segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Nilto Maciel (Carlim)

Apesar de muito vivido, Carlim não entendia quase nada do que falavam as pessoas. Nem mesmo porque o chamavam dos mais variados nomes e nunca de Carlim. Aliás, esse nome ele mesmo se deu.

Andava um dia perdido, porém satisfeito, quando parou junto a um muro e sua sombra. Só queria descansar e situar-se. Talvez não estivesse tão longe de casa. Isto é, de seus amigos, da rua onde costumava dormir.

Recostado ao muro, ouviu vozes de crianças. Faziam perguntas a uma mulher. Gritavam, riam, num vozerio babélico. A moça falava do Sacro Império Romano Germânico. De imperadores, reis, príncipes. De Carlos V, Maximiliano, Borgonha, Solimão, etc. Palavreado difícil, nunca antes ouvido.

Curioso, Carlim procurou ver as crianças e a moça. Descobriu uma janela. Primeiro viu a professora. Falava sem parar, explicava, lia. A certa altura, apontando para uma figura do livro, disse: este é Carlos Quinto. Porém, viu Carlim e nele fixou o olhar. Mirou-o profundamente. E havia tanta ternura (ou tanta piedade) em seus olhos, que aquele instante Carlim sentiu como sendo o seu batismo. Sentiu-se filho, sentiu ter tido mãe. Pois os olhos da moça lembravam os de outra...

A mãe de Carlim morreu debaixo de um carro. E ninguém parou para socorrê-la ou remover seu pobre corpo a lugar seguro. Carlim ainda tentou arrastá-la para a calçada. Por um triz, não morreu também.

Sim, Carlim não entendia quase nada do que falavam as pessoas. Nem do que faziam. Mesmo os gestos e as palavras mais repetidas. “Fulano não vale nada. É um cachorro”. Quando se aproximava de alguém, era enxotado. “Sem vergonha, vira-lata, cão-sem-dono”.

Carlim procurou os amigos. Quem sabia o significado de cão-sem-dono? E passaram a conversar mais. Precisavam se unir, lutar por direitos básicos: casa, comida, carinho, etc. Propuseram a criação de uma sociedade. Alguém brincou: Sociedade dos Cães-Sem-Dono.

A reação dos “outros” não tardou. Devem ter visto Carlim na televisão. Nada de casa, comida e carinho para aqueles vagabundos. Nada de nome. Quem vivia na rua era cão-sem-dono. Portanto, sujeito a comer lixo, levar pontapé, morrer debaixo dos carros. Além do mais, não havia casa para todos. Se aqueles sarnentos deixassem as ruas, eles, os “outros”, estariam perdidos. Adeus casa, comida, carinho, nome...

Pobres de tais rebeldes! Pois muitos foram considerados doidos e, por isso, mortos. Passavam dias e noites a latir, protestar. Cachorros doidos!

Em compensação, Carlim e seus amigos continuariam ao léu, perdidos nas ruas. E a toda hora morre um deles debaixo dos carros. Ontem mesmo foi a vez de Carlim.
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  

Nilto Maciel nasceu em Baturité/CE em 1945. Formou-se na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará. Em parceria com outros escritores, no ano de 1976 criou a revista Saco. Transferiu-se no ano seguinte para Brasília, trabalhando na Câmara dos Deputados, Supremo Tribunal Federal e Tribunal de Justiça do DF. Em 2002 foi para Fortaleza/CE onde residiu até a sua morte em 2014. Venceu inúmeros concursos literários, e escreveu diversos livros, tendo contos e poemas publicados em esperanto, espanhol, italiano e francês. Além de contos e romances publicados, também Panorama do Conto Cearense, Contistas do Ceará, Literatura Fantástica no Brasil. Alguns livros publicados: Contos Reunidos vol. I, são os 66 contos escritos por Nilto em seus livros Itinerário (1974 a 1990), Tempos de Mula Preta (1981 a 2000) e Punhalzinho cravado de ódio (1986). O volume II conta com 122 contos dos livros As Insolentes patas do cão (1991), Babel (1997) e Pescoço de Girafa na Poeira (1999).
Nilto possui esta capacidade de fazer com que nossas almas percorram desde um estado de profunda tristeza ao de êxtase. Não é apenas um escritor, são muitos escritores dentro de um só. A cada conto terminado, aflora o anseio pelo próximo. Aonde Nilto nos conduzirá agora? Cada conto é um conto, que faz com que nossa imaginação nos leve às vezes a adentrar dentro dele e participar, deixando que nos levemos pelo seu encanto, pela sua linguagem simples e deliciosa.” (José Feldman, em Nilto Maciel, o mago das almas, 18/12/2010)

Fontes:
MACIEL, Nilto. Pescoço de girafa na poeira. Brasília: Bárbara Bela, 1999. p.69-70. Enviado pelo autor.

Hans Christian Andersen (As velas)

Era uma vez uma grande vela de cera, que conhecia perfeitamente seu próprio valor.

- Nasci de cera - dizia ela - e fui fundida em um molde. Dou melhor luz mais tempo que as outras velas. Meu lugar é no lustre ou no castiçal de prata.

- Que vida esplêndida! - disse a vela de sebo.- Eu sou de sebo - uma simples vela escorrida, mas tenho um consolo: valho um pouco mais que a vela de tostão, que só foi mergulhada no sebo oito vezes. para ficar de uma grossura conveniente. Ora, isso me basta! Não há dúvida  que pode mesmo escolher o seu lugar neste mundo... As velas de cera vão para o salão, são postas no lustre de cristal enquanto eu fico na cozinha. Mas ora... afinal a cozinha é também um bom lugar: não é de lá que sai toda a alimentação da casa?

