domingo, 8 de setembro de 2024

Vereda da Poesia = 106 =


Trova do Rio de Janeiro/RJ

SÔNIA SOBREIRA DA SILVA

É o abuso da riqueza
e o desprezo à educação
que põe sobre a nossa mesa
a fome, em lugar do pão.
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Poema do Rio de Janeiro/RJ

NÉLIO CHIMENTO

Quem ampara os animais
É gente que faz
O mundo parecer melhor
Gente que não para na dó
Faz do amor, verbo de ação
Tira as amarras do coração 
Diante de um corpo desnutrido
Com um olhar perdido
A suplicar por atenção
Um pedaço de pão
Um gesto de carinho
Apenas um tempinho
Longe do desamparo e da solidão
Quem ama, protege, acode
Não se sacode
Desvia e vai embora
Sem demora
Cuidar do que mais importa
Sem entreabrir uma porta
Para a visita da compaixão
Com todos os seres da criação
Quem respeita os animais
Não estará só jamais
Tem a alma bafejada pelos canais
Que abençoam a boa vontade
Dos que deixam rastos de caridade
Por onde passam nesse mundão
Gente que anda pela rua
Iluminada pelo sol ou pela lua
A receber o balsamo merecido
Na pureza de um olhar agradecido
De um cãozinho amparado e protegido

Quem ama de verdade os animais
Acorda feliz e dorme na paz
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Trova Humorística de Belém/PA

ANTONIO JURACI SIQUEIRA

O esculápio não se aperta
e responde prontamente:
- Passei a receita certa,
errado era o paciente...
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Quadras de Lisboa/ Portugal

ANTÓNIO FLORÊNCIO FERREIRA
1848 – 1914

XVI

Meu Amor, estás dormindo,
Não te quero despertar...
Há de ser devagarinho
Que trovas te vou soltar.

De musgo, lírios e rosas
Uma cama irei fazer;
De jasmins e de saudades
O travesseiro há de ser.

Quero que vejas nos sonhos,
Lindos, belos, perfumados,
Os meus olhos, da vigília,
Tristes, lânguidos, magoados...
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Haicai de São Paulo/SP

SOLANGE COLOMBARA

Aromas florais
libertam a poesia—
sinto a primavera.
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Poema de Curitiba/PR

DANIEL MAURÍCIO

Para o amor 
Não desbotar,
Palavras diárias de carinho 
São como lápis de cor
Que dão vida
Aos espaços vazios.
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Trova Popular

Pobre louco apaixonado,
ai de mim! Que não mais via,
que seu amor, pouco a pouco,
esfriava dia a dia.
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Poema de Natal/RN

DIVANI MEDEIROS

Setembro 

Primavera, mês do florescer, 
Flores desabrocham no alvorecer. 
Muitas adormecem com a chegada da lua, 
Outras acordam para enfeitar a rua. 
Despertam  sorrindo com o sol aquecendo 
Ornamentam jardins e residências.
Com cores variadas,  deixam pétalas nas calçadas, 
Adornam os dias e causam admiração. 
Inspiram  contos,  cordéis, músicas e poesias, 
Presenteando a diversidade  todos os dias...
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Trova do Rio de Janeiro/RJ

EDERSON CARDOSO DE LIMA

Quem meditar por instantes,
certos conceitos refaz:
- O mais caro dos brilhantes
não vale o brilho da paz!
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Poema de Curitiba/PR

ROSELI BUSMAIR

A poesia de cada dia!

 Quando vier, avise antes!
Não venha de surpresa
Pois quero me banhar
Como fazem as noivas
Antes de chegar ao altar!
Sei que o improviso
É bem melhor
Mas nesse dia eu quero
Me preparar em sintonia
Com a maior paz!
Quero vestido novo
E flores espalhadas
Nos vasos ora vazios
Há tanto tempo...
Usar meu perfume
E cabelos soltos ao vento,
Mas bem cuidados, cheirando
Alecrim e a pitanga...
Então não me surpreenda!
Mais que a surpresa é a espera,
O planejar meticuloso do jantar
À luz de velas lavanda
Com notas de almíscar e tabaco.
O vinho nem quente nem gelado:
Ao gelo, no ponto adequado
Ao brinde do encontro esperado...
Se gostar de salmão, avise
É o melhor prato que uma poeta
Conseguirá cozinhar...
Nada de surpresas!
- Esperar é mais!
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Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

