terça-feira, 18 de setembro de 2018

Jardim de Versos II


Orlando Lovecchio
Santos/SP

Soneto da Eletricidade

De tudo, ao meu computador, serei atento,
antes e com tal zelo, e sempre, e de modo tão terno
que mesmo em face de um modelo mais moderno
dele serei sempre o tiete mais sedento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
e em seu louvor hei de pagar as contas da Light
que alimenta seus megabytes
sem nenhum pesar ou descontentamento.

E assim, quando mais tarde, num outro dia,
quem sabe a assistência técnica, angústia de quem vive,
pedir pelo seu conserto uns 800 paus,

eu possa dizer do computador que tive:
Que não seja imortal, posto que é fabricado em Manaus,
mas que seja infinito enquanto dure (a garantia)
_____________________________

Alfredo dos Santos Mendes
Lagos/Portugal

O Dilema

A concepção da vida, é um poema…
Que se compõe, sem nunca se escrever!
É um bailado a dois, que irá fazer,
Um musical de amor…um sonho…um tema!

Um tema transformado num dilema,
Que terão de enfrentar, de resolver!
Mais uma personagem vai haver,
Há que pôr no guião, mais uma cena!

Um corpo de mulher em movimento.
Um cântico de amor. Um nascimento.
Atores desempenhando um novo lema!

Vai ter mais um compasso, a melodia.
Vai ter mais uma estrofe, a poesia.
Mas tem final feliz, este dilema!
_____________________________

Alma Welt
Novo Hamburgo/RS (1972 – 2007)

A Travessia

 "O mundo é um moinho... " (Cartola) 

Todos nós temos corda onde agarrar,
A vida nos dá sempre uma saída
Que nos evite o risco de abismar
No medo natural da própria vida.

Por certo cada um pega o que pode:
Um amor, uma paixão ou mesmo um vício;
Um poema, um soneto ou uma ode,
Um portal com a cruz no frontispício,

Ou então, o que é pior, com um convite
Para entrar mas deixando a Esperança, 
Última paz que o mundo nos permite... 

Mas pra saíres vivo do moinho,
Não como Don Quixote e Sancho Pança,
Terás que atravessar a ti sozinho...
_____________________________

Antônio Manoel Abreu Sardenberg 
São Fidélis/RJ

Alforria

Rompi o elo que me atava a vida,
Dei alforria à falsa liberdade,
Curei a chaga cruel e dolorida,
Joguei no lixo o resto da saudade.

Deixei meus sonhos ao sabor do vento
Vagando solto pelo mundo afora,
Livrei do peito todos os momentos
Que eu guardava comigo até agora.

Livre do laço, então, lanço-me ao léu,
Busco o abrigo que queria tanto,
Não quero mais provar do amargo fel!

Liberto, assim, de todas as correntes,
E já despido do pesado manto,
Busco outro amor sempre seguindo em frente...
_____________________________

Francisca Júlia
Xiririca (atual Eldorado Paulista)/SP (1871 - 1920) São Paulo/SP

Noturno

Pesa o silêncio sobre a terra. Por extenso
Caminho, passo a passo, o cortejo funéreo
Se arrasta em direção ao negro cemitério...
À frente, um vulto agita a caçoula do incenso.

E o cortejo caminha. Os cantos do saltério
Ouvem-se. O morto vai numa rede suspenso;
Uma mulher enxuga as lágrimas ao lenço;
Chora no ar o rumor de misticismo aéreo.

Uma ave canta; o vento acorda. A ampla mortalha
Da noite se ilumina ao resplendor da lua...
Uma estrige soluça; a folhagem farfalha.

E enquanto paira no ar esse rumor das calmas
Noites, acima dele, em silêncio, flutua
O lausperene mudo e súplice das almas.
_____________________________

Henrique do Cerro Azul
Fortaleza/CE

Contraste

Longe de ti, eu te imagino perto:
Vejo esse teu sorriso a todo instante;
Qual se te visse, o coração amante
É um doce ninho ao teu amor aberto.

Perto de ti, te julgo tão distante…
Nem mesmo vejo o teu sorriso incerto;
Com saudade de ti o peito aperto
Relembrando o fulgor do teu semblante.