- Mas há coisa mais importante do que o alimento? - retrucou a vela de cera. É a vida social! Ver os outros brilharem, enquanto a gente mesmo está resplandecendo! Esta noite vai haver um baile na casa, e daqui a pouco virão buscar-me - a mim e a toda a minha gente.

Mal acabara de dizer essas palavras, vieram mesmo buscar as velas de cera; mas também levaram a de sebo. A própria senhora tomou-a nas mãos delicadas e levou-a para a cozinha. Lá estava um menino com uma cesta, que encheram de batatas; puseram nela também algumas maças. A bondosa dama deu tudo aquilo ao menino pobre:

- Toma também esta vela, meu menino. Tua mãe fica a trabalhar até altas horas; a vela lhe poderá ser útil.

A filhinha da casa, que estava ao pé da mãe, disse, radiante de alegria:

- Eu também vou ficar acordada até altas horas! Temos um baile hoje e eu vou levar no vestido compridas fitas vermelhas.

E que luz lhe iluminava o rosto! Que alegria! Nenhuma vela de cera pode resplandecer como os olhos de uma criança!

E a vela de sebo pensava consigo:

- Que coisa magnifica! Nunca hei de esquecer disto - e nunca mais tornarei a ver coisa semelhante!

Meteram-na na cesta, fecharam a tampa e o menino carregou tudo para casa.

- Quem sabe onde irei agora!... Meu destino é ir para casa de gente pobre. Talvez nem me deem sequer um castiçal de latão - enquanto a vela de cera lá está, rodeadas de prata, e vendo só gente fina... Como há de ser lindo espalhar luz para gente distinta! Mas minha sorte é ser de sebo e não de cera!

E a vela chegou à casa da gente pobre: uma viúva e três filhos, que moravam num quartinho muito baixo, bem defronte ao palacete.

- Deus abençoe a bondosa senhora pelo seu presente! - disse a mãe. - Uma vela esplêndida, que pode ficar acesa até altas horas da noite!

E acendeu a vela.

- Arre! - disse ela. - Que mau cheiro deitou esse fósforo com que ela me acendeu! Lá no palacete ninguém se atreverá certamente  oferecer coisa semelhante a uma vela de cera!

Lá também tinham acendido as velas, que derramavam luz para a rua. Vinham chegando, todas sacolejantes, as carruagens que traziam os convidados, vestidos de gala; e a música retinia.

- Lá começa a festa - pensou a vela de sebo.

E, lembrando-se do rosto radiante da meninazinha, que brilhava ainda mais que todas as velas de cera, repetiu:

- Nunca mais tornarei a ver uma coisa assim!

Naquele instante entrou a filhinha menor da casa pobre. Abraçou os irmãos, dizendo que tinha uma notícia muito importante- tão importante que só podia comunicá-la em segredo. E cochichou:

- Imaginem! Hoje vamos comer batatas assadas!

E o seu rosto irradiava de tanta felicidade. A vela desprendeu mais brilho e viu uma alegria tão grande como a que presenciara no palacete, quando a menina rica disse:

- Hoje há um baile em casa e vou usar um vestido com compridas fitas vermelhas!

- Será então uma felicidade tão extraordinária comer batatas assadas? Porque noto que aqui, pelo menos entre as crianças, reina a mesma alegria que lá...

Nisto deu um espirro - isto é, respingou, pois  a vela de sebo não pode fazer mais que isso.

Puseram a mesa e comeram as batatas. Que saborosas! Foi um verdadeiro festim; depois cada criança recebeu uma maça. E a menor recitou:

" Graças Te dou, Pai do Céu,
Por este alimento,
Que nos deu Tua bondade,
Pra nosso sustento.
Amém!”

 - Mamãe, mamãe! Não recitei bem os versinhos?
 
 - Não é nisso que deves pensar, filhinha: lembra-te somente do bom Deus,  que te deu o que comer.

Depois as crianças foram para a cama, e com um beijo da mãe, adormeceram logo.

A senhora ali ficou sentada , a coser, até altas horas da noite: precisava ganhar com que comprar o sustento para si e para as crianças.

Do palacete, lá do outro lado da rua, vinham os sons da música e o brilho das velas. As estrelas cintilavam acima de todas as casas, das da gente rica e das da gente pobre, luzindo com fulgor igual, com igual simpatia.

- Afinal, a noite foi bem agradável - declarou a vela de sebo. - Acaso as velas de cera, lá no castiçal de prata, terão tido momentos melhores? Gostaria bem de sabê-lo antes de me extinguir...

Pensava nas duas crianças, igualmente felizes, uma - a meninazinha iluminada pelas velas de cera; a outra - radiante à luz da vela de sebo...