O salão, que se destaca,
lota, assim que a noite desce,
por um engano na placa:
- “Faço tranças”... tá com S!!!
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Trova de Porto Alegre/RS

FLÁVIO ROBERTO STEFANI

Em ternura plena e extrema,
nossos sonhos se cruzaram!
E a noite se fez poema…
e os versos também se amaram!…
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Poema de Curitiba/PR

ATÍLIO ANDRADE

O viaduto 

O viaduto serve de ponte
Para transpor, atravessar 
Para o outro lado 
Mas, também  há  um monte
Embaixo dele a morar
Sem nenhum cuidado
Quando a noite chega
A disputa  acelera
Há  cochichos e gritos da galera
Tornando  a vida um pega
Enquanto  ao redor 
Ninguém  nada vê 
Não  sente a dor
Que sente  você
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Trova Humorística de Caicó/RN

DJALMA ALVES DA MOTA

De pileque, o Zé Libório,
procedeu de modo errado...
Chupando o supositório:
– Ah confeito ruim danado!
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Poema de Curitiba/PR

SONIA CARDOSO

Como já não durmo 
Também não sonho 
O que me inspira 
É o respirar 
Dos pirilampos, em 
Seu efêmero vórtice 
Na espiral de luz.
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Trova de Natal/RN

BENTO DE CARVALHO RABELO

Bom violão, que me acordas
ao luar do meu sertão,
que bem fazem tuas cordas
às cordas do coração.
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Poema de Campina Grande/PB

DANIEL RODAS

De relva e folhas

acordo cada célula 
de espanto

quando me ponho 
sozinho
na grama sob as estrelas

e meu olhar se
funde
difuso junto aos galhos

como o fluir da
vida
sobre a ferida das horas
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Trova de Maringá/PR

A. A. DE ASSIS

Depois de tomar uns treco 
para aquecer a moringa, 
o trovador de boteco 
soluceia... e a rima pinga! 
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Cantiga de Infantil de Roda

Oh! Sindô le-lê

Oh! Sindô lê-lê
Oh! Sindô lá-lá
Oh! Sindô lê-lê
Não sou eu que caio lá

Oh! Maria quer ser freira.
Não, senhor, quero casar;
Tenho o dia pro trabalho
E a noite pra descansar

Oh! Sindô lê-lê
Oh! Sindô lá-lá
Oh! Sindô lê-lê
Não sou eu que caio lá

Menina da saia curta,
Do cabelo de retrós;
Bota a chaleira no fogo,
Vai fazer café pra nós.

Oh! Sindô lê-lê
Oh! Sindô lá-lá
Oh! Sindô lê-lê
Não sou eu que caio lá

Menina da saia verde,
Não pise neste lameiro;
Não se importe, meu senhor,
Não custou o seu dinheiro.

Oh! Sindô lê-lê
Oh! Sindô lá-lá
Oh! Sindô lê-lê
Não sou eu que caio lá

Eu subi naquele morro,
De sapato de algodão;
O sapato pegou fogo
E eu voltei de pé no chão.

Oh! Sindô lê-lê
Oh! Sindô lá-lá
Oh! Sindô lê-lê
Não sou eu que caio lá
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Trova da Princesa dos Trovadores

CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Por te amar, tenho sofrido,
mas não me arrependo: Vem!
- Quem ama as rosas, querido,
ama os espinhos também!
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Hino de Gramado/RS

No alto da Serra Gaúcha
Num verde planalto ondulado
Vislumbram-se em meio aos outeiros
O velho e benquisto “Gramado”.

Cantemos num brado festivo
Com calma de ardor juvenil
O amor que nos liga a “Gramado”
Parcela do vasto Brasil.

Descendo as alturas do centro
Por vales, peraus e escarpadas,
Dos homens do campo, as lavouras
Desdobram-se ao longo espalhadas.

