedrosa - Maranguape/CE
3º. Maria Leda Pereira da Silva - Maranguape/CE

MENÇÕES HONROSAS (4º ao 6º lugares):
4º. Maria Glice Sales Alcântara- ACLA-Maranguape/CE
5º. Maria Ruth Bastos de Abreu Brandão - Maranguape/CE
6º. Olga Rosália Silva Pedrosa - UBT-Maranguape/CE

MENÇÕES ESPECIAIS (7º ao 9º lugares):
7º. Luiz Carlos de Abreu Brandão - UBT-Maranguape/CE
8º. Lúcia de Fátima Mapurunga Batista - UBT-Maranguape/CE
9º. Raimundo Rodrigues de Araújo - UBT-Maranguape/CE

DESTAQUES (10º ao 12º lugares):
10º. Raimundo Rodrigues de Araújo - UBT-Maranguape/CE
11º. Daniele Costa de Holanda - UBT-Maranguape/CE
12º. José Aureilson Cordeiro de Abreu - UBT-Maranguape/CE
=========================================

ÂMBITO ESTADUAL

TEMA: “Saudade” (Trova lírica ou filosófica)

VENCEDORES (1º ao 3º lugares):
1º. Lugar: Deusdedit Rocha - Fortaleza/CE
2º. Francisco José Pessoa de Andrade Reis - Fortaleza/CE
3º. Francisco José Pessoa de Andrade Reis - Fortaleza/CE

MENÇÕES HONROSAS (4º ao 6º lugares):
4º. Ana Maria do Nascimento - Aracoiaba/CE
5º. Maria Glice Sales Alcântara - ACLA-Maranguape/CE
6º. Deusdedit Rocha - Fortaleza/CE

MENÇÕES ESPECIAIS (7º ao 9º lugares):
7º. Haroldo Lyra - Fortaleza/CE
8º. Hortêncio Pessoa - Fortaleza/CE
9º. João Osvaldo Soares (Vaval) - UBT-Maranguape/CE

DESTAQUES (10º ao 12º lugares):
10º. Ramos Pontes - UBT-Maranguape/CE
11º. Francinete Azevedo - Fortaleza/CE
12º. João Osvaldo Soares (Vaval) - UBT-Maranguape/CE

TEMA: “Palhaço” (Trova Humorística)

VENCEDORES (1º ao 3º lugares):
1º. Francisco José Pessoa de Andrade Reis - Fortaleza/CE
2º. Hortêncio Sales Pessoa - Fortaleza/CE
3º. Raimundo Rodrigues de Araújo - UBT-Maranguape/CE

MENÇÕES HONROSAS (4º ao 6º lugares):
4º. Maria Glice Sales Alcântara - ACLA- Maranguape/CE
5º. Francisco José Pessoa de Andrade Reis - Fortaleza/CE
6º. Hortêncio Sales Pessoa - Fortaleza/CE

MENÇÕES ESPECIAIS (7º ao 9º lugares):
7º. Daniele Costa de Holanda - UBT-Maranguape/CE
8º. Deusdedit Rocha - Fortaleza/CE
9º. Maria Ruth Bastos de Abreu Brandão - UBT-Maranguape/CE

DESTAQUES (10º ao 12º lugares):
10º. Raimundo Rodrigues de Araújo - UBT-Maranguape/CE
11º. Ramos Pontes - UBT-Maranguape/CE
12º. Luiz Carlos de Abreu Brandão - UBT-Maranguape/CE
===========================================

ÂMBITO NACIONAL/INTERNACIONAL

TEMA: “Paz” (Trova Lírica/filosófica)

VENCEDORES (1º ao 3º lugares):
1º. Wanda de Paula Mourthé - Belo Horizonte/MG
2º. Zeni de Barros Lana - Belo Horizonte/MG
3º. Amael Tavares da Silva - Juiz de Fora/MG

MENÇÕES HONROSAS (4º ao 6º lugares):
4º. Analice Feitoza de Lima - São Paulo/SP
5º. Therezinha Diegue Brisolla - São Paulo/SP
6º. Campos Sales - São Paulo/SP

MENÇÕES ESPECIAIS (7º ao 9º lugares):
7º. Antônio Augusto de Assis - Maringá/PR
8º. Domitilla Borges Beltrame - São Paulo/SP
9º. Milton Nunes Loureiro - Niterói/RJ

DESTAQUES (10º ao 12º lugares):
10º. Thereza Myrtes Mazza Masiero - São José dos Campos/SP
11º. Jaime Pina Silveira - São Paulo/SP
12º. Pedro Viana Filho - Volta Redonda/RJ

TEMA: “Boca” (Trova Humorística)

VENCEDORES (1º ao 3º lugares):
1º. Doralice Gomes da Rosa - Porto Alegre/RS
2º. Elen de Novais Felix - Niterói/RJ
3º. Izo Goldman - São Paulo/SP

MENÇÕES HONROSAS (4º ao 6º lugares):
4º. Renato Alves - Rio de Janeiro/RJ
5º. Jaime Pina Silveira - São Paulo/SP
6º. João Paulo Ouverney - Pindamonhangaba/SP