E acabou-se a história.
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  

Hans Christian Andersen foi um escritor dinamarquês, autor de famosos contos infantis. Nasceu em Odense/Dinamarca, em 1805. Era filho de um humilde sapateiro gravemente doente morrendo quando tinha 11 anos. Quando sua mãe se casou novamente, Hans se sentiu abandonado. Sabia ler e escrever e começou a criar histórias curtas e pequenas peças teatrais. Com uma carta de recomendação e algumas moedas, seguiu para Copenhague disposto a fazer carreira no teatro. Durante seis anos, Hans Christian Andersen frequentou a Escola de Slagelse com uma bolsa de estudos. Com 22 anos terminou os estudos. Para sair de uma crise financeira escreveu algumas histórias infantis baseadas no folclore dinamarquês. Pela primeira vez os contos fizeram sucesso. Conseguiu publicar dois livros. Em 1833, estando na Itália, escreveu “O Improvisador”, seu primeiro romance de sucesso. Entre os anos de 1835 e 1842, o escritor publicou seis volumes de contos infantis. Suas primeiras quatro histórias foram publicadas em "Contos de Fadas e Histórias (1835). Em suas histórias buscava sempre passar os padrões de comportamento que deveriam ser seguidos pela sociedade. O comportamento autobiográfico apresenta-se em muitas de suas histórias, como em “O Patinho Feio” e “O Soldadinho de Chumbo”, embora todas sejam sobre problemas humanos universais. Até 1872, Andersen havia escrito um total de 168 contos infantis e conquistou imensa fama. Hans Christian Andersen mostrava muitas vezes o confronto entre o forte e o fraco, o bonito e o feio etc. A história da infância triste do "Patinho Feio" foi o seu tema mais famoso - e talvez o mais bonito - dos contos criados pelo escritor. Um dos livros de grande sucesso de Hans Christian Andersen foi a "Pequena Sereia", uma estátua da pequena sereia de Andersen, esculpida em 1913 e colocada junto ao porto de Copenhague/ Dinamarca, é hoje o símbolo da cidade. Quando regressou ao seu país, com 70 anos de idade, Andersen estava carregado de glórias e sua chegada foi festejada por toda a Dinamarca. Após uma vida de luta contra a solidão, Andersen logo se viu cercado de amigos. Faleceu em Copenhague, Dinamarca, em 1865. Devido a importância de Andersen para a literatura infantil, o dia 2 de abril - data de seu nascimento - é comemorado o Dia Internacional do Livro Infanto-juvenil. Muitas das obras de Andersen foram adaptadas para a TV e para o cinema.

Fontes>
 Hans Christian Andersen. Contos. Publicados originalmente entre 1835 – 1872. Disponível em Domínio Público
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

domingo, 29 de dezembro de 2024

Silmar Bohrer (Gôndola de Versos) 06



Silmar Bohrer nasceu em Canela/RS em 1950, com sete anos foi para em Porto União-SC, com vinte anos, fixou-se em Caçador/SC. Aposentado da Caixa Econômica Federal há quinze anos, segue a missão do seu escrever, incentivando a leitura e a escrita em escolas, como também palestras em locais com envolvimento cultural. Criou o MAC - Movimento de Ação Cultural no oeste catarinense, movimentando autores de várias cidades como palestrantes e outras atividades culturais. Fundou a ACLA-Academia Caçadorense de Letras e Artes. Membro da Confraria dos Escritores de Joinville e Confraria Brasileira de Letras. Editou os livros: Vitrais Interiores  (1999); Gamela de Versos (2004); Lampejos (2004); Mais Lampejos (2011); Sonetos (2006) e Trovas (2007).

Newton Sampaio (Festa de S. Antônio)

O vilarejo sem história, apertado em todos os flancos pelos grilhões inflexíveis das serras, libertava-se pouco a pouco da dormida plácida sob a colcha enfeitada de estrelas. A alvorada, sem clarins nem tambores, ia espantando, todavia, bem pra lá dos grotões e dos picos, as sombras bracejantes da noite.

E os primeiros fios de luz, deixando descoloridamente em destacado os contornos grotescos das casas, eram vanguardeiros do sol, que não tardaria a chegar com o seu cortejo de luzes. Depois, quando as curvas fidalgas do horizonte emprestavam linhas esculturais às montanhas plebeias, os telhados sem simetria fuzilaram no ar em chapadões borbulhantes.

Já então, as primeiras manifestações da vida começaram a adejar sobre o lugarejo desconhecido. E o rio — um rio largo que vinha lá de longe, e vinha descrevendo arabescos caprichosos entre a deselegância das cordilheiras — arrastou suas águas no coração da vila e levou, diluída nelas, a vibração sem par da manhã cabocla. 

E assim amanheceu o dia de S. Antônio naquela povoação distante.

Lá na última esquina, um comerciante adiposo abre as portas de sua casa de negócio e varre o assoalho cuspido e imundo.

Coçando-se na quina de um poste sem serventia, um pobre cão vagabundo atira ao ar ladridos esparsos, como que antessofrendo, no começo do dia, a melancolia de mais um dia vivido ao léu e sem dono.

No lar do Benedito Olivério desenrola-se a mesma cena de sempre. Ele, sentado na beira do catre, esforça-se por adaptar ao pé o sapatão de couro. A mulher arrasta os chinelos de um lado para outro. E, junto ao fogão, as crianças, esfregando os olhos ainda cheios de sono e de remela, choramingam impertinentes, reclamando um naco de batata assada.

— Mãe, hoje eu queria comer pão.

— Cala a boca, feição do enorme. Onde já se viu esse luxo?

— Pois hoje é o meu dia, mãe...

E Tonico, o filho mais velho, parado na porta que dá para o quintal, contempla com olhos diferentes o azulado longínquo do Pico Agudo.

— Patroa. Faça a vontade do menino. Pelo menos no dia de S. Antônio.

— Qual nada! Extravagância não é pro bico do pobre.

O Benedito Olivério olha a Nida de soslaio. E matutando em silêncio:

— Coitada de minha mulher! Pra ficar “braba” não pede licença. Por um nadinha está subindo a serra. Também, pudera! Uma porção de filhos já quase criados... E ainda por cima uma doença desgraçada no fígado...