Indústria, comércio e colônias,
Num único esforço aplicado,
Retratam o ardor progressista
Que anima o porvir de Gramado.

Riquezas da mãe natureza
Que Deus semeou nesta terra
Ofertam aos muitos turistas
Saúde nos ares da Serra.
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Trova de Natal/RN

ARLINDO CASTOR DE LIMA

Saúde, mulher,  dinheiro,
um trio que bem nos faz,
mas só tem valor inteiro
se em nossa alma houver paz.
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Poema de Lisboa/Portugal

ANTERO JERÓNIMO

Sacode as mágoas das vestes
Arranca os espinhos do peito
Nesse peito que se insufla rarefeito 
Desesperando por alento
Quando tudo parece desabar

És um viajante na estrada
Carregas nas costas a coragem
Dos que sabem trilhar seu caminho
Um guerreiro a iluminar
Os que em ti se sabem abraçar

Ama-te em sentimento primeiro
Sorri à imagem que de ti reflete
És capitão do teu destino
Esse é o maior tesouro
O segredo que terás que desvendar

Ama-te inteiro e em verdade 
Nada menos que isso
Não te conformes com a metade
Verás toda a força que em ti transportas
Guerreiro de luz predestinado a amar.
(do livro Na pele do sentir)
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Trova de São Paulo/SP

DOMITILLA BORGES BELTRAME

Trovador é um garimpeiro:
faz de estrelas, diamantes,
e nas flores de um canteiro
rima rubis e brilhantes!
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Fábula em Versos da França

JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry, 1621 – 1695, Paris

Os dois galos

Dois galos se meteram em peleja
A fim de se saber qual deles seja
O capataz de um bando de galinhas:
Unhadas e picadas tão daninhas
Levou um, que se deu por convencido,
E andava envergonhado e escondido.

O vencedor se encheu de tanta glória,
Que para fazer pública a vitória,
Pôs-se de alto, voou sobre umas casas;
Ali cantava, ali batia as asas.

Andando nestas danças e cantares,
Veio uma águia, levou-o pelos ares;
E saindo o que estava envergonhado,
Gozou do seu ofício descansado.

Quem contemplasse bem quão pouco dura
Neste mundo qualquer prosperidade,
Livre estava de inchar por vaidade
Com um leve sucesso de ventura.
O que tem a alegria por segura,
É doente, e o seu mal fatuidade;
Que ela passa com muita brevidade,
E vem logo a tristeza, e muito atura.

De mudanças o mundo está tão cheio.
Que hoje rio, amanhã estou sentindo
Uma grande desgraça que me veio:
Delira quem dos tristes anda rindo;
Que é absurdo gostar do mal alheio,
Quando o próprio a instantes está vindo.

Recordando Velhas Canções (História do Brasil)


(Marcha/Carnaval, 1934)
Compositor: Lamartine Babo

Quem foi que inventou o Brasil? 
Foi seu Cabral!
Foi seu Cabral!

No dia vinte e um de abril
Dois meses depois do carnaval
Depois
Ceci amou Peri
Peri beijou Ceci
Ao som...
Ao som do Guarani!

Do Guarani ao guaraná
Surgiu a feijoada
E mais tarde o Paraty

Depois
Ceci virou Iaiá
Peri virou Ioiô

De lá...
Pra cá tudo mudou!
Passou-se o tempo da vovó
Quem manda é a Severa
E o cavalo Mossoró
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Carnaval Histórico: Uma Viagem Musical pela História do Brasil

A música "História do Brasil" de Lamartine Babo, é uma peça vibrante que mistura elementos de humor e crítica social, característicos das marchinhas de carnaval. A letra inicia com uma pergunta retórica sobre quem inventou o Brasil, respondida de forma jocosa atribuindo a descoberta ao navegador português Pedro Álvares Cabral, marcando ironicamente a chegada dos portugueses como o 'invento' do Brasil.

A canção segue fazendo referências a elementos culturais e históricos brasileiros de forma leve e divertida. Ceci e Peri, personagens do romance indianista "O Guarani" de José de Alencar, são usados para simbolizar o encontro de culturas, transformando-se em figuras carnavalescas Iaiá e Ioiô, representando a miscigenação do povo brasileiro. A menção ao guaraná e à feijoada, elementos típicos da culinária brasileira, e ao Paraty, uma referência ao famoso destilado, reforça a identidade nacional construída a partir de uma mistura de influências.