Também tu és como eu:- os teus sentidos
Se enganam, como os meus, pelos caminhos…
E assim passamos desapercebidos

Do erro de nossos múltiplos carinhos:
- Quanto mais longe tanto mais unidos,
- Quanto mais juntos tanto mais sozinhos !
_____________________________

Maria Helena Oliveira Costa
Ponta Grossa/PR

Os grãos do teu rosário

Tratas da terra e nos provês a mesa,
ó tu, simples e rude brasileiro,
que entregas teu vigor à enorme empresa
de fazer do país um bom celeiro!
.
De mãos calosas e coluna tesa,
pões no roçado teu suor inteiro…
E o teu empenho faz da natureza
um promissor e salutar viveiro!
.
No chão bendito jaz um relicário:
dormem sementes já por ti plantadas!
O dia finda e à oração convida…
.
Rezas, por fim… E os grãos do teu rosário
são como contas bem manuseadas
que têm no bojo uma explosão de vida!
_____________________________

Miguel Russowsky
Santa Maria/RS (1923 – 2009) Joaçaba/SC

Joia maior!…

Começo por supor, nos ares, o desenho
De um verso magistral procurando agasalho.
Cabe a mim (sou poeta) encontrar um atalho
Para vê-lo nascer nos recursos que tenho.

Com as rimas gentis nas estrofes, me empenho
Em ser original, (Poucas vezes eu falho),
Já nem ouso explicar se é prazer ou trabalho
Exibir ao leitor as farturas do engenho.

O esmeril dá-lhe o brilho e lhe poda as arestas…
Assim é que se faz um soneto bonito,
Para ser declamado em saraus ou em festas.

Ninguém pode dizer o valor de uma joia,
Se polida não foi pela mão do perito.
É na lapidação que a beleza se apoia.
_____________________________

Vicente de Carvalho
Santos/SP (1866 – 1924)

Inteiramente Louco

Senhora minha, pois que tão senhora
Sois, e tão pouco minha, eu bem entendo
Que sorrindo negais quanto, gemendo,
Amor com os olhos rasos d'água implora.

Meu coração, coitado, não ignora
Que num sonho bem vão todo o dispendo
E é sem destino que assim vai correndo
Cansadamente pela vida afora.

Dizeis do meu amor que é coisa absurda,
E ele, teimando, faz ouvido mouco;
Nem há razão que o desvaneça ou aturda.

Não o escutais? Nem ele a vós tampouco.
Que, se sois surda, inteiramente surda,
Amor é louco, inteiramente louco.

Franz Kafka (O exame)


Sou um criado, mas não há trabalho para mim. Sou medroso e não me ponho em evidência; nem sequer me coloco em fila com os outros, mas isto é apenas uma das causas de minha falta de ocupação; também é possível que minha falta de ocupação nada tenha a ver com isso; o mais importante é, em todo caso, que não sou chamado a prestar serviço; outros foram chamados e não fizeram mais gestões que eu, e talvez nem mesmo tenham tido alguma vez o desejo de serem chamados, enquanto que eu o senti, às vezes, muito intensamente. 

Assim permaneço, pois, no catre, no quarto de criados, o olhar fixo nas vigas do teto, durmo, desperto e, em seguida, torno a adormecer. Às vezes cruzo até a taverna onde servem cerveja azeda; algumas vezes por desfastio emborquei um copo, mas depois volto a beber. Gosto de sentar-me ali por que, atrás da pequena janela fechada e sem que ninguém me descubra, posso olhar as janelas de nossa casa. Não se vê grande coisa; sobre a rua, dão, segundo creio, apenas as janelas dos corredores, e além do mais, não daqueles que conduzem aos aposentos dos senhores; é possível também que eu me engane; alguém o sustentou certa vez, sem que eu lhe perguntasse, e a impressão geral da fachada o confirma. Apenas de vez em quando são abertas as janelas, e quando isso acontece, o faz um criado, o qual, então, se inclina também sobre o parapeito para olhar para baixo um instantinho. São, pois, corredores onde não se pode ser surpreendido. Além do mais não conheço esses criados; os que são ocupados permanentemente na parte de cima, dormem em outro lugar; não em meu quarto. 