E ajeitando a cinta:

— Toma lá, Tonico.

Com gesto displicente, o menino toma a pratinha. E já descendo a rua esburacada, mete as mãos nos bolsos, atirando a esmo assobios discretos. Reflete. A vida... O que era a vida para ele? Uma pasmaceira sem conta... Batera uma crise na casa!... De segunda a sábado, fora os dias santos, atravessar a ponte de manhãzinha, escalar a serra, e lá na primeira baixada ajudar o pai no algodoal. De tarde, um banho no rio. À noite, conversar com a vovó Francelina, e ouvir dela umas histórias sem sabor. Ainda o prendia à velha a gratidão sincera que nutria. Desde pequeno acostumara-se Tonico no conchego da avó. A mãe vivia numa neurastenia sem fim. Até parecia madrasta...

Na volta vê o estrugir de alegria nos outros meninos. E considera a ironia da véspera. Ele, que se chamava Antônio, não tivera uma distração. Nem um busca-pé. Nem uma bomba de parede. E Tonico fica com uma vontade de transformar o mundo numa enorme bomba e atirá-la de encontro ao sol...

Bem de tarde, no quintal da casa, Tonico estende as vistas como que acompanhando um ponto indeterminado a se deslocar no céu que se afogava no delírio do ocaso.

Invade a atmosfera o bimbalhar compassado de um sino. E quebra-se logo ao longe, na fraqueza de ecos sucessivos.

Tonico pensa em assistir à novena de S. Antônio. “Mas pra quê?” E suspende a pergunta na precocidade de seu ceticismo.

No lugarejo, a comemoração do santo continua. Desde a gritaria da criançada até a coparticipação dos grandes. E na algazarra da matula infantil, quando o balão, inflado como fêmea pandorga, inicia livre a ascensão sem destino. E no espoucar intermitente dos traques minúsculos. E no estralejamento vibrante da foguetada.

Noitinha já, entra Tonico na casa. Os irmãos todos de mãos vazias, mas num assanhamento sem conta, foram espiar a festa das outras crianças. A vovó, como sempre, na novena.

— Pai, eu queria arrebentar uma bomba hoje.

— Diabo de guri pedinchão! (E Nida interrompe brutalmente o pedido). Pensa que nós plantamos dinheiro na horta?

— Não se amofine, patroa. É comigo que ele está falando.

Benedito trincoleja no bolso as moedinhas parcas.

— É um esbanjamento nesta casa... Guarda esse dinheiro, Dito. 

— Deixa, mulher, deixa.

Não se conforma a Nida. Aperta as maxilas de raiva. E praguejando: — Tomara que arrebentem não sei onde essas malditas bombas.

O menino sai em silêncio. Que vontade ainda de comprar uma bomba enorme, do tamanho do mundo, e jogá-la de encontro à lua, no crescente!

— Seu Fidélis. Qual é a maior bomba que o senhor tem aí?

— A maior? É esta. Veio como brinde. Mas eu não sei como brincar com isso. Cuidado, menino. O estouro dessa não é estouro de traque, não.

Na esquina próxima, a criançada se agita. A gargalhada dilui-se perdulariamente em todas as gargantas.

— Pessoal! Escute só o estouro desta!

Tonico, de feições contraídas, quer que todos estejam atentos. Não seria melhor que o mundo inteiro olhasse a casa da esquina, naquele momento, como que a válvula única para sua infinita amargura?

O menino, apertando fortemente na mão direita o perigoso embrulho, precisa tomar impulso. Arreda o passo. Volteia o braço para trás. Ao mesmo tempo, imprudentemente, a Piva, uma irmãzinha do Tonico, corre pela calçada. No entanto, não é mais possível tolher o golpe. Projetada com energia contra a parede, reflete-se um pouco a bomba, e estrondeia junto à menina.

No seu aturdido, Tonico não compreende, no primeiro momento, os gritos lancinantes de dor. Em atonia completa, apenas enxerga a irmãzinha nos braços da gente que acorrera. Depois, pela concentração de todas as energias, desliza como uma sombra na rua deserta.

Lá, nos pilares incoercíveis da ponte, o rio continua a música do atrito. E a música da luz, longe, nas estrelas e no crescente, continua a procurar a superfície da água para a multiplicação do concerto supremo. E a sinfonia da semiloucura quer arrebentar os miolos do Tonico...

Sabedora do ocorrido, Francelina sai como doida à procura do neto. Encontra-o na cabeceira da ponte, com o rosto entre as mãos, chorando. Aconchega-o, carinhosa, ao peito. Beija-o com efusão. E sussurra:

— Tonico. Vamos pra casa. Eu sei de uma história bonita que se deu comigo lá em Minas, numa festa de S. Antônio...

Na rua recomeça a alegria. A mesma barulheira esturdia.

— Santo Antônio! Meu bom Santo Antônio!