MENÇÕES ESPECIAIS (7º ao 9º lugares):
7º. Antônio Colavite Filho - Santo André/SP
8º. Newton Vieira - Curvelo/MG
9º. Analice Feitoza de Lima - São Paulo/SP

DESTAQUES (10º ao 12º lugares):
10º. Arlindo Tadeu Hagen - Belo Horizonte / MG
11º. José Ouverney - Pindamonhangaba/SP
12º. Ademar Macedo - Natal/RN
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Maranguape

Originalmente terra dos potiguaras, Maranguape viu o branco chegar em 1649 e dominar sua verdejante terra durante cinco anos, quando foi expulso do Brasil. Para a Coroa Portuguesa, aquele pedaço de Brasil não devia parecer interessante o suficiente para ser imediatamente ocupado, pois somente nos primeiros anos do século XVIII iniciou as concessões de sesmarias.

O processo definitivo de povoamento das terras de Maranguape somente ocorreu no despertar do século XIX, com a chegada do português Joaquim Lopes de Abreu. Com Abreu nasceu o núcleo original da atual cidade de Maranguape, um arruado à margem esquerda do riacho Pirapora, ao lado de uma capelinha a Nossa Senhora da Penha, erguida pelo colonizador lusitano. O aglomerado recebeu o nome de Alto da Vila, hoje denominado Outra Banda, para em 1760 ser rebatizado como Maranguape.

Na serra, o português espalhou o café com resultados excelentes, tanto que a produção do fruto no Ceará, meio século depois, era quase toda originária da serra e ainda era exportada. Frutas se agregaram à cultura do café, a localidade cresceu e foi elevada à condição de distrito do Município de Fortaleza. Em ruínas, a capela foi substituída por outra, erguida no lado oposto, à direita do Riacho Pirapora, consolidando-se ali o núcleo central de Maranguape, elevado à categoria de Vila em 17 de novembro de 1851.

Em 1869 Maranguape ganhou o status de Cidade, emancipando-se. Município da Região Metropolitana de Fortaleza, Maranguape tem 646,60 km2, o que corresponde a 0.46% do território cearense, distante 20 Km de Fortaleza. A rodovia de acesso é a CE 065 e os limites ao Norte, Caucaia e Maracanaú; ao Sul, Caridade e Palmácia; a Leste, Maracanaú, Guaiúba e Pacatuba e a Oeste com Pentecoste.

Maranguape está situada no Nordeste do Estado do Ceará, no sopé da serra de Maranguape, a 30 km distante de Fortaleza.

Área: 654,8 km²
Latitude: 3°53’27
Longitude: 38º41’08”
População: 98.429 habitantes
Distritos
Maranguape, Amanari, Tanques, Cachoeira, Ladeira Grande, Lagoa do Juvenal, Papara, Manoel Guedes, Penedo, Itapebussu, Sapupara, Jubaia, Antônio Marques, Vertentes do Lajedo, Umarizeiras, Lages e São João do Amanari.
Clima: Tropical Quente Úmido
Período chuvoso: Janeiro a Maio
Atividades econômicas: Na serra, portugueses espalharam o café com resultados excelentes, tanto que a produção do fruto no Ceará, era quase toda originária da serra e ainda era exportada. Frutas se agregaram à cultura do café, a localidade cresceu e foi elevada à condição de distrito do Município de Fortaleza.
Serras: Maranguape , Lajedo, Aratanha, e Pelada.

Pontos Turísticos: Pico da Rajada, Pico da Pedra Branca, Cume do Lajedo, Mirantes nas serras, nascentes de água cristalina, cachoeiras, rios e riachos.

Manifestações culturais
Maranguape tem uma grande tradição nas expressões artísticas e culturais. Berço de artesãos e bordadeiras. O Richilieu é sua maior representação.Ceramistas, escultores e artistas plásticos fazem o melhor da arte. Entre os eventos podemos citar os festejos juninos com apresentações de quadrilhas, quermesses, barracas com comidas típicas e as tradicionais festas de padroeiros, que ocorre nos 17 distritos durante o ano. Há de se destacar a Vaquejada de Itabebussu, uma das mais tradicionais do Ceará, conhecida mundialmente, que ocorre no Parque Novilha de Prata, localizado no distrito de Itapebussu, a 40 Km da sede do Município.

Fontes:
- Colaboração de A. A. de Assis
- http://www.brasilcidadao.org.br/
- Prefeitura Municipal de Maranguape.
http://www.maranguape.ce.gov.br/

Eugenio Montale (O falcão e a nuvem)

IN LIMINE

Folga se o vento sopra no pomar e o
faz tremer na ondulação da vida;
aqui se afunda um morto
urdume de memórias,
que horto já não é, mas relicário.

Não é um vôo este adejar ao sol
e sim a comoção do eterno seio;
vê como se transforma um pobre veio
de terra solitário num crisol.

Ímpeto desta parte do árduo muro.
Se avanças, tens contatos
(tu talvez) com o fantasma que te salva;
aqui vão-se compondo histórias, atos
riscados pelo jogo do futuro.