Por fim, a música menciona a mudança dos tempos, onde 'quem manda é a Severa e o cavalo Mossoró', possivelmente uma crítica à modernização e às novas figuras de poder no Brasil, contrastando com a simplicidade dos tempos antigos. Essa marchinha não só entretém, mas também provoca reflexão sobre a história e cultura brasileira, utilizando o carnaval como pano de fundo para uma crítica social sutil e bem-humorada.

sábado, 7 de setembro de 2024

Ademar Macedo (Ramalhete de Trovas) 24

 

Nemésio Prata (Trovas em preto e branco)


1
Ao ver a imagem singela
do barco, tranquilo, ao mar,
lembrei-me: não há procela
que Deus não possa acalmar!
2
Bom Humor em injeção 
comprimidos, ou xarope, 
é a melhor prescrição 
para tristeza a galope!
3
Correndo, desesperado,
de mala e chapéu na mão,
o passageiro, coitado,
perdeu o trem... e a razão!
4
Ensinar é dom sublime
que requer saber e amor;
o que muito bem exprime
a lide do Professor!
5
Homem, mau, vil e perverso;
toda vez que tu desmatas,
mesmo em nome do progresso,
é a ti mesmo que tu matas!
6
Na mata o machado bate
forte pra tirar "madeira";
e assim o "homem" abate,
uma a uma, a mata inteira!
7
Olhando com bem clareza
pras marcas do seu herdeiro,
já não tem tanta certeza
de ser o pai verdadeiro!
8
Por aqui passava um rio
caudaloso e pleno em vida;
hoje mal se vê um fio
d'água suja e poluída!
9
Se a lua inspira o Poeta...
também o faz o arrebol;
venturoso é para o esteta
ter os dois por seu farol!
10
Seja-lhe a vida a favor,
ou o seu viver adverso,
regala-se o Trovador
na lide de fazer verso!
11
- Solta-me! Clama o navio
ao cais que o faz prisioneiro;
- deixa-me sair vadio
pelo mar... que é meu parceiro!
12
Tem quem só quer receber
para si o que é melhor,
porém ao aparecer
chance pra dar: dá o pior!
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AS TROVAS DE NEMÉSIO EM PRETO E BRANCO
por José Feldman


AS TROVAS UMA A UMA

1. Acalmando as Tempestades
Esta trova reflete a ideia de que, mesmo diante das adversidades (as tempestades da vida), a fé em Deus pode proporcionar tranquilidade. O barco representa a jornada da vida, enquanto a presença divina sugere proteção e esperança.

2. O Poder do Bom Humor
O humor é apresentado como um remédio poderoso contra a tristeza. A metáfora dos "comprimidos" e "xarope" sugere que, assim como medicamentos, o bom humor é essencial para a saúde mental, enfatizando a importância de uma atitude positiva.

3. Desespero e Oportunidade Perdida
Aqui, o passageiro simboliza aqueles que, na pressa da vida, perdem oportunidades valiosas. A "mala e chapéu" indicam a carga emocional e as responsabilidades que ele carrega, e a perda do trem é uma metáfora para a perda de controle e direção na vida.

4. A Nobreza do Ensino
A figura do professor é exaltada como alguém que, além de transmitir conhecimento, deve ter amor pela educação. A expressão "dom sublime" destaca que ensinar é uma vocação que envolve dedicação e compromisso com o futuro.

5. A Destruição da Natureza
Esta trova critica a degradação ambiental, alertando que a exploração desenfreada dos recursos naturais traz consequências. A ideia de que "é a ti mesmo que tu matas" sugere uma reflexão sobre o impacto das ações humanas sobre si mesmos e as futuras gerações.

6. O Machado e a Mata
Com uma abordagem similar à anterior, aqui Nemésio usa a imagem do machado como símbolo da destruição. A repetição da palavra "abate" enfatiza a continuidade da devastação, mostrando um ciclo de morte que se perpetua por ações humanas.