Uma vez, ao chegar à hospedaria, um hóspede ocupava já o meu posto de observação; não me atrevi a olhar diretamente para onde estava e quis voltar-me na porta para sair em seguida. Mas o hóspede me chamou e, assim, então, percebi que era também um criado ao qual eu tinha visto alguma vez e em alguma parte, embora sem ter falado nunca com ele até aquele dia. 

- Por que queres fugir? Senta-te aqui e bebe. Eu pago. 

Sentei-me, pois. Perguntou-me algo, mas não pude responder-lhe; não compreendia sequer as perguntas. Pelo menos eu disse: 

- Talvez agora te aborreça o fato de ter-me convidado. Vou-me, pois. 

E quis erguer-me. Mas ele estendeu a mão por cima da mesa e me manteve em meu lugar. 

- Fica-te! - disse - Isto era somente um exame. Aquele que não respondesse às perguntas está aprovado no exame.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

I Ciranda de Trovas Usando a Palavra Sono (Participe!!!)


TROVA CLÁSSICA é uma composição poética de quatro versos de 7 silabas, rimando o 1º verso com o 3º e o 2º verso com o 4º rima ABAB. Expressando um pensamento completo.

Participe com 1 ou mais trovas

Enviar para 
Clara da Costa <clarapipa@yahoo.com.br>
António Zumaia <antoniozumaia@gmail.com>


Trovas Enviadas até 17 Setembro 

01. 
O que determina o sono
não é a maciez de uma cama
nem o tempo inverno – outono.
Sua mente é que declama.
Mifori 
São José dos Campos – SP

 02. 
Quase sempre eu me emociono
quando eu sonho com você;
e acordo feliz do sono,
tão feliz! Será por que? 
Amilton Maciel Monteiro 
São José dos Campos – SP

03. 
Ao desafeto abandono
e durmo feliz assim:
pois não vou perder o sono
por quem não gosta de mim.
Edweine Loureiro 
Saitama - Japão

04. 
O sono é suave estrada,
macia como veludo...
que, embora não tenhas nada, 
um sonho te dará tudo!
Carolina Ramos 
Santos – SP

05. 
Pelos laços de família,
que enternece o coração,
é no sono, ou na vigília,
que me vem a inspiração!
Nei Garcez 
Curitiba - PR

06. 
Um anjo vela meu sono
é zeloso e grande amigo;
quando rezo, me emociono
sei que está sempre comigo!
Nadir Giovanelli 
São José dos Campos – SP

07. 
Toda vez que ele se ausenta
o meu sono vai se embora;
nessa noite é só tormenta,
pois a insônia me devora.
Mifori 
São José dos Campos – SP

08. 
Pai! Sou grato pela vida,
conselho e sono velado;
parceiro, bom de corrida,
amigo, sempre ao meu lado!
Nadir Giovanelli 
São José dos Campos – SP

09. 
Esta noite eu tive um sonho
que me deixou assustado,
nele eu era tão medonho,
sem  dinheiro e desprezado!
Amilton Maciel Monteiro 
São José dos Campos – SP

10. 
Quando meu sono é tranquilo,
tenho sonho realizado;
nele não existe “grilo”,
dá pra sonhar acordado!
Glória Tabet Marson 
São José dos Campos – SP

11. 
Mãe! Se tu velas meu sono,
se me abençoas, no adeus,
dou-me ao luxo do abandono:
fico mais perto de Deus!
Myrthes Masiero 
São José dos Campos – SP

12. 
O bom sono é necessário,
pra saúde preservar!
Nunca ninguém foi contrário
essa norma conservar!
Lourice Saliba 
São José dos Campos – SP

13. 
Ao despertar de um bom sono,
eis o elixir da beleza:
na pele nota-se um tono
de maciez e leveza!
Glória Tabet Marson 
São José dos Campos - SP

14. 
Eu durmo um sono tranquilo,
mergulho em bons sonhos meus;
todas mágoas aniquilo,
deito nos braços de Deus!
Myrthes Masiero 
São José dos Campos – SP

15. 
Quando o ciúme se apresenta
todo o sono vai se embora,
mas a insonia se afugenta,
se seu beijo a 'bota' fora.
Irofim 
Mogi das Cruzes - SP

16. 
Eu sei que durante o sono
meu espírito se ausenta.
Ao retorno, me emociono
com lições que me acrescenta.
Ógui Lourenço Mauri 
Catanduva – SP

Fonte: Mifori

domingo, 16 de setembro de 2018

Odenir Follador (195 Anos - Salve Ponta Grossa, Princesa dos Campos Gerais)

(Aniversário da cidade: 15 de setembro)

Salve, salve, oh! Querida Ponta Grossa,
Princesa encantada dos Campos Gerais!
Das verde campinas és a alma nossa.
Brancas asas, o início... esquecer jamais...