Procura a malha rota nesta rede
que nos estreita, e pula fora, escapa!
Vai, por ti faço votos — minha sede
será leve, a ferrugem menos áspera.

(Tradução: Ivo Barroso)

[IN LIMINE]

Godi se il vento ch'entra nel pomario
vi rimena l'ondata della vita:
qui dove affonda un morto
viluppo di memorie,
orto non era, ma reliquiario.

Il frullo che tu senti non è un volo,
ma il commuoversi dell'eterno grembo;
vedi che si trasforma questo lembo
di terra solitario in un crogiuolo.

Un rovello è di qua dall'erto muro.
Se procedi t'imbatti
tu forse nel fantasma che ti salva:
si compongono qui le storie, gli atti
scancellati pel giuoco del futuro.

Cerca una maglia rotta nella rete
che ci stringe, tu balza fuori, fuggi!
Va, per te l'ho pregato,— ora la sete
mi sarà lieve, meno acre la ruggine…

======================

NÃO NOS PEÇAS A PALAVRA

Não nos peças a palavra que acerte cada lado
de nosso ânimo informe, e com letras de fogo
o aclare e resplandeça como açaflor
perdido em meio de poeirento prado.

Ah o homem que lá se vai seguro,
dos outros e de si próprio amigo,
e sua sombra descura que a canícula
estampa num escalavrado muro!

Não nos peças a fórmula que possa abrir mundos,
e sim alguma sílaba torcida e seca como um ramo.
Hoje apenas podemos dizer-te
o que não somos, o que não queremos.

(Tradução: Renato Xavier)

[NON CHIEDERCI LA PAROLA]

Non chiederci la parola che squadri da ogni lato
l'animo nostro informe, e a lettere di fuoco
lo dichiari e risplenda come un croco
perduto in mezzo a un polveroso prato.

Ah l'uomo che se ne va sicuro,
agli altri ed a se stesso amico,
e l'ombra sua non cura che la canicola
stampa sopra uno scalcinato muro!

Non domandarci la formula che mondi possa aprirti,
sì qualche storta sillaba e secca come un ramo.
Codesto solo oggi possiamo dirti,
ciò che non siamo, ciò che non vogliamo.

==================
Ó VIDA

Ó vida, não te peço lineamentos
fixos, vultos plausíveis ou possessos.
Sinto que no teu giro inquieto o mesmo
sabor que tem o mel tem o absinto.

O coração propenso todo ao vil
raro se afeta com pressentimentos.
Tal como soa às vezes no silêncio
do descampado um tiro de fuzil.

(Tradução: Ivo Barroso)

[MIA VITA]

Mia vita, a te non chiedo lineamenti
fissi, volti plausibili o possessi.
Nel tuo giro inquieto ormai lo stesso
sapore han miele e assenzio.

Il cuore che ogni moto tiene a vile
raro è squassato da trasalimenti.
Così suona talvolta nel silenzio
della campagna un colpo di fucile.
=================

SESTEAR ENTRE PÁLIDO E ABSORTO

Sestear entre pálido e absorto
junto a um ardente muro de horto;
ouvir por entre sarças e estrepes
pios de melros, silvos de serpes.

Entre as fendas do solo ou pelo coentro
espiar filas de rubras formigas
que ora se espalham, ora se concentram
em cima de minúsculas vigas.

Observar entre a fronde a palpitar
ao longe as escamas do mar
enquanto se erguem os trêmulos rascos
das cigarras de altos penhascos.

E andando ao sol que nos baralha
a vista, ver — triste maravilha —
como é toda esta vida e sua estafa
ao longo deste muro que rebrilha
com seus cacos agudos de garrafa.
(Tradução: Ivo Barroso)

[MERIGGIARE PALLIDO E ASSORTO]

Meriggiare pallido e assorto
presso un rovente muro d' orto,
ascoltare tra i pruni e gli sterpi
schiocchi di merli, frusci di serpi.

Nelle crepe del suolo o su la veccia
spiar le file di rosse formiche
ch' ora si rompono ed ora s' intrecciano
a sommo di minuscole biche.

Osservare tra frondi il palpitare
lontano di scaglie di mare
mentre si levano tremuli scricchi
di cicale dai calvi picchi.

E andando nel sole che abbaglia
sentire con triste meraviglia
com' é tutta la vita e il suo travaglio
in questo seguitare una muraglia
che ha in cima cocci aguzzi di bottiglia.

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NÃO RARO TIVE O MAL DA VIDA AO LADO

Não raro tive o mal da vida ao lado:
era o arroio arrochado que gorgolha,
ou era o esturricar-se de uma folha
ardida, ora o cavalo esquartejado.

Do bem não soube, exceto da magia
que emana da divina Indiferença:
como uma estátua assim na sonolência
do meio-dia, e a nuvem, e o falcão no ar alçado.

(Tradução: Ivo Barroso)

[SPESSO IL MALE DI VIVERE HO INCONTRATO]

Spesso il male di vivere ho incontrato:
era il rivo strozzato che gorgoglia,
era l'incartocciarsi della foglia
riarsa, era il cavallo stramazzato.