E o vilarejo sem história, apertado já em todos os flancos pelas cadeias eternas das serras, cobriu-se melhor na colcha enfeitada de estrelas. E imobilizou-se ainda mais nos grilhões inflexíveis da noite…
= = = = = = = = =  
Publicado originalmente em O Dia. Curitiba, 13/06/1933.
= = = = = = = = =  

Newton Sampaio natural de Tomazina/PR, 1913 e falecido na Lapa, em 1938,  foi um médico, ensaísta, escritor e jornalista brasileiro. Newton é considerado um dos mais importantes contistas paranaenses sendo o precursor do conto urbano moderno. Em 1925, saindo da pequena Tomazina foi estudar no Ginásio Paranaense, em Curitiba, e precocemente, passou a lecionar nesta instituição, além de colaborar para alguns jornais da capital paranaense, principalmente o "O Dia". Ao ser admitido na Faculdade Fluminense de Medicina, transferiu-se para a cidade de Niterói. Após formado em Medicina, permanece na capital do país, porém, com a saúde bastante abalada, retornou a Curitiba e em seguida internou-se em um sanatório na cidade da Lapa onde faleceu no dia 12 de julho de 1938. Duas semanas após o seu falecimento, recebeu o Prêmio Contos e Fantasias concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo livro Irmandade. Newton Sampaio pertenceu ao Círculo de Estudos Bandeirantes de Curitiba e como homenagem ao jovem modernista, um dos principais prêmios de contos do Brasil leva o seu nome: Concurso Nacional de Contos Newton Sampaio. Algumas obras:  Romance “Trapo”: trechos publicados em jornais e revistas; Novela “Remorso”, 1935; “Cria de alugado”, 1935; Contos: “Irmandade”, 1938, “Contos do Sertão Paranaense”, 1939; “Reportagem de Ideias”: contos incompletos, etc.

Fontes:
Newton Sampaio. Ficções. Secretaria de Estado da Cultura: Biblioteca Pública do Paraná, 2014. Disponível em Domínio Público.
Biografia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Newton_Sampaio
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

José Feldman (A Soleira do Conhecimento)

Nota: A ideia deste texto fictício partiu de uma conversa com um amigo escritor, de Monteiro Lobato/SP, Paulo Vieira Pinheiro (Paulo Vinheiro), daí só foi dar asas à imaginação. 
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  

Era uma manhã tranquila no sítio de Paulo, um homem de setenta anos que, após uma vida inteira de trabalho duro, finalmente havia encontrado um pouco de paz. O sol começava a despontar no horizonte, pintando o céu com tons de laranja e rosa. Ele se espreguiçou, sentindo a brisa fresca que entrava pela janela do seu quarto. A casa, rodeada por árvores frutíferas e o canto dos pássaros, parecia um santuário.

Sempre fora um homem curioso. Desde jovem, tinha um amor insaciável pelo conhecimento. Passava horas na biblioteca, devorando livros sobre história, ciência e filosofia. Agora, em sua aposentadoria, ele se dedicava ao cultivo da terra e à leitura, mas sempre havia uma inquietação dentro dele, um desejo de descobrir mais sobre o mundo e talvez até sobre si mesmo.

Naquela manhã, enquanto preparava seu café, olhou pela janela dos fundos e viu algo que nunca havia notado antes: uma luz suave emanava de um canto do quintal, perto da velha árvore de figo. Intrigado, ele decidiu investigar. Calçou suas botas e saiu, atravessando o gramado coberto de orvalho.

Ao se aproximar da árvore, a luz se intensificou, e uma sensação estranha começou a envolver Paulo. Era como se a atmosfera estivesse vibrando, pulsando com energia. Ele se agachou para examinar melhor e, de repente, notou uma pequena porta na base da árvore, quase imperceptível. Era uma porta de madeira antiga, com entalhes que pareciam contar histórias de tempos passados.

Com o coração acelerado, sentiu que aquele momento era especial. Ele estendeu a mão e abriu a porta. Ao cruzar a soleira, foi envolvido por uma luz brilhante e, em um instante, se viu em um lugar completamente diferente.

O que antes era o seu quintal agora se transformara em uma floresta mágica, cheia de árvores altíssimas e plantas que nunca havia visto. O céu era de um azul profundo, e nuvens flutuavam com formas curiosas. Sons melodiosos preenchiam o ar, vindos de criaturas que pareciam mais lendárias do que reais.

Paulo ficou atordoado, mas não sentiu medo. Ao contrário, sentiu uma onda de curiosidade percorrendo seu corpo. Ele começou a andar, admirando a beleza ao seu redor. As árvores sussurravam segredos, e o vento parecia guiá-lo. A cada passo, ele se sentia mais conectado a esse novo mundo.

Depois de caminhar por um tempo, encontrou um pequeno grupo de seres que pareciam humanos, mas com características etéreas. Seus olhos brilhavam com sabedoria, e suas vozes eram suaves como a brisa. Eles se apresentaram como os Sábios da Floresta, guardiões do conhecimento e da harmonia.

— Você veio em busca de algo, não é verdade? — perguntou um deles, com um sorriso gentil.

Paulo assentiu, sentindo-se á vontade. Ele explicou seu desejo de aprender, de entender mais sobre a vida e sobre si mesmo. Os Sábios trocaram olhares significativos e, em seguida, começaram a compartilhar com ele os segredos da natureza, da história do mundo e da essência do ser humano.

Os dias passaram como horas, e Paulo mergulhou em um universo de aprendizado. Ele aprendeu sobre as plantas que curam, sobre os ciclos da vida e da morte, e sobre a importância da conexão entre todos os seres. Os Sábios o ensinaram que o conhecimento não é apenas o que se lê em livros, mas também o que se vive, o que se sente.

Uma tarde, enquanto descansavam sob uma árvore centenária, um dos Sábios disse a Paulo:

— O conhecimento é uma jornada, não um destino. Cada experiência, cada amizade, cada dor, é uma peça do quebra-cabeça que compõe quem somos.