De seus prédios e casarões alvissareiros,
das ruas seminuas no entorno da praça.
Onde havia até transporte de passageiros;
a Estação Saudades e a Maria Fumaça!

Havia também outro meio de transporte:
quatro linhas de ônibus no Ponto Azul
que ligava todos os bairros dando suporte,
num irrequieto vai e vem, de Norte a Sul.

E muito próximos, com porte magistral:
a fonte da Praça Barão do Rio Branco,
o Coreto e a nossa imponente Catedral;
magia dourada de um momento franco.

Indústrias Wagner com chaminé altaneiro,
da Cia. Adriática e da cerveja Original!
Nas ruas: cavalos, carroças e carroceiro
movendo e agitando o centro comercial.

As muitas lojas, comerciais e industriais
foram demolidas, sequer preservadas!
Só lembranças... Hoje não existem mais!
Pela moderna construção, foram trocadas.

Oh! Querida Princesa dos Campos Gerais;
que saudades... Recordação e Nostalgia!
Lembranças que não apagarão jamais,
da candura e doçura que tivemos um dia.

Fonte: Facebook

Luiz Poeta (Poemas Escolhidos) 2


ESPORAS 

Sob as esporas do desejo, o tempo corre...
O tempo escorre como grãos por entre os dedos,
O sal da lágrima... de mel... nos lábios morre,
numa saudade que eterniza alguns segredos.

Nas asas leves do sonho, uma ansiedade,
que não invade, apenas acaricia
a fantasia de se amar em liberdade,
numa vontade que embevece e extasia.

Do vendaval mais sedutor, ninguém recua
e a pele nua sempre pede algum afeto,
o dialeto sensual deixa que flua
a emoção feliz de um sonho predileto.

Sob a carícia do amor, o enlevo voa, 
a alma boa é uma pétala no ar... 
a voz macia se dilui... jamais ecoa
e a luz melhor sempre ilumina um doce olhar.

Quem tem o dom de transformar as cicatrizes
na experiência, observa mais que fala, 
cura as tristezas com sorrisos mais felizes
e deixa livre a esperança que o embala.

Da calmaria, resta alguma correnteza.
Por natureza, só quem consegue sonhar, 
sabe que amar, bem mais que um gesto de nobreza, 
é a certeza de poder se libertar.

FILOSOFOME

Quem filosofa sobre a fome, não conhece
A verdadeira dimensão do sofrimento,
Só fotografa a visão que o apetece,
E só registra o instantâneo de um momento.

Quem sente a fome no instante em que observa
Um infeliz morrendo à míngua, abandonado,
Sabe que a dor do desamor é que conserva
A solidão em seu olhar desesperado.

Certas pessoas se alimentam de vaidade,
De arrogância,covardia e falsidade,
E o poeta mostra...em sua poesia...

Que os indigentes infelizes passam fome
E o egoísta é um bicho que só come
A sua própria solidão... e hipocrisia.

FLUTU...ÂNSIAS

Quando parto sem partir, estou sonhando...
... ou sofrendo solidões compartilhadas
com olhares cujas luzes apagadas 
sempre tentam me dizer que estão... me amando.

Quando volto sem nem ir, esbarro em mim... 
... mas sou outro vendo as pedras da estrada, 
meu olhar tropeça em bocas tão caladas...
. ..que meu sonho recomeça... pelo fim.

Sou assim: um ser que só se observa 
num espelho aleatório à abstração. 
Meu sorriso - teimoso - só se conserva, 
no momento em que a razão perde a... razão.

Minha lágrima insiste... eu a desfaço, 
entretanto não disfarço a minha dor, 
camuflar o sofrimento é um erro crasso, 
mesmo assim, eu mudo o tom, falo de amor.

Ah... no instante em que eu retorno dos enleios
e te olho... minha amada invulgar, 
não preciso me iludir com outro olhar
porque volto a me soltar nos devaneios.