Bene non seppi, fuori del prodigio
che schiude la divina Indifferenza:
era la statua nella sonnolenza
del meriggio, e la nuvola, e il falco alto levato.

De Ossi di Seppia (Ossos de Sépia), 1920-1927
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COBRI DE ALPISTE A SACADA

Cobri de alpiste a sacada
para o concerto da madrugada de amanhã.
Apaguei a luz e esperei pelo sono.
E já na passarela se inicia
o desfile dos mortos grandes e pequenos
que conheci em vida. É difícil distinguir
quem eu gostaria ou não que
regressasse entre nós. Lá onde estão
parecem inalteráveis por um algo mais
de decomposição sublimada. Nós fizemos
o melhor de nossos esforços para piorar o mundo.

(Tradução: Geraldo Holanda Cavalcanti)

[HO SPARSO DI BECCHIME IL DAVANZALE]

Ho sparso di becchime il davanzale
per il concerto di domani all'alba.
Ho spento il lume e ho atteso il sonno.
E sulla passerella già comincia
la sfilata dei morti grandi e piccoli
che ho conosciuto in vita. Arduo distinguere
tra chi vorrei e non vorrei che fosse
tornato tra noi. Là dove stanno
sembrano inalterabili per un di più
di sublimata corruzione. Abbiamo
fatto del nostro meglio per peggiorare il mondo.

De Quaderni di Quattro Anni (1973-1977)
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A Bela Dama Sem Misericórdia

Sem dúvida as gaivotas cantonais esperaram em vão
as migalhas de pão que eu lhes lançava
em teu balcão para que ouvisses
mesmo ferrada no sono os seus estrídulos.

Hoje faltamos os dois ao encontro
e o nosso café da manhã esfria entre as pilhas
para mim de livros inúteis e para ti de relíquias
que ignoro: agendas, estojos, vidros e cremes.

Maravilhoso o teu rosto se obstina ainda, recortado
sobre o pano de fundo de cal da manhã;
mas uma vida sem asas não o alcança e o seu fogo
sufocado é o lampejo de um isqueiro.

(Tradução: Geraldo Holanda Cavalcanti)

[LA BELLE DAME SANS MERCI]

Certo i gabbiani cantonali hanno atteso invano
le briciole di pale che io gettavo
sul tuo balcone perché tu sentissi
anche chiusa nel sonno le loro strida.

Oggi manchiamo all'appuntamento tutti e due
e il nostro breakfast gela tra cataste
per me di libri inutili e per te di reliquie
che non so: calendari, astucci, fiale e creme.

Stupefacente il tuo volto s'ostina ancora, stagliato
sui fondali di calce del mattino;
ma una vita senz'ali non lo raggiunge e il suo fuoco
soffocato è il bagliore dell'accendino.

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DIVINDADES INCÓGNITAS


Dizem
que de divindades terrestres entre nós
se encontram cada vez menos.
Muitas pessoas duvidam
de sua existência nesta terra.
Dizem
que neste mundo ou no de cima existe uma só ou nenhuma;
crêem
que os sábios antigos eram todos uns loucos,
escravos de sortilégios se diziam
que algum incógnito
os visitava.

Eu digo
que imortais invisíveis
aos outros ou talvez inconscientes
de seus privilégios,
divindades em jeans e com suas mochilas,
sacerdotisas em gabardine e sandálias,
pitonisas de ar absorto à fumação de um fogo de pinhões,
numinosas visões não irreais, tangíveis,
intocadas,
vi muitas vezes
mas sempre tarde demais se tentava
desmascará-las.

Dizem
que os deuses não descem neste mundo,
que o criador não cai de pára-quedas,
que o fundador não funda porque ninguém
jamais o fundou ou fundiu
e que nós não somos mais do que os desastres
de seu nulificante magistério;

contudo
se uma divindade, mesmo de ínfimo grau,
alguma vez me roçou
o arrepio que senti me disse tudo e no entanto
faltava-me reconhecê-la e o não existente
ser se esvanecia.

(Tradução: Geraldo Holanda Cavalcanti)

[DIVINITÀ IN INCOGNITO]

Dicono
che di terrestri divinità tra noi
se ne incontrano sempre meno.
Molte persone dubitano
della loro esistenza su questa terra.
Dicono
che in questo mondo o sopra ce n'è una sola o nessuna;
credono
che i savi antichi fossero tutti pazzi,
schiavi di sortilegi se opinavano
che qualche nume in incognito
li visitasse.

Io dico
che immortali invisibili
agli altri e forse inconsci
del loro privilegio,
deità in fustagno e tascapane,
sacerdotesse in gabardine e sandali,
pizie assorte nel fumo di un gran falò di pigne,
numinose fantasime non irreali, tangibili,
toccate mai,
io ne ho vedute più volte
ma era troppo tardi se tentavo
di smascherarle.

Dicono
che gli dei non scendono quaggiù,
che il creatore non cala col paracadute,
che il fondatore non fonda perché nessuno
l'ha mai fondato o fonduto
e noi siamo solo disguidi
del suo nullificante magistero;

eppure
se una divinità, anche d'infimo grado,
mi ha sfiorato
quel brivido m'ha detto tutto e intanto
l'agnizione mancava e il non essente
essere dileguava.