Paulo ouviu com atenção. Aquela frase ressoou dentro dele, como um eco de verdades que sempre soubera, mas nunca tivera a coragem de aceitar plenamente.

Após o que pareceu uma eternidade, percebeu que era hora de voltar. Ele havia adquirido sabedoria, mas também sentia saudade de sua vida no sítio, das pequenas coisas que o faziam feliz. 

Os Sábios o acompanharam até a porta da árvore.

— Lembre-se, Paulo — disse uma sábia com olhos brilhantes —, você pode levar o conhecimento consigo. Mas nunca se esqueça de que a verdadeira sabedoria é vivida no dia a dia. Não tema as perguntas, pois elas são o caminho para novas descobertas.

Com um último olhar para aquele mundo mágico, Paulo atravessou a porta e retornou ao seu quintal. O sol ainda brilhava, mas algo havia mudado dentro dele. Ele olhou ao redor, sentindo a familiaridade do lugar, mas agora com uma nova perspectiva.

Nos dias que se seguiram, começou a aplicar o que aprendera. Ele passou a observar mais a natureza ao seu redor, a cuidar das plantas com um carinho renovado. Suas conversas com vizinhos e amigos tornaram-se mais significativas, e ele se interessou em compartilhar suas experiências.

Também começou a escrever um diário, registrando não apenas suas descobertas, mas as reflexões que surgiam de cada dia. Ele percebeu que o conhecimento não era algo que se acumulava em livros, mas uma vivência que se compartilhava.

Aquele homem de setenta anos, que um dia se sentiu perdido em meio às rotinas do dia a dia, agora caminhava com um brilho novo nos olhos. A soleira da árvore, que o levara a uma dimensão desconhecida, também o guiara a uma nova compreensão de si mesmo e do mundo.

Paulo sabia que, embora a vida fosse finita, a busca pelo conhecimento e pela conexão com o outro era eterna. E assim, ele viveu seus dias com a alma leve, coração aberto e mente curiosa, sempre pronto para aprender mais.
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  

José Feldman nasceu na capital de São Paulo. Formado técnico de patologia clínica, não conseguiu concluir o curso superior de psicologia. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais; trovador da UBT São Paulo e membro da Casa do Poeta “Lampião de Gás”. Foi amigo pessoal de literatos de renome (falecidos), como Artur da Távola, André Carneiro, Eunice Arruda, Izo Goldman, Ademar Macedo, Hermoclydes S. Franco, e outros. Casado com a escritora, poetisa e tradutora professora Alba Krishna mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, radicou-se definitivamente em Maringá/PR. Consultor educacional junto a alunos e professores de universidades do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras e de trovas, fundador da Confraria Brasileira de Letras e Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, possui o blog Singrando Horizontes desde 2007, com cerca de 20 mil publicações. Atualmente assina seus escritos por Campo Mourão/PR. Publicou mais de 500 e-books. Em literatura, organizador de concursos de trovas, gestor cultural, poeta, escritor e trovador. Dezenas de premiações em trovas e poesias.

Fontes 
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR:Plat.Poe Biblioteca Voo da Gralha Azul 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

Vereda da Poesia = 189


Trova de
JOSÉ VALDEZ DE CASTRO MOURA
Florianópolis/ SC

Tento fugir da rotina,
conquistar um novo espaço...
mas minha tristeza assina
seu nome por onde passo...
= = = = = =

Soneto de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Tão leve estou que já nem sombra tenho
Mário Quintana in "A rua dos Cataventos", p. 48

Tão leve estou que já nem sombra tenho
Como nuvem que passe transparente
No céu dos dias onde é sempre ausente
A cor forte do velho e nobre estanho.

Sou como o traço fino de um desenho
Magro e sumido, um corpo em seu poente
Que viva da palavra e se alimente
Do verso que estiver de bom tamanho.

Tão leve, qualquer dia eu me evaporo
Deste corpo onde quase já não moro
Por castigo ou capricho do destino.

Mas por graça da suma divindade
Subirei através da claridade:
Vou ser eternamente e só menino!
= = = = = = = = =  

Trova de
EDUARDO AMARAL DE OLIVEIRA TOLEDO
Pouso Alegre/ MG

A mentira mais fingida
que aprendi, quando criança,
foi ouvir que pela vida
quem espera sempre alcança.
= = = = = = 

Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Faço-me lágrima

Quando àquelas distantes
nuvens
Nublam teu olhar
(Abraço teus tons
de gris)
Abro e
fecho
parênteses
E inebriada, silencio-me

Faço-me lágrima
Para deslizar dos teus cílios,
Alongando desejos
De te beijar
E desaguo no cantinho
Dos teus lábios
E, assim desperto uma pontinha
Do teu sorriso...
= = = = = = 

Trova de
MAURÍCIO NORBERTO FRIEDRICH
Porto União/SC, 1945 – 2020, Curitiba/PR

Num relógio, vendo a hora,
no outono de minha lida,
vejo que não há demora
no ocaso de minha vida!

= = = = = = 

Soneto de
LAÉRCIO BORSATO
Poços de Caldas/MG (via Port Hope, Canadá)

... Às margens do Lago Ontário 

Andando às margens do lago Ontário
Por alguns instantes, após o sol posto.
Dia vinte e seis deste lindo mês de agosto.
Como o sol, havíamos cumprido o itinerário...

Nessa tarde sentia-me feliz e disposto,
Caminhava e tinha em mente, involuntário
Desejo de voltar. Via naquele cenário,.
O espelho das águas, esculpir o meu rosto...