Já não parto... me reparto e me diluo
nos teus olhos onde encontro um doce afeto. 
Se meu sonho é meu brinquedo predileto, 
quando brinco com teus sonhos... eu... flu... tu.. o.

MOSAICO

Tu me inventas no vazio do teu peito,
Com teu jeito de sonhar com os pés no chão;
Quando acordas, tu nem mais sabes direito
De que lado fica o teu coração.

Tu me ajeitas no teu quadro sem moldura,
Com ternura, tentas reconstituir
Os momentos de amor, mas a loucura
Só te faz, estranhamente... desistir.

Num mosaico de emoções, tu me produzes,
Tuas luzes reprojetam meu desenho,
Na miragem do que vês, tu te seduzes,
Tu me tens  e eu... simplesmente... não te tenho.

Quando, então, percebes que não me criaste,
E me vês sumir  no ar que se evapora,
O anseio vão do amor que cativaste
Fica em ti... e a imagem... vai embora.

Estilhaças teu mosaico colorido
Sem sentido... e cada peça arremessada,
Surreal é como um pássaro ferido
Esquecido na poeira de uma estrada.

Tua lágrima escorre e a maquiagem
Se dissolve em tua face abandonada
Nos espelhos que só mostram tua imagem
Que te fita mas que não te diz.... mais nada.

VELAS E VENTOS

Se navegar é dar velas ao vento,
voar é descobrir asas e penas.
assim, quando se quer águas serenas,
mister é se buscar o firmamento.

Amar é se soltar na correnteza,
voar é dar ao ser a dimensão
do amor dentro do próprio coração
e ter... na emoção... luz e leveza.

Assim, quando se ama de verdade,
percebe-se que é na felicidade
que o coração encontra o paraíso

E para se sentir feliz e leve
é só compreender que a vida é breve,
por isso é que sonhar sempre é preciso.

VELHAS PORTAS SEMPRE NOVAS 

Caminhos velhos nunca são velhos caminhos,
seres antigos respeitam portas fechadas,
porque eles sabem construir seus próprios ninhos 
e não se enganam com a beleza das fachadas.

Se nelas batem e o futuro lhes atende,
eles entendem que o presente é tão fugaz,
que toda vez que uma lâmpada se acende,
a escuridão se rende e fica para trás.

Pessoas velhas nunca são velhas pessoas,
que embora vivam mergulhadas no passado,
sempre conseguem descobrir que as coisas boas 
podem às vezes rebrotar do lado errado.

Quem as liberta da tristeza é a alegria
de mergulhar no tempo e ver que as coisas sãs
eram sementes de uma doce rebeldia
que os fazia construir novas manhãs.

Sem a saudade dos momentos mais felizes, 
elas seriam como os jovens complicados
que nunca sabem distinguir, como aprendizes,
se os caminhos que se dão, estão errados.

E ficam tristes quando alguém que nem viveu,
os ignora, e fala sobre o que nem viu,
filosofando sobre o que não percorreu, 
e sobre portas ele mesmo nem abriu.

Por isso mesmo, quando estão mais inaudíveis,
quando ninguém quer mais ouvir a sua história,
eles conversam com saudades invisíveis
e se abrigam num cantinho da memória.

As suas portas são tantas... tantos caminhos, 
que eles podem escolher o que trilhar...
...e adormecem... escolhendo entre os carinhos
mais indeléveis... um que os possa... consolar.

Irmãos Grimm (O Espírito na Garrafa)

Houve, uma vez, um pobre lenhador que trabalhava de sol a sol. Assim conseguiu economizar um pouco de dinheiro e, chamando o filho, disse-lhe:

- Tu és meu único filho. O dinheiro que economizei com o amargo suor do meu rosto, quero empregá-lo na tua instrução. Se aprenderes tudo bem, poderás manter-me na velhice, quando meus membros estiverem endurecidos e eu for obrigado a ficar em casa sem poder fazer nada.

O jovem foi para a universidade, onde permaneceu algum tempo, aprendendo com grande aplicação, merecendo a admiração e os elogios dos mestres. Tinha seguido vários cursos, mas ainda não se aperfeiçoara em tudo, quando a mísera soma ganha com tanto sacrifício pelo pai acabou-se e ele teve de voltar para casa.