De Satura (1962-1970)
==============
O poeta que comparece hoje perante vocês é um dos mais celebrados da Itália: Eugenio Montale. Nascido em Gênova em 1896, Montale morreu em 1981. Interrompeu os estudos em 1915 para servir na Primeira Guerra Mundial. Com o fim do conflito, retornou à cidade natal. Em 1927, transferiu-se para Florença. No ano seguinte, passou a dirigir o Gabinete Viesseux, de literatura e ciência. Tornou-se então conhecido como poeta, tradutor e crítico.

Sua primeira coletânea de poemas, Ossi di Seppia (Ossos de sépia, ou Ossos de siba), saiu em 1925. Com a ascensão do fascismo, Montale foi afastado do Gabinete em 1938. Motivo: recusou-se a aderir ao Partido Fascista. O escritor então se afastou das atividades públicas e dedicou-se à tradução. Verteu para o italiano obras de William Shakespeare, T.S. Eliot, Herman Melville, Eugene O’Neill e outros.

Após a Segunda Guerra Mundial, Montale mudou-se para Milão (em 1948), onde passou a colaborar na seção literária do Corriere della Sera. Nesse jornal escreveu numerosas resenhas de livros e influenciou outros críticos com suas opiniões. Em 1975, Montale recebeu o Prêmio Nobel de literatura.

• • •
Eugenio Montale é considerado o mais expressivo representante italiano da chamada poesia hermética, juntamente com Salvatore Quasimodo (outro laureado com o Nobel, em 1959) e Giuseppe Ungaretti. É bom considerar que muito do hermetismo desse rótulo já se desfez com o tempo.

Para a seleção de poemas ao lado, vali-me do trabalho de três tradutores: Ivo Barroso, que incluiu poemas montalianos em seu volume O Torso e o Gato – o Melhor da Poesia Universal (Record, 1991); Geraldo Holanda Cavalcanti, que verteu a antologia Poesias (Record, 1997), com poemas de todas as fases da vida de Montale; e Renato Xavier, autor da versão do primeiro livro do genovês, Ossos de Sépia (Cia. das Letras, 2002).

A poesia de Montale tem marcas bem reconhecíveis. Talvez a que mais se destaque seja um agudo pessimismo. Não é difícil identificá-lo ao ler poemas como “Não Nos Peças a Palavra]” e “[Não Raro Tive o Mal da Vida ao lado]”. Em “[Cobri de Alpiste a Sacada]”, ele diz, explicitamente: “Nós fizemos / o melhor de nossos esforços para piorar o mundo”. É compreensível, para um homem que viu de perto as duas grandes guerras.

Outra marca que se destaca na criação lírica de Montale é — apesar do persistente pessimismo — a capacidade de captar momentos de pura beleza como na conclusão do poema “[Não Raro Tive o Mal da Vida ao lado]”: “uma estátua assim na sonolência / do meio-dia, e a nuvem, e o falcão no ar alçado”. Isso, para mim, tem a mesma tonalidade poética de um poema de Drummond: “Não amei ninguém. / Salvo aquele pássaro — vinha azul e doido — / que se esfacelou na asa do avião” (“Confissão”, de Claro Enigma, 1951).

Também vale a pena notar a refinada ironia montaliana. Ela aparece, por exemplo, no poema “Divindades Incógnitas”. Há uma combinação de desalento e ironia quando o poeta escreve “Não nos peças a fórmula que possa abrir mundos, / e sim alguma sílaba torcida e seca como um ramo”.
(“[Não Nos Peças a Palavra]”).

A poesia de Montale é isso: um exercício quase silencioso de tentar flagrar, entre apagados momentos da vida, a repentina centelha que se acende entre a nuvem e o falcão em vôo.
===================
Fontes:
Eugenio Montale. • "In Limine", "Sestear entre pálido e absorto", "Não raro tive o mal da vida ao lado", "Ó vida". In O Torso e o Gato – O Melhor da Poesia Universal. Ivo Barroso. Record, Rio de Janeiro, 1991
• "Não nos peças a palavra" In Eugenio Montale – Ossos de Sépia. Tradução, prefácio e notas de Renato Xavier. Cia. das Letras, São Paulo, 2002
• "Cobri de alpiste a sacada", "La belle dame sans merci", "Divindades incógnitas". In Eugenio Montale – Poesias Seleção, tradução e notas de Geraldo Holanda Cavalcanti
Carlos Machado. poesia.net. In http://www.algumapoesia.com.br/ , 2008

Fotomontagem: José Feldman

Elizabeth Barrett Browning (Sonetos de amor)

SONETO XIV

Tradução: Manuel Bandeira

Ama-me por amor do amor somente
Não digas: «Amo-a pelo seu olhar,
O seu sorriso, o modo de falar
Honesto e brando. Amo-a porque se sente

Minh'alma em comunhão constantemente
Com a sua.» Porque pode mudar
Isso tudo, em si mesmo, ao perpassar
Do tempo, ou para ti unicamente.