7. Dúvidas de Paternidade
Esta trova de forma humorística aborda a insegurança nas relações familiares. O "herdeiro" e a "certeza" contrastam, refletindo sobre a complexidade das relações humanas e as dúvidas que podem surgir em laços familiares, questionando a identidade e a paternidade.

8. O Rio Poluído
A transformação do rio de "caudaloso" a "fio d'água suja" é uma poderosa metáfora para a degradação ambiental. Essa imagem expressa a perda da pureza e vitalidade do meio ambiente, um lamento sobre o impacto humano na natureza.

9. Inspiração Poética
A trova destaca a dualidade entre a lua e o arrebol como fontes de inspiração. Isso sugere que a beleza pode ser encontrada em diferentes formas e momentos, e que o artista deve estar atento a essas fontes para criar.

10. Alegria na Criação
Independente das circunstâncias, a figura do Trovador expressa que a criação poética é uma fonte de alegria. A palavra "regala-se" indica que a arte é um refúgio e uma forma de expressão que traz satisfação.

11. Clamor por Liberdade
O navio clamando ao cais representa o desejo de liberdade e exploração. Essa metáfora reflete o espírito aventureiro e a luta contra as amarras que prendem, simbolizando a busca por autonomia e novas experiências.

12. Egoísmo e Generosidade
Esta trova critica a natureza egoísta de algumas pessoas, que se aproveitam das oportunidades sem considerar os outros. A dicotomia entre "receber" e "dar" ressalta a falta de altruísmo e a necessidade de uma reflexão ética sobre as ações humanas.

TEMAS ABORDADOS PELAS TROVAS DE NEMÉSIO E SUA SIMILARIDADE COM POETAS DE DIVERSAS ÉPOCAS

1. Natureza e Degradação Ambiental
Nemésio em várias trovas critica a exploração desenfreada dos recursos naturais, alertando para as consequências de uma relação desequilibrada entre o ser humano e o meio ambiente. Essa preocupação é cada vez mais relevante no contexto atual, onde a urgência das questões ecológicas se torna inegável. Essa temática é comum na literatura, desde poetas românticos como William Wordsworth, que exaltava a beleza natural, até contemporâneos como Adélia Prado, que também aborda a relação do ser humano com a natureza de forma crítica.

2. A Condição Humana e a Busca por Identidade
A exploração da paternidade e das incertezas nas relações familiares revela uma busca profunda por identidade e pertencimento. A dúvida e a insegurança são sentimentos universais que ressoam com a experiência humana, conectando a poetas que também exploraram a complexidade das relações. Essa preocupação é encontrada em obras de Fernando Pessoa, que explorou a fragmentação do eu, e em poetas contemporâneos como Marianne Moore, que também refletiu sobre a complexidade das relações interpessoais.

3. O Papel do Professor e a Educação
A valorização do ensino como um ato de amor e dedicação destaca a importância da educação na formação do indivíduo e da sociedade. Nemésio se une a uma longa tradição de poetas que reconhecem a nobreza e o impacto do educador na vida das pessoas. A exaltação do professor como figura essencial na formação humana ecoa o pensamento de poetas como Cecília Meireles, que valorizava a educação e o saber.

4. Humor e Alegria como Remédios
A capacidade de encontrar alegria e leveza em meio às adversidades evidencia uma resiliência humana notável. O humor, apresentado como um remédio, reflete uma estratégia vital para enfrentar os desafios da vida. Esta ideia de que o humor pode curar a tristeza se alinha com a obra de poetas como Mário Quintana, que frequentemente usou a leveza e o humor como formas de enfrentar as dificuldades da vida. Ambos os poetas promovem uma visão positiva, ressaltando a importância da alegria.

5. Liberdade e Autonomia
O desejo de liberdade, simbolizado pelo clamor do navio, encapsula a luta intrínseca do ser humano por autonomia e exploração. Essa busca é um tema constante na literatura e ressoa com o espírito aventureiro presente em diversos poetas, desde Alfred Lord Tennyson, que abordou a busca por liberdade e aventura, até poetas contemporâneos que lutam contra as limitações sociais. Nemésio se junta a essa tradição ao expressar o anseio por explorar o mundo.