– Ah, - lastimou-se o pai - não tenho mais nada que possa dar-te e, nestes tempos ruins, nem posso ganhar um só centavo além do pão de cada dia.

– Não te aborreças, meu querido pai, - respondeu o filho - se esta é a vontade de Deus, certamente será para o meu bem e eu me conformarei.

Quando o pai se preparava a ir à floresta cortar lenha para vender e assim ganhar alguma coisa, o filho disse-lhe:

– Quero ir contigo e ajudar-te.

– Será muito duro para ti, meu filho, que não estás acostumado com trabalho pesado, não aguentarás. Além disso, só possuo um machado e não tenho dinheiro para comprar outro.

– Vai à casa do vizinho, - respondeu o filho - e pede-lhe um machado emprestado até eu ganhar o suficiente para comprar outro para mim.

O pai foi ao vizinho e pediu-lhe emprestado um machado, e assim, na manhã seguinte, logo de madrugada, saíram os dois a caminho da floresta. O filho, alegre e desembaraçado, ajudou bem o pai. Quando o sol estava a pique, disse o velho:

– Sentemo-nos um pouco aí e comamos nosso lanche. Depois continuaremos com mais vigor.

O filho recebeu a ração de pão e disse:

– Descansa um pouco, meu pai! Eu não estou cansado e prefiro dar um passeio pela floresta à cata de ninhos.

– Ó tolinho, - respondeu o pai - para que queres perambular pela floresta? Ficarás cansado e, depois, não terás força para erguer o braço. Fica aqui e senta-te perto de mim.

O filho, porém, não lhe deu ouvidos e encaminhou-se para a floresta, comendo alegremente o pedaço de pão e olhando por entre os galhos para ver se descobria algum ninho. Andando a esmo, foi longe e chegou ao pé de um carvalho enorme, assustador, que deveria ter muitos séculos de existência, pois o tronco não poderia ser abraçado por cinco homens. Deteve-se a contemplar a árvore, pensando: "Muitos pássaros, certamente, fizeram ninhos lá em cima." Nisso, prestando ouvido, pareceu-lhe ouvir uma voz abafada a gritar:

– Solte-me daqui! Solte-me daqui!

Olhou para todos os lados, mas não viu coisa alguma, parecendo-lhe que a voz saía de dentro do chão. Então perguntou alto:

– Ondes estás? Quem chama assim?

A voz respondeu:

– Estou aqui no chão, entre as raízes do carvalho. Ajuda-me a sair, ajuda-me a sair.

O estudante pôs-se ativamente a revolver a terra debaixo da árvore, procurando entre as raízes, até que, por fim, numa pequena cavidade, descobriu uma garrafa. Erguendo-a e olhando-a contra a luz, ele distinguiu dentro dela algo em forma de rã, que pulava para cima e para baixo.

– Solta-me daqui, solta-me daqui! - gritou novamente. E o estudante, sem pensar em maldade alguma, destampou a garrafa.

No mesmo instante, saiu de dentro dela um espírito, que começou a crescer, e cresceu tão rapidamente que, em poucos minutos apenas, ergueu-se diante do estudante como um horrendo gigante do tamanho da metade do carvalho.

– Sabes tu o que te aguarda por me haveres salvo? - gritou com voz terrificante.

– Não! - respondeu o estudante, sem sombra de medo - Como haveria de sabê-lo?

– Pois, então, digo-te já, - berrou o espírito - tenho que torcer-te o pescoço.

– Devias ter-me dito isso antes, - respondeu o estudante - eu teria deixado que ficasses lá dentro. Mas a minha cabeça ficará firme no pescoço, pois há alguém mais que deve dar parecer no caso.

– Qual alguém ou ninguém, - rugiu o espírito - terás o que mereces. Achas que foi por misericórdia que fiquei preso tanto tempo? Não! Foi por castigo. Eu sou o poderosíssimo Mercúrio, e quem me soltar tenho de lhe quebrar o pescoço.

– Devagar, devagar! - respondeu o estudante - Não tenhas tanta pressa! Antes de mais nada, preciso saber se realmente estavas naquela garrafa e se és na verdade um espírito, se conseguires entrar e sair novamente, acreditarei, então poderás fazer de mim o que quiseres.