Nem me ames pelo pranto que a bondade
De tuas mãos enxuga, pois se em mim
Secar, por teu conforto, esta vontade

De chorar, teu amor pode ter fim!
Ama-me por amor do amor, e assim
Me hás de querer por toda a eternidade.

SONNET XIV

If thou must love me, let it be for nought
Except for love's sake only. Do not say
«I love her for her smile... her look... her way
Of speaking gently,... for a trick of thought

That falls in well with mine, and certes brought
A sense of pleasant ease on such a day» —
For these things in themselves, Belovèd, may
Be changed, or change for thee, — and love, so
[ wrought,

May be unwrought so. Neither love me for
Thine own dear pity's wiping my cheeks dry, —
A creature might forget to weep, who bore

Thy comfort long, and lose thy love thereby!
But love me for love's sake, that evermore
Thou may'st love on, through love's eternity.
=======
SONETO XXVIII


Tradução: Manuel Bandeira

As minhas cartas! Todas elas frio,
Mudo e morto papel! No entanto agora
Lendo-as, entre as mãos trêmulas o fio
da vida eis que retomo hora por hora.

Nesta queria ver-me — era no estio —
Como amiga a seu lado... Nesta implora
Vir e as mãos me tomar... Tão simples! Li-o
E chorei. Nesta diz quanto me adora.

Nesta confiou: sou teu, e empalidece
A tinta no papel, tanto o apertara
Ao meu peito que todo inda estremece!

Mas uma... Ó meu amor, o que me disse
Não digo. Que bem mal me aproveitara,
Se o o que então me disseste eu repetisse...

SONNET XXVIII

My letters! all dead paper, mute and white!
And yet they seem alive and quivering
Against my tremulous hands which loose
[ the string
And let them drop down on my knee to-night.

This said, — he wished to have me in his sight
Once, as a friend: this fixed a day in spring
To come and touch my hand... a simple thing,
Yet I wept for it! — this... the paper's light...

Said, Dear I love thee; and I sank and quailed
As if God's future thundered on my past.
This said, I am thine — and so its ink has paled

With lying at my heart that beat too fast.
And this... O Love, thy words have ill availed
If, what this said, I dared repeat at last!
===================
Há cerca de um século e meio, a poeta romântica inglesa Elizabeth Barrett Browning (1806-1861) escreveu uma coletânea de poemas que se tornou uma das mais conhecidas da lírica amorosa em seu idioma. Trata-se de Sonnets from the Portuguese, livro publicado em 1850 e dedicado ao marido dela, o também poeta Robert Browning.

Escritora de talento, Elizabeth desde cedo mostrou inclinação para a literatura. Consta que ela já conhecia as peças de Shakespeare e outras obras clássicas antes dos 10 anos de idade. Na adolescência, aprendeu grego e hebraico. Aos 20 anos, ela publicou seu primeiro livro de poemas. Em 1833, saiu sua tradução para o inglês da peça Prometeu Acorrentado, de Ésquilo.

Em 1844, ela edita uma coletânea chamada Poems. Esse volume lhe valeu a aproximação com Robert Browning. Os dois se casaram e se estabeleceram em Florença, na Itália.

No Brasil, Elizabeth foi traduzida por nomes de peso, entre os quais Manuel Bandeira. O soneto ao lado está no livro Poemas Traduzidos, do autor de "Vou-me embora pra Pasárgada". Os textos originais vêm do celebrado Sonnets from the Portuguese.

É claro que esses amores românticos e "para toda a eternidade", cantados por Elizabeth Barrett Browning soam completamente deslocados no mundo atual. Mas não há como deixar de admirar a magistral escritora que um dia pôs esses sonetos no papel.
===============
Fontes:
Elizabeth Barrett Browning. In Sonnets from the Portuguese 1850
• Tradução: Manuel Bandeira
In Estrela da Vida Inteira. Record, Rio de Janeiro, 1998
Carlos Machado. poesia.net. In http://www.algumapoesia.com.br/ , 2005
http://www.antiqbook.com/ (imagem
)

João Cabral de Melo Neto (O cão sem plumas)

(poema na integra)

I. Paisagem do Capibaribe

A cidade é passada pelo rio
como uma rua
é passada por um cachorro;
uma fruta
por uma espada.

O rio ora lembrava
a língua mansa de um cão,
ora o ventre triste de um cão,
ora o outro rio
de aquoso pano sujo
dos olhos de um cão.

Aquele rio
era como um cão sem plumas.
Nada sabia da chuva azul,
da fonte cor-de-rosa,
da água do copo de água,
da água de cântaro,
dos peixes de água,
da brisa na água.

Sabia dos caranguejos
de lodo e ferrugem.
Sabia da lama
como de uma mucosa.
Devia saber dos polvos.
Sabia seguramente
da mulher febril que habita as ostras.

Aquele rio
jamais se abre aos peixes,
ao brilho,
à inquietação de faca
que há nos peixes.
Jamais se abre em peixes.

Abre-se em flores
pobres e negras
como negros.
Abre-se numa flora
suja e mais mendiga
como são os mendigos negros.
Abre-se em mangues
de folhas duras e crespos
como um negro.