Desviei o olhar nas orlas do horizonte
Ataviadas em cores róseas. Vi o monte
Exibindo um verde que não vira, até então.

Nesse devaneio ao meio a lindas flores,
Vi estrelas mostrando seus resplendores;
E a saudade invadiu de vez meu coração.
= = = = = = = = = 

Trova de
LORIS TURRINI
Tremembé/SP

Este manto que carregas,
como bandeira estendida,
é vitória das refregas
que enfrentaste nesta vida!
= = = = = = 

Soneto de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Incontentado

Paixão sem grita, amor sem agonia,
Que não oprime nem magoa o peito,
Que nada mais do que possui queria,
E com tão pouco vive satisfeito...

Amor, que os exageros repudia,
Misturado de estima e de respeito,
E, tirando das mágoas alegria,
Fica farto, ficando sem proveito...

Viva sempre a paixão que me consome,
Sem uma queixa, sem um só lamento!
Arda sempre este amor que desanimas!

Eu, eu tenha sempre, ao murmurar teu nome,
O coração, malgrado o sofrimento,
Como um rosal desabrochado em rimas.
= = = = = = 

Trova de 
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/ RN, 1951 – 2013, Natal/ RN

O papel que eu desempenho 
na poesia, não tem preço; 
pelos amigos que eu tenho… 
Ganho mais do que mereço!
= = = = = = 

Poema de 
JOSÉ FARIA NUNES
Caçu/GO

Poesia e liberdade

A caneta do poeta
rebela-se
ante a injustiça
do poder.
E faz-se poder
na liberdade
do ato de pensar.
Quando o poder
em seu império de força
impõe-se
sobre a caneta do poeta
então este carece
de ser mais que poeta:
dele se exige
a engenharia dos deuses
na construção mágica
do amor.
= = = = = = 

Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

Na briga que o meu cabelo, 
e a careca estão travando 
lamento ter que dizê-lo, 
a careca está ganhando...
= = = = = = 

Poema de
TERESINKA PEREIRA
Ohio/Estados Unidos

As portas 

Não podemos aceitar 
todo o sofrimento 
que nos impõe o desconhecido. 
Para cada porta fechada 
haverá mais de cem portas abertas 
na história da nossa vida. 
Nossa mente fará a jornada 
se permitirmos que nos deve 
mais uma vitória 
neste vertiginoso romance 
com as pessoas que nos amam 
o suficiente para entender-nos.
= = = = = = 

Trova de
CAROLINA RAMOS 
Santos/ SP

As bandeiras desfraldadas..,
O povo em vai-vem nas ruas...
e as esperanças sonhadas
são minhas... e também tuas!
= = = = = = 

Hino de
BODOCÓ/ PE

No sopé dessa serra planalto
Bodocó se afirmou e cresceu
E é hoje o destaque mais alto
No cenário erudito e plebeu

Já contando alguns anos de vida
Desde que por lei se emancipou
É a nossa cidade querida
A quem rendemos nosso louvor

A cidade sempre adolescente
Com orgulho costuma mostrar
Sua juventude inteligente
Que estuda e quer prosperar

O seu povo é muito ordeiro
Pois aqui só se pensa em crescer
E o exemplo há de ser pioneiro
Do progresso e do bom conviver
= = = = = = = = =  

Trova de
CÉLIA GUIMARÃES SANTANA
Sete Lagoas/MG

O guri, a todo dia,
uma vidraça quebrava.
O seu pai empobrecia...
E o vidraceiro enricava!
= = = = = = = = =  

Soneto de 
MÁRCIA SANCHEZ LUZ
São Paulo/SP

Bilhete de Julieta

Por que você partiu sem me contar
que o fim estava próximo e que nós
não poderíamos nos ver após
a cotovia, lúgubre, cantar?

Não foi de fato amor de acarinhar,
nem foi de fato amar de amor feroz.
Da forma como veio, assim veloz,
partiu e me deixou sem me acordar.

E agora o que fazer sem seu carinho
para acalmar a febre em sonhos meus?
Não quero mais ninguém em nosso ninho.

Eu sei – a vida é assim –, dirá quem ler,
mas não sei mais o que fazer, meu Deus!
Como é difícil deste amor morrer!
= = = = = = = = =  = = = = 

Trova Premiada de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/ SP

Não diga adeus por favor, 
me deixa assim , iludida. 
Quero pensar que este amor 
não tem porta de saída.
= = = = = = = = = 

Fabiane Braga Lima (Arrogância...)

Viramos pedra, já não temos mais vozes! Sabíamos da verdade, mas por vaidade nos calamos, pois sempre somos os donos das verdades. E o que nos restou? Apenas se silenciar diante do real, da realidade! 

Engana-se, aquele que vive fantasiando! Perde-se as razões, e o tempo, que é o senhor de todas as razões, ele corre veloz e urge feroz. Resta-nos apenas esperar, nos remendar, remendar os estilhaços caídos e lançados ao chão duro e frio.

Hoje calados, intactos, cessamos os nossos sonhos e as nossas fantasias e tudo virou piada. Resta-nos a verdade, mas a verdade não, pois a verdade hoje gera a morte certa.