– É a coisa mais fácil deste mundo, - disse o espírito, cheio de vaidade e orgulho.

Encolhendo-se mais e mais, tornou-se fininho e pequenino como fora antes, conseguindo passar facilmente pelo gargalo da garrafa. Mal entrou, o estudante tapou bem depressa a garrafa com a rolha e atirou-a outra vez para dentro do buraco, entre as raízes do carvalho. Assim o espírito saiu logrado.

O estudante dispuha-se a voltar para junto do pai, quando ouviu o espírito implorar lamentosamente:

– Solta-me daqui, solta-me daqui!

– Não, não! - respondeu o estudante - Nessa não cairei pela segunda vez. Quem atentou uma vez contra a minha vida, quando o agarrar não o soltarei nunca mais.

– Se me soltares, - disse o espírito - eu te darei o suficiente para que vivas folgadamente pelo resto da vida.

– Não, não! - respondeu o estudante - vais enganar-me como da primeira vez.

– Estás dando um pontapé na sorte! - retrucou o espírito - não te farei mal algum, e, ainda por cima eu te recompensarei regiamente.

O estudante refletiu: "Vou arriscar, talvez cumpra a palavra e não me faça mal." Destampou novamente a garrafa e o espírito saiu como da outra vez e se foi encompridando e aumentando até voltar a ser o enorme gigante.

– Agora receberás a recompensa - disse o espírito, dando ao estudante um trapo largo como um emplastro, dizendo: - Se tocas com uma das pontas deste trapo qualquer ferida, ela sarará imediatamente. Se com a outra ponta tocares ferro ou aço, logo esse objeto se converterá em prata.

– Está bem, - disse o estudante - mas antes tenho de experimentar.

E, aproximando-se de uma árvore, fez uma incisão na casca com o machado, depois aplicou em cima o trapo para ver o resultado. Imediatamente a casca se uniu e sarou, ficando tal como estava antes.

– É! - disse o estudante - Realmente é como dizes. Agora podemos separar-nos.

O espírito agradeceu por ter-lhe dado a liberdade e o estudante também agradeceu pelo seu presente e voltou para junto do pai.

– Estiveste vagabundeando até agora, não é? - disse o pai - Até esqueceste o trabalho! Eu bem sabia que não farias coisa alguma!

– Não te amofines, meu pai, vou recuperar o tempo perdido.

– Sim, sim! - disse, agastado, o pai - Quero só ver!

– Cuidado, meu pai. Vou derrubar aquela árvore aí, que ficará em pedaços.

Pegando no trapo, esfregou com ele o machado e, em seguida, desferiu valente machadada no tronco, mas como o machado se havia transformado em prata, o gume dobrou-se.

– Oh, meu pai, vê que espécie de machado me deste. Entortou completamente ao primeiro golpe!

Assustado com aquilo, pois o machado não era seu, o pai exclamou;

– Ah, meu filho, que fizeste! Agora tenho de pagar o machado e não sei como hei de fazê-lo. Grande lucro me deu o teu trabalho!

– Não te zangues, meu pai. Eu pagarei logo o machado.

– Sim, seu toleirão, - falou o pai - com que vais pagá-lo se não tens senão o que eu te dou? Pura fantasia de estudante tens na cabeça. Quanto a rachar lenha, nada entendes!

Passados alguns instantes, o estudante disse ao pai:

– Meu pai, eu não posso mais trabalhar. Vamos fazer feriado por hoje.

– O que estás dizendo? Achas que quero ficar de mão no bolso como você? Se quiseres, podes voltar para casa, mas eu continuarei aqui trabalhando.

– É a primeira vez que venho a floresta e não conheço ainda o caminho, não posso voltar sozinho. Vem comigo?

Tendo-lhe passado a raiva, o pai deixou-se persuadir pela maneira gentil do filho e acabou por voltar com ele para casa. Aí disse-lhe:

– Trata de vender o machado estragado e vê o que podes alcançar por ele. O que faltar terei que ganhar com o trabalho para compensar o nosso vizinho pelo dano sofrido.

O filho dirigiu-se então à cidade, levando o machado a um ourives que, depois de o medir e pesar cuidadosamente, disse:

– Vale quatrocentas moedas, mas não tenho tanto dinheiro.