Liso como o ventre
de uma cadela fecunda,
o rio cresce
sem nunca explodir.
Tem, o rio,
um parto fluente e invertebrado
como o de uma cadela.

E jamais o vi ferver
(como ferve
o pão que fermenta).
Em silêncio,
o rio carrega sua fecundidade pobre,
grávido de terra negra.

Em silêncio se dá:
em capas de terra negra,
em botinas ou luvas de terra negra
para o pé ou a mão
que mergulha.

Como às vezes
passa com os cães,
parecia o rio estagnar-se.
Suas águas fluíam então
mais densas e mornas;
fluíam com as ondas
densas e mornas
de uma cobra.

Ele tinha algo, então,
da estagnação de um louco.
Algo da estagnação
do hospital, da penitenciária, dos asilos,
da vida suja e abafada
(de roupa suja e abafada)
por onde se veio arrastando.

Algo da estagnação
dos palácios cariados,
comidos
de mofo e erva-de-passarinho.
Algo da estagnação
das árvores obesas
pingando os mil açúcares
das salas de jantar pernambucanas,
por onde se veio arrastando.

(É nelas,
mas de costas para o rio,
que "as grandes famílias espirituais" da cidade
chocam os ovos gordos
de sua prosa.
Na paz redonda das cozinhas,
ei-las a revolver viciosamente
seus caldeirões
de preguiça viscosa).

Seria a água daquele rio
fruta de alguma árvore?
Por que parecia aquela
uma água madura?
Por que sobre ela, sempre,
como que iam pousar moscas?

Aquele rio
saltou alegre em alguma parte?
Foi canção ou fonte
Em alguma parte?
Por que então seus olhos
vinham pintados de azul
nos mapas?

II. Paisagem do Capibaribe

Entre a paisagem
o rio fluía
como uma espada de líquido espesso.
Como um cão
humilde e espesso.

Entre a paisagem
(fluía)
de homens plantados na lama;
de casas de lama
plantadas em ilhas
coaguladas na lama;
paisagem de anfíbios
de lama e lama.

Como o rio
aqueles homens
são como cães sem plumas
(um cão sem plumas
é mais
que um cão saqueado;
é mais
que um cão assassinado.

Um cão sem plumas
é quando uma árvore sem voz.
É quando de um pássaro
suas raízes no ar.
É quando a alguma coisa
roem tão fundo
até o que não tem).

O rio sabia
daqueles homens sem plumas.
Sabia
de suas barbas expostas,
de seu doloroso cabelo
de camarão e estopa.

Ele sabia também
dos grandes galpões da beira dos cais
(onde tudo
é uma imensa porta
sem portas)
escancarados
aos horizontes que cheiram a gasolina.

E sabia
da magra cidade de rolha,
onde homens ossudos,
onde pontes, sobrados ossudos
(vão todos
vestidos de brim)
secam
até sua mais funda caliça.

Mas ele conhecia melhor
os homens sem pluma.
Estes
secam
ainda mais além
de sua caliça extrema;
ainda mais além
de sua palha;
mais além
da palha de seu chapéu;
mais além
até
da camisa que não têm;
muito mais além do nome
mesmo escrito na folha
do papel mais seco.

Porque é na água do rio
que eles se perdem
(lentamente
e sem dente).
Ali se perdem
(como uma agulha não se perde).
Ali se perdem
(como um relógio não se quebra).

Ali se perdem
como um espelho não se quebra.
Ali se perdem
como se perde a água derramada:
sem o dente seco
com que de repente
num homem se rompe
o fio de homem.

Na água do rio,
lentamente,
se vão perdendo
em lama; numa lama
que pouco a pouco
também não pode falar:
que pouco a pouco
ganha os gestos defuntos
da lama;
o sangue de goma,
o olho paralítico
da lama.

Na paisagem do rio
difícil é saber
onde começa o rio;
onde a lama
começa do rio;
onde a terra
começa da lama;
onde o homem,
onde a pele
começa da lama;
onde começa o homem
naquele homem.

Difícil é saber
se aquele homem
já não está
mais aquém do homem;
mais aquém do homem
ao menos capaz de roer
os ossos do ofício;
capaz de sangrar
na praça;
capaz de gritar
se a moenda lhe mastiga o braço;
capaz
de ter a vida mastigada
e não apenas
dissolvida
(naquela água macia
que amolece seus ossos
como amoleceu as pedras).

III. Fábula do Capibaribe

A cidade é fecundada
por aquela espada
que se derrama,
por aquela
úmida gengiva de espada.

No extremo do rio
o mar se estendia,
como camisa ou lençol,
sobre seus esqueletos
de areia lavada.

(Como o rio era um cachorro,
o mar podia ser uma bandeira
azul e branca
desdobrada
no extremo do curso
— ou do mastro — do rio.

Uma bandeira
que tivesse dentes:
que o mar está sempre
com seus dentes e seu sabão
roendo suas praias.

Uma bandeira
que tivesse dentes:
como um poeta puro
polindo esqueletos,
como um roedor puro,
um polícia puro
elaborando esqueletos,
o mar,
com afã,
está sempre outra vez lavando
seu puro esqueleto de areia.