E agora? Agora é esperar o tempo passar, esperar sem contradições. Pois cair em contradições, sobre o que defende é o maior ataque a mim mesmo é pura arrogância....! 
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  

Fabiane Braga Lima é poetisa e contista, em Rio Claro/ SP

Fontes:
Enviado por Samuel da Costa
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

Célio Simões (O nosso português de cada dia) “Onde a coruja dorme”


A expressão é bastante conhecida no meio futebolístico, e é usada principalmente pelos locutores esportivos para indicar que a bola entrou, após ser chutada por acaso ou com maestria, em um dos ângulos retos superiores da trave do gol. Invariavelmente se ouve, com o entusiasmo próprio de quem narra uma partida: – Golaço! A bola entrou onde a coruja dorme!…

É um dos lugares mais difíceis para um goleiro defender a bola, haja vista que por mais que tente, não consegue impulso suficiente para alcança-la a tempo de impedir a marcação do gol. Este tipo de chute também é conhecido no meio esportivo como “chute na gaveta” ou “chute no ângulo”. Antigamente, alguns narradores variavam o jargão e também diziam “onde a coruja faz o ninho”.

Mas afinal, quando e porque teria surgido essa expressão? Circula entre os entusiastas de futebol (e que no Brasil são milhões) a versão de que nos anos 70, numa fria noite de muita garoa, o time da Sociedade Esportiva Palmeiras enfrentava um adversário de menor expressão, numa partida morna, pelo evidente desequilíbrio das forças entre os dois competidores. Como o Palmeiras era muito superior, fazendo prever uma goleada contra o fraco opositor, os fotógrafos incumbidos de cobrir a peleja se posicionaram atrás do gol do adversário, esperando que o poderoso Palestra Itália iniciasse a qualquer momento o festival de gols.

Enquanto isso não acontecia, o tranquilo goleiro palmeirense, com pouco ou nenhum trabalho para fazer, se recostou em sua trave, cruzou os braços e encolheu-se para melhor se proteger do frio que naquela oportunidade fazia. Foi quando no canto superior oposto de onde ele se encontrava, pousou uma vistosa coruja e lá ficou quieta, observando atentamente a movimentação dos arredores. De imediato, mesmo estando do lado oposto do campo, o fotógrafo Domício Pinheiro percebeu a inédita cena, correu rapidamente até lá e registrou numa única foto, que ele tirou posicionando-se por trás do gol, a indigitada coruja pousada lá em cima, no canto da trave, hirta de frio causado pela chuva fina, entorpecida e imóvel como se estivesse dormindo, porém visivelmente sintonizada com a própria monotonia do jogo que o goleiro enfrentava.

Para preservar o “furo” jornalístico ele espantou a coruja, para que nenhum outro fotógrafo dela fizesse a mesma foto, que posteriormente foi publicada como ilustrativa do que foi a pasmaceira daquele jogo. A partir daí, quando um jogador acerta qualquer dos ângulos numa partida de futebol, os locutores alardeiam que a bola entrou “onde a coruja dorme”. É bom lembrar que os locutores de futebol também são artistas natos, cada qual com a sua narrativa personalizada, seus jargões prediletos, que se tornam uma espécie de marca registrada de cada qual, e também constituem parte do espetáculo, pois são capazes de cativar o público com a sua verve e criatividade. Assim, naturalmente, a classe desses talentosos profissionais acabou adotando a expressão para tipificar as situações acima descritas.

De tão emblemática se tornou a expressão, que fora do futebol, passou a servir também para definir as vivências de cada qual em situações limites. “Eu vou onde a coruja dorme…” foi a frase adotada pelo cantor e compositor Bezerra da Silva, para definir seu tortuoso e sofrido processo de trabalho para se firmar no meio musical. Com seu jeito malandro desde o início da carreira, o festejado artista percorria os morros e recantos da Baixada Fluminense gravando sambas de jovens desconhecidos e buscando inspiração para encantar com a sua música o público brasileiro, com letras bem humoradas sobre o cotidiano das favelas.

Que a vida de goleiro não é fácil bem sabem aqueles que já levaram um frango vergonhoso nos acréscimos do segundo tempo. Em algumas situações, no entanto, tudo parece conspirar contra esses valorosos atletas responsáveis por manter o placar inalterado durante o jogo inteiro. Bola chutada de longe que entra “onde a coruja dorme” nem de longe constitui um frango, apenas uma circunstância favorável ao atacante e adversa a qualquer goleiro.
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  

Célio Simões de Souza é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

Fontes:
Uruá Tapera. 10 junho 2024.
https://uruatapera.com/onde-a-coruja-dorme/
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

sábado, 28 de dezembro de 2024

Edy Soares (Fragata da Poesia) 69


= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = = = = = =  
Edy Soares (Edmardo Lourenço Rodrigues), nasceu na cidade de Ibatiba/ES, em 1964. Filho de pais agricultores. Viveu nos Estados Unidos entre 1991 e 2006. Regressando ao Brasil dedicou-se, além do seu trabalho de rotina, ao seu acervo de poemas e composições de canções. Classificado em vários concursos literários, nacionais e internacionais, de Sonetos, trovas e outros gêneros, identifica-se principalmente como sonetista clássico e trovador. Participação em várias feiras literárias e na Bienal Capixaba do Livro. Empresário no ramo hoteleiro, com o Fragata Hotel, em Guarapari/ES. Reside em Vila Velha/ES. Membro fundador da Academia Brasileira de Sonetistas (ABRASSO), Academia Pan-Americana de Letras e Artes (APALA), Academia Ibatibense de Letras e Artes, Confraria Brasileira de Letras, entre outros. Livros publicados: “Poemas Canções e Sonetos”, “Flores no Deserto”,  “Sonetos Sonantes”, co-autor do livro “Três em Trovas”.