6. Egoísmo e Generosidade
A crítica ao comportamento egoísta e a promoção da generosidade revelam uma preocupação ética que é fundamental para a coexistência social. A reflexão sobre a moralidade das ações humanas é um convite à introspecção e à mudança. Poetas como Vinicius de Moraes exploraram a complexidade das relações humanas e a importância da generosidade. Nemésio, ao abordar essa dualidade, reflete uma preocupação ética que ressoa com a tradição poética.

Poetas românticos como Gonçalves Dias e Alphonsus de Guimaraens também exploraram a natureza e as emoções humanas. A busca por identidade e a crítica social em poetas modernistas, como Carlos Drummond de Andrade, mostram similaridades com a abordagem nas trovas, que também questiona valores e realidades contemporâneas. Poetas contemporâneos como Marcelino Freire e Juliana Gomes abordam a identidade e as relações sociais de forma incisiva, refletindo preocupações semelhantes às de Prata em um contexto atual.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

As trovas de Nemésio Prata compõem uma teia de temas que refletem a complexidade da condição humana e a interação do ser humano com o mundo ao seu redor. Ao longo de suas trovas, aborda questões essenciais como a natureza, a degradação ambiental, a busca por identidade, a importância da educação, o poder do humor e a dualidade entre egoísmo e generosidade.

Em suma, as trovas de Nemésio Prata não apenas capturam a essência da experiência humana, mas também convidam à reflexão sobre questões que permeiam a sociedade contemporânea. Seu estilo poético, que combina musicalidade e profundidade, permite que suas mensagens ressoem através do tempo, estabelecendo um diálogo com poetas de diferentes épocas e tradições. As suas trovas são um testemunho da capacidade da poesia de tocar a alma humana, oferecendo consolo, reflexão e, acima de tudo, uma conexão com o que significa ser humano.

A combinação de leveza e profundidade é uma das características que tornam suas trovas tão impactantes. Consegue, com elas, evocar emoções complexas e instigar reflexões sobre temas que permanecem relevantes. Essa habilidade de sintetizar sentimentos e ideias em formas simples é um testemunho de sua verve poética.

Fonte: José Feldman. 50 Trovadores e suas Trovas em preto e branco. vol.1. Maringá/PR: IA Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul. 2024.

Luís da Câmara Cascudo (A Princesa do Sono Sem Fim)

Havia um reinado em que a rainha velha tinha a sina de correr de lobisomem, matando gente para beber o sangue. O príncipe seu filho era um moço sem tacha, bom e valente, e vivia triste com o destino da mãe. Sua distração era ir conversar com um velho, muito velhinho, que morava fora da cidade, perto de uma floresta sombria, na qual ninguém ia caçar nem passear.

O velhinho armava uma rede no alpendre para o príncipe descansar e este passava horas e horas ouvindo as histórias do tempo antigo, esquecendo-se da rainha velha e da sua doença de beber sangue de gente.

Vez por outra, quando o vento passava mais forte e levantava os galhos do arvoredo, o príncipe enxergava, lá ao longe, uma pequena mancha vermelha, parecendo um telhado de casa.

Um dia ele perguntou ao velhinho que telhado ao longe era aquele. O velho, então, contou:

– Aquilo é um palácio encantado, príncipe meu senhor. Meu avô contou a meu pai e este contou a mim que, há cem anos, está ali dormindo uma princesa, com todos os seus criados, pajens e mordomos, por via de umas fadas. No reinado Fulano, o rei e a rainha, nesse tempo, não tinham filhos e só faltavam morrer de vontade. Apresentou-se a rainha grávida e descansou uma menina bonita como o sol. Todo o dia era uma festa no palácio. Para o batizado o rei convidou todas as fadas que existiam por perto do reinado. Só não convidou a fada mais velha porque ninguém sabia da morada dela e julgavam que tivesse morrido.

As fadas vieram todas e já estava na mesa do banquete quando a fada velha apareceu resmungando e dando de corpo como uma condenada. A fada mais moça botou reparo na zanga da fada velha e mais do que depressa escapuliu-se da mesa e se escondeu sem que ninguém notasse sua falta. Depois do banquete as fadas foram fadar, dando as sinas e os dons. Cada uma dizia a coisa mais bonita.