O mar e seu incenso,
o mar e seus ácidos,
o mar e a boca de seus ácidos,
o mar e seu estômago
que come e se come,
o mar e sua carne
vidrada, de estátua,
seu silêncio, alcançado
à custa de sempre dizer
a mesma coisa,
o mar e seu tão puro
professor de geometria).

O rio teme aquele mar
como um cachorro
teme uma porta entretanto aberta,
como um mendigo,
a igreja aparentemente aberta.

Primeiro,
o mar devolve o rio.
Fecha o mar ao rio
seus brancos lençóis.
O mar se fecha
a tudo o que no rio
são flores de terra,
imagem de cão ou mendigo.

Depois,
o mar invade o rio.
Quer
o mar
destruir no rio
suas flores de terra inchada,
tudo o que nessa terra
pode crescer e explodir,
como uma ilha,
uma fruta.

Mas antes de ir ao mar
o rio se detém
em mangues de água parada.
Junta-se o rio
a outros rios
numa laguna, em pântanos
onde, fria, a vida ferve.

Junta-se o rio
a outros rios.
Juntos,
todos os rios
preparam sua luta
de água parada,
sua luta
de fruta parada.

(Como o rio era um cachorro,
como o mar era uma bandeira,
aqueles mangues
são uma enorme fruta:

A mesma máquina
paciente e útil
de uma fruta;
a mesma força
invencível e anônima
de uma fruta
— trabalhando ainda seu açúcar
depois de cortada —.

Como gota a gota
até o açúcar,
gota a gota
até as coroas de terra;
como gota a gota
até uma nova planta,
gota a gota
até as ilhas súbitas
aflorando alegres).

IV. Discurso do Capibaribe

Aquele rio
está na memória
como um cão vivo
dentro de uma sala.
Como um cão vivo
dentro de um bolso.
Como um cão vivo
debaixo dos lençóis,
debaixo da camisa,
da pele.

Um cão, porque vive,
é agudo.
O que vive
não entorpece.
O que vive fere.
O homem,
porque vive,
choca com o que vive.
Viver
é ir entre o que vive.

O que vive
incomoda de vida
o silêncio, o sono, o corpo
que sonhou cortar-se
roupas de nuvens.
O que vive choca,
tem dentes, arestas, é espesso.
O que vive é espesso
como um cão, um homem,
como aquele rio.

Como todo o real
é espesso.
Aquele rio
é espesso e real.
Como uma maçã
é espessa.
Como um cachorro
é mais espesso do que uma maçã.
Como é mais espesso
o sangue do cachorro
do que o próprio cachorro.
Como é mais espesso
um homem
do que o sangue de um cachorro.
Como é muito mais espesso
o sangue de um homem
do que o sonho de um homem.

Espesso
como uma maçã é espessa.
Como uma maçã
é muito mais espessa
se um homem a come
do que se um homem a vê.
Como é ainda mais espessa
se a fome a come.
Como é ainda muito mais espessa
se não a pode comer
a fome que a vê.

Aquele rio
é espesso
como o real mais espesso.
Espesso
por sua paisagem espessa,
onde a fome
estende seus batalhões de secretas
e íntimas formigas.

E espesso
por sua fábula espessa;
pelo fluir
de suas geléias de terra;
ao parir
suas ilhas negras de terra.

Porque é muito mais espessa
a vida que se desdobra
em mais vida,
como uma fruta
é mais espessa
que sua flor;
como a árvore
é mais espessa
que sua semente;
como a flor
é mais espessa
que sua árvore,
etc. etc.

Espesso,
porque é mais espessa
a vida que se luta
cada dia,
o dia que se adquire
cada dia
(como uma ave
que vai cada segundo
conquistando seu vôo).
================
Ao lado de Manuel Bandeira (1886-1968) e Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), João Cabral de Melo Neto (1920-1999) forma a santíssima trindade da moderna poesia brasileira. Além da estatura poética, os três têm um fio que os une: Bandeira foi mestre de Drummond e este, por sua vez, também serviu de referência para Cabral.

Ao lado, "O Cão sem Plumas", poema publicado em 1950. Anterior à peça em versos Morte e Vida Severina (escrita em 1954-55), esse cão despossuído de adornos representa um dos momentos mais altos da criação cabralina.

O cão desemplumado é a metáfora de Cabral para o rio Capibaribe e sua cinzenta convivência com os homens-caranguejos, que também são cães sem plumas. "Difícil é saber/ se aquele homem/ já não está/ mais aquém do homem".

Poema soberbo, "O Cão sem Plumas" é a descrição das condições subumanas nas palafitas e mocambos do Recife. A dicção é dura, como convém ao tema, mas nunca resvala para o panfleto. “Só mesmo um grande artista poderia assumir ecos de um discurso social sem ser panfletário, romântico ou esteticista”, escreve o colunista Daniel Piza (Gazeta Mercantil, 18/10/1999).

Fontes:
João Cabral de Melo Neto. "O Cão sem Plumas", In Poesias Completas (1940-1965). José Olympio, 3a. ed., 1979

Carlos Machado. poesia.net. In http://www.algumapoesia.com.br/ , 2002.