– Não faz mal! - disse o estudante - dai-me o que tiverdes. Confio na vossa honestidade para me pagardes o resto depois.

O ourives deu-lhe trezentas moedas, ficando a dever-lhe cem. O estudante voltou para casa e disse ao pai:

– Já tenho o dinheiro. Vai perguntar ao vizinho quanto quer pelo machado.

– Eu já sei - respondeu o pai. - Uma moeda e meia.

– Dá-lhe, então, três moedas. É o dobro do que vale e acho que é mais do que suficiente. Olha quanto dinheiro tenho!

Entregou ao pai as trezentas moedas, dizendo:

– Não te faltará mais nada e poderás viver confortavelmente.

– Santo Deus! - exclamou o pai admirado - onde arranjaste todo esse dinheiro?

O filho, então, contou o que lhe tinha acontecido e como acertara confiando na Providência Divina.

Com o resto do dinheiro, voltou para a Universidade e continuou a estudar, aprendendo tudo quanto havia para aprender. Mais tarde, como podia curar todas as feridas com o pedaço de trapo, tornou-se o médico mais afamado do mundo inteiro.

sábado, 15 de setembro de 2018

Amilton Maciel Monteiro (Poemas Recolhidos) I


LÍMBICO SISTEMA

Do límbico sistema eu nada entendo, 
nem igualmente de psicologia,
mas sempre tive e continuo tendo
horror ao palavrão, que me arrepia!

Não é que eu seja algum varão pudendo,
e intransigente com a pornografia...
E nem sequer eu sou um reverendo,
talvez se trate mais é de mania...

Assim, eu tenho a língua policiada
e meus ouvidos fogem da moçada
que fala tudo, indistintamente...

Sei é que palavrão, jamais usei,
a não ser este, que aprendi e sei:
inconstitucionalissimamente!

O CRIADOR

No mesmo instante em que nos concebeu,
o Criador dotou o nosso ser
de inspiração, com todo o seu querer...
E mais, o livre-arbítrio ele nos deu!

Com isto eu posso mesmo até escolher
ser um cristão, um crente, e até um ateu...
Dar sempre a quem precisa, o que for meu,
ou só levar a vida a bel-prazer!

A liberdade dada a todos nós,
desde bem antes de nossos avós
é a grande prova de que Deus nos ama!

Para evitar, no entanto, nosso abuso,
nos deu Ele a consciência para uso;
ela é quem nos condena... ou nos aclama!

RESILIÊNCIA

Tenho perdido às vezes a paciência, 
e isto me aborrece até demais;
por qualquer coisa fico na iminência
de me tornar o pior dos “imortais”...

De fato eu nunca fora assim, jamais,
até que o meu amor, sem ter clemência,
deixou-me à-toa, por coisas banais...
Preciso, agora, de resiliência.

O meu poder de recuperação
ante um desgosto ou de sofrer pressão,
foi sempre o forte em mim, até na dor!

Quero voltar a ser resiliente;
quando ela me perdoar completamente,
de volta eu hei de ter meu grande amor!

SER POETA

Fazer poesia é fácil, meu amigo,
basta um por cento só de inspiração,
e a conclusão do poema está contigo,
é só tirá-la na transpiração.

Isto é assim já desde o tempo antigo,
na liberdade e até na escravidão,
colocada a semente num abrigo,
o restante é cuidar da plantação...

Vale a pena o suor que tu verteres,
por tudo o que requerem os afazeres,
seja no campo, ou com papel e pena.

Seja a poesia, ou mesmo outra arte,
e quem com enxada faz a sua parte,
perante a Pátria jamais se apequena!

TRIPÉ VITAL

Três relações sustem a vida humana: 
com nosso Deus, o sumo criador,
com nosso próximo, o que nos irmana, 
e com a terra, que nos dá o calor...

Confio nessa tese franciscana,
da qual o social corpo é fiador,
porque,  a felicidade,  dela emana, 
se bem cumpridas as partes, com amor!

Mas se a degradação ambiental,
e a pobreza, esse outro grande mal,
se tornam cânceres da exploração...

Desponta a crise socioambiental,
falta ao excluído a vida trivial
e ao ganancioso, sobra a indigestão!

Fonte:
Poemas enviados pelo poeta