– Eu te fado que sejas linda como a luz do sol.

Outra dizia por aqui assim:

– Eu te fado que sejas boa como o amor de mãe. Eu te fado que sejas rica como um tesouro. Eu te fado com a ciência de Salomão. E assim foram dizendo, e o rei, todo satisfeito, ao lado da rainha que tinha a princesinha nos braços. No fim, a fada velha se levantou, com a fala grossa, e disse:

– Nem vale a pena tanta sina boa para essa menina. Ela será tudo isto mas durante pouco tempo. Quando se puser moça, irá visitar a quinta do seu pai e aí furará a palma da mão com um fuso de fiar algodão e morrerá logo, sem remédio nem jeito.

As fadas, que já tinham fadado e não podiam desmanchar o que a fada velha tinha feito, choravam, quando a fada mais moça saiu de trás de uma cortina e disse:

– Não posso desmanchar o que foi fadado porque não tenho poderes mas, como ainda não fadei, fado esta menina para que, quando o fuso lhe ferir a palma da mão, não morra, mas fique dormindo cem anos, acordada que seja por um príncipe, case e seja feliz.

Acabou-se a festa e o rei proibiu, sob pena de morte, que alguém fiasse com o fuso no seu reinado. Apesar de todo cuidado, quando a princesinha inteirou os quinze anos, foram todos visitar outro palácio que o rei possuía dentro de umas matas mais bonitas do mundo. A menina andava, para cima e para baixo, corrigindo tudo, e, lá num quarto esconso da casa, encontrou uma velha ama que estava fiando. Pediu logo para ver o que era e desejou imitar. Assim que pegou no fuso, este saltou e varou sua mão.

Nem marejou sangue mas a princesinha caiu para trás, como morta.

Correram todos e deitaram a menina numa cama, num quarto preparado de um tudo, espelhando de bonito. A fada moça veio voando e bateu a varinha de condão na cumeeira do palácio. Todo mundo que estava dentro, tirando o rei e a rainha, pegou no sono profundo. Os músicos ficaram com os instrumentos na boca e a mesma cozinheira agarrou a dormir com a mão segurando uma galinha que estava assando no fogo.

O rei e a rainha, como aquilo era sina permitida por Deus, beijaram a filha, abençoaram e foram embora, com a fada, para o reinado. Por lá morreram e o reinado deles acabou-se. Só ficou o palácio dentro do arvoredo, com a princesa dormindo o sono sem fim. Era o que meu avô contava a meu pai e este me contou quando eu era menino.

O príncipe ficou alvoroçado com a história que o velho contou e não dormiu pensando na princesa encantada. Pela manhã pegou um facão bem afiado e tocou-se para a mata, perto da casinha do velho. Chegou e meteu o facão, abrindo uma picada, porque era tudo fechado, fechado. Ia abrindo e entrando, e, assim trabalhando, foi andando, até que deu numa roda de árvores enormes e no meio estava o palácio coberto de cipós, sem nenhum rumor, parecendo morto. O príncipe entrou pela porta principal e foi vendo soldados, músicos, damas e senhores, até cozinheiras e meninos, até os bichos, tudo parado, dormindo a sono solto.

Depois de subir as escadas e passar as salas cheias de gente roncando, viu deitada numa cama, forrada de seda, a moça mais bonita que a terra havia de comer, profundamente adormecida. O príncipe chegou para perto e pegou na mão da princesa e esta logo abriu os olhos, dizendo:

– Oh príncipe! Como demoraste em vir!...

O palácio estremeceu e todo mundo acordou. O príncipe ouviu as cornetas tocando, bichos berrando, as pisadas dos soldados, gritos, a música, enfim o barulho de gente viva.

Veio um mordomo muito bem-vestido anunciar que o jantar estava na mesa e o príncipe comeu a galinha que estava sendo assada há cem anos.

Ficou aí como num céu aberto. Veio o padre e casou os dois sem perder tempo. Os dias voavam e a princesa era feliz. O príncipe, sabendo a mãe que tinha, ia ao palácio dar ordens e voltava, dizendo que estava caçando. Não queria que ninguém o acompanhasse. 

No fim de um ano a princesa teve um filho lindo que se chamou Belo-Dia; e no outro ano nasceu uma menina, batizada por Bela-Aurora. 

Apareceram umas guerras e o príncipe não podia deixar de ir com as tropas. Como não queria deixar a mulher e os filhos naquele ermo, resolveu levar todos para casa. Foi na frente e contou o que se passara a sua mãe. A rainha velha só fazia pigarrear, com a cara fechada como o rei Herodes, imaginando coisas ruins.

Antes de ir embora, o príncipe dividiu o palácio em duas partes. A rainha velha ficaria num canto e a mulher com os filhos noutro, todos com criados e conforto. Chamou o príncipe ao mordomo que era muito seu amigo, de toda confiança, e pediu que vigiasse a família e tivesse cuidado com a rainha velha.

Assim que o príncipe montou a cavalo e viajou, a rainha velha começou a ter vontade de beber sangue e comer carne humana. Ficou mesmo bruta e, não podendo passar o desejo, chamou o mordomo e mandou que lhe servisse Belo-Dia, com bom molho, no almoço do dia seguinte.

O mordomo só faltou morrer. Pensou, pensou, procurou a princesa, contou tudo, levou Belo-Dia para sua casinha, longe do palácio e escondeu-o. 

Na manhã  do outro dia matou uma lebre, guisou-a bem e avisou que o almoço estava na mesa. A rainha velha comeu a fartar lambendo os beiços e gabando tudo.

Dias depois, veio o desejo e ela mandou que o mordomo matasse Bela-Aurora. O mordomo levou a menina para casa e assou uma paca. A rainha achou o prato gostoso por demais.

Dias passados, exigiu que a princesa fosse refogada em molho de tomate e cebola, para o jantar, porque tinha a carne dura. O mordomo levou a princesa para sua casa, juntou-a aos filhos, bem escondidos, e matou uma veadinha, refogando-a e preparou o jantar, com molho de tomates e cebolas. A rainha velha comeu, saboreando.

Os dias iam passando e a velha tornou a ter a cisma da carne humana de cristão e saiu de noite, como uma desesperada, farejando quem mandar matar para saciar sua sina. Ia passando por uma rua longe do palácio, tarde da noite, quando ouviu a voz da princesa sua nora e a dos netos, conversando dentro de uma casa. Subiu na calçada, encostou o ouvido e soube que era ali a casa do mordomo e que a princesa estava fazendo Belo-Dia dormir, porque este perdera o sono e acordara Bela-Aurora, todos com saudades do pai.

A rainha velha, feia como uma coruja, nem coração tinha para essas coisas, saiu babando de raiva e pela manhã mandou prender a nora, os netos e o mordomo. Uma fogueira enorme foi feita diante do palácio, e quando o braseiro estava escandeando de quente, a rainha velha veio para a varanda assistir à morte da mulher e dos filhos do seu filho e do pobre mordomo.

Já vinham todos amarrados, no sol pegando fogo, quando ouviram a fortaleza salvar e o tropel de cavalaria. Era o príncipe que vinha voltando com os seus soldados, morto de saudades da mulher e dos filhos. Chegando na praça e vendo aquele horror, o príncipe voou do cavalo embaixo, puxou a espada e livrou a esposa e os filhinhos e o mordomo das cordas, e, bufando de raiva, gritou perguntando quem se atrevera a pôr a mão no que ele queria demais em cima do Mundo.

A rainha velha saltou do sobrado para o fogo das fogueiras, com medo do castigo, e aí morreu, queimada, estorricada, virada cinza e pó preto. 

O príncipe foi para o palácio com a princesa, Belo-Dia e Bela-Aurora, abraçando-os e chorando de alegria. Nomeou o mordomo para vice-rei num reinado que ganhara na guerra. E morreram todos de velhos, bem felizes.

Fonte> Luís da Câmara Cascudo. Contos Tradicionais do Brasil. Publicado originalmente em 1946. Disponível em Domínio Público.